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Cuidado para a vida longeva é tema de fórum em São Paulo

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Academic year: 2021

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Cuidado para a vida longeva é tema de fórum em São Paulo

Por Sônia A.M.P.S. Fuentes. Colaboração de Jô Gomes dos Reis.

Fotos: Fábio Salles Casa da Photo.

alar de longevidade é celebrar a vida, mas é também tocar em questões relevantes e urgentes para a sociedade. E isso engloba, sem dúvida, estar ciente dos cuidados que as pessoas idosas demandam.

A longevidade é uma das mais importantes conquistas da humanidade, mas tem consequências e nos coloca diante de grandes desafios. Foi com esse foco que a Bradesco Seguros coordenou a realização, dia 15 de outubro de 2013, de mais uma edição do VIII Fórum da Longevidade: “Cuidar”, consequência direta da longevidade”, em São Paulo. Neste oitavo evento, a empresa trouxe para os convidados os temas: Consequências e Desafios do Envelhecimento; Impactos do Ambiente na Vida Longeva e Cuidando de uma População Longeva, entre outros.

Foram abordados cuidados na quarta idade, finitude, falhas nas políticas públicas de atendimento aos idosos, novos arranjos de moradia, demografia, economia da longevidade, além de outras tantas questões.

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Para as discussões, o fórum reuniu especialistas dos Estados Unidos, Canadá, França, Espanha, Suíça, Argentina e Brasil, entre outros países. Entre os participantes, destacaram-se a epidemiologista e geriatra Linda P. Fried, reitora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia (EUA) e vice-presidente do Centro Médico da Universidade, que falou sobre os desafios de cuidar da quarta idade; a gerontóloga Jane Barrat, secretária geral da International Federation of Ageing (IFA), cuja palestra tratou dos efeitos dos ambientes sociais, culturais e físicos na vida dos idosos; e a geriatra Claudia Burlá, ex-secretária geral da Associação Internacional de Geriatria e Gerontologia, que abordou as questões éticas e filosóficas relacionadas ao processo do fim da vida.

Nos dias seguintes ao Fórum da Longevidade, aconteceu, no Rio de Janeiro, o Fórum Internacional da World Demographic Association (WDA) – até então realizado anualmente somente na cidade de St. Gallen, na Suíça.

No Brasil, o evento contou com apoio do Grupo Bradesco Seguros, do Centro de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (CEPE) e do Centro Internacional de Longevidade (International Longevity Centre – ILC-BR).

Como ocorre todo ano, o WDA reuniu acadêmicos, pesquisadores, representantes de entidades governamentais e não governamentais de diferentes países e continentes, para tratar de questões relacionadas ao envelhecimento populacional.

No Brasil, o encontro teve como tema “Muito Além da Prevenção e Tratamento: Desenvolvendo uma Cultura do Cuidado” (“Beyond Prevention and Treatment – Developing a Culture of Care”).

Ao longo de dois dias, os especialistas discutiram os aspectos do cuidado ao idoso, incluindo a necessidade de reforma geral da Seguridade Social, a capacitação de cuidadores, os modelos de gestão em diferentes países e a necessidade de adoção de políticas públicas baseadas nos direitos da pessoa idosa. Foi também debatido o desenvolvimento de infraestrutura de mobilidade para essa população e as dimensões éticas do cuidado com foco no fim de vida. Ao final do evento, foi divulgado um documento intitulado “Declaração do Rio de Janeiro sobre o cuidado como resposta à revolução da longevidade”. “As mudanças demográficas provocam impacto em todas as políticas governamentais, incluindo as áreas da saúde, da educação, da família, do trabalho, da previdência e da assistência”, ressalta Lúcio Flávio de Oliveira, presidente da Bradesco Vida e Previdência.

O médico geriatra Alexandre Kalache, ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), consultor do Grupo Bradesco Seguros e membro do Conselho da World Demographic Association, aponta que a taxa de fecundidade brasileira reduziu-se de forma acentuada, bem abaixo da necessidade para sustentar a reposição da população. “Estamos no meio de uma revolução demográfica. Pela primeira

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vez na história, o contingente de pessoas com 65 anos ou mais vai superar o das crianças de menos de cinco anos de idade no Brasil,” destacou Kalache, que também preside o Centro Internacional da Longevidade – Brasil e coordenou os dois fóruns.

“Para enfrentar esse processo generalizado e duradouro de envelhecimento populacional, é preciso repensar o modelo de atenção à pessoa idosa, incorporando novas estratégias e perspectivas de cuidados, propõe Kalache. O centro da atenção não deve mais ser a doença, e sim o idoso, com envolvimento da família, do cuidador e da comunidade”, completa.

