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Perspetivas atuais sobre a proteção jurídica da pessoa idosa vítima de violência familiar

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(1)

w w w . e l s e v i e r . p t / r p s p

Artigo

original

Perspetivas

atuais

sobre

a

protec¸ão

jurídica

da

pessoa

idosa

vítima

de

violência

familiar:

contributo

para

uma

investigac¸ão

em

saúde

pública

Rita

Fonseca

a

,

Inês

Gomes

b

,

Paula

Lobato

Faria

c

e

Ana

Paula

Gil

a,∗

aDepartamentodeEpidemiologia,InstitutoNacionaldeSaúdeDoutorRicardoJorge,I.P.,Lisboa,Portugal bCesNova-CentrodeEstudosdeSociologiadaUniversidadeNovadeLisboa,Lisboa,Portugal

cEscolaNacionaldeSaúdePública,UniversidadeNovadeLisboa,Lisboa,Portugal

informação

sobre

o

artigo

Historialdoartigo: Recebidoa12deabrilde2012 Aceitea5denovembrode2012 On-linea24dejaneirode2013 Palavras-chave: Pessoaidosa Violência Contextofamiliar Direitocomparado

r

e

s

u

m

o

Aviolênciacontrapessoasidosasemcontextofamiliarconstituiumproblemadesaúde

públicanumasociedadeenvelhecida.Adimensãodoproblemaexigearealizac¸ãodeestudos

quepermitamummaiorconhecimentodestefenómenonasociedadeportuguesa,

justifi-candoasintervenc¸õesdesaúdecomojurídico-penais.Esteartigoapresentaumaabordagem

terminológicadosconceitos,bemcomoumaoperacionalizac¸ãodascondutasdescritasface

àlegislac¸ãoportuguesa.Considerandoacomplexidadedestefenómeno,entendeu-se

perti-nentearealizac¸ãodeumaanálisededireitocomparado,àluzdocasoportuguês.Noâmbito

dosordenamentosjurídicosestudados,foramconsideradosaquelesqueprocuramacautelar

osdireitossociaisdapessoaidosa.

©2012EscolaNacionaldeSaúdePública.PublicadoporElsevierEspaña,S.L.Todosos

direitosreservados.

Current

perspectives

on

the

legal

protection

of

the

elderly

victim

of

family

violence:

a

contribution

to

public

health

research

Keywords: Elderlyperson Violence Familycontext Comparativelaw

a

b

s

t

r

a

c

t

Theviolenceagainstelderlypeopleinthefamilycontextisarecognizedproblemofpublic

healthinanageingsociety.Thedimensionoftheproblemrequiresthedevelopmentof

pre-valencestudiesinordertodeepenourknowledgeaboutitinPortuguesesociety;inorder

tojustifyhealthinterventionandlegalframework.Theaimofthisarticleistoproposea

terminologicalapproachoftheconceptsandtheoperationalizationofabusiveconducts

accordingtothePortugueseLaw.Giventhecomplexityofthephenomenon,a

compara-tivelawanalysiswasconsideredrelevantinthelightofPortuguesecase.Inaddition,in

thecaseoftheinternationaljurisdictionsanalyzed,weadoptedthosethatbetterreflect

theprotectionofthesocialrightsoftheelderly.

©2012EscolaNacionaldeSaúdePública.PublishedbyElsevierEspaña,S.L.Allrights

reserved.

Autorparacorrespondência.

Correioeletrónico:ana.gil@insa.min-saude.pt(P.Gil).

0870-9025/$–seefrontmatter©2012EscolaNacionaldeSaúdePública.PublicadoporElsevierEspaña,S.L.Todososdireitosreservados.

(2)

Introduc¸ão

O fenómeno da violência, nas suas diferentes formas, é

hojereconhecido comoumproblemadesaúde,ede saúde

pública em especial1. Esta concec¸ão surge na década de

80,faceàconstatac¸ão de queestesfenómenos, que

repre-sentamumadasprincipaiscausasdesofrimentohumano2,

podemserprevenidosseosfatoresderiscoqueospotenciam

foremconhecidosedefinidaumaestratégiadeintervenc¸ão

pública.Énesteâmbitoqueaatuac¸ãoemsaúdepúblicase

tornanecessária,considerandooseuobjetivo–assegurar a

promoc¸ão,protec¸ãoemelhoriadasaúdedosindivíduosedas

populac¸ões3bemcomoaabordagemmultidisciplinare

base-adanaevidência1,asquaissãofundamentaisquandosetrata

deestudarecompreenderestaeoutrasrealidades.

De entre as diversas formas de violência, a violência

emcontextofamiliartemvindoaganharvisibilidadesocial

e jurídica, nomeadamente através da adoc¸ão de regimes

específicos de protec¸ão de mulheres e de menores. Neste

sentido, a violência contra as pessoas idosas, que se

tra-duznumagrave violac¸ãodosdireitoshumanos4,não pode

enãodeveserentendidacomo umfenómenoisolado,

con-siderando,emespecial,oaumentodosrelatosdeepisódios

verificadosemcontextofamiliar5.Estesfenómenos,

descri-tosporJuan Mu ˜nozTortosacomo «unproblemaocultoy una

delasúltimasformasdeviolenciainterpersonalidentificadacomo problemasocial»6,sãohojegeneralizadoseglobalmente

reco-nhecidos,sendoassumidoeaceitequeocorremem«qualquer

lugar,perpetradoporqualquerpessoa,aindaque

frequente-mentesetratedeumfamiliar»7.

Adimensãodoproblema,dequesetemumanoc¸ão

dimi-nuta,atentacontraareservadavidafamiliaremqueocorre,

eoscustossociais,económicoseindividuaisassociadosaos

fenómenosdeviolência8,9,nãorecomendamarealizac¸ão

deummaiornúmerodeestudosquepermitamoseu

conhe-cimentoeposteriorprevenc¸ão,comocolocaramaquestãoda

violênciacontraaspessoasidosasnasagendaspolíticas

inter-nacionais,elheconferirammaiorvisibilidadesocial10,facto

estepotenciadoigualmentepeloenvelhecimentodemográfico

dassociedadescontemporâneas.

No entanto, segundo a Organizac¸ão Mundial de Saúde

(OMS),énecessárioirmaisalém,considerandoqueas

polí-ticas adotadas não terão qualquer eficácia se não forem

efetivamenteaplicadas,reconhecendoaindaainexistência,

namaioriadosordenamentosjurídicos,deumquadrolegal

próprio,adequadoàprotec¸ãodapessoaidosavítimademaus

tratoseviolência11,12.

Na análise dos principais documentos emanados sobre

o fenómeno da violência pelos organismos internacionais,

comosejamaOMSeaOrganizac¸ãodasNac¸õesUnidas(ONU),

identifica-seumprimeiroproblema:aausênciadeumamatriz

conceptual clara entre as diferentes terminologias

utiliza-das,i.e. violência/abuso/maus tratos. Esta heterogeneidade

conceptualtemconsequênciasinevitáveisnaformacomose

avaliaesemedemasdiferentesformasdeviolência,peloqueé

importanteprocurarumquadroconceptualquepermita

agre-garconsensos,talcomoreferemPauleLarionaoafirmarem

«Esimprescindibleestableceracuerdossobreladefiniciónprecisadel conceptodemalostratosalosancianos,sobreloslímitesdelmismo

ysobrelastipologíasenlasqueseconcreta.[...]Noobstante, cual-quier definiciónde estetipode problemassueletenerdificultades derivadasdeunaciertavaguedadeimprecisiónquedejapococlaros loslímitesdelconceptoysuelepresentarproblemasdeinterpretación derivadosderelativismossocioculturalesysesgosdetipo profesio-nalypersonal»10.Umsegundoproblemadetetável,àpartida,

nestaárea,refere-seàausênciadeumaoperacionalizac¸ãoda

tipificac¸ão criminalprevistanalei,havendonecessidadede

«traduzir» oscrimestipificadosemcondutas,demodoa

agi-lizaraconformidadeentrealeiportuguesaeosresultados

obtidosatravésdainvestigac¸ãosociológicae/ou

epidemioló-gicaqueserealizanoterreno.

Sendocertoqueapenalizac¸ãoemsedecriminalda

violên-ciafamiliarsereveladissuasoraesancionatória,averdadeé

quetalnãoimpedequeaspessoasidosasvítimasde

violên-ciasoframmuitasvezesdanosgravessemosdenunciarem10,

oque,persi,justificaumaanálisemaisaprofundadadaqueles

dispositivosjurídico-penais,noâmbitodopresenteartigo.

