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A PARTILHA DA ÁFRICA DE ACORDO COM A HISTORIOGRAFIA AFRICANA RAFAEL LAGO MORBECK¹

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A PARTILHA DA ÁFRICA DE ACORDO COM A HISTORIOGRAFIA AFRICANA

RAFAEL LAGO MORBECK¹

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo a análise e problematização do processo histórico da “partilha da África.” O texto é fruto de uma revisão bibliográfica da obra História Geral da África: Vol. VII/ Unesco, na qual trata exclusivamente do tema abordado e outas questões acerca da História da África. Porém, privilegia-se os pesquisadores e historiadores africanos. Objetiva-se também como embasamento teórico a análise da temática de acordo com a historiografia africana. Desta forma, é evidenciado a visão dos próprios agentes históricos que foram brutalmente colonizados pelos europeus a partir do séc. XIX e discutir os múltiplos fatores que culminaram na conquista de boa parte do território africano e seu contexto sócio histórico. Desta forma almejou-se a reflexão do processo em sua totalidade. Ademais, a partir da análise busca-se refutar perspectivas negativas e preconceituosas acerca da História africana relacionadas com correntes historiográficas tradicionais e eurocêntricas.

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¹Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail: rafaelmorbeck69@gmail.com

INTRODUÇÃO

“Aconteça o que acontecer, nós temos

a metralhadora, eles não”²

O presente trabalho tem como objetivo uma sucinta análise e problematização do processo histórico da Patilha da África. Fenômeno complexo da história do continente africano e que se tornou um dos maiores objetos de estudos acadêmico-científicos, em relação à história contemporânea da mesma. Objetiva-se também, como embasamento teórico, a análise através da perspectiva da historiografia africana. Ou seja, trataremos aqui do fato histórico apresentado através do olhar, estudos e perspectivas de autores africanos extraídos da coleção: História Geral da África: vol. VII/Unesco.

Verifica-se que existem várias teorias para se justificar e conceber a brutal exploração sistemática da África, partilhada pelas potências europeias a partir do séc. XIX. Ademais, como causas ou fatores coexistiram uma multiplicidade de elementos que culminaram na dominação europeia sob o continente africano. Embora alguns países (casos específicos), permaneceram fora do julgo europeu, por determinado período. Como veremos adiante. Devemos considerar também o contexto histórico da época, suas transformações e implicações econômicas, políticas, sociais e culturais.

Inicialmente, trataremos da África diante do desafio colonial: A partilha e a conquista, de forma a fazer um apanhado geral. Entretanto, o mais importante e fundamental para se discutir e considerar: As iniciativas e diversas formas de lutas e resistências dos povos africanos frente à partilha e conquista colonial. Segundo o autor Albert Adu Boahen, “na história da África jamais se sucederam tantas e tão rápidas mudanças como durante o período entre 1880 e 1935” (2010, p. 1).

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² Frase do poeta inglês Hilaire Belloc, Apud PERHAM, 1961, p. 32.

Desta forma, em um período mais curto de tempo (de 1880 a 1910), as mudanças mais importantes se desenrolaram de forma avassaladora e brutal. É neste período também que é caracterizado pela ocupação efetiva e conquista de quase todo o território do continente pelas potências imperialistas e, posteriormente, a instalação do sistema colonial. A partir da década de 1910, consolidou-se a sua exploração. Geralmente, quando se discute o tema da Partilha da África têm-se como ponto de partida as conferências de Bruxelas (1876) e Berlim (1884-1885).Destarte, a todo um contexto histórico que propiciou de fato, a expropriação do continente pela denominada Partilha da África.

Como antecedentes podemos destacar as relações Europa versus África desde o tráfico de povos africanos que foram escravizados (Tráfico de Escravos a partir do séc. XVI), as Explorações Geográficas (Séc. XIX) que proporcionaram maiores conhecimentos geográficos e territoriais do interior do continente, inclusive o fluxo dos grandes rios africanos e suas nascentes e afluentes, como o Rio Nilo, o Rio Níger, Congo etc. Proporcionou também, maior conhecimento sobre as distintas etnias e culturas espalhadas por todo o interior da África.

E por fim, a invasão europeia e conquista da maior parte das terras dos povos africanos, que culminou no sistema do Colonialismo. Embora, não antes sem a luta e resistência dos diversos povos africanos frente aos invasores europeus. Ademais vale ressaltar, já no período contemporâneo, a Grande Guerra Mundial, como uma das causas efetivas da Partilha da África. Para podermos compreender a dimensão da invasão e partilha, mediante ao curto espaço de tempo, vale ressaltar que inicialmente antes da invasão, a África exercia sua soberania, mediante diversas formas de governo e políticas próprias:

Até 1880, em cerca de 80% do território, a África era governada por seus próprios reis, rainhas, chefes de

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clãs e de linhagens, em impérios, reinos, comunidades e unidades políticas de porte e natureza variadas (BOAHEN, 2010, p.3).

