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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Tecnologia e Ciências Instituto de Geografia. Ciro Marques Reis

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Tecnologia e Ciências Instituto de Geografia

Ciro Marques Reis

Por uma nova geopolítica para o petróleo brasileiro: o caso do pré-sal

Rio de Janeiro

2016

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Ciro Marques Reis

Por uma nova geopolítica para o petróleo brasileiro: o caso do pré-sal

Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Área de concentração: Gestão e Reestruturação do Espaço Geográfico.

Orientadora: Prof.a Dra. Mônica Sampaio Machado

Rio de Janeiro 2016

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CATALOGAÇÃO NA FONTE

UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CTC/C

Bibliotecário Responsável: Taciane Ferreira da Silva – CRB-7/6337

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese, desde que citada a fonte.

_____________________ _____________________ _______________

Assinatura Data

R375 Reis, Ciro Marques.

Por uma nova geopolítica para o petróleo brasileiro: o caso do pré-sal / Ciro Marques Reis. – 2016.

297 f.: il.

Orientadora: Mônica Sampaio Machado.

Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Geografia.

Bibliografia .

1. Indústria petrolífera – Política governamental - Brasil – Teses. 2. Indústria Petrolífera – Política econômica – Brasil – Teses. 3. Geopolítica – Brasil – Teses. 4. Petróleo – Brasil – Teses. 5. Pré-sal – Teses. I.

Machado, Mônica Sampaio. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Geografia. III. Título.

CDU 665.6(81)

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Ciro Marques Reis

Por uma nova geopolítica para o petróleo brasileiro: o caso do pré-sal

Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Área de concentração: Gestão e Reestruturação do Espaço Geográfico.

Aprovado em 07 de junho de 2016.

Banca Examinadora:

_____________________________________________________

Prof.ª Dra. Mônica Sampaio Machado(Orientadora) Instituto de Geografia – UERJ

_____________________________________________________

Prof.ª Dra. Maria Teresa Toríbio Brittes Lemos Instituto de Filosofia e Ciências Humanas –UERJ

_____________________________________________________

Prof. Dr. Eli Alves Penha Instituto de Geografia – UERJ

_____________________________________________________

Prof. Dr. André Roberto Martin Universidade de São Paulo - USP

_____________________________________________________

Prof. Dr. Igor Fuser

Universidade Federal do ABC – UFABC

Rio de Janeiro 2016

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RESUMO

REIS, Ciro Marques. Por uma nova geopolítica para o petróleo brasileiro: o caso do pré-sal. 2016. 297f. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geografia,

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,2016.

A partir da descoberta de grandes reservas de petróleo e gás na camada pré-sal da plataforma continental brasileira, vislumbrou-se que o país poderia entrar para o rol dos grandes exportadores de petróleo, e que tal condição garantiria a elevação do patamar econômico e social no nível doméstico, como também uma maior projeção geopolítica no mundo. O objetivo central da presente tese é demonstrar que uma produção em larga escala com o objetivo de tornar o Brasil um grande exportador líquido de petróleo bruto, poderá tornar economia e sociedade mais instáveis, não rompendo com o velho modelo primário-exportador brasileiro, de inserção periférica, geopoliticamente frágil, na economia mundo. Para o desenvolvimento da pesquisa foi feita inicialmente uma discussão sobre a Geopolítica, assim como a reconstrução do tema do petróleo no Brasil a partir de uma abordagem geo-histórica, para chegarmos, finalmente, aos panoramas político e histórico atuais. A partir deste ponto, foram elaborados estudos analíticos dos cenários geográfico e geopolítico do petróleo no mundo, e mapeados os efeitos da volatilidade do “geopolítico preço internacional do petróleo” nos países. Além de um amplo estudo sobre as reservas do pré-sal, suas potencialidades, seu estágio atual, o debate sobre o regime de partilha, e a Petrobras.

Em paralelo foi feito um amplo levantamento do atual estágio da matriz energética brasileira e de todos potenciais insumos energéticos e fontes de geração de energia do território nacional. Como resultado verificou-se que basear a economia, mesmo parcialmente, na exportação de petróleo, está mais ligado a uma lógica corporativa desterritorializada, que afronta as soberanias, e que busca a espoliação dos recursos naturais, em detrimento de uma lógica territorial, onde natureza e sociedade caminhem em equilíbrio. Não há histórico de país com as dimensões brasileiras que tenha elevado seu nível socioeconômico através da exportação de petróleo. Concluímos, diante dos resultados, que a melhor forma de aproveitamento das riquezas do pré-sal, está no seu uso soberano, democrático, sem atropelos, “para dentro”. O petróleo, é mais um insumo, dentro de um imenso leque de opções energéticas que só o Brasil possui no mundo, logo, seu uso pode ser coordenado com outras fontes de energia. Precisamos de uma nova geopolítica para o petróleo do pré-sal, que garanta o seu uso sustentável e soberano.

Palavras-chave: Petróleo. Pré-sal. Geopolítica. Geografia. Brasil.

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ABSTRACT

REIS, Ciro Marques. For a new geopolitics for Brazilian oil: the case of pre-salt.

2016. 297f. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,2016.

From the discovery of large oil and gas reserves in the pre-salt layer of the Brazilian continental shelf is envisioned that the country could join the ranks of major oil exporters, and that such a condition would ensure a high social and domestic economic level, as well as greater geopolitical projection in the world. The main objective of this thesis is to demonstrate that a large-scale production in order to make Brazil a major net exporter of crude oil, could make unstable his economy and society, not breaking with the old Brazilian primary export model, peripherally inserted, and geopolitically fragile, in the world economy. For the development of the research was initially made a discussion about geopolitics, as well as the oil theme reconstruction in Brazil from a geo-historical approach, to reach finally the political panoramas and current history. From this point, analytical studies of geographical and geopolitical oil scenarios were developed in the world, and mapped the effects of volatility "geopolitical international oil prices" in the countries. In addition to a comprehensive study on the pre-salt reserves, its potential, its current stage, the debate on the Brazil's oil and gas regulatory framework (Production Sharing Agreements), and Petrobras. In parallel it was made a comprehensive study of the current stage of the Brazilian energy matrix and all potential energy inputs and sources of the country power generation. As a result it was found that basing the economy, even partially, on oil exports, it’s more close to a deterritorialized business logic, which affront sovereignties, and seeks the plundering of natural resources, rather than a territorial logic, where nature and society walk in balance. No country in the history, with Brazilian dimensions, has raised its socioeconomic level through oil exports.

In conclusion from the results, we believe the best way to use the pre-salt wealth is linked to democratic and sovereigne use. Without greediness. To "inside". Oil is only another resource, in a huge range of energy options that only Brazil has in the world, your utility should be coordinated with other energy sources. We need a new geopolitics for oil pre-salt, to ensure its sovereignty and sustainability.