Face aos problemas descritos, este artigo visará, numa

primeiraparte,denaturezateórica,identificareanalisarde

formacríticaaterminologiaemconflito,nosentidode

clarifi-care,numasegundaparte,procederaumaanálisedesoluc¸ões

normativasadotadasemoutrosordenamentosjurídicospara

assituac¸õesdeviolênciasubjudice,deformaapodermos,em

Portugal,conhecereponderaraadoc¸ãoderespostaslegaisque

melhoracautelamosdireitoseinteressesdaspessoasidosas

vitimasdeviolênciaemcontextofamiliar.

Considerou-se serfundamental, numa terceiraparte de

naturezamaispragmática,proporumamatrizanalíticaque

permita fazer a correspondência entre os crimes

tipifica-dosna leiportuguesa eosconceitosoperatóriosutilizados

pela literatura especializada nesta área. Pretende-se

cons-truirummodelodeanálisequepermita«medir» ascondutas

que irão ser alvo de avaliac¸ão num estudode prevalência

adesenvolvernoâmbitodoprojetodeinvestigac¸ão

financi-adopelaFundac¸ãoparaaCiênciaeTecnologiaa,denominado

«EnvelhecimentoeViolência(2011-2014)b»

Este artigo pretenderealizar umdesafio de reflexão,ou

seja, propor «ex novo» um quadro operacional que fac¸a

aO projeto «Envelhecimento e Violência» (2011-2014) é

finan-ciado pela Fundac¸ão para a Ciência e Tecnologia

(PDTC/CS-SOC/110311/2009) etemcomo entidade proponenteoInstituto

NacionaldeSaúdeDoutorRicardoJorge,I.P.,ecomoentidades

par-ceirasoCESNOVA–FaculdadedeCiênciasSociaiseHumanasda

UNL,oInstitutoNacionaldeMedicinaLegaleCiênciasForenses,

I.P.(INMLCF;I.P.),aAssociac¸ãoPortuguesadeApoioàVitima(APAV)

eoInstitutodaSeguranc¸aSocialI.P.(ISS,I.P.)eGuardaNacional

Republicana.

bEsta reflexão insere-se num projeto de investigac¸ão

«Envelhecimento e Violência» (2011-2014), que tem como

obje-tivo identificar e caracterizar as situac¸ões de violência(física,

psicológica,financeira,sexualedenegligência)aquese

encon-tramsujeitasaspessoascom60emaisanos,emcontextofamiliar,

residentesemPortugalcontinental,demodoaestimara

preva-lênciadoproblemaeosfatoresderiscoquecontribuemparaasua

ocorrência.Apardocálculodaprevalênciadoproblemaeapartir

dasinalizac¸ãodevítimasprovenientesdasentidadesparceiras,

pretende-seaprofundaroconhecimentosobreavitimizac¸ão,as

condic¸ões de ocorrência, em contextofamiliare os fatores de

(3)

corresponderàterminologiaadotadanaliteraturarelativaa

condutasdeviolênciaalinguagemjurídico-legaldoscrimes

tipificadosnaleiportuguesarelevantesnestaárea.

A

questão

terminológica:

os

conceitos

de

«

violência»/«abuso»/«maus

tratos»

Talcomomencionado,aprimeiranecessidadesentidasobre

aproblemática em estudono presente artigo foi a de

cla-rificar a terminologia fundamental a utilizar no mesmo,

deformaaresponderaquestõescomo:«Dequesefalaquando

seusaaexpressãoviolência?Oqueéoabuso?Oquesãoosmaus tratos?Oquesignificanegligência?»

Numaperspetivasistemáticaemquesepretendiam

inte-grarasdiversasabordagenspresentesnaliteraturaoriunda

deentidadesidóneas,recolheu-seinformac¸ãonosprincipais

documentosinternacionaisrelativosàtemáticadaviolência

contrapessoasidosas,emespecial,dosdocumentos

emana-dosdaOMS,ONUedaOrganizac¸ãodasNac¸õesUnidasparaa

Educac¸ão,aCiênciaeaCultura(UNESCO),entreoutras.

Umaprimeiraincursãonestestextospermitiu-nosverificar

adificuldadenaidentificac¸ãodeumamatrizconceptualclara

entreasdiferentesterminologias adotadas.Defacto,o uso

dosconceitosde«abuso»e«maustratos»surgedeumaforma

quasesinónima,talcomosucedenaDeclarac¸ãodeTorontode

2002,sobreabusodepessoasidosas11,ounoRelatórioMundial

sobreViolênciaeSaúde,que,nassuasmúltiplastraduc¸ões,

recorreaambosostermossemdistinc¸ão.Naversãoem

lín-guainglesa, otermo utilizadoé«elderabuse»1, talcomo se

verificanaversãoemitaliano,querecorreàexpressão«abuso

suglianziani»13.asversõesemfrancêsecastelhanorecorrem

àexpressão«maltraitance»14 e«maltrato»15,como emlíngua

alemã,queadotaaexpressão«MisshandlungalterMenschen»16.

Nospróximosparágrafosdesenvolvem-seestasideiasem

par-ticularparacadaumdosconceitossobanálise.

Oconceitode«violência»

Comec¸amosporapresentarosconceitosdeviolência

formu-lados em2002pororganizac¸ões internacionais deimpacto

relevantenestaárea,emqueaprimeiraéaOMS,naqualse

definea«violênciacontraaspessoasidosas»como«um ato

únicoourepetido,ouafaltadeumaac¸ãoapropriada,queocorreno âmbitodequalquerrelacionamentoondehajaumaexpectativade confianc¸a,quecausemalouaflic¸ãoaumapessoamaisvelha»11.

Porsuavez,aONUdefineviolência,emtermosgerais,como

«todooatodenaturezaviolentaqueacarreta,outemoriscode acar-retar,um prejuízofísico,sexual,oupsicológico;quepodeimplicar ameac¸as,negligência,explorac¸ão,constrangimento,privac¸ão arbi-tráriadaliberdade,tantonoseiodavidapúblicacomoprivada»17.

adefinic¸ãoavanc¸adapela2.aAssembleiaMundialsobre

Enve-lhecimentoassemelha-seàadotadapelaOMS:«qualquerato

únicoourepetido,oufaltadeac¸ãoapropriadaqueocorraemqualquer relac¸ão,supostamentedeconfianc¸a,quecausedanoouangústia,a umapessoadeidade»18.

Astrêsdefinic¸ões transcritasassentamempressupostos

comuns: um ato ou conduta, variável de acordo com a sua

natureza etipo, uma relac¸ão interpessoalde confianc¸a e uma

consequênciaqueprovocaumefeito,obrigatoriamente tradu-zidonumdanofísicoe/oumental.

NoRelatórioMundialsobreViolênciaeSaúde,aviolência

contraa pessoaidosa adquire aindaumamaior

abrangên-ciaquandoédefinidacomo«ousointencionaldeforc¸afísicaou

poder,sobaformadeameac¸areal,contrasimesmo,contraoutra pessoa,grupooucomunidade,doqualresulte,ouexistaa proba-bilidadederesultar,umalesãofísicaoupsicológica,morte,atraso dedesenvolvimento,ouqualquerformadeprejuízoouprivac¸ão»1.

Nesta definic¸ãosão abrangidos diversossubconceitos para

densificaroconceitoprincipal,taiscomooatodeviolentar,a

veemência,airascibilidade,oabusodeforc¸a,atirania,aopressão,

bemcomooconstrangimentoeacoac¸ão,nãosecontemplando

assituac¸ões emque nãohajaintencionalidade noagir.No

relatórioaquireferido,aOMSconsideraaindacomoformade

violênciaaprivac¸ãoeanegligência,reconhecendo-sea

neces-sidadededesenharumaestratégiaglobalparaasuaprevenc¸ão,na

qualforamdefinidastrêsgrandesáreas:negligência(isolamento,

abandonoeexclusãosocial);violac¸ão(direitoshumanoslegais

emédicos)eaprivac¸ão(eleic¸ão,tomadadedecisões,situac¸ão

social,gestãoeconómicaederespeito).

Noqueconcerneànaturezadosatos,aOMS,norelatório

aquicitado,identificaquatroformasessenciaisdeviolência:

afísica,asexual,apsicológicaeaprivac¸ãoounegligência.

Noentanto,nocapítuloquinto,dedicadoàviolênciacontraa

pessoaidosa,àscategoriasreferidasacresceaviolência

finan-ceiraoumaterial,aqualcontemplaouso«ilegaleimpróprio»

dopatrimóniodapessoaidosa1.Destemodo,eapesardouso

generalizado doconceitode violêncianoreferido relatório,

nocapítulodestinadoàpessoaidosa,aterminologiausada

éoconceitodeabuso1,peloquesepodeconcluir

essencial-menteatravésdaleituradestedocumentoquenãoexisteuma

uniformidadeoficialnostermosutilizados.

No ponto seguinte, abordaremoso conceito de abuso, o

qual,comoveremos,apresentaumsignificadodiversodo

con-ceitodeviolência.

