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Bullying e preconceito: proposta de intervenção psicopedagógica

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Academic year: 2021

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(1)Encontro. Revista de Psicologia Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010. BULLYNG E PRECONCEITO: PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA Bullyng and prejudice: psychoeducational intervention proposal. Luciana Bozzi Andrade Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 4 luciana_bz@yahoo.com.br. Manuela de Oliveira Cordeiro Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 4 manuela.marta@hotmail.com. RESUMO A partir da análise do caso da personagem “Blanca” citada no filme Crianças Invisíveis foram levantados problemas sociais, familiares, escolares e psicológicos. Desenvolveu-se um Programa de Suporte Psicopedagógico com a finalidade de identificar e resolver os problemas de aprendizagem, integrar e inserir a criança no ambiente escolar e familiar, combater a discriminação a portadores de dificuldades e limitações, promover o desenvolvimento social e escolar envolvendo a comunidade e a família. Porém, tal programa constitui-se em uma proposta de intervenção psicopedagógica para a reflexão de profissionais de áreas correlatas sobre a importância de o mesmo ser desenvolvido e realizado. Palavras-Chave: criança; Bullying; problemas de aprendizagem; intervenção psicopedagógica.. ABSTRACT By the analysis of Blanca’s story from the Invisible Children movie it was pointed many social, family, school and psychological problems. It was developed a Psycho pedagogical Support Program with the aim at identifying and solving learning problems, putting together and inserting the child in the schooling and family’s environment besides decreasing the discrimination of difficulties and limitations. Our proposal intends to develop social and schooling aspects, involving community and family. However, this program is constituted in a pedagogical intervention proposal for the consideration of related professionals about the importance of it being developed and realized. Keywords: child; Bullying; learning difficulties; psycho pedagogical action.. Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 rc.ipade@aesapar.com Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 25/4/2010 Avaliado em: 24/9/2010 Publicação: 10 de agosto de 2011. 71.

(2) 72. Bullyng e preconceito: proposta de intervenção psicopedagógica. 1.. INTRODUÇÃO O presente artigo será desenvolvido com o intuito de uma compreensão mais completa a respeito da prática do fenômeno “Bullying” nas escolas bem como seus prejuízos na aprendizagem e nos aspectos que a envolvem. A prática do Bullying vem aumentando significativamente nas escolas em geral, em especial nas públicas por possuírem grande quantidade de alunos de diferentes níveis sócio-culturais e por desproverem de uma prática de ensino que promova a diminuição da violência e o desenvolvimento de valores tais como a cooperação e o altruísmo. Tratase de um problema mundial que vem se disseminando amplamente nos últimos anos. Uma possível “reforma” escolar está longe de ser uma tarefa fácil, pois aborda questões relativas à reestruturação curricular direcionadas ao desenvolvimento de valores os quais a sociedade moderna reluta considerar. Junto da intervenção há de se integrar à família visto que esta é considerada o primeiro e valioso núcleo social no qual o aluno cria seus primeiros conceitos a respeito de si e das relações que envolvem o mundo que o cerca.. 1.1. O que é Bullying? Bullying não é simplesmente um comentário de mau gosto feito a alguém a qualquer hora. É um ato cruel e sistemático voltado diretamente a um indivíduo por parte de uma ou mais pessoas com a intenção de exercer poder sobre ele através de sofrimento psicológico e/ou físico (MIDDELTON-MOZ, 2007). O Bullying causa traumas ao psiquismo de suas vítimas e envolvidos e pode ser reconhecido em vários contextos: escolas, famílias, trabalho (assédio moral), em qualquer lugar onde haja relações interpessoais: [...] o Bullying envolve atos, palavras ou comportamentos prejudiciais intencionais e repetidos. Os comportamentos incluídos no Bullying são variados: palavras ofensivas, humilhação, difusão de boatos, fofoca, exposição ao ridículo, transformação em bode expiatório e acusações, isolamento, atribuição de tarefas pouco profissionais ou áreas indesejáveis no locas de trabalho, negativa de férias ou feriados, socos, agressões, chutes, ameaças, insultos, ostracismo, sexualização, ofensas raciais, étnicas ou de gênero. (MIDDELTON-MOZ, 2007, p. 21).. 1.2. Bullying e prejuízos De acordo com Fante (2005), a prática do Bullying geralmente causa prejuízos à estrutura psíquica da vítima no que diz respeito ao seu desenvolvimento como um todo; afeta a auto-estima podendo levar ao suicídio, afastamento da escola, isolamento, dificuldades de aprendizagem, baixo rendimento escolar. Tais prejuízos são subsidiados pelo pavor proveniente de sentimentos persecutórios e destrutivos sofridos com freqüência pela vítima.. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 71-82.

