• Nenhum resultado encontrado

Fantasma do passado no presente: um estudo sobre a relação entre as representações da violência interparental vivida na infância e o modelo relacional e defensivo atual

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Fantasma do passado no presente: um estudo sobre a relação entre as representações da violência interparental vivida na infância e o modelo relacional e defensivo atual"

Copied!
96
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DE ÉVORA

ESCOLA DE CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

Fantasmas do Passado no Presente

Um estudo sobre a relação entre as representações

da violência interparental vivida na infância e o

modelo relacional e defensivo atual

Joana Andreia Ferreira Dias

Orientação: Profª Dr.ª Isabel Maria Marques

Mesquita

Mestrado em Psicologia

Área de especialização: Psicologia Clínica e da Saúde

Dissertação

(2)

ii

ESCOLA DE CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

Fantasmas do Passado no Presente

Um estudo sobre a relação entre as representações da violência

interparental vivida na infância e o modelo relacional e defensivo

atual

Joana Andreia Ferreira Dias

Orientação: Profª Dr.ª Isabel Maria Marques Mesquita

Mestrado em Psicologia

Área de especialização: Psicologia Clínica e da Saúde

Dissertação

(3)

iii

Joana A. Ferreira Dias

Isabel Maria Marques Mesquita

Tese de mestrado conducente ao grau de mestre

em Psicologia, Especialidade em Psicologia Clínica

e da Saúde. Universidade de Évora, Escola de

Ciências Sociais, Departamento de Psicologia.

(4)
(5)

v

“Experiência não é o que acontece com um homem; é o que um homem faz

com o que lhe acontece.”

(6)
(7)

vii

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos aqueles que foram expostos a situações de

violência interparental e que, de alguma forma, conseguiram livrar-se dos seus

fantasmas.

(8)
(9)

ix

AGRADECIMENTOS

1. À minha orientadora Isabel Mesquita pelo apoio prestado, participação, partilha de conhecimentos e experiência, pelo acompanhamento neste meu processo de aprendizagem e crescimento, pelos vários momentos de inspiração e reflexão proporcionados, objetivando o ensinamento adequado e o desenvolvimento do espírito crítico dos seus discípulos. Agradeço os conselhos, correções e disponibilidade para me guiar, agradeço as palavras de admiração e entusiasmo, e um muitíssimo obrigado pela liberdade de escolha relativa ao desenvolvimento deste estudo.

2. Ao Doutor Ivandro Monteiro pela simpatia, prontidão, interesse demonstradoe disponibilização do instrumento Questionário de Historial Familiar (QHF).

3. Ao Professor Rui Campos pelos esclarecimentos dados e disponibilização do instrumento Inventário de Mecanismos de Defesa (DMI).

4. A todos aqueles que disponibilizaram um pouco do seu tempo para participar no estudo.

5. À Doutora Ana Cristina Nunes pelo seu otimismo, motivação, aprovação e disponibilidade na utilização de recursos para a investigação. Foi, é e sempre será uma fonte de inspiração no meu percurso dentro da Psicologia.

6. À minha Muy Ilustre Universidade de Évora por me receber e pela oportunidade de me ver crescer pessoal e profissionalmente.

7. Aos meus caríssimos professores que contribuíram para a minha formação, reflexão e honesto estudo ao longo dos anos vividos nesta academia.

8. Aos meus queridos colegas pela partilha de conhecimentos, desabafos, dúvidas questões existenciais e bons momentos a recordar.

9. A todos os meus amigos que me incentivaram e me acompanharam nesta jornada, mantendo-se presentes e fiéis até hoje e que partilham, agora comigo, a satisfação desta conquista.

10. Aos meus amigos Daniel e Mário que seguiram os meus passos desde o início até ao fim sem duvidarem do meu sucesso, alegrando os meus dias nos momentos de desânimo.

11. Às minhasgrandes amigasRosana, Mafalda, Andreia e Marta pelo auxílio nos momentos de difícil trabalho, e pela partilha de palavras de amizade e apoio constantes. Sem vocês não seria o mesmo.

(10)

x

12. Aos meus pais pelo orgulho, carinho, cumplicidade e por realizarem comigo este sonho, não medindo esforços para me verem atravessar esta meta. Sempreuns guerreiros incansáveis.

13. Ao meu irmão por despertar o melhor de mim, e por me fazer sonhar cada vez mais alto.

14. Ao meu melhor companheiro e cúmplice, Hugo, pelo amor, pela inspiração na busca dos meus sonhos,onde encontro refúgio e motivação nos momentos difíceis. 15. À minha queridíssima e amada avó pela sabedoria, conselhos e por fazer de mim

o que sou hoje.

A todos os que acreditaram em mim e me fizeram acreditar que um dia este momento faria parte da minha vida…

A todos vós,

Um muito obrigado!

(11)

xi

Resumo

Fantasmas do Passado no Presente

Um estudo sobre a relação entre as representações da violência interparental vivida na infância e o modelo relacional e defensivo atual

Crescer num ambiente disfuncional, onde a violência interparentalsemanifesta em todos os seus contornos na dinâmica familiar, pode surtir efeitos nefastos ao desenvolvimento do sujeito. Vários estudos procuram estabelecer uma relação direta entre estas duas variáveis. Porém, nem todas as crianças expostas à violência familiar apresentam respostas funcionais negativas. Com base nos pressupostos apontados, o presente estudo teve como objetivocompreender como é que as memórias relacionais de exposição a violência interparental interferem na formação dos modelos relacionais internos e na organização defensiva do indivíduo, procurando afirmar a inexistência de diferenças significativas entre sujeitos expostos a estes acontecimentos e aqueles que nunca vivenciaram estas situações. Os resultados indicam não existirem diferenças relevantes entre os sujeitos, não sendo possível determinar uma relação de consequência direta entre a experiência de exposição a violência interparental e desajustamento. Verifica-se ainda a possibilidade de se estabelecer relações de qualidade com as figuras parentais, mesmo quando inseridas em condições adversas.

(12)
(13)

xiii

Abstract

Ghosts from Past in the Present

A relational study over representations of interparental violence experienced in childhood and the current defensive and relational model

Growing up in a dysfunctional environment where interparental violence is manifested in all its contours of family dynamics, it can yield adverse effects to the development of the subject. There are several studies that seek to establish a direct relationship between these two variables. However, not all children exposed to family violence show negative functional responses. Based on these assumptions, the study aimed to understand how relational memories of exposure to interparental violence interfere with the formation of internal relational models and the defensive organization of the individual, seeking to affirm that there are no significant differences between subjects exposed to these events and those who never experienced the same. The results indicate no significant differences between subjects, confirming that it’s not possible to determine a direct relationship between exposure to interparental violence and maladjustment. It also appears that it is possible to establish quality relationships with caregivers, even when placed in harsh conditions.

(14)

xiv

Índice

INTRODUÇÃO ... 1

PARTE I – ABORDAGEM CONCETUAL E TEÓRICA DA PROBLEMÁTICA DA VIOLÊNCIA INTERPARENTAL ... 5

1. Violência Direta e Indireta ... 5

2. Exposição a Violência Interparental... 6

2.1 “Uma peça de cortinas transparentes” ... 7

2.2 Exposição a Violência Interparental e o Exercer da Parentalidade ... 9

2.3 Fatores de Influência ... 14

2.4 A Violência Interparental Enquanto Experiência Traumática ... 19

3. Exposição a Violência Interparental e Desajustamento ... 20

3.1 Desenvolvimento e Emergência do Self ... 22

4. Modificações das Representações e dos Modelos de Relação ... 25

4.1 O Cérebro Relacional ... 26

5. Modelos de Relação Internos e Mecanismos de Defesa do Self ... 28

6. “Fantasmas do Passado no Presente” ... 29

PARTE II - ESTUDO EMPÍRICO ... 31

7. Objetivos Gerais ... 31 8. Formulação de Hipóteses ... 31 9. Metodologia ... 33 9.1 Participantes ... 33 9.2 Instrumentos ... 34 9.3 Implicações ... 38