Oconceitode«abuso»

A problemática em torno dos conceitos em causa não é

recente.Noqueserefereaoconceitode«abuso»,têm sido

realizadastentativasnosentidodeseencontrarumadefinic¸ão

capazdeagregarconsensos,comoaapresentadaporLoughlin

eDuggan,em1998,centradaemtrêsordensdedefinic¸õesa

partirdoâmbitoemqueatemáticaétratada:legaldefinitions,

noâmbitodeprocessosdetomadadedecisãoementidades

denaturezapública;case-management,nosprocessos

associa-dosàprestac¸ãodecuidadosdesaúde,eporfimasdefinic¸ões

paraefeitosdeinvestigac¸ão19.

O termo«abusode pessoaidosa»,genericamente

desig-nado na literatura internacional como «elder abuse» ou

«mistreatment», encontra-se definido no Relatório Mundial

sobreViolênciaeSaúde,comoa«ac¸ãoouomissão,intencionalou

não,daqualresultasofrimentodesnecessário,lesão,dor,aperdaoua violac¸ãodosdireitoshumanos,econsequentementeumadiminuic¸ão daqualidadedevidadoidoso»1.Evidenciando-seaquiuma

pri-meiradiferenc¸afaceaoconceitodeviolência,diferenc¸aessa

quesetraduznaadmissibilidadedeausênciadeintenc¸ão.

De igual modo, o abuso poderá também revestir uma

(4)

sexual,psicológicooufinanceiro,podendoaintencionalidade

subjacenteser mais ou menosconsciente, desde que seja

causasuficienteeadequadaparaprovocardanostemporários

oupermanentesàpessoaidosavítimadacondutaemquestão.

Jáem1995,aorganizac¸ãonãogovernamentalinglesa«Action

onElderAbuse»sintetizavaanoc¸ãode abusocontrapessoa

idosacomosendoo«atoouarepetic¸ãodeatos,bemcomo

omis-sãodeatuac¸ãoadequada,nassituac¸õesemhavendoumarelac¸ão deconfianc¸a,estaédefraudada,daídecorrendodanoousofrimento paraapessoaidosa»,osquaisseconcretizamnumaatuac¸ão

quepodeconsubstanciarumaatuac¸ãodenaturezafísica,

psi-cológica,financeiraoumaterial1.

Umaoutrasimilitudecomoconceitodeviolênciadecorre

dasdiversas formasqueoconceitodeabusopodetambém

tomar, reconhecendo-lhe a OMS cinco grandes categorias,

em tudo idênticas às enunciadas no âmbito do conceito

de violência1, a saber: o abusofísico, psicológico ou

emo-cional, oabuso financeiro oumaterial, o abusosexual e a

negligência11.Categorizac¸ãoestaqueéigualmenteadotada

pelageneralidade dos paísesparticipantes noprojeto «The

EuropeanReferenceFrameworkOnlineforthePreventionofElder AbuseandNeglectProject»(EUROPEAN)20.

Resta-nosabordaremseguidaoconceitode«maustratos»,

oqualéigualmenteutilizadoemsinonímiacomostermos

«violência»abuso».

Oconceitode«maustratos»

Referimosanteriormenteque,nadefinic¸ãoapresentadapela

OMS,osconceitosdeviolênciaedeabusoseconfundem,

apre-sentandofronteirasconceptuaisdedistinc¸ãotãoténuequese

tornamdifíceisdedistinguiredegerar consensos.Idêntico

problemaseverificaquandofalamosdoconceitode «maus

tratos» ou «mistreatment», o qual surge associado ao termo

anglo-saxónico«elderabuse».

Comoilustrac¸ãodestaafirmac¸ão,bastalernaDeclarac¸ão

deTorontode 2002,adefinic¸ãoda OMS de«maustratos a

pessoasidosas»,aqualépraticamentesobreponívelà

pró-priadefinic¸ãoqueamesmaorganizac¸ãointernacionalfazde

«violência»,i.e.«qualqueratoisoladoourepetido,ouaausência

deac¸ãoapropriada,queocorreemqualquerrelacionamentoemque hajaumaexpectativadeconfianc¸a,equecausedano,ouincomodo aumapessoaidosa.Estesatospodemserdeváriostipos:físico, psi-cológico/emocional,sexual,financeiroou,simplesmente,refletiratos denegligênciaintencional,ouporomissão»11.

Noqueserefereàsdiversasformasqueoconceitode«maus

tratos» podetomar,verificamosquesão,umavezmais,em

tudoidênticasaosconceitosde«violência»ede«abuso»,sendo

que,aoincorporaroconjuntodeac¸õesoucomportamentos

que,umavezinfligidosaoutrem,colocamemperigoasaúde

ouintegridadefísicadeste,admitetantoaformafísicacomo

psicológica.Destemodo,por«maustratosfísicos»,

entendem-seaquelesqueafetamaintegridadefísica,talcomoseverifica

naviolênciaouabusofísico,osquaisabrangemassituac¸ões

emqueé«infligidadoroulesão, coac¸ãofísica,oudomínio

induzidopelaforc¸aoupordrogas»1,enquantoos«maustratos

psíquicos» incluemascondutasqueafetamaautoestimaeas

competênciassociais,potenciadorasdeangústiamental1.

Trac¸ocomumàgeneralidadedosconceitosaqui

analisa-dos,éanecessidadedeprotec¸ãodealguémqueseencontra

numasituac¸ãodevulnerabilidade,fragilidadeou

dependên-ciafaceaoutrem,aquemincumbeocuidadodezelarpela

suasaúde,bem-estareintegridade,mascujocomportamento

se apresenta,pelo contrário,violento ouabusivo, causador

desofrimentoedanosfísicooupsíquicos.

Asténuesfronteirasconceptuaisentreviolência,abusoe

maustratos geramumaincerteza relativamenteà

existên-ciadeumaopc¸ãoúnicaquantoaoconceitoautilizar.Aeste

factoacresceumsegundoproblemaquedizrespeitoasaber

comoutilizardeformacorretaosconceitosemanadospelos

organismosinternacionaisnosestudosdeinvestigac¸ão

epide-miológicae/ousociológicaadesenvolveremcadapaís.Para

alémdisso,existemespecificidadesculturaisquenãopodem

serignoradas,taiscomoosordenamentosjurídicospróprios

de cada país, o que tornamais complexa a análisee tem

consequências emtermos de comparabilidadedos

resulta-dos.Asespecificidadesdocontextoculturaltambémmoldam

ascondutasdeviolência,devendoseracauteladasno

enqua-dramentonormativoejurídico-legaldecadapaís.Essefacto

levantaumnovoproblema,pois,quandoseanalisamos

fenó-menos de violência, há que «operacionalizar» tais crimes,

traduzindo-osemcondutas,demodoacriaruma

correspon-dênciaterminológicaquepermitarealizarainvestigac¸ãosem

desfasamentos«semânticos»,sejaestadenatureza

epidemi-ológicaousociológica.

Idênticapreocupac¸ãometodológica éseguidaporRobert

Cario,oqualrecorre,noentanto,aotermo«vitimizac¸ão»para

expressardeformagenéricaascondutasviolentasdasquais

apessoaidosaévítima21.Estascondutassãoabordadaspelo

autor a partir das diferentes terminologias doconceito de

«abuso»,dispostasemcincograndescategorias:abusofísico,

psicológicoouemocional,financeirooumaterial,sexualea

negligência21.

Éimportantereferir,noentanto,queatipificac¸ãodas

con-dutasqueseirãoapresentarnesteartigotemcomo basea

tipologiapropostaporPillemer22.

Protec¸ão

da

jurídica

da

pessoa

idosa

A Constituic¸ão da República Portuguesa (CRP) salvaguarda

o reconhecimentoda dignidade da pessoahumana no seu

artigo1.◦,bemcomoodireitoàintegridademoralefísicano

artigo25.◦,direitoestequeserevelaindependentementedas

especiaiscircunstânciasdecadaindivíduo.Paraalémdestes

direitos,éaindanestenormativoqueseencontram

salvaguar-dadosoutrosdireitosfundamentais,comosejamaprotec¸ão

dodireitoàidentidadepessoal,aodesenvolvimentoda

per-sonalidade, àcapacidade, aobom nome,à reservada vida

privadaefamiliar,ouaprotec¸ãocontraquaisquerformasde

discriminac¸ão23.Idênticosprincípiosencontramprevisãona

Constituic¸ãoEspanhola,tambémaquinoâmbitodos

consa-grados«derechosydeberesfundamentales»24ounaConstituic¸ão

Italiana,tantonoâmbitodos«principiosfundamentales»,como

das«relacionesciviles»edas«relacionesético-sociales»25,apenas

parareferiralgunsexemplos.

Noqueserefereespecificamenteàpessoaidosa,oartigo

72.◦ daCRP,sob aepígrafe «terceiraidade»,determinaque

as «pessoas idosas têmdireito àseguranc¸aeconómica ea

(5)

respeitema suaautonomia pessoal eevitem e superem o

isolamentoouamarginalizac¸ãosocial»,bemcomoodireito

àrealizac¸ão pessoaleaumaparticipac¸ãoativa navidada

comunidade23.