(3) Luciana Bozzi Andrade, Manuela de Oliveira Cordeiro. 73. Sabe-se que o contexto escolar é de grande valia para o desenvolvimento sóciocognitivo, pois é o local onde ocorrem experiências significativas na vida de crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento e, por isso, os mesmos necessitam de um ambiente saudável que propicie condições adequadas para o amadurecimento o que inclui estímulos positivos, equilíbrio, bom relacionamento com colegas e professores. O aprendizado relaciona-se com a qualidade e estruturação das relações afetivas do aluno com seus colegas, professores e família. Qualquer desequilíbrio nos vínculos que envolvem tais relações tem conseqüência direta na qualidade do aprendizado (WEISS, 2004). Não é simples identificar as práticas do Bullying, pois ocorrem de forma silenciosa. O agressor tenta esconder ou camuflar suas formas de agressão com receio de ser punido enquanto que o silêncio das vítimas obtido por medo ou vergonha facilita ou perpetua a ocorrência das agressões. De acordo com Fante (2005), as vítimas sofrem em silêncio por receio de serem repreendidas e desenvolvem sentimentos destrutivos tais como raiva, medo, insegurança, pensamentos vingativos e suicidas bem como fobias sociais que prejudicam o rendimento escolar. O comportamento agressivo é resultando de diversos fatores tanto externos como internos à escola caracterizados pelos tipos de interações sociais, familiares e pelos padrões de comportamento expressos nas relações. As instituições de ensino geralmente não dão devida importância a esta realidade muitas vezes por falta de incentivo e recursos que possam subsidiar a prevenção ou reversão dos quadros de violência que nelas ocorrem; professores, pais e alunos permanecem sem devida orientação e apoio para que a aprendizagem se desenvolva de forma mais satisfatória e com menos interferências externas. Faz-se necessário neste contexto o resgate de valores construtivos e auto-estima, facilitando a superação de dificuldades e conseqüente melhora na aprendizagem e qualidade de vida. Para tanto, tomemos como base para uma possível intervenção através da Psicopedagogia e seus fundamentos, tornando-se necessário falar um pouco de seus aspectos históricos, sua origem, seu objeto de estudo e aplicações.. 1.3. Psicopedagogia – breve histórico De acordo com BOSSA (2000), a psicopedagogia (sem utilizarem esta nomenclatura) teve seu início na Europa, no século XIX, onde os médicos preocupavam-se em identificar o que não era normal; a criança que não aprendia era considerada anormal. Essa visão médica/ pedagógica tinha um sentido curativo, visando um tratamento dos problemas de aprendizagem, já que a maior preocupação era com as deficiências sensoriais e com a. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 71-82.