9.4 Procedimentos de recolha de dados ... 38

9.5 Procedimentos de análise dos dados ... 38

10. Resultados ... 41

10.1 Estudo das Caraterísticas Psicométricas dos Instrumentos ... 41

10.2 Análise dos Resultados do T-test ... 42

10.3 Análise das Correlações ... 47

11. Estudo das Hipóteses ... 54

12. Discussão dos Resultados ... 57

12.1 Limitações ... 60 13. Conclusões ... 61 REFERÊNCIAS ... 63 ANEXOS ... 73 ANEXO A ... 75 ANEXO B ... 77

(15)
(16)

xvi

Índice de Tabelas

Quadro 1. Modelo Motivacional das Seis Dimensões da Parentalidade (Fonte: Skinner, et al., 2005) ... 12 Quadro 2.Caraterização da Amostra ... 34 Quadro 3. Valores do Coeficiente de alpha de Cronbach dos instrumentos ... 42 Quadro 4. Estatística descritiva de Cuidados Maternos relativa aos sujeitos expostos e não-expostos a violência interparental (Escala de pontuação 1 a 5) ... 43 Quadro 5. Estatística descritiva de Cuidados Paternos relativa aos sujeitos expostos e não-expostos a violência interparental (Escala de pontuação 1 a 5) ... 44 Quadro 6. Estatística descritiva do Ambiente Familiar relativa aos sujeitos expostos e não-expostos a violência interparental (Escala de pontuação de 1 a 5)... 45 Quadro 7. Estatística descritiva dos Esquemas Maladaptativos relativos aos sujeitos expostos e não-expostos a violência interparental (Escala de pontuação de 1 a 6) ... 46 Quadro 8. Estatística descritiva dos Mecanismos de Defesa relativos aos sujeitos expostos e não-expostos a violência interparental (Escala de pontuação de 0 a 2) ... 47 Quadro 9. Correlações entre as subescalas Aceitação e Expressão de Afeto Parentais e a escala de Esquemas Maladaptativos ... 49 Quadro 10. Correlações entre a subescala Cuidado Físico e Relacionamento Parental Não-violento e a escala de Esquemas Maladaptativos ... 50 Quadro 11. Correlações entre Exposição a Violência Interparental e a escala de Esquemas Maladaptativos ... 51 Quadro 12. Correlações entre Exposição a Violência Interparental e a escala de Mecanismos de Defesa ... 52 Quadro 13. Correlações entre as subescalas Aceitação e Expressão de Afeto Parentais e Mecanismos de Defesa ... 53 Quadro 14. Correlações entre a variável Exposição a Violência Interparental e as subescalas Aceitação e Expressão de Afeto Parentais ... 53

(17)
(18)

xviii

Índice de Figuras

(19)
(20)

1

INTRODUÇÃO

A violência e as suas mais variadas formas de atuação constituem-se, atualmente, uma das principais preocupações da sociedade, embora esta desde cedo se tenha tornado alvo de interesse, indignação e protesto.

O ser humano, enquanto ser relacional, vive em permanente contacto e manifesto relativamente ao outro. Nas suas relaçõessão constantemente expressos desejos, afetos e desafetos que, muitas vezes, apresentando-se sob a forma mascarada de comportamentos violentos, ou pouco adaptativos, procuram restituir aoselfaquilo que lhe é insatisfeito.Porém, e antes de mais, importa esclarecer este conceito.

O termo “violência” derivado da palavra latina violentia, significa “força violenta, ou recurso à força para submeter alguém contra a sua vontade”(MRIIDE – Manual da Rede de Intervenção Integrada do Distrito de Évora, 2012, p.17). Por outro lado, as Nações Unidas (WHO; MRIIDE, 2012, p.17) definem violência como “o uso intencional da força física ou poder, ameaça ou real, contra si próprio, outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou tenha uma alta probabilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, mau desenvolvimento ou privação”.Neste sentido, salienta-se que a violência não se traduzunicamente na agressão física propriamente dita, apresentando formas e expressões diferenciadas, sendo todas elas nefastas ao bem estar do indivíduo e daqueles que são testemunhas destes incidentes.

Uma das formas mais frequentes deste ato de deterioração do outro ganha terreno naquele que deveria ser para as pessoas o local mais seguro – o seu lar (Margolin, 2005; Silva, Coelho & Caponi, 2007).O espaço que é detentor do seio familiar e das dinâmicas relacionais mais importantes da vida do ser humano, pode também ele ser contentor de fortes tensões e sofrimento. Assim, a violência doméstica, caraterizada pelo secretismo e silêncio guardado pelas estruturas do lar, assume-se, desta forma, como uma das principais causas de vitimação do país (Amnistia Internacional – Portugal, 2005).

Segundo o Relatório Anual da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, 2013), entre o ano de 2010 – 2012, registou-se um aumento percentual de 8,4% de processos de apoio, um número de crimes relatados com um acréscimo de 18,8%, e um aumento de vítimas diretas de 29%, contabilizando o total de 22747 atendimentos, 12084 processos de apoio e 8945 vítimas diretas de violência doméstica.Tendo em conta os dados explorados pelo Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS; MRIIDE, 2012), é possível afirmar que este ato é mais comumente realizado pelo marido ou parceiro das

(21)

2

vítimas, sem esquecer que também os homens podem ocupar este lugar (NCADV - National Coalition Against Domestic Violence, s.d.; Manual Alcipe – APAV, 2010).

Por outro lado, de acordo com o IV Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2011/2013), da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, com referênciaao Relatório Intercalar de Execução de 2012, as vítimas de violência doméstica são, simultaneamente, mães. Definindo as repercussões na criança como uma “vitimação vicariante”, esta iniciativa alerta para os impactos negativos da exposição dos menores a este tipo de situações, enfatizando que cerca de 42% das ocorrências participadas, em 2011, foram testemunhadas por crianças.

Apesar de não existir um consenso no que se refere a uma definição específica de violência ou maltrato, todas as perspetivas assentam na ideia de um prejuízo físico ou mental da criança, provocado deliberadamente sob a forma ativa ou passiva por um adulto (Martins, 2005).

Com base nas linhas introdutórias supra-referidas e os dados apresentados, expõe-se, desta forma, a problemática evidenciada como foco do estudo empírico posteriormente apresentado: a exposição a violência interparental. Esta demonstra-se uma questão pouco aprofundada ao nível da investigação, uma vez que é dada maior relevância às situações de violência doméstica direta, ou seja, onde existe uma agressão dirigida à criança ou jovem por parte dos seus progenitores. Isto porque a exposição em si, é uma voz silenciada (Osofsky, 2003) e, muitas vezes, não se vê estas pessoas como vítimas, mas sim como meros espetadores (Margolin & Vickerman, 2007). Contudo, a criança não necessita de experienciar violência física direta para ser profundamente afetada (Sani, 1999). Uma vivência consecutivamente rica em conflitos entre as figuras parentais pode representar, para esta, que o seu ambiente familiar não é seguro assim como as relações que se estabelecem com os seus objetos de afeto.

Atualmente, no cerne das investigações sobre o desenvolvimento do indivíduo, sobre a formação das suas estruturas internas e, principalmente, sobre as dinâmicas e fatores que, de alguma forma, resultam em estruturas de personalidade mais desadaptativas e em comportamentos menos funcionais do ponto de vista relacional, a tendência é para que se procurem experiências negativas de vida que justifiquem estes acontecimentos. No caso da exposição à violência interparental, vários são os autores que relevam o impacto negativo desta situação no desenvolvimento do sujeito e as consequências do mesmo para a construção de si, das suas representações e dos seus modelos de relação.

Tal como referem Margolin & Gordis (2004) eCoutinho e Sani (2008), as crianças expostas estão em risco de desenvolver respostas maladaptativas em uma

(22)

3

ou várias áreas do seu funcionamento. Contudo, de acordo com Costa e Sani (2007) a exposição à violência familiar não é necessariamente sinónimo de desajustamento psicológico. Nem todas as crianças que passam por este tipo de violência desenvolvem comportamentos desviantes ou pouco funcionais.