Para além deste preceito, não se encontra, no

orde-namento vigente, um quadro específico de protec¸ão à

pessoaidosa,emespecialàquelesqueseencontramnuma

situac¸ãode maiorvulnerabilidade, conformesalientadono

trabalhodeSandraRodrigues26.Existemalgunsexemplosde

iniciativasdispersas,comonoPlanoNacionalparaaSaúde

das Pessoas Idosas27 ou a Rede de Cuidados Continuados

Integrados28,bemcomopreceitosdenaturezageralque

acau-telamaprotec¸ãode«pessoasespecialmentevulneráveisem

razãoda idade»,sendo estasoluc¸ãonormativa adotada na

generalidadedosordenamentosjurídicosaquiconsiderados,

comoveremos.

Aprotec¸ãodavulnerabilidadeeasobrigac¸õesfamiliares

Oconceitodepessoaidosanãoéunânime,emespecialnoque

serefereaolimiteetáriomínimoapartirdoqualseconsidera

quealguémpassaaserincluídonestegrupo.AOMS,

relati-vamenteaoconceitodevelhice,consideraqueestarefletea

fasedavidaemqueosindivíduos,faceaodeclíniofísicoem

queseencontram,jánãoconseguemdesempenhardeforma

independenteasatividadesnecessáriasàsuavidafamiliare

detrabalho1.

JáaONU,preconizaqueolimiteetáriomínimo,quando

nosreferimosaoconceitodepessoaidosa,deveráseros60

anos,porentenderqueesteéaquelequemelhorespelhaa

realidadeverificadanummaiornúmerodepaíses,

nomeada-mentenocontinenteafricano17. Aindaqueestaopc¸ãonão

sejaconsensual,acategoriadosidosossurge,numaperspetiva

demográfica,comoaquelaemqueseincluemtodosaqueles

quepossuem65oumaisanos,idadeassociadasocialmenteà

idadedareforma.

Estegrupoetáriotemvindoaaumentardeforma

significa-tivanageneralidadedospaísesenaEuropaemparticular.Em

Portugal,apopulac¸ãoidosaresidenteestimadaem2009

repre-sentavacercade17,9%dapopulac¸ãoportuguesa.Entre2004

e2009,aproporc¸ãodejovensdecresceude15,6para15,2%

dapopulac¸ãoresidentetotal,constatando-seumaumentoda

categoriadaspessoasidosasde17,0para17,9%29.Deacordo

comasprojec¸õesdemográficasdoInstitutoNacionalde

Esta-tística (INE), até 2060, a percentagem de populac¸ãojovem

nototalda populac¸ãodiminuirápara11,9%,aumentando a

proporc¸ãodeidosaspara32,3%29.

Deste modo, aprotec¸ão da vulnerabilidade éhoje uma

preocupac¸ãocentralnassociedadesatuais,sejapela

necessi-dadedeadaptarassociedadesàsnecessidadesprópriasdeste

grupoetário,comosejamasdoenc¸ascrónicasassociadas à

idade,ououtrasdenaturezasocialecultural.

Neste sentido, alguns ordenamentos jurídicos

incorpo-ramatualmenteregimesdeprotec¸ãodavulnerabilidadeda

pessoaidosa,como sucedeno Brasil, onde,em 2003,aLei

n.◦10.471/2003aprovouoEstatutodoIdoso30.Estenormativo,

aparcomaLein.◦8.842/94,de4dejaneiro31,permitiucriarum

quadroreferencialenormativoespecíficoparaapessoaidosa,

quesalvaguardaeprocuragarantirosseusdireitossociais,a

suaautonomia,asuaintegrac¸ãoeparticipac¸ão,equeacautela

osprincípiosdadignidadeequalidadedevidasubjacentes,

quedecorrem,aliás,doprópriopreceito constitucional

bra-sileiro,oqual,noseuartigo230.◦,determinaquea«família,a

sociedadeeoEstadotêmodeverdeampararaspessoasidosas, asse-gurandosuaparticipac¸ãonacomunidade,defendendosuadignidade ebem-estaregarantindo-lhesodireitoàvida»32.Princípioesteque

seencontrareforc¸adopeloartigo229.◦,noqualseconsagraa

reciprocidadedasrelac¸õesfamiliaresaodeterminarque«os

paistêmodeverdeassistir,criareeducarosfilhosmenores,eos filhosmaiorestêmodeverdeajudareampararospaisnavelhice, carênciaouenfermidade»32.

Estefactoremeteparaosignificadojurídicodasobrigac¸ões

familiares,contempladasnoâmbitododireitocivil.Aleiprevê

queasobrigac¸õesfamiliaresseestendamatéàfamília

alar-gada. O sentido da solidariedade familiar traduz-se, como

refere PaulaGil, nestespaíses, querna perspetivados

cui-dados, quer doponto de vista económico33,34. É o caso de

Portugal,onde oCódigo Civil prevêaobrigac¸ão de

alimen-tos, salvaguardando os direitos das pessoas idosas35. Esta

obrigac¸ão alimentar assenta no pressuposto de que existe

umvínculo familiare,porisso,umaobrigac¸ãoqueserege

pelasnormas da solidariedadefamiliar, entendendo-sepor

pensão de alimentos«tudoo que éindispensável aosustento,

habitac¸ãoevestuário»36,traduzindo-se,naquasegeneralidade

dassituac¸ões,emprestac¸õespecuniáriasmensais.

Noqueserefereaosindivíduossobreosquaisrecaiesta

obrigac¸ão, o artigo 2009.◦, no seu n.◦ 1, define as pessoas

que estão vinculadas à obrigac¸ãode prestac¸ão de

alimen-tos:«ocônjugeouex-cônjuge;osdescendentes;osascendentes;os irmãos;ostios; duranteamenoridadedoalimentado;opadrasto eamadrasta,relativamenteaenteadosmenoresqueestejam,ou estivessemnomomentodamortedocônjuge,acargodeste»35.No

ordenamento jurídicoportuguês,onão cumprimentodesta

obrigac¸ão encontra previsão nos termos doartigo 250.◦ do

Código Penal37. Também o Código Civil italianocontempla

preceitosdeidênticanatureza,comodecorredodispostonos

artigos315.◦,324.◦e433.◦37.

Aopc¸ãolegislativaaquienunciadaespelhaaquelequeéo

espectronormativoeuropeu,presentenoartigo25.◦daCarta

dosDireitosFundamentaisdaUniãoEuropeia,equeconsagra

expressamente odireitodaspessoasidosasauma

existên-ciacondigna,bemcomoonera osEstados-Membrosnasua

prossecuc¸ão39,ónusestequeserefletenassoluc¸ões

normati-vasadotadasemalgunsdosordenamentosjurídicosvigentes.

TambémemEspanhaseverificaaconsagrac¸ãonormativa

dodeverdecuidarenquantoresponsabilidadedosfilhosface

aprogenitoresemsituac¸ãodenecessidade,nomeadamente

porforc¸adoestatuídonosartigos143.◦e144.◦doCódigoCivil

espanhol,nosquaisseadotaumasoluc¸ãonormativaidêntica

àvigenteentrenós40.Paraalémdestespreceitos,éigualmente

possívelencontraroutrasiniciativaslegislativasdestinadasa

protegeresalvaguardarassituac¸õesdevulnerabilidade,em

especial aquelas emqueapessoaidosa seencontra numa

situac¸ãodedependência,comoresultadoregimedecorrente

daentradaemvigordaLeyn.39/2006,de14deDiciembre,que

veio adotar oregimejurídicoda «promoción dela autonomía

personalyatenciónalaspersonasensituacióndedependencia»41.

Também emPortugal adependência, entendidacomo a

ausênciadeautonomiafaceaosatosnecessáriosàsatisfac¸ão

(6)

protegidaatravésdocomplementopordependência,atribuído

apensionistasdosregimesdeseguranc¸asocialquese

encon-trememsituac¸ãodedependênciac42.

Deentreospaísescomumquadronormativoespecifico

deprotec¸ãoda pessoaidosa,destaca-seo Canadá,no qual

existeumconjuntosignificativodediplomascujoescopoé

aprotec¸ãodapessoaidosanassuasdiferentesdimensões,os

quaispodemseragrupados,deacordocomaCanadianNetwork

forthePreventionofElderAbuse(CNPEA),emquatrotipologias: «familyviolence laws»,«criminallaw»,«adultprotection laws»e «adultguardianshiplaws».Osregimesínsitosnogrupo«family violencelaws» destinam-se aproteger obem-estarea

inte-gridadefísicadapessoaidosa,numclaroalargardoregime

jurídicoinicial(violênciadoméstica),comoformade

acaute-larumcertosentidodecoerênciaentreanormavigenteeas

condutasverificadas.Jáasanc¸ãodecondutassuscetíveisde

jurisdic¸ãopenal,sãoabrangidaspela«criminallaw».Osdois

restantesgruposdenormativos(«adultprotectionlaws»¸e«adult

guardianshiplaws»)destinam-seaprotegeraspessoasidosas

deabusosemaustratos,onerandoosservic¸ossociaisede

saúdecomaresponsabilidadedeasseguraredeencontraras

respostasmaisadequadas,maisdoquesancionaroagressor,

talcomosucedenoâmbitodoordenamentopenal43.

