Radam Nakai Nunes
A COOPERAÇÃO JURÍDICA PENAL INTERNACIONAL
À LUZ DO GARANTISMO PENAL
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA - UCB
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM DIREITO
A COOPERAÇÃO JURÍDICA PENAL NTERNACIONAL
À LUZ DO GARANTISMO PENAL
RADAM NAKAI NUNES
TERMO DE APROVAÇÃO
Dissertação de autoria de
Radam Nakai Nunes
, requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre do Programa de Pós-graduação
Strito Sensu
em
Direito, defendida e aprovada, em
14 de dezembro de 2006
, pela banca
examinadora constituída por:
__________________________________
Prof.ª Dr.ª
Arinda Fernandes
Orientadora
___________________________________
Prof. Dr.
João Rezende Almeida Oliveira
Membro Interno
_______________________________________
Prof. Dr.
José Rossini Campos do Couto Corrêa
Membro Externo
RADAM NAKAI NUNES
A COOPERAÇÃO JURÍDICA PENAL NTERNACIONAL
À LUZ DO GARANTISMO PENAL
Dissertação apresentada ao programa de
Pós-graduação em Direito, da Universidade
Católica de Brasília, como exigência para
obtenção do Título de Mestre em Direito.
Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Arinda Fernandes.
RESUMO
O presente trabalho visa demonstrar as razões jurídicas da existência dos direitos e
garantias fundamentais previstos na Constituição Federal e o dever do Estado
punitivo de aplicar, no decorrer do processo penal - especialmente nos casos que
ensejam cooperação jurídica internacional - os direitos e as garantias fundamentais
de proteção à pessoa e o fortalecimento da dignidade humana, que se concretizam
com o exercício da ampla defesa, contraditório, devido processo legal, princípio da
inocência, bem como com a vedação de provas ilícitas e ilegítimas. Tais princípios e
garantias são meios jurídicos de proteção ao cidadão acusado ou indiciado. A razão
desses princípios é a instrumentalidade do processo penal para equilibrar os valores
do poder punitivo do Estado e a liberdade e proteção ao acusado ou indiciado. As
garantias constitucionais processuais-penais alicerçam o garantismo penal tão
preconizado por Ferrajoli. Elas estão a serviço do cidadão com a finalidade de
resistir à acusação inconstitucional. E’ nesse contexto que a cooperação jurídica
penal internacional deve obedecer as normas fundamentais do processo penal
brasileiro objetivando impedir a supressão ou desrespeito a esse garantismo penal
previsto na Carta Magna.
ABSTRACT
This paper aims to demonstrate the juridical causes for the rights and the basic
guarantees in the 1988 Federal Constitution of Brazil, and the punitive State's duty to
apply, even before international criminal juridical cooperation, such rights and
guarantees along the criminal process and the strengthening of man's dignity, by
means of the practice of legal defense, contradictory, the due process of law, the
innocence presumption principle and the prohibition to illegal evidence. The basic
principles and guarantees are juridical ways to protect the accused. Their reason is
the instrumentality of the penal process, in order to balance the contrasting values of
the State's power to punish and the protection to the accused. Such constitutional
criminal processual guarantees are the penal garantism referred to by Ferrajoli, given
that those guarantees are on the accused's side as to resist inconstitutional charges.
Therefore, the international criminal juridical cooperation must comply the
fundamental rules concerning the Brazilian criminal process so as not to suppress ou
disrespect the penal garantism established in the 1988 Federal Constitution.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO _____________________________________________________10
1. O GARANTISMO PENAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL
______15
1.1 Evolução Histórica dos Direitos Fundamentais ___________________15
1.2 Direito Processual Brasileiro _________________________________24
1.3 Princípios Constitucionais do Direito Processual Penal ____________ 28
1.3.1 A Tutela Jurisdicional e o Devido Processo Legal _________28
1.3.2 Juiz e o Promotor Natural ___________________________ 33
1.3.3
Legalidade
_______________________________________36
1.3.4 Presunção de Inocência ou não culpabilidade ___________ 37
1.3.5 Vedação de Identificação Criminal ____________________ 39
1.3.6 Indenização por Erro Judiciário _______________________41
1.3.7 Ordem de Prisão por Autoridade Judiciária competente ____42
1.3.8 Prisão comunicada imediatamente ao Juiz, à família, direito de
permanecer calado e a assistência de advogado __________________________44
1.3.9 Relaxamento de Prisão Ilegal e Liberdade Provisória ______45
1.3.10 Contraditório e a Ampla Defesa ______________________47
1.3.11 Identificação dos responsáveis pela prisão _____________53
1.3.12 Vedação às Provas ilícitas ou ilegítimas _______________55
1.3.13
Habeas Corpus
, Mandado de Segurança e a Ação Penal
Privada Subsidiária _________________________________________________ 56
2.TEORIA DO GARANTISMO PENAL
IDEALIZADO POR LUIGI FERRAJOLI
___59
4. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO ________________________________85
4.1 Noções Gerais ____________________________________________85
4.2 Fontes do Direito Internacional Privado_________________________86
4.3 Direito Internacional Privado e o Direito Interno no Brasil ___________88
4.4 Direito Penal Internacional e Internacional Penal _________________90
5. COOPERAÇÃO JURÍDICA PENAL INTERNACIONAL __________________100
5.1 Noções Gerais ___________________________________________100
5.2 Formas de Cooperação Jurídica Penal Internacional _____________101
CONCLUSÃO
_____________________________________________________122
BIBLIOGRAFIA
___________________________________________________126
REFERÊNCIAS
___________________________________________________132
ANEXO
__________________________________________________________133
INTRODUÇÃO
O estudo tem por objetivo conciliar a ambição do Estado em punir os
acusados em crimes transnacionais em qualquer modalidade, praticado em atividade
de organização criminosa ou não, sem violar direitos e garantias individuais, contidos
em princípios e valores da Constituição Federal, quando necessária a utilização da
cooperação jurídica penal internacional.
Os direitos e as garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de
1988 e aplicável ao processo penal é o resultado de uma conquista, originada nos
estudos de doutrinadores franceses e italianos, os quais queriam demonstrar que o
processo penal acusatório deve ser equilibrado para ambas às partes, seja em
crimes nacionais ou globalizados.