Keywords: Oil. Brazilian Pre-Salt. Geopolitics. Geography. Brazil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 08

1 CONSIDERAÇOES SOBRE GEOPOLÍTICA... 17

1.1. Ascensão e queda da Geopolítica: o Estado como ator privilegiado... 22

1.2 Exorcizando velhos fantasmas: geopolítica e globalização... 33

2 O PETRÓLEO BRASILEIRO: UMA GEO-HISTÓRIA... 50

2.1 Às margens do rio Maraú: o petróleo no Brasil Imperial... 52

2.1.1 Comércio do petróleo ao final do século XIX... 58

2.2 De Bofete a Lobato: existe petróleo no Brasil! ... 61

2.2.1 Comércio do petróleo em meados do séculoXX ... 73

2.3 Da criação da Petrobras à quebra do monopólio 45 anos depois ... 77

3 A GEOGRÁFICA ATUAL DO PETRÓLEO NO MUNDO... 106

3.1 Reservas e produção... 107

3.1.1 Reservas: crescimento a partir da novas fronteiras exploratórias... 107

3.1.2 Produção: torneiras abertas ao máximo ... 110

3.2 Consumo: quanto mais emergente, mais barris ... 113

3.3 Refino: quem não tem petróleo que refine! ... 119

3.4 NOCs versus IOCs: o petróleo é estatal ... 123

4 O PRÉ-SAL BRASILEIRO... 131

4.1 O novo Marco Regulatório do petróleo brasileiro de 2010... 133

4.1.1 Principais leis do novo Marco Regulatório do petróleo ... 139

4.1.2 O que é o pré-sal hoje? ... 144

5 CENÁRIOS GEOPOLÍTICOS... 153

5.1 O preço do petróleo... 153

5.1.1 Quem ganha e quem perda com a queda do preço do petróleo?... 154

5.1.2 O preço do petróleo como instrumento de poder... 158

5.2 A emergência energética na América do Norte... 166

5.2.1 O petróleo e gás do xisto norte-americano... 168

5.2.2 As areias betuminosas do Canadá... 190

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6 PRÉ-SAL: POR UM USO SOBERANO E EQUILIBRADO... 205

6.1 Exportar ou consumir? A fragilidade dos “petro-Estados”... 205

6.2 O pré-sal e a diversificação da matriz energética nacional... 214

6.2.1 A matriz energética brasileira... 214

6.2.1.1 A diversificação da matriz energética brasileira... 215

6.2.1.2 O petróleo e o gás natural na matriz elétrica nacional ... 216

6.2.1.3 Cenários energéticos: 220 mil MW na matriz elétrica em 2030 ... 218

6.2.1.4 Vento e cana-de-açúcar: a ascensão das fontes limpas e renováveis... 220

6.2.1.5 A opção pelo rodoviarismo e os biocombustíveis ... 222

6.2.1.6 Fontes: petróleo, hidráulica, gás natural, nuclear e carvão mineral ... 225

6.2.1.7 Pré-sal, a segurança energética, e as mudanças climáticas ... 229

6.3 A procura de uma geopolítica para o pré-sal... 232

6.3.1 O pré-sal e a política externa do Governo Lula ... 232

6.3.2 Um erro estratégico no natural uso geopolítico da Petrobrás... 236

6.3.3 O pré-sal e o Atlântico Sul: por uma agenda meridionalista... 239

6.3.4 O pré-sal no projeto de integração energética sul-americana ... 251

CONCLUSÃO...265

REFERÊNCIAS... 271

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INTRODUÇÃO

O OBJETO DE PESQUISA E A HIPÓTESE DE INVESTIGAÇÃO

Em Novembro de 2007, o governo brasileiro anunciou oficialmente a descoberta de uma grande reserva de petróleo no campo de Tupi (atualmente Lula), na bacia de Santos, a 250 quilômetros da costa, e a mais de seis mil metros de profundidade, na camada pré-sal da plataforma continental brasileira, indicando valores de recuperação de 5 a 8 bilhões de barris de óleo leve. Números significativos para um país que ostentava naquele ano aproximadamente 12 bilhões de barris de reservas provadas de óleo cru. Apenas Tupi significaria um incremento de aproximadamente 50% nas reservas nacionais, além de adicionara estas, maior valor agregado em virtude de possuir um óleo mais leve do que a média do produzido no Brasil. Novos testes confirmaram a existência de outras acumulações gigantes de óleo e gás no polígono do pré-sal (ver figura 1), superlativando os números futuros das reservas nacionais, e fomentando discursos e debates relativos à forma mais adequada de lhe dar com uma extraordinária reserva do insumo energético mais estratégico do planeta.

Figure 1 – Polígono do pré-sal

Fonte: www.anp.gov.br

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Tratando-se de gigantes jazidas de petróleo, que se confirmadas as potencialidades, podem catapultar as reservas brasileiras dos atuais 13 bilhões de barris para significativos 80 bilhões1, reservando ao Brasil um lugar no seleto grupo dos 6 países com as maiores reservas de petróleo do mundo, o pré-sal passou euforicamente a ser visto e divulgado como “um bilhete premiado” ou “um passaporte para futuro”, uma oportunidade histórica para o saneamento dos vários gargalos e atrasos nacionais e como importante instrumento de projeção de poder do Brasil no mundo. A importância do petróleo voltava ao debate nacional, numa espécie de versão moderna da campanha “O Petróleo é Nosso”.

De fato, o petróleo é o recurso energético primário mais importante dos séculos XX e XXI. Nenhum outro recurso natural penetrou com tanta capilaridade e variedade de usos na construção da sociedade moderna, ou teve papel tão fundamental e transformador quanto o petróleo. O processo de industrialização e urbanização mundial, a despeito de suas diferenciações regionais e temporais ao longo dos últimos 100 anos, esteve baseado nas inúmeras utilizações do petróleo e de seus derivados. Fazemos uso de medicamentos, vestimos roupas, utilizamos materiais plásticos, construímos nossas casas, nos locomovemos por terra, mar e ar, e até fazemos uso cosmético de produtos derivados de petróleo. Fertilizantes e pesticidas são fundamentais na produção agrícola e também estão conectados aos avanços da petroquímica que possibilitaram os mais variados usos dos derivados de petróleo na sociedade, inclusive na composição de alimentos processados como chocolates e chicletes2.

Dentre as fontes primárias da matriz energética mundial,o petróleo é a principal com 32% de participação, a frente do carvão, e do gás natural, sendo a base energética da sustentação e do desenvolvimento econômico de países altamente industrializados como Japão e EUA e de emergentes como o Brasil. Sua utilização está em larga

1Estimativa média apontada desde o inicio dos debates sobre o pré-sal. Com o avançar da exploração no polígono do pré-sal, mais dados e informações forneceram maiores possibilidades de estimativas menos imprecisas. Em recente artigo intitulado “Assessment of yet-to-find-oil in the Pre-Salt area of Brazil” apresentado na 14º Congresso Internacional da Sociedade Brasileira de Geofísica (3-6 de agosto de 2015), Jones & Chaves (pesquisadores do Instituto Nacional de Óleo e Gás (INOG) da UERJ) sustentam a projeção conservadora de reservas recuperáveis que podem chegar a 176 bilhões de barris de óleo equivalente (90% de chance, com fator de recuperação de 30%).

Estimativa menos conservadora do mesmo estudo aponta para reservas recuperáveis de 273 bilhões de barris equivalentes (10% de chance).

2Um dos derivados do petróleo, é a parafina de teor alimentício (food grade), utilizado em larga escala na indústria de alimentos processados.

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medida associada aos sistemas de transportes comerciais e militares por todo globo terrestre, e à universalização do uso do automóvel particular como meio de transporte predominante no hábito urbano - a opção pelo rodoviarismo.

Por tais considerações fica evidente que a segurança energética, militar, econômica e mesmo social das nações em geral, sejamde países industrializados desenvolvidos, de potências emergentes,ou de países pobres, perpassa pela questão de seter acesso ou não ao petróleo, e pela capacidade técnica e financeira de torná-lo um instrumento de poder, esteja o recurso em seu território ou fora dele.E quando em seu território, pela capacidade de protegê-lo, pela diplomacia ou pela força, dos interesses estrangeiros. Tal afirmação é corroborada pela história, e pelas inúmeras guerras, conflitos e tensões oriundas de políticas externas agressivas implementadas por potências industriais ao longo de todo século XX, visando à segurança energética, o controle das fontes de petróleo e a consequente garantia de suprimento ininterrupto. A expansão geográfica do imperialismo na primeira metade do século XX esteve fortemente associada à necessidade de obtenção de petróleo.