Palestras – pontos de reflexão

Linda Fried inaugurou a manhã reforçando a necessidade de se preparar para

envelhecer. Para ela é essencial este preparo, já que estamos facilmente caminhando para a quarta idade. Neste sentido, ela sugere que seja criado um sistema de cuidados para as eventuais e esperadas vulnerabilidades da quarta idade. “Pensando que chegaremos facilmente à quarta idade, temos que nos preparar em todos os sentidos”. Inclui nesta preparação a possibilidade de contribuir com a sociedade nas terceira e quarta idade, com trabalhos voluntários. Ela contou sobre a experiência americana onde os idosos têm ajudado nas escolas públicas, e diz que ambos saem ganhando; as crianças melhoram e os idosos mantêm a cognição e atividade social em dia. “O objetivo de prevenir inabilidades é a grande chave”, ressaltou.

O grande número de idosos que vem surgindo e suas demandas trazem outras questões: “Como preparar a sociedade? Como transformar nosso sistema? Médicos e outros profissionais de saúde precisam ser treinados para esta nova era. A medicina geriátrica necessita muito investimento”, finalizou.

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Claudia Burlá abordou o tema da morte

e no morrer. Levando em conta que a vida é finita, Claudia nos leva a uma reflexão: a doença ou a pessoa? “Devemos nos preocupar como morrer e não se você vai morrer. É necessário também capacitar as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIS) para cuidar das pessoas que estão indo embora. É preciso um cuidado interdisciplinar”.

Ela sintetiza como seriam os cuidados no final da vida: LO-TECH (baixa tecnologia) e HI-TOUCH (altos toques).

Jane Barratt, gerontóloga com 35 anos de experiência, diz que a sociedade

falhou em relação aos idosos, e pergunta: “É possível cuidar sem cuidado? Sem preparo? O mundo está envelhecendo, e os impactos resultantes são inúmeros: mudanças no mercado de trabalho, mudanças nos serviços oferecidos e mudanças nas famílias e em tantos outros aspectos. O cuidar é intrínseco ao ser humano. Mas apesar das iniciativas de cuidado aos idosos (mesmo sendo insuficientes), o elemento emocional primordial foi deixado de lado: o toque”.

O que vemos em ascensão é um grande business voltado para o envelhecimento. É preciso um reenquadramento do cuidado voltado aos idosos. É preciso criar novos contratos sociais; desenvolver modelos de cuidados significativos e eficientes; acabar com os mitos sobre a velhice. Não existe uma pílula para se manter ativo, é preciso ser ativo. Nós precisamos de massa muscular para ficarmos fortes, nos sentirmos bem e podermos nos conectar uns com outros. Mas na verdade, atualmente vemos o aumento do isolamento, má nutrição, famílias desconectas, as quais passaram por mudanças drásticas, sofrendo risco de prejudicar os idosos. É preciso um trabalho de treino para com a família e para com a comunidade de como tratar os idosos.

Durante o intervalo no Forum Walter Santiago (77 anos), morador da República em Santos, nos deu uma canja, e cantou com seu vozeirão.

Ana Maria Camarano (IPEA) – Cuidados de Longa duração - “Como se

preparar para o período da fragilidade? Temos motivação? Não nos preparamos para envelhecer. E a demanda por cuidados só faz aumentar. Acreditamos que a mulher vai cuidar, mas, com a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho, o arranjo familiar hoje é diferente. A Constituição de 1988 e o Estatuto do Idoso (2003) consagram que a família deve cuidar do idoso, mas se esquecem de que há mudanças significativas na família e lutas de poder. E a situação se divide; estado x família. Os cuidados formais são muito

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caros, os cuidados informais são diversos e na maioria das vezes cabe à família.

O que é preciso pensar para o Brasil? A maioria dos cuidadores de idosos no Brasil são filhos (as). Pensar em apoiar as pessoas que são cuidadoras na família, muitas vezes uma filha, que abandona seu trabalho, cuida deste idoso, e fica sem segurança trabalhista, sem documentação e aposentadoria, necessita cuidados específicos, não dá para dispensar o apoio da família, é preciso apoiá-la e compensá-la.”

Yeda Duarte traz a questão da complexidade no tema: curso de cuidadores,

cuidando de uma população longeva. “A sociedade não vê os cuidadores. Hoje em dia há 1.400 milhões pessoas com mais de 60 anos, e ¼ da população vai precisar de ajuda. O “cuidar” será uma consequência da revolução da longevidade. O cuidar é muito mais que uma ação, é uma atitude, é um fenômeno universal. Cuidado = essência da vida humana. O envelhecimento não pode ser visto como uma doença, mas sim como uma fase da vida, fase do desenvolvimento. Não vivemos só de perdas.”