(4) 74. Bullyng e preconceito: proposta de intervenção psicopedagógica. debilidade mental do que com a desadaptação infantil. Em 1898 houve a primeira tentativa de reeducação dessas crianças através da criação de salas especiais que se tornaram verdadeiros depósitos; os alunos com algum tipo de problema ficavam estigmatizados com o rótulo dessas salas. O Brasil possui a influência do nosso país vizinho, a Argentina, onde este teve três grandes momentos da História da Psicopedagogia: 1º pós-guerra – onde ocorreu alto índice de evasão escolar, repetência e para cursar a Psicopedagogia tinha que ter o curso Normal. O segundo momento sob forte influência da Psicologia Experimental e a 3º que é a atual, a criação da licenciatura no curso, por isso não é necessário ter o curso Normal para poder exercê-la. Na Argentina há o curso de graduação em Psicopedagogia com intuito de enfrentar o fracasso escolar como trabalho preventivo e com orientação vocacional e na área da saúde (o entendimento do processo de aprendizagem e aplicações de testes). No Brasil, assim como na Argentina, a questão do fracasso escolar foi muito forte e até pouco tempo considerava-se problemas de aprendizagem apenas os fatores orgânicos do individuo. Na década de 70, surgiu o conceito de que o indivíduo que apresentava problemas de aprendizagem era porque tinha uma disfunção neurológica não detectável em exame clínico, chamada de disfunção cerebral mínima (DCM), camuflando, assim, um problema sócio pedagógico (BOSSA, 2000). Já na década de 80, a teoria sobre o fracasso escolar recai sobre os professores, passando a ser vista como “problema de ensinagem”. Mas sobre o fracasso escolar é interessante ressaltar que se trata, também, de uma questão sócio-política, relacionada às más condições de vida e subsistência da população escolar. A formação do psicopedagogo brasileiro é de diversas áreas, proporcionando, uma visão multidisciplinar, uma vez que aqui é tido como pós-graduação Latu senso, cujo principal objeto de estudo é o individuo no processo de aprendizagem. Em setembro de 2001, o poder executivo autoriza implantar assistência psicológica e psicopedagógica em todos os estabelecimentos de ensino básico público com o objetivo de diagnosticar e prevenir crianças com problemas de aprendizagem e tal assistência deverá ser na instituição e durante o período letivo (BOSSA, 2000). Devido tais avanços a Psicopedagogia enquanto área de atuação expandiu suas práticas em diversos contextos. No contexto clínico o profissional tem como objetivo tirar o indivíduo da sua condição inadequada de aprendizagem, estabelecendo uma investigação minuciosa para levantar hipóteses e indicar estratégias que sanem as dificuldades encontradas. A Psicopedagogia clínica procura compreender de forma global e integrada os processos cognitivos, emocionais, sociais, culturais, orgânicos que interferem na aprendizagem, a fim de possibilitar situações que resgatem o prazer de aprender em sua totalidade, incluindo a promoção da integração entre os pais, professores, orientadores. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 71-82.

(5) Luciana Bozzi Andrade, Manuela de Oliveira Cordeiro. 75. educacionais e demais especialistas que transitam no universo educacional do aluno. (BOSSA, 2000, p. 67).. Por isso se faz necessário dar devolutivas periódicas com os pais/ professores/ criança, bem como orientar os pais frente à sua atitude para com os filhos. Pesquisar e conhecer as patologias e etiologias, bem como encaminhar a outro profissional quando necessário (fonoaudiólogo, neurologista, psicólogo). Na área clínica, o psicopedagogo deve atender com base no processo corretor e superar as dificuldades encontradas no diagnóstico levantado, elevando assim seu sentimento de auto-estima e estimulando as potencialidades encontradas na criança. Bossa (2000) ressalta a importância de dois momentos especiais na área clínica: a fase diagnóstica e a fase intervenção: Poderia dizer que o trabalho clínico, da forma que o concebo na Psicopedagogia, acontece em dois momentos especiais: a fase diag-nóstia (com testes a servir de pistas para o saber) e a fase de intervenção. Inicialmente a ênfase é a investigação a partir do momento em que o profissional procura o sentido da problemática do sujeito que lhe é encaminhado. Num segundo momento, a medida é a intervenção. Entretanto, vale reiterar, o profissional não abandona sua atitude de investigação