As localizações das reservas de petróleo associadas aos fluxos de demandas acabaram por construir um complexo quadro de interesses divergentes e complementares entre países consumidores e países produtores de petróleo, campo fértil para análises geopolíticas. E neste sentido, a geografia do petróleo, e particularmente de suas reservas, sempre esteve tradicionalmente ligada e influenciada de forma importante e decisiva, pelo ambiente político e econômico do Oriente Médio, do norte da África, e dos países membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). A histórica centralidade destas regiões e da OPEP nas questões ligadas ao petróleo é inegável (YERGIN, 2012). No entanto, impulsionados por avanços técnicos que possibilitam a exploração e produção de petróleo de fontes não convencionais, novos atores começam a desenhar uma nova geografia do petróleo no mundo no início do século XXI.

O pré-sal brasileiro está entre as “novidades” do século XXI neste complexo tabuleiro da geopolítica mundial do petróleo, ao lado de transformações relevantesdo mundo na atualidade, como o crescimento das economias chinesa e indiana, o renascimento energético norte-americano proporcionado pelo óleo e gás de xisto, a

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política energética russa na Eurásia, e o aumento das reservas mundiais de petróleo através de fontes não conveniais em outras regiões do mundo. Relativamente novos são também os debates sobre a mudança na matriz energética mundial, a importância crescente das discussões sobre as mudanças climáticas, e as políticas voltadas para eficiência energética e redução da emissão de gases de efeito estufa. Pertencem a esse mosaico, a já consolidada participação majoritária de companhias estatais de petróleo (NOCs) no controle das reservas mundiais de petróleo, bem como a permanência no jogo das transnacionais privadas do petróleo (IOCs), pelas suas abrangências geográficas e por representarem os interesses de países poderosos no cenário petrolífero mundial, e o permanente estado de tensão no Oriente Médio e o no Norte da África.

Assim, frente à complexidade e à crescente concorrência no cenário mundial do petróleo em transição, quais seriam as implicações para o Brasil no campo geopolítico mundial, caso o país consiga desenvolver toda a potencialidade do pré-sal? O pré-sal brasileiro representa, nesse sentido, uma riqueza/recurso fundamental para o Brasil no jogo geopolítico internacional?

Pode-se observar que a pretensão de se traduzir o cenário atual a partir de um quadro tão instável e dinâmico, guarda enorme complexidade, mas partimos da convicção de que o pensamento estratégico é instrumento essencial para o planejamento e para a segurança energética de qualquer país que se pretenda sujeito de sua própria história.E por isso mesmo, nos dedicamos a esse tema, pelo entendimento de que tanto a Geopolítica, e de uma forma mais ampla, a Geografia não podem estar à margem dessa discussão.

Tem-se como tese central que a utilização de uma lógica de produção em larga escala para o mercado externo que vise à mera mercantilização do pré-sal com o objetivo de tornar o Brasil um grande exportador líquido de petróleo bruto, não se converterá em um instrumento de poder seguro e eficaz para garantir ao Brasil, uma projeção geopolítica estável no mundo, pois, tal opção reforçaria o velho modelo primário-exportador brasileiro, que estaria fortemente exposto à geopolítica do preço internacional do petróleo.

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Por complemento, defende-se que o uso democrático e responsável do pré-sal, deve estar integrado às outras fontes de energia existentes no território nacional. Nesta condição, como representante maior de um mix energético,a riqueza do pré-sal será importante para o fortalecimento da posição brasileira como líder regional na América do Sul, algo que a sua própria geografia já lhe imputa pela grandeza territorial, peso populacional, estágio de desenvolvimento econômico, e posição geográfica, assim como, sua projeção sobre o Atlântico Sul,na construção de uma geopolítica meridionalista que reforce as relações Sul-Sul, e que acabe por revelar ao Brasil o seu lugar no mundo.

Mais importante do que uma alardeada posição de grande exportador de óleo cru no futuro, o que a história vem demonstrando não garantir a países que sustentam tal condição, melhorias na qualidade de vida de suas populações, e que tão pouco rompe com o modelo de inserção periférica dependente, baseado na exportação de produtos primários, será a habilidade brasileira na gestão responsável do pré-sal em equilíbrio com o variado mix de fontes energéticas existentes no território nacional. Essa variada gama de recursos energéticos (petróleo, gás natural, recursos hídricos, urânio, biomassa, fontes eólica e solar), reserva ao Brasil uma vantagem estratégica extraordinária, que se bem administrada servirá de blindagem às oscilações da geopolítica dos recursos energéticos mundiais, como a guerra de preços do petróleo, por exemplo.

Por sua importância estratégica para as nações, a análise da geografia e da geopolítica das questões em torno do petróleo se converte em tema de suma importância. Alterações no cenário mundial de petróleo exercem impactos significativos nas economias nacionais, provocando reestruturações legais e reorganizações espaciais em várias escalas. Especificamente, o estudo das possibilidades comerciais, econômicas, políticas, sociais e espaciais advindas das atividades de exploração e produção do petróleo oriundo do pré-sal brasileiro, contribuirá para o adensamento do debate, ainda recente na Geografia, sobre como as riquezas do pré-sal impactarão na posição ocupada pelo Brasil no quadro dos países possuidores de grandes reservas, e quais os desdobramentos desse processo.

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O novo Marco Regulatório do setor petrolífero adotado pelo Brasil em 2010, que garante o monopólio3 da gestão do petróleo do pré-sal ao Estado brasileiro foi o mais forte indicativo do conjunto de reajustes que nortearão a política brasileira para o pré-sal pelos próximos anos, que vai da preocupação com o conteúdo nacional no desenvolvimento da infraestrutura necessária da cadeia produtiva do petróleo em território nacional, ao fortalecimento da posição internacional do Brasil. Tais iniciativas geraram perenes tensões entre os interesses das grandes corporações privadas internacionais do setor petrolífero e o Estado brasileiro, expressas em última instância no debate político partidário interno, capitaneado por um lado pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)4 de agenda econômica liberal e crítico do sistema de partilha nas reservas do pré-sal, e por outro lado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), governista, de agenda estatal desenvolvimentista, que investe no pré-sal como elemento estratégico para o desenvolvimento regional, e para um posicionamento internacional menos periférico. De forma ampla uma tensão entre a lógica capitalista e a lógica territorial.

Tais considerações justificam a escolha temática apresentada em virtude de sua relevância e atualidade, bem como pela necessidade de analisar o tema do pré-sal brasileiro sob o ponto de vista geográfico.Relação ainda pouco desenvolvida se comparada com outras áreas das ciências humanas, a destacar o Direito, com trabalhos em grande medida dedicados à questão dos royalties, e a Ciência Política e as Relações Internacionais, ambas atentas aos conflitos de poder, às negociações e aos acordos internacionais, tendo como pivô central o petróleo. Vale ressaltar, seguindo a tese do geógrafo André Roberto Martin5, que a temática é também importante, por se

3Não há um monopólio clássico, pois há abertura para participação de companhias privadas, nacionais ou estrangeiras, mas sim um monopólio da gestão do óleo do pré-sal, já que a União, através da Petrobras como operadora única, controla a exploração e a produção do pré-sal.