Impressões VIII Fórum da Longevidade: “Cuidar”, consequência direta da longevidade?

“O cuidar”, como tema central do Fórum da Longevidade, ficou marcado na fala acertada da dra. Yeda, que chamou a atenção pelo fato de que “cuidar” nada mais é do que a consequência direta da longevidade. Ficamos mais velhos e mais longevos, e, junto com isto, novas necessidades vão aparecendo, dentre elas o cuidar.

A questão da moradia também foi bem discutida e houve um momento para todos refletirem sobre a necessidade de uma adaptação para a nova geração de idosos, e as demandas que teremos no futuro. Quem vai cuidar de nós? É uma pergunta que não quer calar...

É preciso investir em novas políticas públicas e privadas para acelerar as investidas e potencializar novos profissionais para essa enorme demanda, marcada por idosos, um grande contingente de pessoas com mais de 85 anos, na quarta idade. Em relação a quarta idade, Linda Fried diz que precisamos rever como chegaremos lá. Sentados no sofá de pijama, ou contribuindo para uma sociedade melhor? Segundo Fried, podemos quando possível, sim, contribuir com trabalho voluntário. A vasta experiência e sabedoria dos idosos não podem ser descartadas. São valiosas e podem agregar ganhos para ambos os lados – tanto para o jovem, que aprende com a experiência, quanto para o idoso que ao ensinar fortalece suas reservas cognitivas.

O futuro é o presente gasto. Seremos nós os novos desgastados com necessidades ímpares e singulares? E quem vai dar conta de tudo isto? A

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tecnologia? Ou seremos ¼ da população vagando, tal qual Saramago ilustrou1, perdidos em busca de algo que nem sabemos onde está. Ou melhor, encarcerados na nossa própria cegueira, desobrigados a encarar o inexorável da vida e do humano?

Para isto, é preciso cuidar. E o palestrante que mais deu ênfase nesta questão foi Dan Buettner, autor do conceito das Blue Zones, que ilustrou sua fala com o exemplo dos países com maior índice de pessoas idosas bem cuidadas atualmente no mundo. Não dá para sair, como ele fez, pegar um jato voar para Okynawa, para Costa Rica, tão pouco saborear e degustar as delícias da Sardenha na hora em que bem quisermos, mas... é possível construir sua blue zone dentro de seu “aquário” particular?

De acordo com Buettner, sim. Isso vai depender da ação de cada um de nós. Na maratona da vida, se preparar, ter um objetivo, lutar por algo, são ingredientes preciosos e necessários quando o quesito maior é enfrentar as morbidades que podem nos rondar no final da linha de chegada. Chegar lá forte e com saúde é possível? Parece que é isto que todos querem. Mas aceitar a finitude e nossa vulnerabilidade às fragilidades, e ainda assim se alegrar com a chegada da velhice, com certeza não é tarefa fácil.

Que possamos refletir acerca de nossas inevitáveis perdas futuras e aproveitarmos toda a potência e energia que nos cercam hoje, enquanto jovens atores desta empreitada chamada vida que, infelizmente ou felizmente tem prazo certo, tem hora marcada, quer queira, quer não!

Zonas azuis, o segredo de uma vida longa2, por Jô Gomes dos Reis

Uma curiosidade que vem intrigando pesquisadores é o alto índice de longevidade entre habitantes de alguns lugares do mundo. Para descobrir os segredos dessas populações mais longevas, de pessoas que chegam e até ultrapassam os 100 anos, o escritor da National Geographic, Dan Buettner, viajou até as chamadas Zonas Azuis - locais das populações mais longevas do mundo. O escritor esteve no 8º Fórum da Longevidade falando sobre sua pesquisa. Veja quais são as Zonas Azuis e que lições elas nos trazem.

Sardenha, Itália

Esta ilha italiana do Mediterrâneo tem a população mais longeva do mundo. De terreno acidentado e pedregoso, é habitada por pastores de ovelhas e agricultores que vivem nas 17 aldeias em casinhas caiadas de branco.

Os moradores da ilha têm uma atitude positiva em relação aos seus anciãos; dedicam um tempo para apreciar a beleza dos arredores; têm senso de humor.

1

Saramago, J. (1995). Ensaio Sobre a Cegueira. São Paulo, Companhia das Letras.