Aprotec¸ãodavulnerabilidadedapessoaidosa

Acautelanormativadeconsagrarumregimecivilístico

ade-quadoà salvaguarda dapessoa idosa nãoencontra eco na

generalidadedosordenamentospenais,emqueaprotec¸ão

dapessoaidosavítimadeviolência,emcontextofamiliar,se

encontraexplanadatantonosregimesjurídico-penaisgerais,

comonosregimesdeprotec¸ãofaceàviolênciadoméstica.

Nocasoportuguês,comonageneralidadedos

ordenamen-tos jurídicos europeus, a protec¸ão da pessoa idosa, ainda

que não apresentando um quadro normativo específico20,

encontra-sesalvaguardadanoâmbitodoconceitode«pessoa

particularmenteindefesaemrazãodaidade»,conceitoeste

cujoescopovisaaprotec¸ãodesituac¸õesdeevidente

fragili-dade,vulnerabilidadeoudesamparodoindividuoaproteger.

Defacto, se atendermos ao preceito penal português, é

possívelencontrarnasnormasrelativasaoagravamentode

condutas tipificadas37, a expressão «pessoa particularmente

indefesa em razão da idade». Ainda que não se trate de

umaressalvaexclusivaparaaspessoasidosas,considerando

nomeadamentequenesteâmbitoseenquadramigualmente

c Consideram-seem situac¸ãode dependênciaospensionistas

quenão possam praticar comautonomia os atos

indispensá-veisà satisfac¸ãodas necessidadesbásicas da vida quotidiana,

nomeadamenteosrelativosàrealizac¸ãodosservic¸osdomésticos,

à locomoc¸ão e cuidados de higiene, precisando da

assistên-ciadeoutrem.Enquantoque,emPortugal,ocomplementopor

dependênciaé dirigidoaospensionistasqueseencontramem

situac¸ão de dependência,em Espanha asprestac¸ões de apoio

à dependênciasãoextensivas a qualquerpessoaresidente em

Espanha há mais de 5 anos. Assim, as políticas de apoio à

dependência são estruturadas para apoiar quem se encontra

numasituac¸ãodedependência,comoosfamiliaresqueprestam

apoio,aocontemplardiferentesmodalidadesdeprestac¸ões

eco-nómicas(assistênciapessoal, aquisic¸ão deservic¸ose cuidados

familiares)38.

os menores, a verdade é que nesta sede, tal como no

IV Plano Nacional Contra a Violência Doméstica44, esta

referência sugereumaespecialprotec¸ãoda vulnerabilidade

daquelesquetêm60oumaisanos.

De igual modo, a Lei n.◦ 112/2009, de 16 de setembro,

queveio aprovaroregimejurídicodaprevenc¸ão da

violên-ciadomésticaedaprotec¸ãoeassistênciadassuasvítimas,

prevê,naalíneab)doseuartigo2.◦,as«vítimasespecialmente

vulneráveis»45,oquenoslevaaconcluirque,parao

legisla-dorportuguês,aidadeavanc¸adaoudiminutacarecedeigual

tutelanormativa,porsercondic¸ãosuficienteparaorequisito

deespecialvulnerabilidadeefragilidade,essassim,

especial-menteprotegidasàluzdaquelespreceitos,comoveremosde

seguidanoâmbitodoquadrocriminal.

A

protec¸ão

jurídica

da

pessoa

idosa

vítima

de

violência

Breveanálisedecontributosnormativos

Nãoobstanteumreconhecimentocrescentedanecessidade

deprotec¸ãodapessoaidosaemsituac¸ãodevulnerabilidade,

daqualresultouasuainclusãonoâmbitodosobjetivos

espe-cíficosdaLein.◦38/2009,de20dejulho46,averdadeéqueeste

reconhecimentonãosetraduziu,atéaomomento,naadoc¸ão

deinstrumentosjurídicosespecíficos.

Consideremosasdiferentesformasqueofenómenode

vio-lênciacontrapessoasidosasassume,semnosdetermosainda

na concretizac¸ão das condutas enunciadas pela diferente

literaturaespecializada,everificamosque,nasua

generali-dade,acensurabilidadeassociadaencontraprevisãonanorma

penalgeral,oquepoderá,persi,justificaraausênciadeum

enquadramento normativopróprio paraaprotec¸ãoda

pes-soaidosavítimadeviolênciadomésticanageneralidadedos

países20.Nestesentido,oesforc¸olegislativorealizadotemsido

nosentidodefazeraprovarregimesespecíficosdeprotec¸ão

àsvítimasdeviolênciadoméstica,nosquaisseincluemas

mulhereseaspessoascomparticularvulnerabilidadeemrazão

daidade,inserindo-seaqui,talcomoreferidoinfra,aspessoas

idosas44.Podemosentãoinferirqueoprocessode

reconheci-mentodanecessidadedeprotec¸ãodestegrupoetáriosefaz

entrenósapartirdeumaapropriac¸ãodaregradeprotec¸ão

às mulheresvítimas de violência doméstica.Como resulta

daanálisedosdiferentesdocumentos,podemosafirmarque

idênticoprocessoveioaocorrerouestáemcursona

genera-lidadedospaíses,emespecialnaEuropa.

Vejamosarealidadeespanhola,onde,comoreferido

ante-riormente,seveioapromulgarumquadronormativopróprio

paraasalvaguarda dassituac¸õesdedependência.Defacto,

tal como afirma Juan Mu ˜noz Tortosa,e noque serefere à

previsão deumaeventualtutela específica,esta decorrede

uma extrapolac¸ão dostextos legais de protec¸ão às

mulhe-reseaosmenores6.Consideremos,atítulodeexemplo,aLey

Orgánica1/2004,de278deDiciembre,queveioadotaras medi-dasde«protecciónintegralcontralaviolenciadegénero»,visando

aadoc¸ãoeimplementac¸ãode mecanismos einstrumentos

aptosaprotegerasmulheresvítimasdestetipodeviolência47.

TambémnoReinoUnidoseverifica,numaprimeiraanálise

(7)

pelo governoinglês (lesgislation.gov.uk),que a

censurabili-dade das situac¸ões de violência contra pessoas idosas se

encontraintimamenterelacionadacomoscrimesde

violên-ciadegéneroedoméstica,bemcomoaregimesdeprotec¸ãode

menores,emespecialnoâmbitodo«FamilyLawAct»de199648.

Nostermosdestenormativo,noqualserefere

expressa-mente«causingorallowingthedeathofachildoravulnerable

adult»,aprotec¸ãodapessoaidosaresultadeumconstructo

normativo, doqual sefazem apelo aregimes tãodíspares

comoaprotec¸ãodasaúdemental49,odireitodafamília48oua

violênciadoméstica,estaúltimaatravésdaprevisãoesanc¸ão

dasdiferentesformasdeviolênciaocorridasnoseiodafamília,

ondeseinseremasagressõesapessoasidosasporfamiliares,

comoveioaacontecerem2004,comaentradaemvigordo

«DomesticViolence,CrimeandVictimsAct»50.

É,umavezmais,daconjugac¸ãodepreceitosdenatureza

penal51,52edeprotec¸ãodosdireitoshumanos53,54quesurgea

protec¸ãodapessoaidosa,decorrendodotextodo«FamilyLaw

Act»aclarificac¸ãodoconceitode«vulnerabeladult»,noqual

secompreendemtodososindivíduos,com16oumaisanos,

cujacapacidadedeseprotegeresalvaguardardesituac¸õesde

violência,abusoounegligência,seencontraprejudicadapor

doenc¸a,deficiênciafísicaoumental,velhiceouqualqueroutra

forma48,sendoasoluc¸ãonormativaadotadaigualmenteno

sentidodeprotegeravulnerabilidadeefragilidadeenquanto

circunstânciasespeciaisqueexigemtutelajurídica.