4Projeto de Lei do Senado Federal nº131, de 2015 de autoria do Senador do PSDB José Serra defende a revogação da participação obrigatória da Petrobras no pré-sal, bem como sua participação mínima nos consórcios. Sobre o tema consultar: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120179 5O geógrafo da USP André Roberto Martin desenvolve uma abordagem meridionalista de projeção de poder do Brasil no mundo onde a análise geográfica e geopolítica ocupam importante papel para compreensão da arquitetura do poder mundial e para a constatação das possibilidades geopolíticas brasileiras no Hemisfério Sul. Tal concepção está presente também nos trabalhos de Eli Alves Penha, geógrafo da UERJ, quando analisamos o lugar que a geopolítica do atlântico sul ocupa em suas contribuições teóricas, a destacar Relações Brasil-África e Geopolitica do Atlântico Sul (2011).

Contribuições anteriores na geopolítica foram feitas por Therezinha de Castro, com o mesmo olhar para o

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colocar num campo que procura reaproximar a Geografia de temas estratégicos voltados a preocupação com a soberania nacional, com o desenvolvimento econômico do país, e com o lugar que o Brasil pretende ocupar na geopolítica mundial.

A Geografia não pode ficar à margem dos debates sobre os grandes temas nacionais, atualmente dominado pelo viés economicista, quase sempre distante da realidade social e das relações entre espaço e poder. E a abordagem geopolítica aqui assumida é aquela voltada para a compreensão relacional do espaço, de seus fluxos de poder, em um tabuleiro de múltiplos atores e suas variadas estratégias de influência sobre a gestão dos territórios e de seus recursos estratégicos, uma geopolítica em tempos de globalização. Que, como veremos, não cabe em um único rótulo teórico, mas que de forma alguma significa a superação das interpretações das teorias clássicas. A geopolítica do petróleo precisa considerar as estratégias espaciais, militares, econômicas, comerciais e culturais dos múltiplos agentes que compõem o cenário de poder mundial. A guerra tradicional de ocupação territorial e aquelas travadas no ciberespaço, as sanções financeiras e comerciais e a aculturação, os acordos econômicos e a cooptação política de quadros legislativos estrangeiros, são estratégias geopolíticas que atuam concomitantemente na disputa pelo petróleo mundial.

Esta tese foi organizada em 6 capítulos. O Capítulo 1 tem por finalidade construir uma discussão teórica sobre o conceito de geopolítica, desde suas concepções iniciais, em especial a escola alemã, até as suas novas abordagens conceituais, passando por sua íntima relação com o território como um dos conceitos-chave da Geografia, e particularmente, com o conceito de território nacional, como base espacial da ação política e de projeção de poder do Estado, correlacionado essas questões de cunho teórico com o tema do petróleo e do pré-sal. No Capítulo 2, o objetivo se prendeu a construção de uma geo-história do petróleo brasileiro. Do marco inicial a busca pelo petróleo comercialmente viável em território nacional, e como norte, o advento do pré- sal brasileiro e a mudança no marco legal. No Capítulo 3, passamos a expor a atual distribuição geográfica do petróleo, apresentando no sentido upstream-downstream a

Sul, correlacionado o espaço meridional com a geopolítica através de trabalhos sobre Antártida e a África por exemplo. Já Bertha Becker se aproxima da concepção supracitada pela ótica do resgate da

geopolítica como campo de conhecimento estratégico para compreensão do mundo atual.

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organização espacial das reservas provadas, da produção, do consumo e das atividades de refino no mundo, por países e regiões, e também grandes companhias transnacionais de petróleo, a fim de enquadrar o real significado do pré-sal no contexto da indústria do petróleo mundial. No Capítulo 4, busca-se apresentar o pré-sal brasileiro em todos os seus aspectos, da produção às reservas, do Marco Legal às atuais discussões sobre os regimes fiscais, através de uma análise geopolítica que leva em consideração os aspectos geográficos, econômicos, regulatórios e políticos que acompanham o tema do pré-sal desde sua descoberta. No Capítulo 5, é feita uma análise do cenário geopolítico atual, com atores emergentes e tradicionais numa complexa disputa por mercados e espaços políticos. Foi utilizado como fio condutor dessa descrição, o preço internacional do petróleo, e seu uso geopolítico. E finalmente no Capítulo 6, nos dedicamos à discussão sobre as escolhas que o Brasil tem pela frente, e como o pré-sal pode interferir nas projeções geopolíticas nacionais. Tratar o petróleo como mercadoria para exportação ou riqueza social? Adotar um entendimento do uso responsável do petróleo dentro do mix energético plural e diverso que o Brasil dispõe? E finalmente discutir as relações de política externa, os conflitos entre uma lógica capitalista e uma lógica territorial, e como o país poderá criar mecanismos diante de desafios até maiores que o pré-sal, como a Amazônia Azul. Será abordada a temática do processo de integração energética sul-americana, e se o pré-sal é importante neste contexto. Além de discutirmos qual a melhor geopolítica a ser adotada pelo Brasil no contexto atual do cenário mundial, para melhor aproveitar e proteger a riqueza do pré-sal.

Para realização desta tese optamos por uma abordagem geo-histórica, e uma concepção de geopolítica sem amarras, aberta às questões econômicas, políticas, culturais, ambientais e sociais, que não nega o ainda presente realismo nas questões de poder entre as nações, mas que também se molda às novas formas do exercício do poder, que são hoje plurais e de várias intensidades. Optamos também por um olhar crítico em relação à distribuição do poder mundial expresso em sua forma macro na divisão do mundo em países ricos e países pobres e em desenvolvimento – a divisão Norte-Sul. Esta ideia permeará todo o trabalho, por um entendimento claro, que os

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temas relacionados com as alternativas de desenvolvimento, e acesso a um lugar melhor no sistema mundo, são caros ao Brasil.

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1 CONSIDERAÇÕES SOBRE GEOPOLÍTICA

“A geopolítica sempre se caracterizou pela presença de pressões de todo tipo, intervenções no cenário internacional desde as mais brandas até guerras e conquistas de territórios. Inicialmente, essas ações tinham como sujeito fundamental o Estado, pois ele era entendido como a única fonte de poder, a única representação da política, e as disputas eram analisadas apenas entre os Estados. Hoje, esta geopolítica atua, sobretudo, por meio do poder de influir na tomada de decisão dos Estados sobre o uso do território, uma vez que a conquista de territórios e as colônias tornaram-se muito caras.” (BECKER, 2005, p. 71)

Em conferência do mês do Instituto de Estudos Avançados da USP, realizada em abril de 20046, Bertha Becker sintetizou de forma precisa as transformações nas abordagens analíticas da geopolítica, desde o seu nascimento, na virada do XIX para o XX, até a atualidade, quanto ao papel ocupado pelo Estado nas teorias de análise nessa área de estudo. E este primeiro capítulo tem esta finalidade, construir uma discussão teórica sobre o conceito de geopolítica, desde suas concepções iniciais, em especial a escola alemã, até as suas novas abordagens conceituais, passando por sua íntima relação com o território como um dos conceitos-chave da Geografia, e particularmente, com o conceito de território nacional, como base espacial da ação política e de projeção de poder do Estado.