Neste sentido, a obediência aos princípios e valores catalogados como
direitos fundamentais, nem sempre prevalecem contra a avidez do Estado em querer
punir os acusados ou indiciados. São corriqueiras as violações dos direitos e das
garantias conquistadas ao longo de anos de luta, sendo inutilizados e ineficientes
diante da perseguição dos resultados estatísticos do Poder Judiciário, Executivo e
Organismos Internacionais e da forma mecanicamente trabalhada pelos operadores
do direito.
A relevância do tema pode ser justificada pela necessidade de trocas de
informações judiciais e extrajudiciais penais transnacionais, a fim de formar a
instrução processual penal de um procedimento acusatório.
Razão: teoria do garantismo penal, fazendo um cotejo entre os Direitos e Garantias
Constitucionais Brasileiros e a instrumentalidade do processo penal garantista.
A sociedade brasileira, através dos Poderes constituídos pelo Estado, busca
explicação para o crescimento vertiginoso da violência transnacional e suas formas
de solução para reprimir ou prevenir os conflitos penais. O Poder Judiciário deve
evoluir suas formas de busca da verdade real, no processo penal, a fim de satisfazer
o poder jurisdicional aos cidadãos com transparência e clareza de acusação, no
combate às novas modalidades de crimes transnacionais com efeitos que
extrapolam as fronteiras e a criatividade humana, pois, muitas supressões de direitos
são constatadas durante o processo penal acusatório, seja policial ou judicial.
Os operadores de direito são capazes de elaborar alternativas de solução
com sabedoria para o Estado exercer o
jus puniendi,
ponderando os direitos
fundamentais dos acusados tais quais o direito de segurança pública e o bem estar
social. Portanto, o jurista é o profissional habilitado para verificar os critérios de
ponderações de dois direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e em
rota de colisão. Devendo impedir as supressões das garantias constitucionais
quando o estado punitivo atua contra o acusado a pretexto de empreender a lei e o
terror no combate a criminalidade organizada.
crimes transnacionais, sem suprimir as garantias fundamentais do acusado ou
indiciado expressos na ampla defesa e o contraditório.
Por fim, proporemos conciliar os direitos fundamentais relativos ao processo
penal dos acusados em crimes transnacionais e o direito do estado de segurança
pública nos crimes transnacionais, sugerindo soluções que equilibrem garantias
entre às partes - autor e réu -harmonicamente.
O estudo monográfico está relacionado com as Disciplinas: Direito
Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Penal, Direito Penal, Direito
Processual Civil, Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado e Direito
Econômico.
O tema tem como base o referencial teórico da prevalência dos Direitos e
Garantias Fundamentais relacionados ao Direito Processual Penal previstos na
Constituição Federal do Brasil diante da Cooperação Jurídica Internacional Penal
aplicadas nos crimes transnacionais praticado em atividade organizada.
Ao se fazer o histórico da origem dos direitos fundamentais, há que
conceituá-lo e demonstrar sua natureza jurídica e sua importância para o processo
penal.
Robert Alexy, conceitua os Direitos e Garantias Fundamentais como:
“Uma teoria de los derechos fundamentales de la Ley Fundamental es una teoria de determinados derechos fundamentales positivamente válidos. Esto la distingue de Las teorías de los derechos fundamentales que han tenido vigencia en el pasado (teorías histórico-jurídicas) como así también de las teorías sobre derechos fundamentales que no son los de la Ley Fundamental, por ejemplo, teorías sobre los derechos fundamentales de otros Estados o teorías de los derechos fundamentales de los Estados federados que integram la República Federal de Alemanha.” 1
processo-penal-constitucional - dos acusados ou indiciados. O crime transnacional possui
características de extraterritorialidade penal, carecendo de cooperação jurídica
administrativa, policial e judiciária entre os países.
Os constitucionalistas brasileiros não excluem as normas de direito
internacional e consuetudinário da obediência da Carta Constitucional, conforme
assevera Alexandre de Moraes:
“O importante é realçar que os direitos humanos fundamentais relacionam-se diretamente com a garantia de não-ingerência do Estado na esfera individual e a consagração da dignidade humana, tendo um universal reconhecimento por parte da maioria dos Estados, seja em nível constitucional, infraconstitucional, seja em nível de direito consuetudinário ou mesmo por tratados e convenções internacionais.” 2
A finalidade dos Direitos e das Garantias Individuais Fundamentais não é
mera catalogação de princípios, mas uma positivação - no sentido do dever-ser -
sendo que qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Poder Judiciário.
Ao correlacionar os direitos fundamentais e os tratados internacionais,
observa-se que “o objetivo precípuo da consagração, pela nossa carta, do princípio
da não-tipicidade na esfera dos direitos fundamentais certamente não é o de
restringir.”
3José Afonso da Silva, demonstra claramente quais os limites de cada
instituto. Veja-se: “Os direitos são bens e vantagens conferidos pela norma,
enquanto as garantias, são meios destinados a fazer valer esses direitos, são
instrumentos pelos quais se asseguram o exercício e gozo daqueles bens e
vantagem.”
41 ALEXIS, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentais, Centro de Estudios Constitucionales:
Madrid, 1997, p. 29.
2 MORAES, Alexandre, Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional, São Paulo: Atlas, 2002, pág 163.
3 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado:
1998, pág. 126.
O jurista alemão Robert Alexy afirma sobre os direitos fundamentais: “entre
el concepto de norma de derecho fundamental y el del derecho fundamental existen
estrechas conexione.”
5O conceito de norma de direitos fundamentais, confunde-se com os direitos
fundamentais em si. Por outro lado, há doutrinadores que apontam as diferenças,
que são percebidas na polêmica do conceito, da validade e a sistemática de norma e
suas imposições constitucionais.
O jurista Brasileiro Ingo Wolfgang Sarlet, escreveu na sua obra que: “nosso
objetivo, contudo, é bem mais modesto, sendo nossa intenção apenas referir alguns
aspectos relevantes a respeito desta temática, de modo especial para propiciar uma
adequada compreensão da importância e da função dos direitos fundamentais.”
6Ademais, pretende-se fazer uma análise entre a teoria do garantismo penal,
tendo como precursor o jurista italiano Luigi Ferrajoli, os princípios processuais
penais previstos na Constituição Federal, e os Direitos e as Garantias
Fundamentais, aplicados na cooperação jurídica penal internacional.