ainda quando a prioridade seja a intervenção. Ele possui, nesse momento, dados sobre o sujeito que lhe permitem definir a forma mais apropriada de conduzir os trabalhos. (BOSSA, 2000, p. 99).. A área de atuação não é somente escolar ou clínica, mas também em qualquer instituição (hospital, empresa). Na área hospitalar existe uma lei que beneficia o psicopedagogo, pois, de acordo com o SUS, faz-se obrigatória a assistência psicopedagógica quando da existência de 10 leitos pediátricos ou mais. Também não podemos esquecer que há crianças que ficam anos fazendo tratamento clínico (câncer, transplantes de coração, por exemplo) e estes locais oferecem condições para que as crianças dêm continuidade de seus estudos no próprio hospital, desmistificando assim a imagem por estarem neste local. Por isso o foco do estudo é diferenciado da área clínica, pois o psicopedagogo tem que analisar os fatores que intervém ou prejudicam uma boa aprendizagem, devendo estar sempre à frente de gerenciamento de projetos. Pode-se dizer que ele tem que entrar de corpo e alma na instituição e se colocar no lugar do outro, não ser como um consultor, pois deve evitar que as mudanças prejudiquem a estabilidade do sistema. Sua contribuição é levar uma vivência que permita os colaboradores perceberem a importância do seu trabalho para a manutenção da própria saúde e sobrevivência da organização. Já na escola, o psicopedagogo, assume um compromisso com a melhoria da qualidade do ensino, expandindo sua atuação para todo o espaço, envolvendo, além do aluno, os professores, coordenadores, enfim, todo o grupo que faz parte do contexto escolar, visando à prevenção e intervenção do fracasso escolar. Neste contexto, Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 71-82.

(6) 76. Bullyng e preconceito: proposta de intervenção psicopedagógica. desenvolveu-se uma proposta de intervenção psicopedagógica a partir de um caso fictício da sequência “Crianças da América” (Jesus Children of América) do filme “Crianças Invisíveis” (All the Invisible Children), Drama, 116 min. Itália – 2005. Paris Filmes.. 2.. OBJETIVO Visto que a importância da prática psicopedagógica se faz em diversos contextos, o presente trabalho vincula-se à relevância da prática institucional no que se refere ao seu caráter preventivo e também remediativo; objetiva-se a apresentação de uma proposta de atuação para a diminuição da incidência do Bullying através de orientação e apoio à rede família-aluno-escola. Neste contexto dá-se a necessidade de capacitar o profissional de educação para a efetiva intervenção e sensibilização da comunidade escolar.. 3.. DESENVOLVIMENTO O caso escolhido para a proposta de intervenção baseia-se na estória é de uma menina de aproximadamente doze anos e portadora do vírus HIV cujos pais são usuários dependentes de drogas e também portadores do vírus. A personagem “Blanca” toma conhecimento da sua doença através de Bullying na escola. Em decorrência da doença e dos medicamentos que lhe são administrados passa parte do tempo das aulas na enfermaria da escola por conta de mal estar e indisposições. Seu dia a dia baseia-se no isolamento devido ao Bullying e na convivência com seus pais os quais por conta da dependência química, encontram-se sempre envolvidos em discussões e sob efeito das drogas. Tal fato faz com que a personagem fique de certa forma privada de cuidados básicos, diálogo, segurança afetiva e financeira. A escola frequentada por Blanca aparentou não possuir programas extracurriculares para prevenção de violência e/ou orientação aos alunos sobre DSTs e uso de drogas. No final da narração os pais se dão conta que Blanca está sofrendo por conta da doença que acabara de descobrir ser portadora e a encaminham para um grupo de apoio. Diante dessa breve narrativa sobre o caso de Blanca vemos que além dos danos inevitáveis que a doença acarretará para sua saúde, a mesma é forte candidata a apresentar prejuízos no seu desenvolvimento emocional e social diante de uma dinâmica familiar conturbada e por ser vítima do Bullying. O. desenvolvimento. emocional. de. Blanca. pode. apresentar. certo. comprometimento quanto à formação de seu auto-conceito. Sabini (1993) salienta que a criança de sete a doze anos de idade ainda é incapaz de resistir às pressões externas. Por isso, seu auto-conceito baseia-se naquilo que os outros dizem a seu respeito, ou seja, o Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 71-82.