Tal empreitada se faz necessária no presente trabalho, pois as relações de poder estabelecidas na geopolítica do petróleo mundial amalgamam agentes diversos e interesses específicos e conflitantes.As tensões entre os Estados-nacionais na busca por recursos energéticos no que tange ao acesso, controle e comércio de petróleo são o maior exemplo, mas não o único.O que dizer sobre o papel histórico desempenhado pelas grandes empresas privadas internacionais do setor petrolífero e sua relação conflituosa com países produtores e possuidores de grandes reservas de petróleo?Ou das ações políticas de grupos em defesa do meio ambiente na atualidade, em oposição às atividades exploratórias de petróleo em regiões como o Ártico? Agentes tradicionais e novos compondo um novo quadro de forças global em torno da gestão do petróleo.

6Publicado em 2005 na Revista de Estudos Avançados em 2005, com o título Geopolítica da Amazônia.

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Desta forma, evidenciasse que a esta complexa rede de poder pertence também toda uma gama de agentes sociais, políticos, culturais e econômicos, atuantes em variadas escalas espaciais,que geram e sofrem impactos sobre, e advindos, da geopolítica do setor petrolífero.Organizações internacionais e intergovernamentais, sindicatos de trabalhadores e patronais, gestores de políticas públicas de todas as esferas do poder, universidades, sistema financeiro,cidades, regiões, populações indígenas e tradicionais, organizações setoriais da economia, associações civis,consórcios intergovernamentais, organizações não governamentais ligadas à cultura, religião, ao trabalho, ao desenvolvimento social e às preocupações com meio ambiente, isoladamente, como partes conflitantes, ou sob uma mesma agenda, são atores geopolíticos contemporâneos atuantes, como agentes influenciadores na densa rede política da indústria do petróleo mundial.

As interfaces entre a indústria do petróleo e esses agentes geopolíticos são diversas, pois a primeira gera impactos igualmente variados, e intensos: no processo de (des)regulação, nas relações de trabalho, no comportamento da oferta de emprego, na indicação do nível da qualidade da mão-de-obra, nas formas do uso da terra, na estruturação fundiária, na especulação imobiliária, no crescimento acelerado e desordenado das cidades, nos fluxos migratórios, na refuncionalização dos espaços rurais e urbanos, nos setores de atividade econômica, no meio ambiente, entre outros.

E tais impactos estão atualmente conectados a uma lógica global, e fortemente influenciados por uma commodity energética altamente estratégica e vital para a maioria dos países.

Na escala global o petróleo tem sido o pivô de guerras, sanções comerciais, acordos bilaterais, ingerência política estrangeira e guerra de preços, que atuam verticalmente, atravessando escalas espaciais e níveis de gestão territorial até chegar ao espaço local, gerando os impactos supracitados. O aumento ou a queda do preço do petróleo, resultante da guerra de preços, instrumento clássico da geopolítica do petróleo, que tem como uma de suas origens principais a tensão macro entre países produtores e países consumidores7, é um perfeito exemplo da conexão entre as esferas

7A guerra de preços da indústria do petróleo pode ter como contendores países produtores em disputa por fatias do mercado mundial, como também firmas, pelo mesmo motivo.

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global e local, e de como estratégias geopolíticas voltadas para o embate internacional entre atores de peso podem afetar a mais diminuta região do planeta dependente direta ou indiretamente da cadeia produtiva do petróleo8.

Revela-se assim, que o conceito tradicional de território na geopolítica, intimamente ligado à figura do Estado-nação (expressão política e espacial, de um momento histórico de afirmação e conformação do próprio Estado,das suas fronteiras, e de políticas de expansão de seus limites espaciais) não traduz a capilaridade contemporânea das relações de poder estabelecidas entre agentes diversos, através de fluxos multidirecionais que intercruzam escalas espaciais variadas, ignorando fronteiras e desafiando o controle territorial do Estado.

Ocorre, como consequência direta, a própria revisitação e ressignificação do conceito de geopolítica, na medida em que o território, como unidade política, antes base sólida de projeção da ação geopolítica do Estado, fragmentou-se, tornou-se plural, assumiu múltiplas dimensões expressas em variadas territorialidades. O solo sob o qual repousou e floresceu a geopolítica clássica,localizado temporalmente no final do século XIX e na primeira metade do século XX, onde o Estado era visto como ator fundamental e o controle territorial a materialização de seu poder geopolítico, profundamente vinculada a uma lógica imperialista, tornou-se movediço em tempos de globalização.

Assumisse aqui a superação de uma “concepção unidimensional do poder”

(Estado = Poder), na qual, segundo Claude Reffestin (1993), o Estado, compreendido como ator privilegiado e principal ordenador do território, acaba por sublimar uma

8Macaé, no Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro tem sido uma das cidades mais analisadas em estudos sobre os impactos socioespaciais da indústria do petróleo no Brasil por ser a principal base territorial da indústria de petróleo que se instalou na Bacia de Campos, RJ na década de 1970. Jacob Binsztok em artigo intitulado “Exploração do petróleo e modificações socioespaciais em Macaé: dilemas e perspectivas” (MONIÉ & BINSZTOK: Geografia e Geopolítica do Petróleo, 2012), conclui pela

vulnerabilidade socioambiental de Macaé diante da dependência dos royalties do petróleo. Também Rosélia Piquet e Rodrigo Valenta Serra (2007) organizadores do livro “Petróleo e Região no Brasil: o desafio da abundância” trazem contribuições sobre os impactos da indústria do petróleo em variadas escalas domésticas. A coletânea apresenta trabalhos que vão do elo entre petróleo e região, passando pelos impactos junto aos Estados, até as esferas locais, onde são analisadas municipalidades do semi- árido Potiguar, e do Norte Fluminense, com destaque para Macaé (MOTA, A, et al: Impactos

socioeconômicos e espaciais da instalação do polo petrolífero em Macaé, RJ) onde são tratados temas como urbanização processos demográficos, trabalho e renda. A estes se somam grande número de artigos, trabalhos em anais de congresso, dissertações e teses. Recentemente o Município de Itaboraí (RJ) passou a concentrar atenção de pesquisadores em virtude das obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ) e seus impactos sobre o território. As oscilações do preço do petróleo impactam na receita, e consequentemente no comportamento dessas economias locais.

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intensa teia de relações de poder. É oportuno ressaltar, que em tempos de pressões econômicas de caráter liberal na economia, cada vez mais intensas sobre os Estados, acompanhadas de leituras que apontam a “erosão do Estado como forma política”

(Rangel, 2012),visto em obras de grande repercussão como em Huntington (1996) – O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial - que desloca o protagonismo da política mundial para a esfera da cultura e das relações de poder entre civilizações, e Fukuyama (1992) – O Fim da História e o Último Homem – que aponta a supremacia (e a inexorabilidade) do liberalismo econômico sobre o político, e suas formas tradicionais de ordenamento do mundo, não há aqui nenhuma defesa ou abandono do Estado como importante objeto analítico da geopolítica, e da geografia política. Nem tão pouco negar o papel fundamental, ainda desempenhado pelos Estados-nacionais, seja na organização doméstica do território, como também na disputa e organização do poder em escalas supranacionais.Seria um erro, não só pela força epistemológica do conceito nos estudos políticos e geográficos, mas também pela própria permanência (inércia ou maior duração), em escalas superiores e inferiores, de múltiplas formas de organização política do espaço, ou seja, de ordenação do território, advindas do exercício do poder estatal, que são particularmente sensíveis ao olhar geográfico. O próprio Huntington faz referências ao papel desempenhado pelos

“Estados-núcleos” nas relações internacionais, e de como ainda exercem, ao estilo da tradição realista nas relações internacionais, suas pressões de ordem financeira, militar, econômica, cultural, e, para o nosso recorte específico, territorial9 (Huntington, 1996, p.260).