Por fim, destacar-se-á o poder punitivo entre a verificação e valoração, a
epistemologia, a axiologia e as razões do Direito Penal frente aos princípios
incluídos no ordenamento jurídico do processo penal-constitucional a luz do
garantismo penal.
5
ALEXIS, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentais, Centro de Estudios Constitucionales: Madrid, 1997, p. 29.
1. GARANTISMO PENAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL
1.1. A Evolução Histórica dos Direitos Fundamentais
O Direito Constitucional é o ramo do Direito Público, sendo um direito
fundamental e essencial na vida em sociedade, e a base para a organização e o
funcionamento do Estado, idealizado historicamente na Teoria Política do Estado e
de Separação de Poderes, de Aristóteles. “O Direito Constitucional se manifesta
como um tronco do qual se separam os demais ramos do Direito, que nele
encontram sua
‘têtes de chapitre’”.
7José Afonso da Silva, define como “o ramo do Direito Público que expõe,
interpreta e sistematiza os princípios e normas fundamentais do Estado.”
8A Constituição da República Federativa do Brasil dispõem as normas da
organização e estrutura do Estado, forma de governo, procedimentos, atuação e os
limites para exercer tal poder; também, prevê o regramento da ordem econômica,
social, tributária, meio ambiente, cultura, esporte, lazer e comunicação social. Além
de que, há previsão dos direitos fundamentais do homem, as suas garantias e, por
isso a Constituição ser a base teórica para o estudo do Garantismo Penal.
A constituição é um código de normas gerais com as seguintes
características: escrita, formal, dogmática, popular, rígida, para o fim de harmonizar
as relações humanas e alcançar o fim do Estado que é o bem-estar social,
econômico e político. É a lei fundamental e suprema do Estado Brasileiro,
representado pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
tendo delimitada as funções nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
7 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 34.
Estão também expressos os Direitos Fundamentais do homem incluindo os
direitos individuais, políticos, econômicos e sociais. As origens dos direitos
fundamentais datam da idade média, por volta do ano de 1200, tendo como um
marco histórico a Magna Carta Inglesa de 1215 e, posteriormente, sucessivos
documentos regulamentando direitos e liberdade nas colônias inglesas na América.
A Inglaterra como pioneira na declaração dos direitos e das liberdades
fundamentais, registram vários documentos neste sentido: sendo: a Magna Carta
(1215-1225), a Petition of rights (1628), o Habeas Corpus Amendment Act (1679) e o
Bill of Rights (1688)
9, Declaração dos Direitos da Virgínia (EUA, 1776), Declaração
dos Estados Unidos da América (1787), Declaração de Direitos do Homem e
Cidadão (França, 1789) e a Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e
Explorado (Rússia, 1918).
A Magna Carta foi um texto elaborado pelos governantes que pertenciam
aos feudos para proteger reis e barões, assinada pelo João Sem Terra. Para a
época foi um grande avanço, vez que, era o embrião da minuta das expressões de
liberdade. Pode-se mencionar os seguintes documentos precursores das liberdade:
a) A Petição de Direitos,
documento dirigido ao monarca em que membros do
Parlamento de então pediram o reconhecimento de diversos direitos e liberdades
para os súditos de sua majestade.
10, b) O
Habeas Corpus Act uma afirmação de
liberdade introduzida na magna carta, reforçada na petição de direitos. A origem do
instituto do Habeas Corpus remonta desta época em que eram atos de
reivindicações de pessoas presas ilegalmente, e c) A declaração de direitos – Bill of
Rights - foi o resultado da revolução de 1688, a qual afirmou o Poder do Parlamento
no reinado dos monarcas da época, cujos poderes não eram como antigamente,
irrestritos. Desta forma, surgiu a monarquia constitucional, prevalecendo a
separação de poderes delineada por John Locke e as inspirações para a formação
ideológica democrática dos Estados Europeus.
A declaração de Virgínia foi a primeira demonstração moderna e clara de
direitos fundamentais, fora do eixo europeu. Virgínia era uma das treze colônias
inglesas na América, que se rebelou para declarar-se independente. As bases dos
direitos dos homens eram: 1) todos os homens são iguais, livres e independentes, 2)
todo o poder está investido pelo povo, eleito democraticamente, 3) o governo é para
o povo e por ele constituído, 4) os cargos ou funções não serão hereditários, 5)
haverá três poderes harmônicos e independentes, 6) é assegurado o direito de
defesa em processo criminal, 7) obediência ao devido processo legal e a legalidade
e 8) a liberdade de imprensa e religião devem ser exercidas livremente. Estes são
apenas alguns exemplos, não se esgotando o seu total.
Na Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, não estava
prevista a declaração dos direitos do homem, porém, sua entrada em vigor dependia
das treze colônias, sendo que, uma delas já possuía em suas constituições, exemplo
Virgínia, a carta de direitos fundamentais.
Na Europa, surgia a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
constituindo-se como marco na história dos direitos fundamentais, a Revolução
Industrial Francesa, que historicamente foi um momento de transição do mundo
antigo para o moderno.
A Europa desfrutava dos ensinamentos dos melhores jusfilósofos
disponíveis na academia jurídica, tais como: o inglês John Locke, o francês
Jean-Jacques Rousseau, o alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Charles de Secondat
Baron de Montesquieu. Logo, a Declaração dos Direitos do Homem junto com a
Idem, p. 152.
Revolução Francesa, foi resultado do pensamento político, moral, filosófico, jurídico
e social destes intelectuais.
O cerne do conteúdo das declarações do direito do homem e do cidadão é a
valorização dos direitos transindividuais, superando o indivíduo para alcançar o
bem-estar universal.
José Afonso da Silva, leciona que:
O texto da declaração de 1789 é de estilo lapidar, elegante, sintético, preciso e escorreito, que, em dezessete artigos, proclama os princípios da liberdade, da igualdade, da propriedade e da legalidade e as garantias individuais liberais que ainda se encontram nas declarações contemporâneas, salvas as liberdades de reunião e de associação que ela desconhecera, firmado que estava numa rigorosa concepção individualista.11
Antes de entrar na época contemporânea dos direitos do homem, deve
ressaltar a importância dos pensamentos dos filósofos socialistas, tais como: Marx,
Engels e Lênin. O manifesto comunista, foi uma importante expressão de mudança
na ideologia política. No período contemporâneo destacou-se a declaração de dois
países: o México e a Alemanha de Weimar, sendo ambas influenciadas pelo término
da primeira guerra mundial.