(7) Luciana Bozzi Andrade, Manuela de Oliveira Cordeiro. 77. comportamento da criança tende a ser caracterizado de acordo com aquilo que ouve. No caso de Blanca após acidente doméstico quando sua mãe “esquece” a comida no fogo por efeito das drogas seu pai diz: “Maldita garota! Maldita garota!”. Blanca ouve coisas depreciativas ao seu respeito em casa e também na escola por conta do Bullying. Assim sendo, seu auto-conceito tende a se estruturar de forma negativa podendo ocasionar um prejuízo para seu desenvolvimento como um todo. O fato de seu pai não aceitar ser portador do HIV e por isso não querer tomar remédios fez com que Blanca ficasse tanto tempo sem descobrir que também era portadora do vírus; pai e mãe sempre ocultaram esta informação dela. De acordo com Sabini (1993), a qualidade das relações familiares são de extrema importância para a criança pois os valores estabelecidos no lar serão questionados fora dele: É no lar que as crianças desenvolvem sua orientação básica para a vida. Aprendem a aderir aos padrões morais e aos ideais religiosos da família. Na escola e nas interações com os companheiros, essa orientação pode ser reforçada ou questionada com conflitos leves ou intensos. (SABINI, 1993, p. 83).. Quando descobre que é portadora da doença Blanca reponde agressivamente: “Cala a boca sua desgraçada você não sabe nada... vaca!”. E depois se retrai diante ao conteúdo do Bullying (“pais drogados”) que começa a fazer sentido mediante a situação (pais se drogando ou sob o efeito de drogas) que vivencia diariamente em casa. Quando se depara com uma situação de reprovação ou rejeição a criança tende a desenvolver comportamentos agressivos, de retraimento ou regressão (SABINI, 1993). O desenvolvimento do aspecto social de Blanca também poderá apresentar comprometimentos. A partir dos sete anos de idade a criança sente necessidade de estabelecer amizades duradouras e convivência com os demais da sua idade. À medida que ela se torna mais velha essa necessidade aumenta junto da construção de valores grupais e sentimentos de orgulho, lealdade e solidariedade entre seus companheiros (SABINI, 1993). Se a situação do Bullying persistir Blanca estará praticamente privada deste contato social com tendência crescente ao isolamento. Segundo a mesma autora, na faixa etária dos sete aos doze anos é comum o desenvolvimento da cooperação e competição. A cooperação promove o estabelecimento do diálogo e da aceitação e cumprimento de regras. Já a competição quando positiva, leva a criança a descobrir habilidades e competências, porém pode tornar-se prejudicial quando provoca sentimentos de inferioridade e baixa auto-estima através da humilhação feita pelos companheiros. O senso de competição já esta presente entre Blanca e suas Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 71-82.

(8) 78. Bullyng e preconceito: proposta de intervenção psicopedagógica. amigas desde o inicio da narrativa e o conteúdo de suas falas revela também violência e agressividade: Blanca “O F. foi baleado nove vezes ninguém vai conseguir passar o F.” Colega “Mas o D. levou um tiro a queima roupa.. E ainda estava sem colete a prova de balas” B “Mas o F. não pode ser detido, disseram que ele levou um tiro na testa e ainda cuspiu a bala pela boca” C “É claro que pode! Se tivessem atirado nos dois com uma nove milímetros o F. teria caído primeiro” B “Isso é estúpido!” C “Você que é estúpida!” B “Não fui eu quem repetiu de ano, foi você!”. Esta discussão ocorre antes da aula, no intervalo a colega de Blanca a insulta e uma briga se inicia. Blanca sai ferida. É o inicio do Bullying: “Não espirre sangue em mim, seus pais tem AIDS. Você é uma filha da AIDS.” “Você tem AIDS! Você tem AIDS!”. Quando Blanca esta voltando para casa após o termino das aulas do dia o Bullying continua: “Você tem AIDS! Você tem AIDS!” “Como você vai arranjar namorado agora?”... “Ninguém vai ser doido de beijar alguém com AIDS”. “Você não vai voltar mais para escola não é?” “Vai voltar sim, só que vai ser dentro daquelas bolhas de plástico! (risos)” “Como é que você pegou esse negócio? Você é gay?” “A mãe dela é uma drogada” “E o pai dela também!” “E ela vai voltar pra escola e eu vou mudar pra uma escola onde ninguém tem uma doença ruim.”