Trac¸o comum dos ordenamentos aqui considerados, a

ausênciade umasistematizac¸ãoespecífica,consagradaem

regimejurídicopróprio55.noqueserefereaoordenamento

jurídicofrancês,afigura-sepertinentedestacaropapel

confe-ridoàprotec¸ãodavulnerabilidadenoâmbitodoseudireito

penal.Umavezmais,orequisito«particulièrevulnérabilitédueà

sonage»,encontra-sepresente,sendonestasedequese

inse-remaspessoasidosas,enãonoâmbitodeumregimedetutela

específicodeprotec¸ãodestafaixaetária,comorefereVeron«le

codepenaln’envisagepaslespersonnesâgéescommeunecatégorie qu’ilconvienttoutparticulièrementdeproteger,commeune catégo-riespécifique»56,talcomosucedenosordenamentosjurídicos

anteriores.

Este requisitode vulnerabilidade surgeentão no direito

penalfrancêscomumaduplafinalidade,oque,decertaforma,

representaumasoluc¸ãonormativadistintadasanteriormente

referidas,tantocomocircunstânciaagravante,comoelemento

constitutivodeumcrimeespecífico57,oqualsetorna

espe-cialmentepunidoematenc¸ãoàqualidadeda vítima,como

sucede,atítulodeexemplo,comoregimedecorrentedoartigo

223-3doCódigoPenalfrancês,relativoaocrimedeabandono,

«Dudélaissementd’unepersonnehorsd’étatdeseprotéger»58,e

cujotiponãosepreenchecomasimplesnegligência,antes

exigeumatovoluntário porpartede alguémque conhece

avítima e asua incapacidadepara seproteger56. Idêntico

preceitoencontraconsagrac¸ãonoartigo138.◦dotextopenal

português37,comoveremosnoâmbitodaanálisedas

condu-tasemestudo.

Quantoàscircunstânciasde agravamento,a

vulnerabili-dadesurgecomoumrequisitofaceaumacondutacondenável

persi.Como refereVeron,aquinãosetratade sancionara

simplesnegligência,antesreferequeestamosnapresenc¸ade

atosvoluntários,cometidosporumagenteconhecedor das

circunstânciasemquea vítimaseencontra56.Isso mesmo

decorredosparágrafosdoartigo222-3doreferidocódigo,em

especial dosparágrafos 2.◦ e3.◦,osquaisdeterminam«Sur

unepersonnedontlaparticulièrevulnérabilité,dueàsonâge,àune maladie,àuneinfirmité,àunedéficiencephysiqueoupsychiqueouà unétatdegrossesse,estapparenteouconnuedesonauteur;3.Sur unascendantlégitimeounaturelousurlespèreoumèreadoptifs».

Verificadasascircunstânciasaquireferidas,asanc¸ãonãoserá

de15anos,nostermosdoartigo222-1,masde20anos58.

Aindanestasede,importareferirque,paraalémdoscrimes

contraapessoa,oCódigoPenalfrancêsconsideraigualmente

orequisitode«particulièrevulnérabilité»paraagravarassanc¸ões

aaplicaraoscrimescontraopatrimóniodestesindivíduos58.

Paraalémdestaespecificidade,tambémnesteâmbitose

considera que o quadro normativo oferece as necessárias

medidasdeprotec¸ão,aindaquenãocontemple,comojá

refe-ridoanteriormente,umatutelaespecífica.Deformadistinta,

oquadronormativocanadiano.Defacto,nodireitocriminal

canadiano,aindaqueexistamsoluc¸õesnormativasdiferentes

deprovínciaparaprovíncia,comorefereaCNPEA,temvindo

aserdesenvolvidoumesforc¸onacional,nosentidodemelhor

adaptaroquadrolegalaofenómenodaviolênciacontraas

pes-soasidosas,nomeadamentenoqueserefereànecessidadede

identificarbarreirasesoluc¸õesparaasuaimplementac¸ão.

Deentreosprincipaisobstáculosencontradosparauma

efetiva implementac¸ão da legislac¸ão de protec¸ão à pessoa

idosa,a CNPEA identificaum conjuntode situac¸ões, como

sejaareduzidapreparac¸ãoouformac¸ãodosdiferentes

pro-fissionaisenvolvidos,tantonoqueserefereàidentificac¸ãode

situac¸õesdeviolênciacontrapessoasidosas,comonas

técni-casdeintervenc¸ão,recolhadeinformac¸ãoeregisto.Aestas

acresceumenquadramentonormativoaindapouco

vocacio-nadoparalidarcomestetipodevítimas,bemcomocomas

suasnecessidades,sejaaoníveldosservic¸os,dostribunaise

dosprópriosprofissionais,comodosadvogados,

verificando-se uma tendência para considerar que estas situac¸ões se

tratam de problemasdo setor da saúde. Ainda segundo a

informac¸ãodisponibilizadapelaCNPEA,verifica-seum

desco-nhecimentoaoníveldageneralidadedacomunidade,noque

serefereaoimpactoqueoabusorepresentanavidadestes

indivíduos59.

O esforc¸olegislativo realizadoneste país ea

importân-ciaqueestaproblemáticaassumeencontram-seespelhados

emdiversosplanoseprogramasprovinciaisenacionais de

protec¸ãoecombateaofenómenodeviolênciacontrapessoas

idosas,bemcomoemopc¸õesestratégicasnacionais60,e

inicia-tivaslegislativas,tantodeâmbitocriminal,comoassistencial,

jáaquienunciadas.

Verifica-se,combasenoenunciadonestasecc¸ão,que,

ape-sar do reconhecimento da importância dos fenómenos de

violênciacontrapessoasidosas,estasnãopossuemum

qua-dro normativo especifico, antes se verifica a sua inclusão

no âmbito dos regimes jurídicos de protec¸ão da violência

domésticaedosmaustratos,queabordaremosnosparágrafos

seguintes.

Notasobreoregimedaviolênciadomésticaedosmaus tratoscontrapessoaidosa

Em Portugal, as sucessivas revisões da norma penal

(8)

autonomizac¸ãodoscrimesdeviolênciadomésticaedemaus

tratos.Nestesentido,édotextodosartigos152.◦e152.◦-Aque

decorremosrequisitosetipificac¸ãodosreferidoscrimes37.

Atipificac¸ão destascondutas, surgida nareforma penal

de 1982,resultada inclusão do crimede violência

domés-ticanoquadrojurídico-penalportuguês.Posteriormente,veio

essemesmoregimeaseralargadoàssituac¸õesdemaustratos

parentais,nomeadamenteatravésdaentradaemvigordaLei

n.◦7/2000,de27demaio61.

FoiapenasaquandodareformadoCódigoPenalde2007

quesevieramasepararosregimesdoscrimesdeviolência

domésticaemaustratos,comorefereMoreiradasNeves:«Na

reformade2007,olegisladorprocedeuaumaseparac¸ãode maté-riasqueatéentão estavamsobamesmaepígrafe,tendodeixado nonovo artigo 152., agora epigrafado de «violênciadoméstica» (...)ocrimedemaus-tratossobreocônjugeoupessoacomquese mantenharelac¸ãoanáloga,aindaquesemcoabitac¸ão,aprogenitor dedescendentecomumeàspessoaparticularmenteindefesascom quemse coabite».Maisrefereestemagistrado,emparticular

noqueserefereaocrimedemaustratos,queesteabrange

«asdemaiscondutasrelativasamenoresepessoasparticularmente indefesas»62,comoresulta,aliás,dotextodoartigo152.-A37.

Entre ascondutas aqui referidas, encontram-seaquelas

quesetraduzemnumapráticareiterada,edecontinuidade,

desdequeapresentandoumagravidadesignificativa,sendo

exigívelmaisdoque osmaustratos levesisolados63. Quer

istodizerque,casoacondutaassumaumaespecialgravidade,

oneradatantopelaespecialrelac¸ãoexistenteentreoagressor

eavítima,comopeloresultado,amesmaserátratadaàluz

dopreceitoemcausa.

No caso do crime de violência doméstica, a alterac¸ão

à norma veio afastar a obrigatoriedade da verificac¸ão da

coabitac¸ãocomoelementosinequanondatipificac¸ão,desde

queseverifiqueaexistênciadeumadassituac¸õesdescritas

nasalíneasdon.◦1doartigo152.◦doCódigoPenal37.Noque

serefereaocrimedeviolência«enelámbitofamiliar»,opreceito

espanhol,cujacondutaseencontratipificadanoartigo153.◦,

aindaquetratandoaquestãodaviolênciadegénero,inclui,

faceà alterac¸ãonormativade 1995, aexpressão«o persona

especialmentevulnerablequeconvivaconelautor»,

encontrando-sedestemodoapessoaidosa emigualdade detratamento

faceàsmulheresvítimasdeviolênciadoméstica,asquaisse

encontramemsituac¸ãodeespecialvulnerabilidade64.

Tal como sucedeu em Portugal, o crime de violência

domésticatraduz-senumacondutaemconstruc¸ão,quetem

vindoaevoluiratravésdassucessivasalterac¸õeslegislativas.