Em 1945, criou-se na Organização das Nações Unidas – ONU - uma
comissão com o fim de elaborar um projeto para codificar um estatuto da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, sendo que, em 10 de dezembro de 1948, na
assembléia-geral da ONU em Paris foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
No mesmo sentido foi elaborada a Convenção Americana sobre os Direitos
Humanos, Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, em vigor
no Brasil, por meio do Decreto 678 de 06 de novembro de 1992. Quando foi criada a
11SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ª ed., São Paulo: Malheiros,
Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em São José da Costa Rica,
sendo o Brasil signatário desde 1992. Merece destaque o empenho do jurista
Antonio Augusto Cançado Trindade, quando afirma em seu livro: A proteção
Internacional dos Direitos Humanos, “sobre a importância da uniformidade de
direitos fundamentais para os latinos americanos”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma regra geral sendo as
normas descritas no Pacto de São José da Costa Rica, mais detalhadas e com
maior aprofundamento em relação aos direitos humanos. Entretanto, são
semelhantes à Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem possuem 30 artigos,
contendo, no primeiro, a base para os demais: a preservação da dignidade da
pessoa humana, com liberdade, justiça e paz.
A prevalência da democracia foi elevada a uma categoria de direitos
fundamentais humanos, visto que no seu preâmbulo contém:
A Assembléia Geral das Nações Unidas proclama a presente "Declaração Universal dos Direitos do Homem" como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. Disponível em: [http://www.dhnet.org.br]. acessado em 30/07/2005.
Passadas as fases de codificações internacionais dos Direitos Humanos,
inicia-se a inserção dos direitos fundamentais do homem nas codificações previstas
nas Constituições dos Países signatários das Normas emanadas da ONU e do Pacto
de São José da Costa Rica. Dentre estes países, destaca-se a Constituição da
República Federativa do Brasil, de 1988, Constituição Cidadã, o que para o Brasil foi
uma conquista incomensurável no campo dos direitos fundamentais, possuindo uma
abrangência nunca antes garantida em categoria de lei constitucional.
Nas constituições do Brasil, anteriores a de 1988, já haviam sido previstos
alguns direitos fundamentais, tais como: Habeas Corpus e a propriedade.
Assim como Paulo Bonavides, temos que esclarecer as expressões usadas
indiscriminadamente, tais como: direitos fundamentais, direitos do homem e direitos
humanos. Existem diferenças? Direitos Fundamentais são aqueles direitos que o
direito vigente qualifica como tais.
12Direitos Fundamentais são todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional. Ainda, Os Direitos Fundamentais são aqueles direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou e segurança; ou são imutáveis (unabaenderliche) ou pelo menos de mudança dificultada (erschwert), a saber, direitos unicamente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição. 13
No entanto, os Direitos Fundamentais, que são os propriamente ditos e
previstos na Constituição, correspondem a uma concepção de direitos absolutos. A
relação principal dos direitos fundamentais conduz à liberdade e à dignidade
humana, enquanto valores históricos e filosóficos, o que nos levará a uma
interpretação de sentido universal e direcionado ao ideal da pessoa humana.
Quanto às expressões Direitos Humanos e do Homem, estas são espécies
do gênero dos Direitos Fundamentais. Direitos Humanos e do Homem são
sinônimas.
Todavia, quando uma pessoa se refere à terminologia Direitos Humanos
pode ter sentido derivado dos direitos fundamentais da constituição, mas não quer
dizer absolutamente que está descrito literalmente, apesar de estar previsto na
12 Konrad Hesse, apud, BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11.ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 514.
Constituição, por exemplo: no art. 5.º, inciso XLI, da CRFB: a lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdade fundamentais. Segundo o estatuto
o idoso, Lei 10.741/03, há fatos típicos legais, reprimindo qualquer forma de
discriminação contra idoso. O que é uma ofensa aos direitos humanos derivado dos
direitos fundamentais, e está previsto constitucionalmente, porém em outro campo
da Constituição, no título da ordem social, art. 230.
A expressão Direitos do Homem, têm origem na Declaração Universal dos
Direitos do Homem de 1948, emanada pela ONU e pela Convenção Americana de
Direitos do Homem, pacto de São José da Costa Rica de 1969, Decreto 678/92, a
palavra homem usada indiscriminadamente.
Portanto, quando se falar em direitos fundamentais, humanos e ou do
homem, o jurista deve atentar para as diferenças teleológicas e semânticas das
palavras.
O professor José Cirilo de Vargas, destaca algumas terminologias usadas
em outros países:
1) direitos fundamentais; 2) direitos e deveres dos cidadãos; 3) direitos e deveres do povo; 4) das liberdades, dos direitos e dos deveres do homem e do cidadão; 5) das garantias individuais; 6) direitos e deveres dos cidadãos; 7) dos deveres, direitos e garantias; 8) das liberdades fundamentais e dos direitos do homem e do cidadão; 9) dos direitos, liberdades, garantias e deveres fundamentais dos cidadãos; 10) garantias fundamentais das liberdades públicas etc..14
A terminologia Direitos Humanos é bastante usada no meio das
organizações não-governamentais (ONGs), tais como: Tortura Nunca Mais, Anistia
Internacional e a Human Rights.
Deve-se esclarecer, também, a expressão direito natural, que se refere aos
direitos que nascem com o homem, independente de qualquer manifestação estatal.
Os Direitos Fundamentais são classificados em gerações de direitos, sendo
os direitos fundamentais de primeira geração, marcados pela liberdade, fraternidade
e igualdade. As liberdades públicas e os direitos políticos foram afirmados como
princípios fundamentais.
Os direitos de primeira geração ocorreram durante as fases: Magna Carta
(1215);
Habeas Coprus Act (1679); Bill of Rights (1688); Revolução Americana
(1776) e Revolução Francesa (1789).
Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdade ou atributos da pessoas e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.15
Os Direitos Fundamentais de segunda geração são as afirmações dos
direitos sociais, culturais e econômicos, o que dominou o século XX. O marco
histórico da época foi a Constituição de Weimar (1919). A ideologia
social-democracia é enfatizada na segunda geração. Além do que, o século XX foi
marcado pela primeira guerra mundial e pela concretização dos direitos sociais.