Logo, deslocar o olhar da análise geopolítica para a esfera das relações de poder, não significa de forma alguma, retirar o Estado e suas estratégias de ordenamento e gestão do território desta equação.

9Para Huntington há prevalência das questões culturais. O exercício do poder estatal é resultante das tensões entre civilizações. Só ocasionalmente, a questão territorial se impõe e por consequência o Estado, quando expostos aos tipos de choque que o Autor classifica como (A) conflitos de linha de fratura, que pode ser entre Estados vizinhos de civilizações diferentes, ou de civilizações diferentes dentro o mesmo Estado (e aqui os exemplos clássicos: a fragmentação da União Soviética e também da Iugoslávia); (B) Conflitos de Estados-Núcleos, relacionados com as tensões entre os principais Estados de civilização diferente. Mesmo assim a questão territorial é encarada como a última a ser tipificada, e possui caráter ocasional. No topo do exercício do poder estariam a ONU, e as grandes instituições internacionais financeiras como o FMI, e o Banco Mundial.

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Da escola geopolítica determinista alemã (Geopolitik)onde, segundo Shiguenoli Miyamoto (1981, p. 77), a geografia determinava os destinos da nação, e, que teve como alguns de seus grandes expoentesFriedrich Ratzel (1844-1904), Rudolf Kjellén (1864-1922) e Karl Haushofer (1869-1946),passando por um período de ostracismo pós-Segunda Grande Guerra Mundial, quando para Wanderley Messias da Costa (2008, p. 222) a geopolítica passa a assumir um papel de “instrumento pseudocientífico”

quase que somente restrita a círculos militares10afastada da condição de ciência, e, após os anos 1970, com o resgate da perspectiva política como eixo de investigação geográfica comas abordagens geopolíticas de Yves Lacoste (197711 e 2003), Claude Raffestin (1980) e Bertha Becker (1988, 1995), a geopolítica percorreu uma trajetória oscilante, sendo suas teorias resultantes de seus contextos históricos, políticos, sociais e espaciais específicos.Desta forma, será apresentada uma breve recuperação dessa trajetória, ressalvando à circunscrição aos seus troncos principais, em especial a escola alemã, dado não ser possível, e nem ser o objetivo específico deste capítulo, cobrir a totalidade de teorias geopolíticas existentes, que são tantas quantas as interpretações dos mais variados intelectuais, da mais variadas áreas, nos mais variados períodos históricos, geraram.

Temporalmente optou-se por iniciar pelo período imediatamente anterior ao surgimento da geopolítica como disciplina, ao final do século XIX. Isso não significa o não reconhecimento e importância das obras de estrategistas e de teóricos de guerra e de Estado, em períodos anteriores e mesmo longínquos da história12,mas,sobretudo, a necessidade metodológica, e sempre frustrante (diante da riqueza de autores), de

10Para Costa, após o término da Segunda Guerra Mundial, com a derrota do nazi-fascismo, há também a derrocada das formulações geopolíticas que procuravam legitimar a política militar expansionista alemã, especialmente aquelas formuladas por Haushofer. Para o Autor, essa geopolítica excluída e distante da academia, “uma simples subsidiária da política estratégica”, encontraria abrigo nos regimes autoritários no Terceiro Mundo.

11A obra publica originalmente na França em 1976, foi traduzida e publicada primeiramente em Portugal em 1977, e publicada posteriormente no Brasil em 1989 com o título A geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra.

12Autores como Clausewitz (1780-1831) e sua obra “Da Guerra” (1832-1837), Maquiavel (1469-1527) e o

“O Príncipe” (1513), Sun Tzu com a “Arte da Guerra” (505-496 A.C.), e outros “proto-geopoliticos” que pensaram em estratégias de defesa, conquista e ordenação do território, refletiram, inclusive, sobre a importância de aspectos geográficos (tamanho e posição dos terrenos, aspectos dos relevos, recursos naturais), nessas questões. Seus nomes são recorrentemente citados em várias obras sobre geopolítica, como precursores da disciplina.

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estabelecer um recorte temporal voltado ao interesse específico deste capítulo em questão, dentro do contexto geral desta tese.

1.1 Ascensão e queda da Geopolítica: o Estado como ator privilegiado

A literatura é praticamente unânime ao atribuir a criação do termo Geopolítica ao cientista político sueco Rudolf Kjellén. O termo Geopolitiksurge uma única vez em “Die Großmächte der Gegenwart” (As Grandes Potências, 1905. p.39), quando o autor, no terceiro capítulo da obra, faz uma análise sobre a composição da nação francesa, e sua relação com o idioma:

“Volk. Entsprechend der Anweisung der Geopolitik erwarten wir auf der östlichen front stärkere Ausnahmen von der Einheit der Nation und finden auch außerhalb der Grenze hier 4 Millionen französischsprechender (3 in Belgien, 0,2 in Lothringen, 0,8 in der Schweiz), also eine "Gallia irredenta" von 10% des Stammes, die aber im ganzen nicht stark nach dem Sprachpol gravitieren. Die fremden Elemente im Lande betragen, selbst wenn man die stark patriotischen Bretagner und die Ausländer in den Städten mitrechnet, nicht einmal 9% der staatlichen Bevölkerung. Alles in allem ist die französische Nationalität einer der konzentriertesten auf der Welt und hat im Reiche im vollsten Sinne des Wortes ein eigenes Heim.”13(Grifo nosso)

Mas autores como Saul Bernard Cohen (Geopolitics of the World Sistem, 2003, p.11), e Joan Nogué Font & Joan Vicent Rufí (Geopolítica, Identidade e Globalização, 2006, p.60) referenciam o uso do termo pela primeira vez em 1899 e 1898, respectivamente, sem, no entanto, fundamentar a informação14. Berta Becker (2011, p.

277) não só lhe atribui à paternidade do termo como também a própria criação da Geopolítica como disciplina. Análise semelhante àquela desenvolvida por Wanderlei

13Tradução: Povo (Nação). Segundo os preceitos (instruções) da Geopolítica, esperamos no front oriental intensas exceções à unidade da Nação e encontramos também [aqui] fora dos limites das fronteiras 4 milhões de falantes da língua francesa(3 na Bélgica, 0,2 em Lorena e 0,8 na Suíça), ou seja, uma “Gallia irredenta” de 10% de um povo, a qual, no entanto, não gravita completamente segundo o polo linguístico.

Os elementos estrangeiros no país não contabilizam, mesmo incluindo os bretões fortemente patriotas e os estrangeiros nas cidades, nem ao menos 9% da população. Somando tudo, a nacionalidade francesa é uma das mais concentradas do mundo e tem em seu reino, no sentido mais completo da palavra, sua própria casa.”.(Obra de 1905, disponível em versão digitalizada de 2015 no formato da original)

14 Sobre o tema, José Pedro Teixeira Fernandes (2010, p.16), cita Sven Holdar (1994) para quem o termo geopolítica teria sido utilizado pela primeira em um artigo sobre as fronteiras suecas em 1899 em um jornal geográfico sueco intitulado Ymer. E como outra possibilidade, cita Michel Korinman (1990) para quem o termo fora inicialmente utilizado durante uma conferência sobre a geografia da Suécia, na Universidade de Gotemburgo em 1900.

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Messias da Costa (2008, pp.56-58), para quem Kjéllen “teve o mérito de ter operacionalizado” a herança teórica de Ratzel.