DeacordocomVirginiaMayordomo,apenasapósaaprovac¸ão

daLeyOrgánica11/2003,de29deSeptiembre,queaprovaas

«medidasconcretasenmateriadeseguridadciudadana,violencia domésticaeintegraciónsocialdelosextranjeros»65,contempla-se

aviolênciapsíquicahabitualcomoconduta asancionar»66.

Umoutroaspetocomumentreambososordenamentos,a

exi-gênciadequeentreavítimaeoagressorexistaumarelac¸ão

familiareafimprévia.JáaLeyOrgánica1/2004,queadotaas

«medidasde protección integralcontra laviolencia degénero»47,

nãocontemplaumanorma específica parapessoas idosas,

deixandodeforaosmenoreseaspessoasidosas,quandoo

requisitodeespecialvulnerabilidadenãoseencontre

satis-feito.Tambémnocasoinglês,jáaquienunciado,aviolência

doméstica apresenta um regime próprio, também ele

composto, nomeadamente, pelos preceitos já aqui

enunciados48,50. Opc¸ão normativa igualmente adotada

por países como a Áustria, que fez aprovar em 1997 e

em2009legislac¸ãoespecíficadeprotec¸ãocontraaviolência

doméstica67,68,eageneralidadedospaísesdaregiãoeuropeia,

incluindoosordenamentosdolesteeuropeu20.

Noqueserefereaocrimedemaustratos, exigeo

legis-lador averificac¸ãode umaespecialrelac¸ão entreaspartes

conflituantes,emespecialquandosoboagressorimpedeo

ónusdeguardaroucuidardavítima69,peloquealgunsautores

referemaespecialperversidadesubjacenteàscondutasaqui

tipificadas,asquaisintegramofensasfísicasepsicológicas,

queafetamadignidade,aintegridade,eatéaprópriasaúde

doindivíduo70,considerandoqueomesmopressupõea

exis-tênciapréviadeumasituac¸ãodedependênciaefragilidade

conhecidapeloagente.

Já no Código Penal espanhol, o artigo 619.◦ determina

«Seráncastigadosconlapenademultade10a20dlosque

dejarendeprestarasistenciao,ensucaso,elauxilioquelas

circunstanciasrequieranaunapersonadeedadavanzadao

discapacitadaqueseencuentredesvalidaydependadesus

cuidados»64. Preceito esteque não encontra identidade no

âmbitodoCódigoPenalportuguês.

Veremosdeseguidaascondutasidentificadaspela

litera-turaàluzdascondutastipificadaspelosordenamentospenais.

Proposta

de

matriz

de

harmonizac¸ão

de

condutas

e

conceitos

Ainvestigac¸ãoqueseencontranaorigemdopresenteartigo

contemplaarealizac¸ãodeuminquéritojuntodapopulac¸ão

com60emaisanos,noqualasquestõesfossemclaramente

compreendidas por esta e que, simultaneamente, fossem

geraisosuficienteparaabarcarcondutasviolentasque

per-mitissemumaidentificac¸ãoclarapelosinquiridos.

Esta situac¸ão origina,de formaóbvia, aimpossibilidade

de fazer coincidir de forma total ascondutas identificadas

no inquérito com a tipificac¸ão dos crimesque às mesmas

se fazem corresponder.Queremos, com esta nota,

esclare-cerarazãopelaqualsejuntamnamesmaconduta,doisou

mais crimescuja tipificac¸ão no Código Penalse apresenta

comelementosdiversos(porexemplo,burlaeextorsão).Esta

simplificac¸ão foinecessáriapararealizaracorrespondência

condutaviolenta/crimenoâmbitodainvestigac¸ãoqueesteve

nabasedopresenteartigo.

Deste modo, e tendo como ponto de partida o

con-ceitojáanalisadode«violência»,procurou-seencontraruma

sistematizac¸ãodascondutas,quepermitisseobter,como

pro-dutofinal,umacorrespondênciaentreascondutas«violentas»

analisadas no projeto de investigac¸ão eos crimes

tipifica-dosnoCódigoPenalportuguês.Esteexercíciobaseou-seem

cincograndesgruposde«violência»,idênticosaospropostos

pelaOrganizac¸ãoMundialdeSaúde,i.e.,a«violênciafísica»,

a «violênciapsicológica», a «violência sexual», a«violência

financeira» e a«negligência». No que serefere à violência

sexual,quenesteartigoseindividualiza,édereferirqueesta

surgeemalgunsdocumentos21comosubcategoriada

(9)

Tabela1–Correspondênciaentreostiposdefinidosde«condutasviolentas»eoscrimesprevistosnodireitoportuguês Tipodeviolência Descric¸ãodacondutaemrelac¸ãoàpessoaidosa22 CrimeaquecorrespondenaLei38

Violênciafísica Agredir(porexemplo:empurrar,puxar,agarrar,amarrar,cortar, bater,atirarobjeto,etc.)

OfensasàintegridadefísicaArtigos143.◦ a147.◦

Trancarnumquarto/compartimentoouimpediroacessoatoda acasa

Sequestro

Artigo158.◦ Terumaincapacidade(porexemplo,dificuldadesdelocomoc¸ão

oudéficecognitivo)eserdeixado(a)sozinho(a)porlongosperíodos detempo,pondoemriscoasuaseguranc¸a

Crimedeabandono

Artigo138.◦

Violênciapsicológica Ameac¸ardeformagrave,abandonar,agredir,castigar, institucionalizar

Crimedeameac¸a/coac¸ão

Artigos153.◦e154.◦

Violênciasexual Sujeitar,semconsentimento,aalgumcontactodotiposexual Crimedecoac¸ãosexual/violac¸ão/crime deabusosexualdepessoaincapazderesistência

Artigos163.◦e164.◦,artigo165.◦ Violênciafinanceira Roubarouutilizarobjetose/oubenscontraavontade

doproprietáriodessesbens

Crimefurto/roubo

Artigos203.◦e210.◦ Forc¸arouobrigaraassinarumdocumentoouumqualquerpapel

queconcedadireitosasipróprio

Crimedeburla/extorsão

Artigos217.◦e223.◦

Utilizarobjetose/oubenssemautorizac¸ão Crimedeabusodeconfianc¸a/abusodecartão decrédito

Artigos205.◦e225.◦ Apropriac¸ãodedomicílio,e.g.,modificarmobíliaedecorac¸ão

dacasa,colocarobjetospessoaise/ouocupardivisõesdamesma semautorizac¸ão

(apropriac¸ãodedomicílio)

Semprevisãocriminalcorrespondente (verinfraNotasàtabela1)

Nãocontribuirparaasdespesasdacasadepoisdetaltersido acordadoenãohavendoincapacidadeeconómicaparaofazer

(nãocomparticipac¸ãoindevidanasdespesasdomésticas)

Semprevisãocriminalcorrespondente(ver

infraNotasàtabela1)

Negligência Recusanoapoioàsatividadesdavidadiária Artigos10.◦e15.◦(verinfranotasàtabela1)

Quantoaoconceitode«negligência»utilizadonatabela1,

énecessárioclarificarqueestenãoétotalmentecoincidente

comomesmotermo,naformacomoesteéentendidopelo

direitoportuguês.Defacto,acondutanegligente,talcomoé

analisadanainvestigac¸ãoquedácorpoaesteartigo,refere-se

à«negligência»comoumaconduta«violenta»,semgraduac¸ão

nagravidade/intencionalidadedocomportamento,tipificada

naliteraturasobreatemáticadosmaustratosapessoas

ido-sas,sendoestaa«recusaounãocumprimentodaobrigac¸ão

de cuidar que impende sobre alguém que tem outrem a

cargo»21.Emdireito,oconceitode«negligência»,sendouma

figura«clássica»nosDireitosCivilePenal,refere-sejáauma

graduac¸ão de elemento volitivo do comportamento ilícito,

identificando-se como «mera culpa», ou seja, como uma

omissãododeverdediligência71masnumaformamitigada,

emqueodano(responsabilidadecivil/direitocivil)ouocrime

(direitopenal)tiveramnasuabaseumacondutanãodolosa

(nãointencional).