É, por isso, importante perceber que, se por um lado, um ambiente familiar hostilizado pode ser promotor de problemáticas ao nível do desenvolvimento ótimo da criança e facilitador de desorganização afetiva, por outro, existe uma série de fatores que permitem ao ser humano possuir a capacidade evolutiva para se adaptar, transformar e interpretar as suas experiências, construir significados e defender-se das ameaças que lhe são impostas. Logo, considera-se precipitado estabelecer uma ligação direta de causa-efeito entre vitimação a exposição interparental e desajustamento psicológico e afetivo futuro (Gewirtz & Edleson, 2007). De acordo com o pressuposto, a forma como as crianças reagem aos eventos adversos é o resultado da sua matriz desenvolvimental (Coutinho & Sani, 2008).

Com base no que foi exposto, e de modo a efetuar uma abordagem concetual dos construtos relativos à exposição a violência interparental, definiu-se como principal objetivo de estudo perceber se existem diferenças significativas entre sujeitos que vivenciaram esta experiência e aqueles que não foram submetidos à mesma. O delinear deste objetivopretende questionar o estabelecimento de uma a relação direta entre experiências de EVI durante o desenvolvimento e o desajustamento futuro, e reforçar que nem sempre o individuo sucumbe ao sofrimento após a adversidade.

Esta avaliação realizou-se através da aplicação de três instrumentos de avaliação: Questionário de Historial Familiar (Monteiro & Maia, 2008) para avaliar as representações referentes ao ambiente familiar e aos cuidados parentais; Questionário de Esquemas (Gouveia & Robalo, 1994) para avaliação dos modelos afetivos e relacionais atuais e o Inventário de Mecanismos de Defesa (Justo, 2009), de modo a avaliar os modelos defensivos atuais.

A nível estrutural, o estudo divide-se em duas partes principais: inicialmente é apresentada a revisão teórica sobre o conceito de violência e exposição a violência interparental, bem como os modelos explicativos desta temática, e a abordagem das questões ligadas ao desenvolvimento e transformação do indivíduo enquanto ser complexo e transformador, nomeadamente a componente fisiológica e intrapsíquica. A segunda parte apresenta a investigação empírica realizada, tendo em conta a formulação das hipóteses e objetivos, a caraterização da amostra e dos instrumentos utilizados e os procedimentos metodológicos correspondentes. Posteriormente, são expostos os resultados e a discussão dos mesmos, com finalização sobre os aspetos conclusivos do estudo.

(23)
(24)

5

PARTE I – ABORDAGEM CONCETUAL E TEÓRICA DA PROBLEMÁTICA DA VIOLÊNCIA INTERPARENTAL

A VIOLÊNCIA NO SEIO FAMILIAR

“Uma das influências mais importantes no desenvolvimento da criança é a atmosfera do lar.” (Papalia, Olds & Feldman, 2001, p.469)

1. Violência Direta e Indireta

Tal como foi anteriormente apresentado, a violência pode manifestar-se sob dois prismas de atuação, tendo em conta a intencionalidade do ofensor. Define-se por violência direta quando a criança é o alvo de agressão ou de abuso por parte de um ou mais membros do sistema familiar. Neste caso, afirma-se tratar-se de um tipo de vitimação primária, na medida que é esta que experiencia diretamente a agressão (Sani, 1999). Estudos apontam que tanto as caraterísticas individuais da criança, como as dos pais, podem ser agentes ativadores de comportamentos violentos (Martins, 2005).

Ligado à violência familiar está também um estigma que, muitas vezes, dificulta a identificação destes casos, nomeadamente a ideia de que estas situações apenas ocorrem nos meios económicos mais desfavorecidos, em locais onde a cultura promove os comportamentos violentos, ou em sistemas educacionais rígidos tendo em conta a desigualdade de género e de poder geracional (Martins, 2005). O facto é que, segundo Gonçalves e Machado (2005), qualquer ambiente familiar é um lugar privilegiado da violência, pois para além de proporcionar a privacidade favorável aos acontecimentos e resguardá-los em relação ao contacto com o exterior, permite também o desenvolvimento de um sentimento de propriedade e poder face à vítima (Martins, 2005).

De acordo com a teoria explicativa da perspetiva neuropsicológica (Séguin, Sylvers, & Lilienfeld, 2007), existe no agressor dificuldades básicas no processamento de informação que estão intimamente relacionadas com a anatomia e a fisiologia cerebrais. Descritos como modelos de distorção, estes défices enfatizam o papel dos enviesamentos, crenças, atribuições, apreciações e esquemas, e influenciam o

(25)

6

comportamento hostil (Fonseca, 2008). Assim, em vez de o adulto assumir um papel de protetor e cuidador do bem estar da criança, torna-se ele próprio o seu maior perigo.

Por sua vez, a perspetiva psicodinâmica entende a violência direta como proveniente do trauma. O processo inicia-se na introjeção intolerável de maus objetos que permanecem internamente após o trauma (Scharff & Scharff, 2010). A criança mantém estes objetos tóxicos contidos no self, de forma a desculpabilizar o seu cuidador e a proteger o mito do bom progenitor. Para proteger o self dos maus sentimentos, os objetos tóxicos necessitam de ser expelidos através de atos de violência aleatórios dirigidos a objetos materiais, ou projetados para pessoas ou grupos vistos como maliciosos (Scharff, 2010).

No que refere à violência indireta, define-se quando a criança não é o alvo da agressão mas é exposta à situação, constituindo-se desta forma uma vitimação secundária. A violência interparental consistenum exemplo de maltrato indireto à criança (Sani & Cardoso, 2008; Jaffe, Wolfe & Campbell, 2012), uma vez que adquire formas diversificadas (como o desprezo, terror, ameaça, negação de respostas emocionais, isolamento, humilhação, exploração, entre outras) capazes de afetar profundamente a criança ou o jovem. Desta forma, o menor que assiste a este cenário dramático acaba por ser ele próprio objeto de violência (Sani, 2003; Martins, 2005; Monteiro, 2009).

Alguns investigadores (e.g. Davies & Cummings, 1994; Edleson, 1999) procuraram perceber o impacto da vitimação criminal naqueles que não experienciam o crime diretamente, mas que mantém uma relação de proximidade à pessoa vitimizada. Apesar de um impacto maior naqueles que são vítimas diretas, existem evidências de que, consagrando-se uma experiência traumática, ambas as vítimas manifestam problemas semelhantes (Sani, 1999; Sani, 2006).

Ainda que não se tratando de violência física, Peled e Davis (1995) consideram que este tipo de maltrato psicológico poderá ser resultante não só do facto do perpetrador da violência aterrorizar a criança, como também o facto de esta ser forçada a viver num ambiente inseguro e ser exposta a modelos de papéis negativos e limitados (Martins, 2005).

2. Exposição a Violência Interparental

Em situações de relações conjugais conflituosas ou de violência doméstica, onde a protagonização recai sobre o casal, são frequentemente ignoradas as vítimasmais vulneráveis ao impacto destas ações. As crianças, ou jovens, filhos de

(26)

7

pais ofensores e vitimizados, constituem-se nestes casos aquilo a que podemos chamar de “danos colaterais” face às vontades e necessidades dos seus pais.

Sendo que, como foi supra-referido, nem sempre a agressão é direcionada à criança, o seu envolvimento acaba por ser desvalorizado e ofuscado pelas vítimas diretas (Margolin, 2005). Com a crescente preocupação social pelo bem-estar destes menores, começarampor ser inicialmente utilizados termos como “observadores” ou “testemunhas” para reportar os casos de violência na presença de crianças ou adolescentes e, apenas mais tarde, surgiu o termo exposição (Evans, Davies & Dillilo, 2008). Tendo em conta que a criança pode não só observar estas situações, diz-se exposta, pois pode também escutar, participar, e sofrer as consequências ambientais das experiências que a rodeiam no seu contexto familiar (Evans, et al., 2008; Jaffe, et al., 2012).

Neste sentido, entenda-se como exposição a violência interparental, qualquer tipo de envolvimento da criança/jovem na presença de atitudes/atos hostis, violentos e impetuosos entre as suas figuras parentais. Estes episódios podem ser recorrentes, inserindo-se como parte da sua vivência familiar, ou isolados,experienciados com a intensidade suficiente para ficarem gravados na memória e nas representações sobre o passado do sujeito (Sani, 1999; Margolin & Vickerman, 2007), embora possam não ser necessariamente desorganizadores.