. As falas de Bullying acima mostram que Blanca está sendo excluída de seu grupo de colegas por ser portadora do HIV e por seus pais serem dependentes de drogas, e também portadores do vírus. Segundo Middelton-Moz (2007), são alvos mais fáceis de bullies (agressores) aqueles que por algum motivo ou outro não estão dentro dos padrões de “normalidade” considerados pelos demais. As meninas exercem o Bullying de maneira diferente dos meninos: [...] elas tendem a espalhar boatos maliciosos, intimidar (sussurrando insultos ou rindo em grupo, alto o suficiente para que seus alvos escutem), destruir a reputação da outra, dizer a outras para que deixem de gostar de uma menina de quem querem se vingar. Elas tendem a usar a exclusão social como principal arma, em lugar de agressão emocional ou física direta, embora estudos indiquem que também elas tem se tornado cada vez mais agressivas fisicamente na última década. (MIDDELTON-MOZ, 2007, p. 23).. O aspecto cognitivo da personagem relacionado diretamente com a questão da aprendizagem tende apresentar certo comprometimento não apenas devido a influencias Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 71-82.

(9) Luciana Bozzi Andrade, Manuela de Oliveira Cordeiro. 79. dos possíveis comprometimentos emocional e social, mas também a maneira com que a escola lida com problemas referentes à DSTs, drogas e violência. Este fato é observado na narrativa quando a mãe da colega que brigou com Blanca vai até a diretora da escola para questionar a fato de uma aluna com AIDS estudar ali. A diretora diz que não pode entrar em detalhes sobre assuntos particulares de alunos e então a mãe decide questionar Blanca sobre o que ocorre com ela: Mãe “...você tem uma criança com AIDS aqui nesta escola e quer que eu me acalme?” Diretora “Você não sabe se ela tem AIDS (...), por favor, este é um assunto muito delicado” M “Não! Não! Você não pode ter uma criança assim na escola sem que os pais fiquem sabendo!” D “Se houvesse algo errado, se houvesse algum perigo os pais seriam os primeiros a saberem! (...), Não estou dizendo que ela está infectava, na verdade eu não tenho a liberdade de lhe falar nada que diga respeito a qualquer aluno”. M “Então eu mesma vou falar com ela! (...) Qual é o seu problema hein? Você é doente? Você tem alguma coisa para me contar sobre seu problema?”. A diretora impede que a mãe continue a fazer questionamentos depreciativos pedindo que Blanca volte para a sala de aula. O assunto a respeito de Blanca e sua doença parece ser dado por encerrado na escola. Tal fato nos mostra que a escola além de desprovida de um programa para esclarecimentos desta natureza, não dá a devida importância para o caso no sentido de clarificar e orientar pais e alunos, o que reforça a necessidade de um programa de intervenção. Segundo Piletti (2004), o sistema social em que vivemos produz uma escola inadequada ao desenvolvimento da criança para adaptá-la a sociedade, reproduzindo desigualdade social. A escola faz de tudo para que os alunos se adaptem a ela ao invés de promover o contrário. Há pouca consideração para com a situação familiar de cada aluno, o que pode muitas vezes dificultar a aprendizagem. Os alunos são tratados todos da mesma forma como se fossem todos iguais, com os mesmos problemas e situações familiares: A escola pode, ainda, prejudicar a aprendizagem ao não levar em consideração as características do aluno: sua maturidade, seu ritmo pessoal, seus interesses e aptidões específicos, seus problemas nervosos e orgânicos. Muitos obstáculos à aprendizagem têm origem familiar e individual, mas seus efeitos negativos sobre o trabalho do aluno podem ser minimizados ou anulados, se o professor e a escola procurarem compreender e levar em consideração esses obstáculos, buscando sua superação. (PILETTI, 2004, p. 147). Uma. intervenção. psicopedagógica. no. contexto. escola-instituição. seria. estruturada a seguir de acordo com Bossa (2000): a). A identificação do problema (no caso a prática do Bullying, orientação sobre drogas e DSTs).. b). Identificar e descrever o perfil da escola: localização se é pública ou particular, quantidade de alunos e funcionários, estrutura física, recursos Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 71-82.