Asdisposic¸õesnormativasfundamentaisparaseapuraro

sentidodanoc¸ãojurídicade«negligência»nodireitocriminal

sãoos artigos13.◦ a15.◦ do CódigoPenal. Destes,

concluí-mosqueoconceitodenegligêncianesteramododireitose

define porcontraposic¸ão ao conceitode dolo.Defacto, no

supramencionadoartigo13.◦ podemoslerque«sóépunível

ofactopraticadocomdoloou,noscasosespecialmente

pre-vistosna lei,com negligência»37. Odolo vem,porsuavez,

definidonoartigo14.◦deformatripartida,istoé,comodolo

direto(«agecomdoloquem,representandoumfactoque

pre-encheumtipodecrime,atuarcomintenc¸ãodeorealizar»,

cf.n.◦ 1doreferidoartigo14.◦);dolonecessário(«ageainda

com dolo quem representar a realizac¸ão de um facto que

preencheumtipodecrimecomoconsequêncianecessáriada

suaconduta»,cf. n.◦ 2domesmopreceito)edoloeventual

(«quandoarealizac¸ãodeumfactoquepreencheumtipode

crimeforrepresentadacomoconsequênciapossívelda

con-duta,hádoloseoagenteatuarconformando-secomaquela

realizac¸ão»,cf.n.◦3doartigo14.◦).Quantoànegligência,esta

étratadanoartigo15.◦doCódigoPenal,noqualédefinidano

seun.◦1comoacondutadealguémquenãoprocede«como

cuidadoaque,segundoascircunstâncias,estáobrigadoede

queécapaz»37,naformaconscientese«representarcomo

pos-sívelarealizac¸ãodeumfactoquepreencheumtipodecrime

masatuarsemseconformarcomessarealizac¸ão»(artigo15.◦,

alíneaa)ouinconscientese«nãochegarsequerarepresentar

apossibilidadederealizac¸ãodofacto»(artigo15.◦,alíneab)72.

No caso português, as expressões «violência física»,

«violência psicológica», «violência sexual», e «violência

financeira», resultam de forma clara da terminologia

jurí-dica vigente.Assim,consideram-se integrantesdoconceito

deviolênciafísicatodososatosecondutasquecausemdano

àintegridadefísica (corpo)esaúdedosindivíduos.Porsua

vez, asameac¸as eascondutasque visamahumilhac¸ão, a

diminuic¸ão psicológica, o isolamento eque prejudiquema

saúdepsicológica,aautodeterminac¸ãoeodesenvolvimento

individual encontram-se inseridas no âmbito da violência

psicológica70.Quantoàviolênciasexual,estacontemplaasac¸ões

destinadasaobrigaralguémamantercontactosexualcom

outrem contra a sua vontade,nas suas diferentes formas,

recorrendoàintimidac¸ão,ameac¸a,violênciafísicaoua

(10)

Tabela2–Síntesedosrequisitosdoscrimesdeviolênciadomésticaemaustratos

Tipificac¸ão Formas Requisitosderelac¸ãocomoagressorevulnerabilidade Requisitosdecoabitac¸ãoecuidado Violênciadoméstica

Artigo152.◦37

Violênciafísica a)Cônjugeouex-cônjuge b)Relac¸ãoanálogaàdoscônjuges c)Progenitordedescendente comumem1.◦grau d)Apessoaparticularmente indefesa,emrazãodeidade, deficiência,doenc¸a,gravidez oudependênciaeconómica

Comousemcoabitac¸ão

Violênciapsicológica

Violênciasexual Exigecoabitac¸ãocomoagressor,

nassituac¸õesdaalínead) Maustratos

Artigo152.◦-A37

Maustratos(violência)física Pessoaparticularmente indefesaemrazãodaidade

Deverdecuidar,deverdeguarda, responsabilidade,deverdeeducar ouempregador

Maustratos(violência)psíquica Maustratos(violência)sexual

alvoda mesma.Porúltimo,aviolênciafinanceiraabrange as

situac¸õesemqueexistemcondutasquetêmcomoobjetivoa

obtenc¸ãodeumdeterminadobenefícioilegítimo,denatureza

financeiraoupatrimonial.

Deve,noentanto,referir-sequeestesdiversostiposde

vio-lênciapodem,nocasododireitoportuguês, deacordocom

odispostonosartigos152.◦e152.◦-AdoCódigoPenal

portu-guês,sertodoselesconsideradoscomosubsumíveisao«crime

deviolênciadoméstica»,ouao«crimedemaustratos»,

depen-dendoestadiferenc¸anadesignac¸ãoapenasdaexistência(no

casoda«violênciadoméstica»)oudanãoexistência(nocaso

dos«maus tratos») de vínculo parental entre a vítima eo

agenteagressor.

Definidasasdimensõesdaviolência,foipossívelverifica,

umconjuntodecondutasquenãoencontrameconoâmbito

doquadrojurídico-penalvigenteentrenós,edequeé

exem-ploaapropriac¸ãododomicílio.Paraestas,aindaquemantendo

asuaidentidadeautónomafaceàscondutastipificadasnalei,

considerou-seasuainclusãonotipodeviolênciaemquese

inserem,comosesistematizanatabela1,naqualse

apre-senta,deformasimplificada,amatrizanalíticadascondutas

faceà tipificac¸ão decorrentedo CódigoPenal, semque,no

entanto,seprocedaaumaprofundardaanálisedosregimes,

nomeadamentenoquerefereaorequisitodolo.

Notasàtabela1:

Há a destacar, em relac¸ão à tabela ora apresentada, as

condutasde apropriac¸ão dodomicílio,ea não comparticipac¸ão

indevidanas despesasdomésticas (i.e. quando tal tenha sido

acordadoehajacapacidadedeocumprirporpartedaquele

quenãocontribui),pois estascondutas,nãoobstante

esta-remidentificadas naliteratura comoformas frequentes de

violênciafinanceiracontrapessoasidosas22,nãoencontram

correspondênciaenquantocondutastipificadas,nemsanc¸ão

jurídico-penalna generalidadedos ordenamentos jurídicos

considerados,aqualpoderáresultardeumnão

reconheci-mentodasuadignidadepenal,faceaosbensjuridicamente

tuteladosnasrestantessituac¸ões.Aausênciadeumareflexão

sócio-jurídicafaceaotipoderespostamaisadequadanãonos

permiteinferirabinitio,detalopc¸ão.

Aindaumanotarelativaànegligência,previstanosartigos

13.◦ e15.◦doCódigoPenal.Deacordocomestepreceito,age

comnegligênciaaquelequenãoatuarcomocuidadoaque

seencontraobrigadoporforc¸aascircunstânciasemquese

encontraedequeécapaz,sendoelementosdanegligência:

a)aviolac¸ãododeverobjetivodecuidado(faltadecuidado);

b)aprevisãoouprevisibilidadedofactoilícitocomopossível

consequência da conduta(representac¸ão ou

representabili-dadedofacto);ec)anãoaceitac¸ãodoresultado37.

Consideremos agoraos requisitosdoscrimesde

violên-ciadomésticaedemaustratos,previstosrespetivamentenos

artigos152.◦ e152.◦-AdoCódigoPenalvigente,osquaisse

sistematizamnatabela2.

Verificamos, com basena análise dos regimesjurídicos

doscrimesdeviolênciadomésticaemaustratos,

respetiva-menteprevistosnosartigos152.◦ e152.◦-AdoCódigoPenal

português,queosmesmosapresentamsimilitudes

conside-ráveisnoqueserefereaosbensjurídicosemcausa37.Defacto,

emambos osregimessevisa protegeradignidade, a

inte-gridadefísicaepsíquica,aliberdade,aautodeterminac¸ão,a

honradavítima,bemcomoavulnerabilidadeefragilidade72,

comoresultareforc¸adonaautonomizac¸ãodocrimede

violên-ciadoméstica,maisrecentenonossoordenamentojurídico,

atéentãotratadoenquantoformaespecialdocrimedemaus

tratos.

Elemento distintivo das condutas aqui emconfronto, a

relac¸ão com o agente agressoreo requisito decoabitac¸ão.

Se,nocrimedeviolênciadoméstica,ailicitudedaconduta

éespecialmenteconferidaeagravadapelarelac¸ão familiar,

parentaloudedependênciaexistenteentreapessoaidosaeo

agressor,jánocrimedemaustratos,estadecorredaviolac¸ão

deumdeverdecuidaredeguardaexistenteereconhecido

enquantotal,queimpendesobreoagressor,talcomodecorre

doestatuídonopreceitoinvocado37.Noqueserefereàs

con-dutasobservadas,asmesmasencontram-sesistematizadas

natabelasínteseseguinte(tabela3).

Ascondutasaquienunciadasconsubstanciamos

compor-tamentos referenciadospela literatura73–76, como sendo as

formasdeviolênciacontrapessoasidosasmaiscomuns.Foi

igualmentepossívelidentificaroutrassituac¸õesquese

inse-rememcondutas tipificadasno CódigoPenal, como sejam

situac¸õesdeabandono(sancionadonoâmbitodoartigo138.◦

doCódigoPenal),denãocumprimentodaobrigac¸ãode

ali-mentos (previsto no artigo 250.◦), de importunac¸ão sexual

Imagem

Tabela 1 – Correspondência entre os tipos definidos de «condutas violentas» e os crimes previstos no direito português Tipo de violência Descric¸ão da conduta em relac¸ão à pessoa idosa 22 Crime a que corresponde na Lei 38 Violência física Agredir (por exem
Tabela 2 – Síntese dos requisitos dos crimes de violência doméstica e maus tratos
Tabela 3 – Sistematizac¸ão de condutas observadas no âmbito dos crimes de violência doméstica e maus tratos

Referências

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