De fato, Kjellén deu forma, dinâmica e função às teorias deterministas e organicistas de Ratzel, ligando a Geopolítica às ações políticas e estratégicas de Estado, elevando-a, desta forma, à condição de “Ciência de Estado”. É preciso ressaltar que Ratzel produzira suas principais obras Antropogeographie (1882), Politische Geographie (1897), e Der Lebensraum (1901) e um contexto histórico e social fortemente influenciado pelo processo de unificação da Alemanha (1871), e pelo impacto científico de A Origem das Espécies de Charles Darwin (1859)15, e sua derivação na área do saber sociológico – o darwinismo social. Havia, portanto, um caldo de culturana Europa do século XIX, a estimular teorias legitimadoras da expansão imperialista, de base territorial de suas potencias, principalmente na Alemanha, retardatária na corrida neocolonialista.

Não é difícil associar a lei da sobrevivência do mais forte na seleção natural de Darwin (1809-1882), e do darwinismo social de Hebert Spencer (1820-1903), (que segundo Costa (2008, p.44) produzira uma ideia distorcida de interpretação do Estado como organismo biológico, porém importante para “introdução do meio nas teorias do Estado”), à interpretação ratzeliana do Estado como organismo vivo em Politische Geographie(1897), e da ideia de espaço vital em Der Lebensraum (1901).

É nesta linha de pensamento que Kjellén sentencia que “a geopolítica é a ciência do Estado enquanto organismo geográfico tal e como esse se manifesta no espaço”, em sua obra Der Staat als Lebensfom (1916)16.A “metáfora orgânica do Estado”

(Hepple, 2013, p. 136),da qual se apropriou Kjellen, se mostraria vigorosa, não só para o contexto alemão da primeira metade do século XX, mas também para fora dele, transformando-se na base da Geopolítica Clássica de cunho realista, sendo o Estado o ator principal das ações políticas, seja na sua conformação interna na construção da nação e sua íntima relação com o território, mas também na relação de forças entre

15On the Origin of Sspecies by means of Natural Selection or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life” (A origem das espécies por meio da Seleção Natural ou a preservação das espécies mais favorecidas na luta pela vida). Raffestin traduz Ratzel como um intelectual situado num “ponto de convergência entre uma corrente de pensamento naturalista e uma corrente de pensamento sociológico”

(Por uma Geografia do poder, 1993, p.12) 16O Estado como forma de vida.

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Estados na arena global. Hepple também aponta como receptores desta forte discurso metafórico, as ditaduras latino-americanas na segunda metade do século XX17.

Ratzel inaugura a Geografia Política emprestando uma perspectiva geográfica às análises históricas e políticas do Estado,valorizando especialmente, como determinantes geográficos para consolidação e crescimento do Estado, os conceitos de espaço e posição. Espaço compreendido como o tamanho e unidade interna do Estado, e posição compreendida como a situação geográfica do Estado em relação aos seus pares. Tais escolhas são reveladoras da preocupação maior de Ratzel, que era a de solucionar, e ao mesmo tempo legitimar a expansão territorial alemã, potência capitalista emergente sedenta por novos espaços que lhe garantissem a ampliação do seu mercado, e o acesso a matérias primas, condições vitaispara a reprodução ampliada capitalista. A expansão territorial é vista como consequência do progresso, e o espaço vital o produto da relação entre a população e o meio (recursos naturais, condições geográficas). Seria da natureza das potências capitalistas, ampliar o seu espaço vital, daí podermos considerar o imperialismo como resultado político, proporcionado pela ação dos Estados amalgamadores de territórios, do movimento expansivo do capitalismo industrial e financeiro, e do próprio processo de acumulação capitalista típico do período.

O espaço alemão pós-unificação fora construído, e foi mesmo pré-condição, para sua estratégia orgânica de sobrevivência pautada no crescimento, e esse só poderia se realizar (na perspectiva naturalizada de Ratzel e Kjellén) com a anexação de novos territórios, diante da lógica de acumulação capitalista. Tanto os postulados de Ratzel, quanto de Kjellén, em relação à inexorabilidade do crescimento como condição vital do Estado potência, respondem na esfera da política, a uma lógica econômica, que por sua vez está intimamente ligada a determinantes geográficas, como a posição geográfica do

17Especialmente sobre o Brasil ver “Os estudos geopolíticos no Brasil: uma contribuição para a sua avaliação”, de autoria de Shiguenoli Myamoto, em Perspectivas, São Paulo, 4:75-92, 1981. Myamoto faz uma recuperação histórica das contribuições teóricas de geopolíticos brasileiros desde os pioneiros Everardo Backheuser e Mário Travassos, que o Autor inclui numa primeira fase do pensamento

geopolítico nacional, até Therezinha de Castro, Meira Mattos e Golbery do Couto e Silva, representantes de uma nova etapa do pensamento geopolítico brasileiro, pós Segunda Guerra Mundial catalisada pela Escola Superior de Guerra, e periódicos e revistas como Segurança & Desenvolvimento, e A Defesa Nacional, Cultura Militar, Revista Militar Brasileira. Sobre a geografia militar brasileira ver também recente tese de doutorado intitulada “ A geografia militar no Brasil: a questão da defesa nacional” de Filipe

Giusepe Dal Bo Ribeiro (Geografia, FFLCH, USP, 2015)

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Estado em relação aos seus competidores internacionais, os recursos naturais de que dispõe, e sua demografia. Como anexar novos territórios se seus vizinhos são potências imperiais sedimentadas? Como alimentar o processo produtivo sem acesso às matérias primas? Como evitar a crise da superprodução (ou do subconsumo), ou ampliar a mais-valia sem novos mercados consumidores e reserva de mão-de-obra?18. Em resumo, a expansão territorial surgia como solução para o excedente de produção de mercadorias e de capital.

Rosa Luxemburgo revela tal relação do econômico com o espaço e com a reprodução ampliada capitalista:

“O Capital não pode existir sem contar com a presença dos meios de produção e da força de trabalho de toda parte; para o desenvolvimento pleno de seu movimento de acumulação ele necessita de todas as riquezas naturais e da força de trabalho de todas as regiões do globo. Uma vez que de fato e em sua maioria estas se encontram ligadas a formas de produção pré-capitalistas – que constituem o meio histórico de acumulação do capital - ,daí resulta a tendência incontida do capital de apossar-se de todas as terras e sociedades” (SANTOS apud LUXEMBURGO, 2010, p. 5)

É durante a segunda metade do século XIX, com o adensamento das atividades industriais, que ocorre o surgimento do capitalismo de formato monopolista, com trustes e cartéis superando o ambiente concorrencial dentro dos Estados. Leo Huberman (1983) reafirma as preocupações teóricas de Rosa Luxemburgo com o problema do subconsumo e sua relação com a práxis imperialista das grandes potenciais industriais do período. Segundo Huberman, o capitalismo monopolista levou a produção industrial a uma escala tão elevada, que a produção de mercadorias se tornou superior à necessidade de consumo interno dos países. Como a forma de monopólio havia dominado a cena industrial, os industriais poderiam regular os preços, através da não utilização total de suas capacidades produtivas e da limitação da produção de mercadorias a um preço controlado, obtendo grandes lucros. As indústrias monopolistas europeias se viram com capacidade de produção industrial não utilizada, e,com os grandes lucros, com excesso de capital. Como o ambiente europeu do fim do século

18A alegoria do Estado como organismo vivo, e do crescimento como estratégia vital inclui também a preocupação com o excedente populacional. Novos territórios também seriam a solução para esse problema.

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XIX era de crescente protecionismo comercial entre as nações ricas e industriais, esses excedentes encontraram nas colônias o lugar de suas realizações.