2.1 “Uma peça de cortinas transparentes”

Ver-se envolvido, ainda que indiretamente, numa relação de conflito entre aqueles que são objeto de uma imensa carga afetiva para o sujeito é, no mínimo, angustiante. A tensão que se desencadeia é contagiante para aquele que presencia e que partilha destes acontecimentos. Assemelha-se metaforicamente à representação de uma peça de teatro, onde os “ensaios” são, muitas vezes, consecutivos, o discurso e a postura das “personagens principais” expressam-se pouco diferenciados ou até mesmo repetitivos, e onde nos “bastidores”, por detrás das cortinas e ausentes da atenção do público, se encontram os restantes “intervenientes”da peça, que testemunham todo o cenário envolvente. A vista pode nem sempre ser privilegiada, mas a proximidade enaltece a intensidade da trama.

No que trata a realidade destes acontecimentos, importa aquilo que é vivido nos “bastidores”, ou seja, a experiência da criança que vive ou é exposta a violência interparental. Alguns autores que dedicaram os seus estudosneste sentido apontam consequências no menora curto, médio e longo prazo (e.g. Osofsky, 2003; Margolin & Gordis, 2004). De entre elas acentuam-se problemas de externalização, como a

(27)

8

agressividade, a delinquência, a capacidade de empatia debilitada, dificuldades de aprendizagem e sociabilização; e de internalização, tal como o isolamento, tensão cumulativa, ansiedade e o medo (Edleson, 1999; Margolin & Gordis, 2004).

Sob a visão de Davies e Cummings (1994), a violência que a criança é exposta constitui uma ameaça que mina o seu sentido de predição e o seu sentimento de acolhimento na família, preocupando-a e fazendo-a sentir-se emocionalmente stressada.Para Sani e Cardoso (2013), a exposição a violência interparental constitui-se de igual forma um maltrato à criança, ainda que escondido do olhar e da atenção da sociedade, representando um pontencial fator etiológico de desenvolvimento de psicopatologia (Coutinho & Sani, 2008).

Como consequências a longo prazo, sugere-se o desenvolvimento de perturbações da personalidade e do foro psicológico, dificuldades emocionais e de ajustamento social (Margolin & Vickerman, 2007; Coutinho & Sani, 2008; Godbout, Dutton & Laussier, 2009), assim como a associação a relações abusivas e comportamentos agressivos na idade adulta (Coutinho & Sani, 2008; Godbout, Dutton, Lussier & Sabourin, 2009; Jaffe, et al., 2012).Gonzales e colaboradores (2012) enfatizam não só as repercussões da EVI anteriormente descritas, mas também o desenvolvimento de problemas de temperamento, sintomatologia de pós-stress traumático e depressão. No entanto, os efeitos a longo prazo variam dependendo da frequência, do tipo e da severidade da violência a que a criança é exposta (Margolin & Gordis, 2004; Margolin, 2005;Graham-Bermann& Seng, 2005, Gonzales, Chronister, Linville & Knoble, 2012).

Apesar de cada sistema familiar conter as suas próprias funções, papéis e dinâmicas relacionais, identificam-se determinadas caraterísticas que são comuns em casos de violência interparental. Falhas na comunicação, ou um discurso pobre, são exemplosque frequentementehabitam estes lares, assim como interações coercivas ou a incapacidade individual e conjugal para resolução de problemas(Sani, 2008). Outros exemplos estão relacionados com a existência de psicopatologia ou o abuso de substâncias como o álcool e/ou as drogaspor parte dos progenitores (Sani, 2009; Monteiro, 2009; Jaffe, et al., 2012).

Para além disso, a mulher vítima de violência doméstica pode experienciar problemas emocionais comoa baixa auto-estima, depressão, ansiedade, sentimentos de impotência e culpa, bem como outros dificuldades adicionais (problemas económicos, o desemprego, risco de despejo de casa, etc.), os quais afetam a suadisponibilidade e capacidadeparental (Cummings & Davies, 2002; Sani, 2008; Osofsky, 2003), o que subsequentemente interfere na qualidade da sua relação com a criança.

(28)

9

2.2 Exposição a Violência Interparental e o Exercer da Parentalidade

“Families are uniquely structured to provide the attention, nurturance, and safety that children need to grow and develop.” (Osofsky, 2003, p.163)

Quando o ambiente familiar é “contaminado” por um clima de violência, percecionado pelos seus membros como inseguro, rígido e submissivo, este acaba muitas vezes por resultar num “contágio” das diferentes relações do núcleo familiar.

O ofensor, centrado nas suas exigências e necessidades é, na maioria dos casos, incapaz de perceber o impacto dos seus atos na criança (Holt, Buckley & Whelan, 2008). A vítima direta, debilitada física e/ou psicologicamente pelas experiências vivenciadas, vê dificultada a sua tarefa de gestão da relação com os filhos (Sani, 2008). Estes,por sua vez, expostos a este tipo de situações e interagindo com progenitores hostis, caóticos e coercivos, podem tornar-se afetivamente desligados das suas figuras parentais e resistir à socialização (Skinner, Johnson & Snyder, 2005).

Porque a parentalidade não acarreta apenas a satisfação das necessidades básicas da criança, importa enfatizar sobre a influência da violência interparental na qualidade das relações dos pais para com a criança exposta a este cenário. Tal como esclarece Bronfenbrenner (1986), a parentalidade não assenta apenas sobre a diádica relação progenitor-filho, mas sobre o contexto que contempla as múltiplas relações existentes e os seus meios (Osofsky, 2003). Problemas com as principais figuras de vinculação podem levar à maladaptação da criança, insegurança emocional e sentimentos de desafeto (Cummings & Davies, 2002),interferindono seu desenvolvimento pleno (Melchert, 2000; Monteiro, 2009). Tal como proferiu Coimbra de Matos (2014) “Só existe um amor válido, o amor recíproco”. Sentimentos de ausência desta reciprocidade podem amplificar o impacto da EVI, e as construções que o sujeito elabora sobre estes eventos.

O que acontece na generalidade é que os pais subestimam a capacidade dos filhos de absorver aquilo que se passa em seu redor (Jaffe, et al., 2012). Tantas vezes pensam que a criança está salvaguardada das discussões ou agressões, simplesmente por estarem noutra divisão da casa, ou por desvalorizarem as suas capacidades remetendo para a idade da mesma. Assim como a criança compreende e é influenciada pela relação dos pais entre si, também ela está dependente das consequênciasdesta relação nos cuidados que lhe são prestados (Edleson, 1999;

(29)

10

Osofsky, 2003; Holt, et al., 2008; Sani, 2008).A forma como os pais contornam os problemas conjugais em função da parentalidade, e o tipo de relação que estabelecem com a criança neste ambiente, parece obter um forte impacto na forma como esta vai reagir aos episódios de EVI e o significado que lhes vai atribuir consoante o seu desenvolvimento (Cummings & Davies, 2002; Skinner, et al., 2005; Monteiro, 2009).

Durante um longo período de tempo, a criança vive vinculada aos afetos e emoções das suas figuras parentais. Estas, por seu lado, são por natureza únicas nas suas funções para prover a atenção, o conforto e a segurança necessárias ao crescimento e desenvolvimento dos seus filhos (Osofsky, 2003). Por entre controvérsias, disfuncionalidade e instabilidade, os conflitos acabam por se refletir no atropelo das necessidades da criança. Os pais tornam-se mais inconscientes, os seus comportamentos menos efetivos e, com isto, diminui a responsividade aos sinais e necessidades emocionais da mesma (Sani, 1999).Deste modo, ocupando o conflito o espaço central das preocupações no seio familiar, existe uma indisponibilidade e menor sensibilidade por parte dos progenitores em cuidar, proteger e manter a criança segura face às condições presentes (Osofsky, 2003; Holt, et al., 2008).

Nestas situações a criança pode sentir alguma ambiguidade no que se refere à afetividade com as suas figuras parentais. É possível sentir medo e empatia para com o agressor e compaixão envolta de um forte senso de obrigação em proteger a vítima, geralmente a mãe (Edleson, 1999; Holt, et al., 2008). Para além disso, a criança pode percecionar o progenitor abusado como incapaz de lhe dar proteção e segurança, comprometendo-se uma vinculação segura, o que a torna mais vulnerável a estados afetivos variáveis, imprevisíveis e negativos (Davies & Cummings, 1994).