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Consomem leite e queijo de cabra, muito vinho tinto, favas, e cevada. Os centenários da Sardenha caminham longas distâncias pastoreando e sofrem de metade do número de fraturas que os italianos de outras regiões.

Ikaria, Grécia

No mar Egeu, ao largo da costa da Turquia, fica a ilha grega de Ikaria – e seus habitantes são três vezes mais propensos a chegar aos 90 anos do que nos Estados Unidos. A população vive isolada, conservam muitas tradições, valores familiares, e tem saúde e longa vida. Ikaria também é famosa por suas fontes termais minerais, que têm benefícios terapêuticos.

Doenças crônicas são raras em Ikaria: sua população tem 20% menos câncer, a metade da taxa de doença cardiovascular de outras regiões e quase nenhum demência. Moradores de uma área montanhosa vivem da agricultura ou da pesca e são muito ativos. A dieta - uma variação da mediterrânea - é rica em azeite de oliva, grãos integrais, frutas e peixe. O leite de cabra e vinho, ricos em antioxidantes, também fazem parte da dieta. O cotidiano inclui uma sesta e reunião com amigos – o que relaxa e evita o estresse.

Okinawa, Japão

Okinawa, um arquipélago do Pacífico a mais de 500 km da costa do Japão, é chamado de Terra dos Imortais. Seus habitantes têm menos câncer, doenças cardíacas e demência do que os americanos. Desde a invasão do fast food, a expectativa de vida dos nativos despencou, e alguns pais estão vivendo mais do que os filhos.

Os habitantes de Okinawa têm uma prática para ingerir menos calorias: antes de cada refeição, eles dizem, hari hachi bu, que significa "comer até estar 80% saciado”. Passam muito tempo cultivando a horta, alimentam-se das verduras e dos legumes e tomam sol, garantindo a absorção de vitamina D, boa para a saúde dos ossos. Seus moradores tentam manter uma visão positiva da vida, vivem para ikigai, que significa ter um objetivo na vida. Têm um grupo de amigos, os moais, que atuam como redes de apoio social, emocional e financeiro.

Loma Linda, California (EUA)

Em Loma Linda, na Califórnia (100km de Los Angeles), vivem aproximadamente nove mil adventistas do sétimo dia - as pessoas de vida mais longa nos Estados Unidos. A Igreja Adventista fundada na década de 1840 tem uma cultura focada na saúde, com incentivo ao vegetarianismo, e restrição do álcool, tabagismo e refrigerantes. Eles têm muitos spas, acreditam na medicina preventiva e praticam exercício regularmente.

Os adventistas têm baixas taxas de doenças cardíacas, diabetes e câncer, em comparação com o americano médio. Um dos segredos é a atividade física regular. Eles também se reúnem semanalmente para o culto e valorizam a família. O voluntariado, prática comum entre eles, ajuda a evitar depressão e aumenta o círculo social das pessoas.

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Nicoya, Costa Rica

A Península de Nicoya, uma faixa de 80 quilômetros de extensão, fica ao sul da fronteira com a Nicarágua, ao longo da costa do Pacífico. O perfil de longevidade única de Nicoya tem sua base na água rica em cálcio e magnésia. Como as outras zonas azuis, Nicoya é uma região isolada: até 2003 era acessível apenas por balsa, quando foi construída uma ponte. Um habitante de Nicoya aos 60 anos tem cerca de duas vezes a chance de chegar a 90 dos que os norte-americanos, embora a Costa Rica gaste com saúde apenas 15 por cento do que os Estados Unidos. Nicoya tem as menores taxas de câncer no país.

Os centenários de Nicoya têm um plan de vida (projeto de vida), são ligados à família, são muito ativos e tomam muito sol. A fé tem um papel importante no estilo de vida deles – contar com a ajuda da religião alivia o estresse.

Dormem uma média de 8 horas por dia - pela falta de eletricidade, vão se deitar por volta de 20h30 acordam com o sol. Comem frutas coloridas e nutritivas, como o maroñon, um fruto vermelho-alaranjado com mais vitamina C do que a laranja, e anona. Na dieta têm arroz, feijão e milho.

Longevidade rende premiações

Mais uma vez o Fórum da Longevidade anunciou os vencedores do Prêmio Longevidade, categorias Jornalismo e Histórias de Vida.

A matéria "Sexo maduro e sem tabus", escrita pela jornalista Flávia Duarte, da Revista do Correio, do jornal Correio Braziliense, venceu o Prêmio

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Longevidade Mídia Impressa. Em Mídia Eletrônica, venceu o programa Bem Estar (Rede Globo), com o programa “Viva bem até os 100”.