Antônio Carlos Robert Moraes (2003, p. 69) reforça essa ideia ao analisar o contexto histórico ao qual está inserida a produção intelectual de Ratzel. A Alemanhaseria o elo mais fraco ou destoante da expansiva cadeia imperialista europeia da segunda metade do século XIX19. Possuía uma característica que lhe diferenciava das demais, e que lhe “obrigava” a investir num projeto de expansão territorial: não possuía colônias como as outras potências imperialistas do período. Para Moraes, Ratzel legitimava essa questão:

“Ratzel vai ser um representante típico do intelectual engajado no projeto estatal; sua obra propõe uma legitimação do expansionismo bismarckiano.

Assim a Geografia de Ratzel expressa diretamente um elogio do imperialismo, como ao dizer, por exemplo, “semelhante à luta pela vida, cuja finalidade básica é obter espaço, as lutas dos povos são quase sempre pelo mesmo objetivo.Na história moderna a recompensa da vitória foi sempre um proveito territorial”.”

(MORAES, 2003, p.69)

Entendimento semelhante ao de João Phelipe Santiago (2013, p.174), que considera, até mesmo, não haver em Ratzel uma preocupação maior com as questões econômicas e suas relações com o social. Para Santiago, a atenção de Ratzel estava voltada primordialmente no “subsidiar estrategicamente as camadas dominantes com o que deve ser levado em conta para construir um Estado-nação forte e soberano, para a expansão dos interesses vitais que demandam o crescimento estatal”.

Os postulados de Ratzel sobre o crescimento espacial dos Estados (Leis dos Espaços Crescentes) podem ser interpretados como uma espécie de tradução da práxis imperialista, de prevalência do mais forte sobre o mais fraco, e do uso político do conhecimento geográfico, sob uma perspectiva orgânica do Estado.De um manifesto destino de superioridade das potências industriais europeias do período, expresso nas conquistas de novos espaços, novos territórios. O crescimento espacial é condicionante nos 7 (sete) pressupostos de Ratzel:

1º. A necessidade de espaço cresce com a cultura do Estado;

2º. O crescimento do Estado precede o crescimento do próprio povo;

19Segundo Moraes o termo “cadeia imperialista” vem de Nico Poulantzas.

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3º. O crescimento do Estado manifesta-se pela adição de outros Estados menores, dentro do processo de amalgamação;

4º. A fronteira é órgão periférico do Estado, e aponta para o crescimento e remodelação do tamanho do Estado;

5º. Ao crescer o Estado luta pela absorção de regiões e seções politicamente importantes (estratégicas);

6º. O primeiro ímpeto para o crescimento vem de outra civilização superior;

7º. A tendência de anexação e assimilação de novos territórios é geral, e se mantém de Estado para Estado, se tornando cada vez mais intensa.

Vale mencionar que,ao Ratzel traduzir o Estado como organismo vivo, a questão das fronteiras acaba superando o determinismo geográfico que lhe poderia servir de demarcações interestatais, como rios ou cordilheiras. Para o crescimento do Estado as fronteiras devem ser entendidas como políticas, sendo assim, móveis, produtos do momento histórico e da situação geográfica na qual estão inseridos os atores estatais.

As determinantes geográficas surgem de forma importante como objetivo de conquista para manutenção do crescimento do Estado. Regiões estratégicas e recursos naturais ocupam importância central neste debate, como as saídas para o mar, domínio de bacias hidrográficas, áreas para plantio de culturas, e recursos minerais.

Em um século XIX repleto de conflitos, que remodelavam constantemente as fronteiras, o saber geográfico se tornava importante instrumento estratégico, por detalhar a regiões, mapear seus recursos naturais, seus relevos, e demografia.

Segundo Moraes (2003, p. 69), isso ocorreu de forma mais intensa na Alemanha imperial, onde a necessidade de pensar o espaço (primeiro o nacional com a

“prussianização”20 da Alemanha em detrimento do Reino da Áustria, e depois o europeu/mundial com as tensões geopolíticas entre a nascente Alemanha unificada, e suas pretensões imperiais perante Grã-Bretanha, França, e Rússia) levou à sistematização do pensamento geográfico, e criou as condições para seu uso estratégico voltado para a conquista de territórios e para a guerra, o que levou ao

20A Prússia vence a Áustria no embate pelo protagonismo no processo de unificação alemã. Com uma organização social de cunho militar, baseada numa aristocracia de proprietários de terra, numa

combinação única entre capitalismo e um modelo com características feudais, a prussianização da Alemanha se deu primeiramente com Bismarck através da consolidação interna do Estado, e posteriormente através de uma política externa agressiva com Guilherme II.

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surgimento daGeopolítica como ciência geradora de informações/conhecimentos estratégicos para o Estado.

Se, como conclui Moraes, Ratzel “elogia o imperialismo”, pode-se dizer que Kjéllen dá um passo além com a aplicação do conhecimento geográfico para fins específicos. Se em Ratzel a produção intelectual pode ser considerada fruto do tempo histórico e das condições geográficas da Alemanha, de caráter legitimador sim, mas como expressão dentro do processo de criação da geografia política21, em Kjellen há mesmo o afastamento da geografia política, com a aproximação e consolidação da geopolítica como uma disciplina específica. Costa revela o caráter instrumental que Kjellén empresta à geopolítica:

“Em nenhum momento Kjellén deixa dúvidas quanto ao caráter estreito, reducionista e expansionista de sua concepção de Estado e dos objetivos de sua “nova ciência”, intencionalmente dirigida aos “Estados-Maiores” dos impérios centrais da Europa, em especial a Alemanha. Daí a sua rejeição da geografia política tal como vinha de desenvolvendo, isto é, um campo de investigação acadêmica autônomo e apartado dos projetos estatais imediatos.

Toma-a como base geral apenas naqueles seus aspectos passíveis de instrumentalização, submetendo-a aos requisitos das estratégias de conquista e domínio. Com isso, inaugura a mais controvertida de suas vertentes, a geografia política da guerra, ou a geopolítica.”(COSTA, 2008, p.56-57)

Mas nem Ratzel, pelas suas formulações teóricas primeiras, nem mesmo Kjellén pela criação da geopolítica como ciência, foram tão organicamente envolvidos, ou tão responsáveis, tanto para o apogeu quanto para “queda” da geopolítica como disciplina ou subárea do saber, quanto o general alemão Karl Ernst Nikolas Haushofer (1869- 1946). Influenciado pelas teorias de Ratzel, Kjéllen, e pelas formulações do geógrafo inglês Halford John. MacKinder (e sua teoria do Heartland), Haushofer foi o grande impulsionador da geopolítica na Alemanha. Principal expoente da chamada escola alemã de geopolítica – a Geopolitik - e Fundador da Revista de Geopolítica (Zeitschrift für Geopolitik), publicada de 1924 a 1944, Haushofer, que havia lutado nas frentes

21A geógrafa Iná Elias Carvalho em seu livro Geografia e Política (2011) ressalta o contexto histórico no qual estava inserida a institucionalização da Geografia como disciplina, bem como a atuação de

intelectuais como Ratzel. No entanto acrescenta que não se tratava exatamente de uma exclusividade da Geografia, no século XIX, a aproximação com o imperialismo e o expansionismo europeu. Teorias deterministas permeavam as Ciências Biológicas, a História, a Ciência Política. Segundo a Autora, seria importante “não confundir a geografia, ciência que se propõe dar a conhecer o espaço da humanidade, com os geógrafos e seus interesses como atores intelectuais, sociais e muitas vezes políticos” (p.66).

Referências

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