Por fim, levanta-se a questão da alienação parental. Este conceito está atualmente ligado a uma das formas de maltrato à criança e pode ser verdadeiramente desorganizador (Sani, 2008). Está presente, muitas vezes, quando os pais usam a criança como “escudo” na guerra conjugalcom o objetivo de perturbar psicologicamente o outro companheiro. É como um triângulo invertido, onde a pressão recai sobre um único vértice, que não querendo abdicar de nenhuma das figuras de afeto, vê-se constantemente coagido aaliar-se e a escolher um dos lados (Davies & Cummings, 1994; 2002). Em seguida são apresentados dois modelos teóricos que enfatizam a importância da qualidade parental na adaptação e ajustamento da criança em situações de EVI.

(30)

11

2.2.1 Modelo Motivacional das Seis Dimensões da Parentalidade (Skinner, Johnson & Snyder, 2005)

A partir de estudos realizados sobre avaliação da parentalidade dos últimos 50 anos, Skinner, Johnson e Snyder (2005), identificaram seis grandes dimensões de estilos parentais que representam a relação e a afetividadepara com a criança: conforto e cuidado parental no desenvolvimento da criança vs rejeição; providência de estruturação e estabilidade vs caos; apoio e suporte à autonomia vs coerção. Os autores definem as dimensões parentais como caraterísticas, qualidades e esquemas descritivos que capturam a natureza parental e que expõem a base em que a parentalidade é construída (cf., Quadro 1).

De acordo com o presente modelo, o conforto e cuidado parental representa a mais importante das dimensões apresentadas. Segundo os autores, também conhecida por aceitação, esta dimensão refere-se à expressão de afeto, amor, apreciação, amabilidade e respeito pela criança. Isto inclui disponibilidade emocional, apoio e cuidados genuínos considerando o bem estar da mesma, mas também interações educativas e disciplinares focadas nas suas aprendizagens. Por oposição, expressões de rejeição e hostilidade, incluem aversão, severidade, reações exageradas, irritabilidade e respostas explosivas, concentradas numa comunicação negativa com a criança, criticismo, escárnio e desaprovação.

A seguinte dimensão da parentalidade assenta na provisão de estruturação e estabilidade à criança. Mediante as contingências do meio, esta medida refere-se à exposição de expetativas claras e bem delineadas com vistanum comportamento maduro assim como o estabelecimento de limites consistentes e apropriados. Em contraste, considera-se o caos, que definem como um tipo de confusão ambiental que incluí desorganização e tumulto, imprudência e incapacidade de assegurar o desenvolvimento pleno da criança. Desta forma, Skinner e colaboradores enfatizam a importância da dimensão referente ao apoio à autonomiada criança face ao oposto prejudicial da coerção. Também percebida como uma forma de controlo psicológico, a parentalidade coerciva é demarcada pelo seu caráter autoritário e demandante.

Segundo esta abordagem, o Modelo Motivacional sustenta que a aceitação e conforto parental são primordiais para que a criança se sinta segura, integrada e amada, onde a devida estruturação e estabilidade são base de experiências competentes e saudáveis, sendo neste caso possível desenvolver-se autonomamente através da motivação e suporte necessários. Estas caraterísticas são influentes no desenvolvimento da criança, pois determinam o seu cumprimento recetivo e os seus modelos relacionais futuros (Skinner, et al., 2005).

(31)

12 Quadro 1.

Modelo Motivacional das Seis Dimensões da Parentalidade (Fonte: Skinner, et al., 2005)

Modelo de Skinner, Johnson & Snyder

Dimensão Definição

1. Conforto Expressão de amor, afeto, prestação de cuidados e prazer Apreciação, disponibilidade emocional

2. Rejeição Antipatia ativa, aversão e hostilidade

Ausência reativa, irritabilidade, criticismo e desaprovação

3. Estabilidade

Provisão de informação sobre possibilidades e concretização de bons resultados

Previsibilidade, consistência

Expetativas claras, demandas firmes e maduras

4. Caos Não-contingente, inconsistência, errática, impressibilidade, arbitrariedade, desconfiança

5. Apoio à autonomia

Permite liberdade de expressão e de ação

Encorajamento da criança para os valores e aceitação genuínos

Incitação para preferências e opiniões próprias

6. Coerção Estilo supercontrolador, intrusivo e autocrático Restrição, comando e ordem

2.2.2 Hipótese da Segurança Emocional de Davies e Cummings (1994)

A hipótese desenvolvida por Davies e Cummings (1994) consiste numa perspetiva teórica que propõe que a segurança emocional constitui-se um fator primordial na regulação emocional da criança, organização e motivação na resposta face aos conflitos parentais (cf., Figura 1).

Segundo os autores, as representações que a criança internaliza sobre a relação das suas figuras parentais e a forma como esta responde às mesmas, tem implicações no seu ajustamento a longo prazo. O facto é que a criança pode estabelecer uma vinculação segura com ambos os pais e, no entanto, deter uma representação insegura da relação entre eles (Davies & Cummings, 1994; 2002). Neste sentido, a teoria assenta na forma como as reações emocionais negativas

(32)

13

regulam e são reguladas com o objetivo de preservar a segurança emocional. As emoções desempenhamum papel fundamental neste processo, pois a sua ativação promove a capacidade de lidar e de se adaptar às circunstâncias adversas de modo a se ajustar positivamente e a manter a segurança emocional.

Porém, o conflito pode ser classificado como construtivo ou comodestrutivo. Quando as figuras parentais lidam com o conflito de forma positiva, coerente, enfatizando as responsabilidades e o bem estar da criança, o conflito é considerado construtivo, facultando à mesma aprendizagens positivas sobre as experiências relacionais e lições de vida, aumentando o sentido de proteção e segurança através da regulação emocional. Um conflito caraterizado pela agressão física ou verbal, hostilidade e ameaça, abala a segurança emocional da criança, motiva a respostas emocionais e representações mais negativas (Cummings & Davies, 2002). É com base nas emoções negativas despoletadas que posteriormente permanecem as memórias negativas sobre a relação conflituosa entre as figuras parentais.

Um alicerce à segurança emocional é o tipo de vinculação existente entre a criança e os seus progenitores. Quando a vinculação é insegura, assim como a perceção do ambiente e da relação familiar, dá-se uma diminuição da segurança e da capacidade de regulação emocional, dificultando o ajustamento da criança e aumentando a probabilidade de consequências a longo prazo. Por outro lado, quando existe uma vinculação segura, aumenta a segurança emocional da criança, amenizando o impacto dos conflitos a que esta é exposta.

(33)

14

2.3Fatores de Influência

Tendo em conta todo o impacto e consequências da exposição a violência interparental até agora abordadas, surge a questão essencial dirigente do presente estudo – existem aqueles que sucumbem ao ambiente familiar hostil e aqueles que lhe resistem. Como afirmam Grych, Jouriles, Swank, McDonald e Norwood “crianças expostas a altos níveis de conflito e violência interparental manifestam padrões de ajustamento variáveis, com algumas a experienciar problemas internalizantes, outras externalizantes, e ainda outras não exibindo qualquer problema de ajustamento.”(Costa & Sani, 2007, p. 284).

Deste modo, para tentar perceber o que está na génese desta distinção é necessário, primeiro que tudo, ter presente que o sujeito não vivencia experiências de forma isolada, e segundo, que existem fatores externos e internos que interagem influenciando-semutuamente e ao desenvolvimento destas situações (Edleson, 1999; Margolin, 2005; Holt; Buckley & Whelan, 2008; Godbout, et al., 2009; Lawson & Brossart, 2009).Assim, através da revisão de literatura, é possível identificar: a) fatores de risco, b) fatores de proteção, c) fatoresmediadores e d) fatores de resiliência. Todos

Objetivo: Preservar a

Segurança Emocional

Reatividade Emocional Regulação da Exposição

ao Afeto Parental Representações Internas Caraterísticas familiares Perturbações Psicológicas da Criança Conflito parental Intenso Hostil Não resolvido

(34)

15

eles desempenham um papel fundamental para a compreensão do que leva a que certas pessoas sejam mais vulneráveis à vitimação do que outras.

a) Fatores de Risco

Richman e Fraser (2001) definem risco pela presença de um ou mais fatores ou influências que aumentam a probabilidade de resultados negativos para a criança (Ribeiro & Sani, 2009). Não são causa direta para um acontecimento, mas contribuem para a sua ocorrência. Os fatores de risco podem dividir-se em específicos, não específicos e cumulativos (Costa & Sani, 2009), sendo que os primeiros correspondem às ações diretas sobre a criança, e os segundos que não estão diretamente ligados a um aumento dos resultados mas sim à variedade de condições negativas. Por último, fala-se de risco cumulativo relevando a ideia de que o número e o acumular de fatores de risco pode ser mais importante do que a natureza específica dos aspetos negativos (Costa & Sani, 2009).