Na categoria Histórias de Vida, a psicóloga, mestre em gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e doutoranda em Psicologia pela mesma instituição, Sônia A.M.P.S. Fuentes (foto), ficou com o terceiro lugar, com o texto “Yolanda demenciou Yolanda”, em que relata, de maneira surpreendente e pouco usual, o processo de demência de uma paciente e sua nova forma de ver o mundo. A idosa é moradora de uma Casa de Repouso em São Paulo, na qual Sonia Fuentes desenvolve sua pesquisa de doutorado na área de Psicologia Clínica da PUC-SP. Sonia é grande colaboradora do Portal do Envelhecimento. Leia o relato na íntegra a seguir:

Yolanda demenciou Yolanda, por Sonia A.M.P.S. Fuentes

Quem vem me buscar?

Como é que eu vou embora, irmã?

Estas são as palavras mais repetidas por Yolanda nos últimos 12 meses. Yolanda demenciou Yolanda. Dimenticare em italiano significa esquecer. Yolanda esqueceu sua identidade? Não.

Se pensarmos que dentro de uma pessoa existem várias outras, Yolanda esqueceu algumas. Esqueceu aquelas que não mais a interessam, aquelas que não mais fazem sentido ou que ela não mais sabe lidar. Não atribuindo as demências unicamente à quadros psicossociais, e sim a uma multiplicidade de fatores, é fato que alguns quadros de Alzheimer são explicados à luz da Psicanálise como estados resultantes de uma fuga da realidade, tal qual um mecanismo de defesa. Um importante estudo demonstrou que, após o fatídico Golpe da Poupança da era Collor (1990), muitos idosos que perderam seu dinheiro, confiscado da poupança, perderam junto sonhos em construção, de uma vida sabida finita. Sem poder suportar tal estresse, aliviaram-se nas demências! Bela escapada. Desencanto? Desistência? Sublimação?

Será que sofrem com isto? Pode ser que sim. A angústia de não saber onde estão, e ou, o que são, não deve ser pouca coisa. Foge ao inimaginável de alguém cognitivamente “são”.

É muito difícil aceitar a demência em uma mulher que outrora fora empresária extremamente vaidosa, trabalhadora, comprometida e responsável. O que houve com a dinâmica desta vida? Um golpe monetário sacudiu sua sanidade? E, aos poucos... os primeiros sintomas de um grande mal-estar se instalaram: mau-humor, pequenos esquecimentos, tonturas e confusão mental. Exames seguiram-se, visitas a médicos, neurologistas, geriatras, até o derradeiro diagnóstico final, que, quando chegou, já não mais era preciso. Yolanda chora, Yolanda ri, e, no meio de tantas lágrimas, se refaz quando é chamada para

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ajudar e, ou partilhar na Casa de Repouso onde vive.

Yolanda dobra e empilha roupas lavadas, arruma camas, enxuga louça, ajeita as vestimentas e calçados de outras idosas desarrumadas, e busca a ordem estética por onde passa. Nestas horas, entra em cena a Yolanda resolvida, e brincalhona. Tem um coração bondoso. Valores mantidos, incrustados na alma de toda uma vida.

E, assim, muitas vezes consegue colocar ordem no caos de um asilo, ora tumultuado e desorganizado. E não é só boa nisto, não. Yolanda nos surpreende com seu grande equilíbrio nos jogos com bolas, bambolês e argolas. Tem uma concentração fora de série e sorri muito de felicidade ao ganhar nas gincanas propostas. Quando a atividade é teatro ou música, Yolanda artista nos diverte!

Mas... Quem vem me buscar?

Às vezes esta pergunta soa como um pedido de busca daquela Yolanda de antes, daquela mulher guerreira e batalhadora. Para quem nunca a viu antes, ainda é possível identificar nos fragmentos da velha nova Yolanda a mulher criativa, generosa, risonha, dançarina, cantora, cooperativa e amiga de todos. Dá até curiosidade de voltar no tempo da Yolanda moça, pois restam ainda migalhas de boas histórias antigas dela em seu discurso de hoje sobre outrora: da vida gostosa no interior, dos bailes da mocidade e das suas namorandices!!!!! Yolanda reluz de alegria ao recontar suas peraltices. E dá gosto escutar. Ela consegue com muita doçura atravessar sua demência e irradiar luz no mais cinzento de nossos dias.

Data de recebimento: 23/10/2013; Data de aceite: 23/10/2013.

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Sonia A.M.P.S. Fuentes - psicóloga, mestre em gerontologia pela PUC-SP e doutoranda em Psicologia pela mesma instituição. Email: soniapratafuentes@gmail.com.

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