Todos os princípios da Constituição Alemã de Weimar foram garantias
institucionais sociais, revalorizando todos os princípios de primeira geração, em
especial as liberdades políticas.
Os direitos fundamentais de segunda geração foram impulsionados pela
Revolução Industrial que ocorria na Europa, destacando as reivindicações
trabalhistas contra as grandes corporações, que nasciam com intensidade de
desenvolvimento bastante elevado.
Portanto, a segunda geração é:
A concepção de objetividade e de valores relativamente aos direitos fundamentais fez que o princípio da igualdade tanto quanto o da liberdade, tomasse também um sentido novo, deixando de ser mero direito individual que demanda tratamento e uniforme para assumir, conforme demonstra a doutrina e a jurisprudência do constitucionalismo alemão, uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio do estado.16
Os Direitos Fundamentais de terceira geração dizem respeito à
conscientização da população, especialmente entre as nações em desenvolvimento
para a proteção ao meio ambiente, direito à paz, o direito ao desenvolvimento e o
direito de solidariedade com o próximo.
A preservação do meio ambiente ganhou grande destaque no mundo
globalizado devido ao desenvolvimento das grandes empresas, com investimentos
no setor tecnológico e científico a qualquer custo, resultando na destruição da fauna
e da flora do planeta.
Atualmente, o Brasil possui uma lei de combate aos crimes ambientais,
considerada pelos juristas internacionais a mais avançada no mundo, destacando
seu objetivo de restaurar e restituir o meio ambiente poluído, ou seja, aplicando uma
pena criminal, administrativa e civil de recuperação da natureza destruída atribuindo
responsabilidade à pessoa jurídica. Na Lei de Crime Ambiental, 9.605/98, ressalta-se
a teoria de imputação à pessoa jurídica, isto é, uma revolução doutrinária na teoria
do crime, sobre a responsabilização da pessoa criminosa.
Alguns constitucionalistas mencionam a proteção ao consumidor como
terceira geração, lembrando que outrora os consumidores foram esquecidos, ou
seja, estavam à margem da proteção legal. Destaca-se, no Brasil, a lei de defesa do
Consumidor, Lei 8.078/90, que é uma lei muito moderna entre os países
desenvolvidos.
Para os Brasileiros, as Leis do consumidor, do meio ambiente, a ação civil
pública, a ação popular, foram conquistas de grande impacto em suas vidas, diante
da desproteção até então vivida. Estas leis, de impacto de proteção social dos
interesses individuais, coletivos e os homogêneos, foram derivadas da Constituição
da República do Brasil, promulgada em 1988.
Por último, alguns estudiosos classificam os direitos fundamentais de quarta
geração, que é a afirmação da democracia mundial e da globalização econômica
(blocos econômicos multilaterais). Paulo Bonavides, leciona que: “os direitos de
quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos
os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política”
.
17Norberto Bobbio, filosófo italiano, falecido recentemente, afirma que:
Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todos. 18
Os destinatários das regras de direitos fundamentais não são somente os
cidadãos, mas o Estado que as editou devem cumpri-las efetivamente. Daí a
importância do processo-penal-constitucional para o Estado não gerar o processo
penal inconstitucional e para o cidadão utiliza-lo como mecanismo de resistência e
afastamento de ilegalidades diante das ações penais. Bobbio deixa claro em sua
obra
era dos direitos
, que os direitos fundamentais têm eficácia plena para o cidadão
utilizá-las em qualquer processo judicial, especialmente no processo penal, em que
tutela os bens jurídicos mais valiosos das pessoas, tais como: vida, patrimônio e
integridade física e mental.
16 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11.ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 522. 17 Idem, p. 526.
Paulo Dourado de Gusmão, assegura que:
achamos que se deve distinguir o destinatário imediato do destinatário mediato das normas jurídicas. No primeiro caso, todas as pessoas (capazes e incapazes) são destinatárias de norma jurídica, porque se não há problemas quanto aos capazes, quanto aos incapazes, em certos caos, o seu patrimônio responde pelas obrigações..., São destinatários mediatos os tribunais, órgãos estatais e organismos internacionais, somente quando provocados por petição ou por ação judicial ou quando a norma é transgredida.19
1.2 Direito Processual Brasileiro
A Constituição Federal, no seu primeiro artigo, já indica para o leitor que as
regras constitucionais são cogentes, imperativas ou de ordem pública, descrevendo
que constitui-se em Estado Democrático de Direito. E, no quinto artigo, descreve os
direitos e as garantias fundamentais.
Como disse Pontes de Miranda, “o estado democrático de direito pois é da
essência da democracia o princípio da legalidade”. O estado de direito significa
qualquer forma de repúdio às violações das liberdades públicas fundamentais contra
o cidadão.
A dissertação privilegiará os direitos fundamentais, voltados para o processo
penal diante da cooperação jurídica penal internacional, isto é, os direitos
fundamentais que norteiam o intercâmbio processual, seja administrativo ou judicial,
entre os países. Devendo ser assegurado ao indiciado, investigado ou acusado as
mínimas garantias previstas na Constituição Federal Brasileira diante dos processos
e julgamentos de crimes transnacionais, pois, os direitos fundamentais estão em pé
de igualdade com as garantias relacionadas na Constituição Federal.
José Cirilo de Vargas, leciona que:
No plano do Direito Administrativo, ou Penal, ou onde exista hierarquia funcional baseada em Direito Público, ordem ilegal, emanada de superior hierárquico, não se impõe à obediência; bem assim qualquer regra jurídica contratando o texto constitucional é regra não válida, cuja observância não obriga; nenhum juiz, para ficarmos apenas no campo judiciário, deve aplicar ao caso concreto uma norma inconstitucional, ainda naqueles casos em que foi editada respeitando o processo legislativo (argüição de inconstitucionalidade a tramitação de uma demanda – controle difuso ou concreto).20
A realização de justiça está comprometida com o Estado político-ideológico
no ordenamento jurídico. Portanto, a importância do utilitarismo do processo penal
garantista é o fundamento de sua existência, mas com a especial característica de
que é o instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais.
A Constituição da República Federativa do Brasil enumera os pressupostos
processuais-constitucionais para todos os ramos do Direito. O Direito Processual é o
caminho ou procedimento imprescindível a qualquer resolução de conflito de
interesses, ou seja, o direito material sem o direito processual não tem utilidade nas
relações sociais e jurídicas, ou vice-versa.