Como fatores de risco salientam-se, para além do conflito a que a criança é exposta,o seu nível de desenvolvimento. Crianças muito jovens estão extremamente dependentes dos cuidados dos pais, da sua disponibilidade e capacidades (Ribeiro & Sani, 2009). Por outro lado, crianças mais desenvolvidas tendem a seguir o modelo relacional vivido no ambiente familiar com os outros fora deste contexto, podendo tornarem-se agressivas ou vitimizadas por estes (Sani, 2006; Iraurgi, Pampliega, Iriarte & Sanz, 2011). Ainda sobre esta questão, ressalta-se o adolescente que aumentada a sua autoconfiança e criticismo, pode envolver-se e intervir nas desavenças das figuras parentais de forma a pôr termo aos acontecimentos, aumentando neste sentido o risco de também ele se tornar uma vítima direta do ofensor (Jaffe, et al., 2012).

Também a proximidade da relação com a vítima ou a falha na vinculação representam fatores de risco. Presenciar o sofrimento de uma figura de afeto tão importante para a criança pode gerar sentimentos de ansiedade e frustração face a impontecialidade para a ação. Contrariamente, a falha na vinculação ou o estabelecimento de uma vinculação insegura, possibilitam o aumento dos sentimentos de vulnerabilidade, abandono e ausência de empatia para com o outro (Davies & Cummings, 1994; Sani, 2008; Lawson & Brossart, 2009; Godbout, et al., 2009).

Outros fatores de risco encontrados na literatura aludem como sendo importantes: a forma como a criança é exposta à violência, o envolvimento de abuso de substânciase/ou a presença de doença mental por parte de um ou mais membros da família (Edleson, 1999; Gewirtz & Edleson, 2007; Ribeiro & Sani, 2009; Monteiro, 2009).

(35)

16

Por fim, também o historial de violência e comportamentos agressivos na família, o funcionamento familiar pobre e instável, e o desfavorecimento de recursos e apoio social, constituem-se fatores de risco que podem influenciar o desenvolvimento da criança e o seu ajustamento e organização afetivoemocional futuros (Margolin & Gordis, 2004; Margolin, 2005; Gewirtz, & Endleson, 2007; Sani, 2008; Duque & Santos, 2009; Oliveira & Sani, 2009; Ribeiro & Sani, 2009).

b) Fatores de Proteção

Os fatores protetores são carateríristicas individuais ou condições ambientais que ajudam as crianças e jovens a resistir ou a contrabalançar os riscos aos quais estão expostas. Estes atrasam, suprimem ou neutralizam o impacto negativo da adversidade e exercem efeitos compensatórios ou amortecedores sob o sujeito (Ribeiro & Sani, 2009).Os fatores de proteção não foram até à atualidade tão bem estudados como os fatores de risco, mas podem demonstrar-se bons indicadores sobre a resistência da criança ao desajustamento face às condições negativas a que é submetida (Gewirtz & Edleson, 2007).

Richman e Fraser (2001) dividem estes fatores em três categorias: individuais, familiares e extra familiares. Relativamente aos fatores de proteção de caráter individual, pode-se ressaltar a atitude intolerante face à violência, as boas capacidades inteletuais e de desempenho escolar, as competências de gestão e regulação emocional, a perceção de apoioe as expetativas otimistas em relação ao futuro.

No que toca aos fatores de proteção de ordem familiar, os autores referem: a presença de relações familiares fora do núcleo em convivência, a boa comunicação com os pais, boas expetativas parentais acerca do desempenho escolar da criança, o desenvolvimento de atividades partilhadas e a presença efetiva dos pais ao longo do seu crescimento. Para além destes, existem os fatores de proteção extra familiares, correspondentes às atividades escolares, interpessoais e comunitárias. São exemplos destes fatores a motivação e a atitude face à escola e aos pares, os padrões de ensino da criança, a coesão social e os ambientes promotores de segurança e saúde (Ribeiro & Sani, 2009).

Gonzales e colaboradores (2012) enfatizam ainda outros fatores igualmente importantes, como é o caso das forças internas que compõem a resiliência, a auto-regulação de forma a adaptar-se às situações que são impostas pelo ambiente externo, e o autoconceito.

(36)

17

Existe um número de variáveis que podem ajudar a clarificar e a explicar a relação entre o conflito conjugal e o ajustamento da criança. Estas variáveis funcionam como fatores mediadores do impacto destas experiências.Algumas hipóteses sublinham o nível de desenvolvimento da criança e o género (Evans, et al., 2008).

Relativamente ao desenvolvimento, acredita-se que crianças muito novas não sofrem o mesmo impacto da exposição à violência interparental por não serem capazes de perceber o que se passa em seu redor. Porém, estas podem não compreender o conteúdo das discussões parentais, mas são sensíveis às emoções e à tensão vividas no ambiente familiar, sendo desta forma igualmente afetadas (Sani, 1999; Osofsky, 2003). Como alguns autores sugerem (e.g. Holden, 1998; Sani, 1999Jaffe et al., 2012), as crianças mais novas tendem a exibir queixas sintomáticas, enquanto as mais velhas podem apresentar um ou mais problemas de internalização ou de externalização específicos.

Quanto ao género, as diferenças encontradas entre crianças do sexo feminino e crianças do sexo masculino não se referem propriamente ao nível do distúrbio, mas sim na sua forma de expressão (Edleson, 1999). Os rapazes tendem a externalizar, através de comportamentos agressivos, e as raparigas internalizam maioritariamente, apresentando, por exemplo, respostas ansiogenas (Cummings & Davies, 1994).

Para além destes fatores, as caraterísticas do abuso, a frequência, a intensidade, a severidade, e o grau de destruição, são também variáveis significativas a considerar no impacto dos conflitos no seio familiar. Conflitos interparentais frequentes e prolongados estão ligados a uma grande tristeza, insegurança, angústia e uma tendência para aumentar o stress e a agressão na criança (Davies & Cummings, 1994, in Sani, 1999).

Um outro aspeto relevante está relacionado com os modos de expressão desses conflitos. O testemunho de violência física terá consequências distintas de uma agressão verbal (Davies &Cummings, 1994; Sani, 1999). As expressões como olhar com desprezo ou deixar de falar com uma pessoa, são manifestações não verbais que as crianças reagem com respostas semelhantes aos da cólera verbalmente expressada. Neste sentido, a inexistência de uma comunicação positiva pode ter um impacto tão negativo quanto a presença de conflitos comportamentais (Sani, 1999). Outras variáveis a atentar, prendem-se com o conteúdo do conflito (maior impacto se o conflito for acerca da criança) e a forma como o conflito termina, ou seja, como este é resolvido (Davies & Cummings, 1994; Sani, 1999).

Por fim, mas não menos importante, considera-se o suporte social e as representações mentais da criança sobre si própria são fatores de mediação extremamente influentes. As visões negativas do self sensibilizam-na para emoções

(37)

18

negativas, aumentando a sua vulnerabilidade, bem como a tendência para julgamentos sociais negativos (Sani, 1999).

d) Resiliência

A resiliência é um dos fatores justificativos mais comumente utilizados nos estudos sobre o ajustamento e a adaptação do sujeito face a acontecimentos de vida negativos. Tal como expõem Gonzales e colaboradores (2012), esta pode ser compreendida como um processo dinâmico entre a utilização de estratégias de coping positivas, capacidade de adaptação e recuperação após as experiências adversas. Dada a natureza dinâmica destes aspetos, a resiliência é multidimensional, abarcando as componentes educacionais, emocionais e comportamentais (Gonzales, et al., 2012).