(10) 80. Bullyng e preconceito: proposta de intervenção psicopedagógica. disponíveis, grade curricular, expectativas e desempenho dos professores e alunos em relação à escola e seu sistema de ensino. c). Criar estratégias de intervenção através de programas que visem à prevenção ou amenização do problema.. d) Apresentar uma proposta com programas de intervenção à direção e professores da escola buscando uma parceria cooperativa para que a mesma seja da melhor maneira possível incorporada ao cotidiano escolar a fim de mobilizar alunos e suas respectivas famílias. Fante (2005) cita um programa cujo objetivo é mostrar estratégias e atuar na intervenção e prevenção, adotando valores humanos. Para tanto, faz-se necessário desenvolver um trabalho junto à comunidade escolar para que a mesma tenha maior conhecimento e reflexão sobre a violência escolar. De acordo com a mesma autora, deve-se fazer um levantamento de informações do contexto escolar através observações e relatórios, palestras, supervisão estudantil, incentivo à denúncia de atos envolvendo agressões física/verbal, reuniões semanais para avaliação e discussão sobre o andamento do trabalho, execução de trabalhos que envolvam o cotidiano familiar e escolar, conversas individuais ou em grupo com vítimas e agressores. Fazem-se importantes, inclusive, orientações para a melhora da qualidade das relações no âmbito familiar. Depois de um tempo de início dessas atividades, sugere-se discussões dos resultados obtidos com as mesmas, a fim de serem feitas melhorias para o bom andamento e continuidade do programa. No caso fictício abordado neste trabalho, alguns encaminhamentos devem ser realizados. Blanca deveria receber orientação de um médico especializado para a correta administração dos medicamentos e avaliação da evolução de seu caso. A escola poderia disponibilizar um professor para repasse de conteúdo quando Blanca estivesse muito ausente das aulas por conseqüência dos sintomas da doença. Os pais da personagem deveriam ser encaminhados para um grupo de apoio assim como o fizeram com a filha. O auto-conceito e conduta dos mesmos precisa ser melhorada a fim de promover uma maior aceitação para com a doença e abster-se da dependência química, dessa forma poderão melhor exercer suas funções de pai e mãe. Em relação ao tema da AIDS, este deve ser concomitantemente abordado através de esclarecimentos sobre prevenção e transmissão a fim de diminuir o preconceito e exclusão de indivíduos portadores do vírus. Em relação ao outro assunto sobre o uso de drogas abordado, sugere-se apresentar as consequências das mesmas para com o funcionamento físico e psíquico de usuários e desenvolver atividades que valorizem a auto-estima dos alunos, mostrando que é possível ter qualidade de vida sem a dependência química.. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 71-82.