As normas existentes na Constituição Federal são voltadas para orientar e
impor a instrumentalidade destas garantias fundamentais, recebe o nome de Direito
Processual Constitucional. O estudo demonstra que a cooperação jurídica penal
internacional não deve suprimir os fundamentos e as garantias constitucionais, sob
pena de produzir um processo penal inconstitucional, que, no afã de exercer a
repressão ao crime transnacional, despreza o equilíbrio entre o Poder do Estado e a
Liberdade do cidadão.
Dentre as normas constitucionais vigentes, dispostas no capítulo da
Organização do Poder Judiciário, destaca-se a prestação jurisdicional, que evidencia
à prestação jurisdicional, que é delimitada na competência de cada justiça,
obedecidos as garantias fundamentais, que são diretrizes para o estado e a
sociedade conviverem harmonicamente.
O direito de ação está previsto na Constituição Federal, art. 5.º, XXXV: a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito. Logo, a
Carta Magna foi previdente e abrangente ao incluir a ameaça de direito como uma
violação a um direito fundamental. A Carta Magna não descreveu somente os
direitos fundamentais, porém, o meio de buscá-los e exercê-los, que são as
garantias processuais disponíveis, tais como: a) Habeas Corpus; b) Mandado de
segurança; c) ação popular e d) Mandado de Injunção.
Há alguns princípios processuais constantes na Constituição que são afetos
ao Direito Processual Civil, que, também, são norteadores ao Processo Penal. Ada
Pelegrini Grinover, diz que: “a análise da Constituição brasileira em vigor aponta
vários dispositivos a caracterizar a tutela constitucional da ação e do processo”,
21isto é, são princípios comuns ao Direito Processual Penal e Civil.
As regras de cunho garantistas, que impõem ao Estado e à própria
sociedade o respeito aos direitos individuais, inseridas na Constituição, constitui uma
iniciativa pioneira no Brasil, embora, desde a Constituição de 1824 já se contemplam
normas de direitos fundamentais.
A garantia da igualdade, também é um fator preponderante, e em dois
momentos aparece em forma de princípios: contraditório e a ampla defesa, que nada
mais são que idênticas oportunidades e impedindo que seja atribuído maior direito,
maior poder ou maiores deveres ou maiôs ônus a um do que a outro. Enfim, a
igualdade entre acusação e defesa é a regra constitucional processual. Há, ainda, a
21 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Teoria Geral do Processo. 15. ed., São Paulo: Malheiros,
íntima ligação entre o princípio da proporcionalidade e o princípio da isonomia,
embora possuam finalidades próprias.
A contribuição do estudo dos pressupostos e requisitos do princípio da
proporcionalidade na aplicação da cooperação jurídica penal internacional é de
grande importância, visto que, o Estado punitivo utiliza o grande aparato da prisão e
do seqüestro de bens sob o pretexto de garantir a futura aplicação da lei penal ou da
ordem pública para depois dela não resultar a privação de liberdade, mas sim a
suspensão processual em virtude do crime praticado. Portanto, na atuação do
princípio da proporcionalidade verifica-se no caso concreto, que a restrição ao
acusado é adequada, necessária e se justifica em face de valor maior a ser
protegido. Suzana Toledo de Barros ensina que a verificação da aplicação da
proporcionalidade deve ser aferida sob três etapas: “1. constatação de que se trata
de uma autêntica restrição; 2. verificação dos requisitos de admissibilidade
constitucional de restrição e 3. feita a comprovação de que a restrição atende ao
princípio da proporcionalidade.”
221.3 Os Princípios
Constitucionais do Direito Processual Penal
1.3.1 A Tutela Jurisdicional e o Devido Processo Legal
A Constituição Federal, art. 5.º, XXXV, descreve que: a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito, isso significa que a
atividade de prestação jurisdicional, somente deve ser prestada pelo Estado, através
do Poder Judiciário, ou seja, é uma atividade exclusiva do Estado. Isto quer dizer,
que o Poder Judiciário não poderá se esquivar de qualquer provocação ou pleito
requerido pelo cidadão, mesmo que seja uma ameaça ou uma prevenção de uma
futura ilegalidade.
A terminologia
jurisdição possui vários sentidos gramaticais. Segundo o
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, há descrição de dez significados, sendo o
sentido jurídico mais importante e determinador, “poder de um Estado, decorrente de
sua soberania, para editar leis e ministrar justiça”. A jurisdição é obrigação e função
do Estado, e os exercícios destas funções são definidos pela Constituição e
exercidos pelos Poderes Constituídos: 1) Executivo; 2) Legislativo e 3) Judiciário.
Os outros significados relacionam-se com a delimitação, atribuição, domínio
ou influência. Logo, o termo é empregado muitas vezes equivocadamente, por
exemplo:
escola sob a jurisdição, tendo neste caso, um significado de atribuição,
responsabilidade, circunscrição.
O termo jurisdição, abrange também, o campo político para aplicar a justiça,
nos casos de competência exclusiva do Congresso Nacional, art. 52 da Constituição
Federal.
A atual Constituição destacou a titularidade exclusiva do Ministério Público
sendo este titular da ação penal pública, art. 129, isto é, a persecutio criminis diante
do opino delicti perante a justiça cabe privativamente ao órgão do Estado incumbido
para tal mister, afirmando o princípio do promotor natural, sendo este um dos
princípios processuais-constitucionais.
admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no
prazo legal. Ressalta-se que, poderá haver a denúncia substitutiva, sendo aquela
elaborada pelo Ministério Público que substitui a ação penal subsidiária da pública
elaborada pela vítima, em caso de ser inepta.
Somente é cabível a ação penal privada subsidiária da pública no caso de
inércia do Ministério Público, destacando a impossibilidade na hipótese de
arquivamento. Não devendo o leitor confundir o arquivamento no caso requerido
pelo Ministério Público, por falta de provas, atipicidade do delito ou ausência de
autor de crime. O que é diferente do arquivamento dos autos por negligência ou
omissão do representante do Ministério Público, sendo neste último caso, autorizado
pela constituição a legitimação processual extra do próprio ofendido ou vítima do
crime. Contudo, caso seja arquivado por falta de provas, qualquer autos de processo
poderá ser reavivado ou desarquivado em caso de novas provas, a requerimento do
Ministério Público.