Por sua vez, Richman e Fraser (2001) e Ribeiro e Sani (2009), salientam que a resiliência não é necessariamente baseada em caraterísticas individuais, ocorrendo na ligação entre um elevado risco e a presença de recursos excepcionais, sejam esses recursos de natureza pessoal ou ambiental. Derivada de forças internas provenientes das caraterísticas individuais do sujeito, e de forças externas, tendo em conta as influências ambientais e relacionais circundantes, a resiliência apresenta-se, desta forma, como a capacidade de ultrapassar os eventos adversos, como é o caso da exposição à violência interparental, sendo não apenas crianças “sobreviventes”, mas também psicologicamente ajustadas e bem sucedidas (Ribeiro & Sani, 2009).

Compreende-se, assim, a resiliência como “o conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam o desenvolvimento de uma vida sadia, mesmo vivendo num ambiente não sadio” (Ribeiro & Sani, 2009, p. 405). Trata-se de um processo interativo entre o indivíduo e o meio, considerando a variação individual face ao risco, sendo que os mesmos fatores causadores de stress podem ser experienciados de forma distinta por outros sujeitos. Neste sentido, não se considera a resiliência um atributo fixo do indivíduo (Sani, 2009; Davydov, Stewart, Ritchie & Chaudieu, 2010).

Gonzales e colegas (2012) apontam ainda algumas variáveis promotoras da resiliência na criança que é exposta à violência interparental. Os investigadores enfatizam que fatores intrapessoais, tal como a resposta a sentimentos de ansiedade, depressão, e raiva, ou estabelecimento de uma vinculação segura com as figuras parentais, e fatores interpessoais, assim como a qualidade parental e a estabilidade mentalmaternas, promovem a resiliência da criança após a EVI. Como principais aspetos integrantes desta dinâmica, incluem-se as crenças religiosas e espirituais, a

(38)

19

autoregulação emocional, o suporte social e o desejo de não ostentar e perpetuar qualquer forma de violência.

Alguns autores (e.g. Garmezy, 1985; Flach, 1991; Wolin, 1993; Pinheiro, 2004) associam à resiliência competências como a flexibilidade ou a versatilidade (Ribeiro & Sani, 2009). Rutter (2003) relaciona esta questão com o termo invulnerabilidade (Ribeiro & Sani, 2009). Junqueira e Deslandes (2003), aprofundando os estudos ligados à resiliência, acrescentam que esta não se trata de uma forma de imunidade, ou de eliminação do problema, mas sim de uma re-significação do mesmo (Ribeiro & Sani, 2009).

Todos os fatores discutidos parecem ser importantes no que diz respeito ao ajustamento/desajustamento e adaptação/desadaptação da criança face à experiência de exposição a violência interparental.A sua compreensão levanta questões, que serão discutidas mais à frente, sobre o processo de desenvolvimento da criança e das suas vivências relacionais, estas que se constituem a base da sua estruturação e organização futura.

2.4 A Violência Interparental Enquanto Experiência Traumática

Vários estudos realizados apontam a exposição a violência interparental como uma experiência traumática, promotora de sintomasa nível psicológico, fisiológico, emocional e comportamental (e.g. Osofsky, 2003; Margolin, 2005; Graham-Bermann& Seng, 2005; Evans, et al., 2008; Jaffe, et al., 2012). As reações desencadeadas por esta experiência vão de encontroà sintomatologia típica de uma Perturbação de Pós-Stress Traumático (PPST; Kitzmann, Gaylord, Holt & Kenny, 2003; Margolin, 2005); Costa & Sani, 2007). Os sintomas de PPST podem incluir insónia, comportamentos desviantes e hostis, e agitação mesmo longe de outras crianças e sob o olhar dos cuidadores no seu ambiente familiar. Para além destes, Osofsky (2003) também destaca a redução de competências sociais, a depressão entre outras perturbações psicológicas, e o surgimento de problemas de aprendizagem.

Quando um indivíduo é pelas eventualidades da vida submetido a um acontecimento extremamente negativo, este vai reagir de uma forma idiossincrática mas transacional, ou seja, após o impacto da experiência traumática, as suas respostas são trabalhadas e gradualmente atenuadas de forma a reestabelecer a homeostasia do seu organismo (Costa & Sani, 2007). As diferenças no que respeita à transformação destes acontecimentos e das representações sobre o mesmo, influenciando o seu ajustamento, passa pela capacidade do sujeito de se acomodar e se readaptar àquilo que lhe é aversivo. Muitos, por dificuldades ou incapacidade de

(39)

20

sofrer este processo, acabam mesmo por desenvolver esta ou outras perturbações que, consequentemente, irão afetar o seu desenvolvimento futuro (Graham-Bermann & Seng, 2005; Margolin & Vickerman, 2007).

No caso da PPST, por exemplo, o que acontece é que o indivíduo passa a percepcionar o mundo como verdadeiramente perigoso e ele próprio como incapaz de lidar com esse sentimento de insegurança e vulnerabilidade. Estas representações erróneas pós-trauma reforçam um ciclo vicioso despoletando sintomas patológicos (Margolin & Gordis, 2004; Costa & Sani, 2007).

De acordo com Graham-Bermann e Seng (2005), crianças expostas a violência interparental podem apresentar altos níveis de ansiedade e medo, desenvolver respostas agressivas, ou até mesmo representar um risco de perpetuação da violência para com os outros relacionais. Desta forma, compreende-se que testemunhar um acontecimento como a EVI, especialmente quando envolve as figuras de vinculação e de suporte, é suficiente para produzir na criança uma desorganização traumática. Segundo Osofsky (2003) e Costa e Sani (2007), são caraterísticos desta destruturação sentimentos de terror, insegurança, ameaça, autoresponsabilização e autoculpabilização pelo sucedido. Contudo, tal como todos os acontecimentos traumáticos, apenas uma porção de crianças que experiencia EVI desenvolve psicopatologia (Margolin & Vickerman, 2007).

Considera-se, no entanto, a EVI uma experiência traumática uma vez que a criança vive num espaço onde o perigo está sempre à espreita, onde os seus protetores são aqueles que lhe causam maior ameaça, e onde o medo não recai apenas sobre o seu bem estar mas também sob o dos seus objetos de afeto. Rossman e Ho (2000) descrevem esta experiência vivida pela criança como um “campo de guerra”. Por vezes são capazes de prever os “ataques” mas algumas vezes a situação é inesperada. Esta variabilidade envolve a criança numa dinâmica de perigo e incerteza (Margolin & Vickerman, 2007). Para além disso, o menor pode revivenciar o trauma não só na sua forma concreta e objetiva, mas também sob a forma intrusiva de pesadelos, flashbacks ou introversão emocional (Evans, et al., 2008).

3. Exposição a Violência Interparental e Desajustamento

Tal como já foi referido, na atualidade, falar de experiências de infância traumáticas tal como a negligência, o abuso, a violência, o abandono, entre outras problemáticas, traduz-se na maior parte das vezesnum sinónimo de desajustamento, psicopatologia e desorganização interna. Vários autores dedicaram as suas

(40)

21

investigações neste sentido, relevando os aspetos negativos destas experiências (e.g. Young, et al., 2003; Machado, 2005; Sani, 2006; Séguin, et al., 2007).

Tal como refere Melchert (2000) a história relativa à infância pode ter uma influência substancial no ajustamento do adulto. De acordo com Osofsky (2003) as vítimas de EVI tornam-se muitas vezes perpetradoras da violência, assim como vêem afetadas as suas habilidades relacionais comprometendo a sua parentalidade posterior. Sani (2006, p.850)avança enfatizando que “a exposição à violência familiar é um importante fator de risco de psicopatologia no adulto e de outras adversidades sociais”. Também sob a mesma perspetiva, Holt e colaboradores (2008) e Jaffe e Wolfe (2012) afirmam que a EVI corrompe o desenvolvimento saudável da criança, potencializando a desorganização futura.