(11) Luciana Bozzi Andrade, Manuela de Oliveira Cordeiro. 81. Para a inibição do Bullying é necessário fazer um esclarecimento do que é este comportamento, salientar que a prática não é tolerada, conversar com os alunos e escutar suas sugestões ou reclamações, estimulá-los a informar os casos, reconhecer e valorizar as atitudes no combate ao problema. Além disso, é importante identificar o início e andamento de práticas de Bullying para que a dinâmica das agressões seja interrompida; para tanto, sugere-se ainda, um trabalho grupal com o alunado através de atividades ou dinâmicas que melhorem a qualidade dos relacionamentos (FANTE, 2005). A escola deve estar ciente de que é necessário que os alunos aprendam a lidar com seus sentimentos, deve-se dar espaço até mesmo no ambiente da sala de aula, para que haja expressão das emoções. Desta forma, acredita-se que a violência entre os alunos diminua ao passo que os mesmos comecem a desenvolver e transmitir valores que os façam agir de maneira melhor e mais pacífica. As causas do comportamento ou cultura agressiva devem ser erradicadas através de uma educação que possibilite o indivíduo fazer reflexão e controle de suas próprias atitudes (FANTE, 2005). Fante (2005) sugere um modelo de educação humanizada para que cada indivíduo veja o outro não só pelas suas qualidades ou defeitos, mas seja considerado em sua totalidade. Para tanto, a base da “educação para a paz” deve proporcionar ao aprendiz um processo de desenvolvimento e resgate de valores e princípios ético-morais até então desconsiderados; é necessário ensinar a reflexão e pensamento dos mesmos para que se aprenda uma nova e melhor maneira de viver e com-viver. De acordo com a mesma autora, para a concepção de novos valores e princípios, a escola deve adequar toda a sua prática para que esta considere o aluno enquanto ser capaz de desenvolver um aprendizado integrado que valorize a aquisição de novos conteúdos e a descoberta de aptidões e habilidades sócio-emocionais.. 4.. CONSIDERAÇÕES FINAIS Há poucas chances de a implantação de um programa como estes ocorrer devido à resistência que os profissionais da área da psicopedagogia muitas vezes encontram neste contexto visto que, grande parte dos problemas ou dificuldades que envolvem o aluno está vinculada à prática inadequada das metodologias de ensino (BOSSA, 2000). Porém há muitas chances de um programa desta natureza ser bem sucedido quando se estabelece efetivas parcerias e a devida conscientização da comunidade escolar. No caso de Blanca há uma grande possibilidade de a mesma ter seus problemas atenuados se a execução do programa não for muito tardia. Do contrário, a intervenção da psicopedagogia clínica se. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 71-82.

(12) 82. Bullyng e preconceito: proposta de intervenção psicopedagógica. justificaria bem como um encaminhamento para psicoterapia individual. Porém tal aspecto tem relação com os princípios éticos e profissionais do psicopedagogo cabendo ao mesmo reconhecer essa necessidade. Em geral é possível acreditar e desenvolver um senso de solidariedade, tolerância, respeito e amor entre as pessoas, escolas, alunos, família. É com base nestes princípios que nós profissionais devemos dar o primeiro passo para o desenvolvimento de uma cultura de paz e cidadania com a sensibilização, educação, sérios investimentos e compromisso com o bem social. A família é essencial nesta construção ao desenvolver atitudes de amor, bom exemplo, ao dialogar com os filhos ouvindo suas queixas, alegrias e sentimentos, estimulando-os também a um estilo de vida saudável e construtivo. Através de um considerável esforço, é possível que a escola e a família promovam, através do contexto educacional, a formação autêntica e participativa de indivíduos para que os mesmos incorporem hoje e sempre, a importância da consideração de seus próprios valores, habilidades e limitações.. REFERÊNCIAS BOSSA, Nádia. A Psicopedagogia no Brasil. Contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. FANTE, Cléo. Fenômeno Bullying. Como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. São Paulo: Verus, 2005. MIDDELTON-MOZ, Jane. Bullying: estratégias de sobrevivências para crianças e adultos. Porto Alegre: Artmed, 2007. PILETTI, Nelson. Psicologia Educacional. São Paulo: Ática Editora, 2004. SABINI, Maria Aparecida C. Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo: Ática Editora, 1993. WEISS, Maria Lúcia L. Psicopedagogia Clínica: Uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2004. Luciana Bozzi Andrade Psicóloga em conclusão de pós-graduação em Psicopedagogia pela Faculdade Anhanguera de Campinas - unidade 4. Atua em instituição particular de ensino fundamental e médio na avaliação e acompanhamento de alunos com dificuldades de aprendizagem. Manuela de Oliveira Cordeiro Psicóloga em atuação na área clínica. Concluindo a pós-graduação em Psicopedagogia na instituição Faculdade Anhanguera de Campinas - unidade 4.. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 71-82.

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