O instituto jurídico do Habeas Corpus, previsto no inciso LXVIII, diz que:
conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso
de poder, sendo ação constitucional apta a coibir qualquer lesão ou ameaça de
violência ou coação a sua liberdade.
O Mandado de Segurança previsto no inciso LXIX esclarece: conceder-se-á
mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por
"habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso
de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público. É um privilégio dos brasileiros ter à disposição tais
remédios constitucionais eficazes contra o forte poder de repressão do estado.
A Constituição Federal descreve três incisos, referentes aos princípios do
devido processo legal que complementam a prestação da tutela jurisdicional:
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Os dois primeiros incisos são comuns ao direito penal e ao direito processual
penal. O primeiro trata da proibição de extradição para o brasileiro, excetuando o
brasileiro naturalizado, que praticou crime comum ou envolveu-se em tráfico de
droga, antes da naturalização. O segundo inciso trata da proibição de extradição de
estrangeiro por motivo político ou de opinião.
do contraditório. Tem a finalidade de preservar três bens fundamentais para a
sobrevivência humana: vida, liberdade e propriedade.
Paulo Rangel leciona que: “a tramitação regular e legal de um processo é a
garantia dada ao cidadão de que seus direitos serão respeitados, não sendo
admissível nenhuma restrição aos mesmos que não prevista em lei.”
23A Constituição impõe a liberdade como regra e a restrição a liberdade
(prisão, seja de qualquer espécie), uma exceção a regra. As normas que garantem o
direito não podem restringí-lo ao mesmo tempo. Portanto, “o devido processo legal é
o princípio reitor de todo o arcabouço jurídico processual. Todos os outros derivam
dele.”
24É o princípio processual-penal-constitucional, previsto na Constituição
Federal de 1988 - CF/88, o norteador da tramitação do processo administrativo ou
judicial, dentre eles o processo penal. "Ninguém será privado da liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal". Em resumo, o princípio tem a finalidade
de assegurar a toda pessoa sua defesa em juízo ou “em não ser privado da vida,
liberdade ou propriedade, sem a garantia que pressupõe a tramitação de um
processo, segundo a forma estabelecida em lei.”
25Desta forma, o princípio significa
dizer que a todo cidadão é assegurado uma garantia de que seus direitos de
liberdade e a restrição de seus bens serão respeitados de acordo com as normas
previstas em lei, isto é, a tramitação regular do processo penal deverá seguir todas
as formalidades legais.
O princípio do due process of law é um pressuposto genérico do devido
processo legal derivado da Constituição Norte-americana, que originou da Magna
23 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, 2. 24 Idem, p. 3
Carta Inglesa, e sua caracterização se divide em duas espécies: substantive due
process e o procedural due process.
O substantive due process - o devido processo legal em sentido material -
manifesta-se em todos os campos do Direito, em seu aspecto material, ou seja, no
Direito Penal, podemos citar:1) legalidade; 2) irretroatividade e 3) anterioridade.
Logo, este princípio nada mais é do que o devido processo legal que pode ser
derivado também, de direito material - direito penal - e não unicamente de processo
penal.
O procedural due process - o devido processo legal em sentido processual
- é a expressão que alcança outro significado, que, no Processo Judicial Brasileiro,
significa propiciar a todo cidadão o devido processo legal, quando houver restrição
de sua liberdade ou de seus bens. Entretanto, o presente princípio visa resguardar
as garantias processual-penal-constitucional aos litigantes. Resumindo: “que a
cláusula procedural due process of law nada mais é do que a possibilidade efetiva
de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais
amplo possível, isto é, de ter his day in court, na denominação genérica da Suprema
Corte dos Estados Unidos.”
26Complementando o devido processo legal, merece destaque o princípio da
restrição dos atos judiciais, previsto no inciso LX - a lei só poderá restringir a
publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem, isto quer dizer que os atos proferidos pelo juiz poderão ser
restritos as partes quando estas o exigirem para preservarem as pessoas
envolvidas, como por exemplo, crime de estupro, atentado violento ao pudor,
homicídio entre parentes e crimes de drogas.
26 NERY JÚNIOR, Nelson, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, Revista dos
1.3.2 Juiz e o Promotor Natural
De acordo com art. 5.º, LIII, da Constituição Federal: ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Destacando que,o
juiz é o representante do Estado, através do Poder Judiciário, investido de jurisdição
e imparcial para resolver os conflitos entre as pessoas.
A Constituição Federal delimitou e distribuiu harmonicamente as
competências de jurisdição na medida da efetivação possível da especialidade, ou
seja, em ratione materiae, ratione funcionae, ratione loci ou funcional a qual deverá
ser julgada por cada tribunal, sendo a justiça distribuída por assunto. Há um capítulo
na Constituição descrevendo detalhadamente a organização judiciária da justiça
brasileira. Um exemplo é a competência do Supremo Tribunal Federal com poder
jurisdicional natural para processar e julgar Deputados Federais e Senadores.
O juiz natural nada mais é que, aquele juiz preestabelecido previamente no
local do fato, de acordo com as regras de competência para julgamento do crime
ocorrido e a organização judiciária aplicada. Além das garantias exigidas, tais como,
independência, imparcialidade, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade, art.
95, I, II e III, da Constituição Federal.
Ressalta-se, que a emenda constitucional 45/04, atualizou o art. 93, VII,
impondo ao juiz titular para residir na comarca em que atuar, salvo autorizado pelo
Tribunal, respectivo. Logo, é a reafirmação do princípio do Juiz Natural.
encontra-se no modelo constitucional republicano de organização da Justiça, como
uma descrição pormenorizada.
Em relação à competência da jurisdição penal, a Constituição fixou alguns
critérios: primeiro, de especialização quanto à matéria a ser processada e julgada;
segundo em razão da pessoa a ser julgada, que são os foros por prerrogativa de
função e terceiro e último, em razão do local, isto é, a justiça pode ser determinada
pelo local em que se consumou o crime.
A principal espécie de competência, que deve ser destacada para o estudo é
em
ratione materiae e a ratione personae. A competência em razão da matéria, é
verificada primeiramente pela justiça federal comum, da justiça militar (estadual e
federal), da justiça eleitoral e da justiça estadual comum. Salientando a garantia do
tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, art. 5.º, XXXVIII,
da CF.