Apesar deste “desígnio” nem sempre se fazer cumprir, é frequentemente estabelecida uma relação direta entre estes acontecimentos. Proveniente dos estudos sobre a violência entre gerações, cresce o conceito sobre atransgeracionalidadeem resposta à transmissão dos comportamentos violentos de progenitores para os filhos (Oliveira & Sani, 2009).

A transgeracionalidade tem como principal base explicativa a aprendizagem social e a componente genética (Oliveira & Sani, 2009). Contudo, sob a visão de Imbasciati (2004), trata-se de estruturas mentais transmitidas na relação de parentalidade. Segundo o autor, as estruturas inconscientes são formadas para serem transgeracionais, ou seja, as caraterísticas psicológicas do cuidador são marcadas na estrutura da personalidade da criança durante o seu desenvolvimento, constituindo-se um processo de transmissão de inconsciente para inconsciente. Através deste processo, a criança recebe e percebe os objetos traumáticos a partir dos seus sentidos e posteriormente elabora, a partir das suas próprias estruturas internas.

Outros autores, como Schwerdtfeger e Goff (2007) ou Bradfield (2011), descrevem a transmissão do trauma proveniente da gravidez e do processo de vinculação. Como explicita Bradfield (2011), cuidadores submetidos a experiências traumáticas podem apresentar uma disrupção nos cuidados e satisfação das necessidades da criança. Isto resulta de um processo dissociativo do trauma que, não sendo consciente, não permite a construção de uma narrativa comunicativa sobre o mesmo. Em vez disso, estas experiências não formuladas manifestam-se sob a forma de comportamentos através do corpo, alimentando a transmissão e a intergeracionalidade do trauma.

Não obstante àquilo que foi referido, enfatiza-se uma vez mais que o trauma pode ser “interrompido”, mais propriamente transformado em experiências complementares à maturidade do indivíduo. Como salientam Kitzmann e

(41)

22

colaboradores (2003) eMargolin (2005), existem vários estudos que demonstram a inexistência de problemas de ajustamento nas crianças submetidas a EVI. Mais se acrescenta que estas vão adquirindo com o tempo capacidades de resolução de problemas cada vez mais sofisticadas e aprendem a adaptar-se a cada situação, aumentando as expetativas de êxito (Holt, et al., 2008; Iraurgi, et al., 2011). Desta forma, sublinha-se que a exposição a conflitos entre as figuras parentais pode ser benéfica no que toca à aprendizagem da criança para lidar com os seus próprios conflitos futuros. Neste caso, as experiências de vida negativas podem fortalecer competências (Sani, 2008).

3.1 Desenvolvimento e Emergência do Self

Quando procuramos estabelecer uma relação entre problemas de funcionamento mental atual e as experiências negativas vividas na infância, esquecemo-nos muitas vezes de que aquilo que somos não é apenas fruto das nossas vivências precoces. Há todo um período de tempo durante e entre estas duas etapas do desenvolvimento humano que permitem ao sujeito se construir, se modificar e se emergir (Coderch, 2013).

Quando se optou pelo estudo de indivíduos que foram expostos a violência interparental durante o seu desenvolvimento, não foi com o intuito de, mais uma vez, manifestar as problemáticas que podem advir destas experiências, mas sim afirmar que o sujeito não é aquilo que lhe acontece mas sim aquilo a que se propõe ser. Existe uma série de fatores, de caraterísticas internas e externas ao indivíduo que podem, de certa forma, transformar estas vivências em algo funcional.

Para compreendermos melhor o que foi mencionado, há que enfatizar as caraterísticas individuais do sujeito – uma base idiossincrática que nasce com ele e que Stern (1985) define como um sentido de emergência do self – sentido de self independente dos outros objetos/pessoas. Este processo prolonga-se ao longo de toda a vida do sujeito e é a base inicial que proporciona à criança a capacidade de criar e aprender (Carpentier, 2011).

3.1.1 Elaboração do “Eu” singular

Tal como qualquer outro ser, o homem passa por um processo evolutivo. Não apenas do ponto de vista da sua natureza enquanto ser vivo, mas sujeito de construções internas. Referimo-nos a este processo como desenvolvimento, descrito por Clarke-Stewart, Perlmutter e Friedman (1988) como uma mudança sistemática, não aleatória, não temporária, relativamente estável, que ocorre ao longo da vida,

(42)

23

consagrante da experiência e do crescimento da pessoa. Apesar do indivíduo se construir na interação com o outro, este tem um papel ativo no seu próprio desenvolvimento (Fonseca, 2005).

Embora a fase prematura imponha um longo período de dependência do outro, o sujeito nasce com pequenas competências que lhe permitem reconhecer-se perante os outros objetos. De acordo com Stern (1988), após o nascimento, o sujeito começa a experienciar o sentido de emergência do self(Brandchaft, 2002; Carpentier, 2011).Este sentido de self emergente constitui-se o início da elaboração de um “eu” singular, diferenciado, distinto dos outros objetos semelhantes.

Kohut (1984) refere-se ao self como a essência psicológica do sujeito que consiste num conjunto de sensações, sentimentos, pensamentos e atitudes face ao próprio e ao mundo, ou seja, o centro da personalidade (Banai & Shaver, 2005). Stern (1988), Brandchaft (2002) e Socarides e Stolorow (2013) acrescentam que esta instância é coesa no espaço, constante e prolongada no tempo, considerando-se um recipiente de impressões. Concetualizada como um sistema mental organizador das experiências subjetivas do sujeito, esta estrutura desenvolve-se na relação com o outro, com base na satisfação de necessidades emergentes desta mesma interação (Banai & Shaver, 2005). Contudo, o sujeito constrói as suas representações com apoio numa realidade subjetiva, através da dialética entre o mundo interpessoal (acontecimentos de vida) e o mundo intrapsíquico (interpretações, construções, memórias e distorções), tendo em conta experiências afetivas prazerosas e experiências de insatisfação (Stern, 1988).

Num núcleo familiar traumático, o desenvolvimento avança fundamentalmente num eixo distinto dos demais, uma vez que o objetivo central da criança recai sob a necessidade de segurança e proteção (Stern, 1988). Durante o desenvolvimento, no caso da EVI, o sujeito pode interiorizar uma série de identificações tóxicas, interferindo nas estruturas do selfe possibilitando a sua desorganização (Brandchaft, 2002).

Porém, os constrangimentos sofridos num dado momento podem ser superados através de experiências positivas posteriores (Fonseca, 2005). Durante o ciclo vital, emergem novas capacidades, novos sentidos de self, organizadores de perspetivas subjetivas sobre si e sobre o outro (Stern, 1988), e novos relacionamentos provenientes da experiência intersubjetiva, de certa forma reparadores dos traumas relacionais passados (Carpentier, 2011; Stolorow, 2013).

Neste sentido, a mente emerge desde o nascimento na matriz relacional ou no contexto intersubjetivo (Stolorow & Atwood, 1992) entre o sujeito e os cuidadores e o seu meio social (Mesquita, 2014). O que se experiencia como sendo a nossa mente trata-se de um conjunto de ligações entre o passado e o presente que se vão

Imagem

Figura 1.Modelo da Segurança Emocional de Cummings e Davies (2002)

Referências

Documentos relacionados

(1) Acadêmico em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – glalves1287@gmail.com (2) Pesquisador da Embrapa Gado de Corte. (3) Técnica da Embrapa

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

Durante este estágio, passei a maior parte do tempo no internamento do serviço mas também estive algumas noites no serviço de urgências, para além das consultas externas

The case studies show different levels of problems regarding the conditions of the job profile of trainers in adult education, the academic curriculum for preparing an adult

In this study, two kinds of samples were used, the first type is thin films of PVDF deposited over Silica substrates, and the second type of sample is formed by PVDF coating

Gros (2016) and Beblavý & Lenaerts (2017), for example, present three different channels through which that intended stabilisation capacity may function: given that

Neste caso de estudo, é requerido o dimensionamento de um sistema autónomo, com venda do excesso de energia à rede, para uma habitação localizada em Fafe. A casa é do tipo T3,

Nestes dia para realizar a correção dos trabalhos de casa, a professora Filipa e a minha colega Ana Filipa apoiaram-se não só na proposta de trabalho (ficha) como