A competência em razão da pessoa está prevista nos artigos 102, do
Supremo Tribunal Federal, 105, do Superior Tribunal de Justiça, 108, do Tribunal
Regional Federal e 96, do Tribunal de Justiça dos Estados. E ainda, a competência
dos órgãos políticos, tais como: Senado, Assembléia e Câmara de Vereadores.
O princípio do juiz natural é reafirmado com o inciso XXXVII, não haverá
juízo ou tribunal de exceção que proíbe a investidura de juiz ou tribunal sem
competência preestabelecida em lei anterior.
O promotor natural deve exercer seu ofício na comarca em foi lotado, diante
do imperativo do art. 93, VII, da Constituição Federal, que impôs ao Juiz residir na
comarca em que é titular. Entendemos, que se estende ao Membro do Ministério
Público também, desde que exerça o cargo na condição de titularidade,isto é,
necessita residir no mesmo local, sob pena de ferir o princípio do promotor natural.
Não é permitido a nomeação ou designação de promotor de segunda
instância para exercer função de atribuição de promotor de primeira instância. Além
de violar o princípio do promotor natural, existe uma proibição na lei complementar
75/93, a Lei Orgânica do Ministério Público da União, de procurador de justiça ser
atribuído função de promotor moderno. O Supremo Tribunal Federal manifestou seu
entendimento no acórdão do RE 387.974/2003-DF, impedindo tal procedimento do
Procurador-geral de Justiça.
1.3.3 Legalidade
O art. 5.º, II, diz que: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei. O presente princípio é comum ao direito penal
e processual penal, isto é, todo cidadão, incluindo o Estado, deve obedecer às
diretrizes das leis, ou seja, todos são obrigados a fazer ou deixar de fazer, somente
aquilo que está previsto em lei.
Noutro diapasão, destacam-se os princípios da reserva legal e da
anterioridade (art. 5.º, XXXIX, da CF e art. 1.º, do CP), considerados sinônimos para
o Direito Penal. A lei penal vigora para os fatos típicos acontecidos posteriormente a
publicação da lei, isto é, a lei penal não retroage, exceto para beneficiar o réu, para
fatos reais acontecidos antes da sua entrada em vigor, nulla poena sine lege.
Há tempos não muito distantes, quando vigorava no Estado o governo
brasileiro de exceção, expediam-se decretos-leis com descrição de fato típico e a
pena, sem qualquer critério de procedimento de elaboração e aprovação de lei.
Atualmente, de acordo com a nova ordem constitucional, é terminantemente
proibido, elaborar lei sem o devido processo legislativo, incluindo a proibição prevista
nas medidas provisórias, art. 62 da Constituição Federal.
Quando uma pessoa pratica um crime de ação penal pública, nasce para o
estado o poder-dever de exercer o direito de punir,
ius puniendi.
O princípio da legalidade é o da reserva de lei. “Primeiro significa a
submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo
legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas
matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal,”
27e a doutrina não raro
confunde ou não distingue suficientemente, por isso a irrelevância para os
criminalistas.
Consequentemente, para os penalistas, não há diferença ontológica entre
legalidade e a reserva legal, a diferença registra para os constitucionalistas, logo a
ciência processual penal e penal, a garantia determina que nenhum cidadão será
apanhado de surpresa na aplicação da norma, sendo que toda conduta
corresponderá a um tipo penal preexistente criado, sob pena de ser conduta atípica.
Exemplo real da falta de legislação penal punitiva de condutas, que ocorre
atualmente, é seqüestro relâmpago; fraude em concurso público e crimes praticados
mediante utilização da informática.
1.3.4 Presunção de Inocência ou não-culpabilidade
O art. 5.º, inciso LVII, diz que: ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Primeiro deve esclarecer o significado de sentença transitada em julgado,
quer dizer que não cabe mais recurso. É a coisa julgada material pode até ser
modificada, via Habeas Corpus ou Revisão Criminal, entretanto, somente para
beneficiar o condenado.
O princípio da inocência é o corolário da origem dos direitos fundamentais,
isto é, o acusado ou denunciado é considerado inocente durante o processo penal,
sendo declarado culpado (sentido genérico) após o trânsito em julgado de sentença
condenatória irrecorrível.
O princípio da inocência deve ser aplicado em qualquer tipo de prisão, seja
em flagrante, provisória, preventiva, cautelar e temporária, exceto a sentença
condenatória irrecorrível. A presunção da inocência é relativa –
juris tantum.
Lembrando que a presunção absoluta, é denominada
juris et de jure.
O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre o conflito entre a
presunção de inocência e a prisão provisória. Entendeu que é possível decretar
prisão cautelar de qualquer pessoa, mesmo presumindo sua culpabilidade.
absolutória. Há alguns respeitados autores que chamam de à não consideração
prévia de culpabilidade. Este princípio foi consagrado por força das normas e idéias
contidas na Declaração Universal do Direitos os Homem (1948) e do Pacto de São
José da Costa Rica (1992), sendo proibido um juízo prévio de condenação, sem o
julgamento final ou resultado jurídico imodificável.
Rogério Lauria Tucci, leciona que: “consiste na asseguração, ao imputado,
do direito de ser considerado inocente até que sentença penal condenatória venha a
transitar formalmente em julgado, sobrevindo, então, a coisa julgada de autoridade
relativa.”
28Na aplicação do princípio da presunção da inocência, deve ser levado em
conta o favor libertatis, regramento determinante de que, sem a certeza de que o
autor do crime cuja acusação lhe é imputada, apenas poderá ter validade após o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Do contrário, não há como
antecipar o resultado por uma conduta ainda não comprovada.
Diante dos argumentos anteriores, conclui-se que os arts. 393, I, 408, § 1.º,
do Código de Processo Penal, art. 35 da Lei 6.368/76, art. 3.º da Lei 9.613/98, art.
31 da Lei 7.492/86, art. 2.º, § 2.º, da Lei 8.072/90, são anti-garantistas.
Quanto ao art. 3.º da Lei de Lavagem de Dinheiro não há um entendimento
formado em razão da lei ser razoavelmente nova e ainda não chegou recursos nos
tribunais. Contudo, entende-se, que já nasceu sem eficácia neste ponto, por
contrariar a Constituição Federal, em especial, o princípio da inocência.
1.3.5 Vedação de Identificação Criminal
28 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 2. ed., São