De acordo com a citação percebe-se que, antes da partilha e do sistema colonial como em qualquer outro continente que fora expropriado e explorado, havia há milênios de anos atrás, civilizações, culturas e etnias de povos distintos. Entretanto, uma das questões mais emblemáticas da história é de como um dos maiores continentes do planeta terra fora colonizado e explorado de forma tão rápida, sistemática e, sobretudo, brutal. Para respondermos à questão, devemos considerar alguns fatores históricos e a tese principal de acordo com Godfrey N. Uzoigwe (2010): A Teoria da Dimensão Africana.

Para iniciarmos a discussão, embora de forma genérica, os autores do volume analisado se propuseram a um aprofundamento sistematizado sobre o período apresentado e a questão da partilha e do sistema colonial. Primeiro, tratam do desafio colonial e, sobretudo, como os africanos estavam preparados em grau para conceber tal fenômeno. Posteriormente, tratam da questão da patilha em si, e as várias formas de resistências distribuídas em todos os territórios do continente, bem como questões acerca de política, o papel das religiões, o sentimento de nacionalismos etc.

Algumas questões são levantadas pelo autor e muito pertinentes: “Qual foi à atitude dos africanos perante a irrupção do colonialismo? ” Dentre outras questões. Vale ressaltar de antemão que, “as autoridades e dirigentes africanos foram profundamente hostis a essa mudança e declararam-se decididos a manter o status quo e, sobretudo, a assegurar sua soberania e independência” (BOAHEN, 2010, p. 4). São apresentados vários exemplos de discursos de dirigentes e chefes políticos africanos frente à invasão. Mas o que fica claro é que: todos eles estavam dispostos a lutar pela soberania de suas terras, cultura e povos. Anteriormente à partilha os africanos já teciam relações com a Europa e vice-versa. Em algumas partes da África, a influência europeia era muito

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mínima. Fato que só fora possível uma alteração significativa com as explorações geográficas. Desta forma, o autor Boahen nos esclarece que:

Os africanos não viam, portanto, nenhuma necessidade de modificar radicalmente suas relações seculares com a Europa, certos de que, se os europeus quisessem lhes impor mudanças pela força e avançar em suas terras, conseguiriam barrar-lhes o caminho, tal como vinham fazendo a dois ou três séculos” (BOAHEN, 2010, p. 7).

Entretanto, a partir de 1880 é que as relações entre os europeus e africanos começaram a mudar radicalmente, impulsionados pelos avanços industriais e tecnológicos da época, para alguns autores, era o novo imperialismo monopolista exercendo seu controle e dominação, embora seja necessário atentar-nos a que tipo de imperialismo se apresente, os autores esclarecem-nos esta questão no segundo capítulo da obra, onde trataremos dos exames e das teorias que subsidiaram as causas/ justificativas da partilha. Ademais vale ressaltar o seguinte:

Em 1880, graças ao desenvolvimento da revolução industrial na Europa e ao progresso tecnológico que ele acarretara – invenção do navio a vapor, das estradas de ferro, do telégrafo e, sobretudo da primeira metralhadora, a Maxim –, os europeus que eles iam enfrentar tinham novas ambições políticas, novas necessidades econômicas e tecnologia relativamente avançada (BOAHEN, 2010, p. 7).

Feito a citação, podemos perceber como o contexto da revolução industrial e do poderio bélico-militar favoreceu sem dúvidas, com que os europeus efetivassem e consolidassem a invasão e colonização de territórios africanos. Certamente não estamos atribuindo exclusivamente a esta causa, tal

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conquista. Conquanto o objetivo aqui seja considerar a complexidade do fenômeno em sua totalidade.

A PARTILHA EUROPEIA SOBRE A ÁFRICA

De acordo com o autor Uzoigwe (2010), um período de guerras e transformações revolucionárias caracterizaram as gerações de 1880-1914. As maiores mutações históricas dos tempos modernos. Entretanto, a África “se viu retalhada, subjugada e efetivamente ocupada pelas nações industrializadas da Europa” (p. 21). O autor nos traz uma grande problematização historiográfica sobre o presente tema. E a revisão necessária para compreendermos de forma aprofundada a questão.

Segundo o autor, até os próprios historiadores até agora não tem a dimensão real das consequências desastrosas e implicações, quer para o colonizado ou para o colonizador, de um período marcado por guerras contínuas. Conquanto fora um período de movimentos revolucionários fundamentais para a história. A África foi o último continente subjugado pela Europa. Para ele, o que é notável e causa perplexidade para os estudiosos, foi à rapidez e relativa facilidade que as nações europeias submeteram o maior continente do planeta terra. Realmente “é um fato sem precedentes na história” (UZOIGWE, 2010, p. 21).

Inicialmente, parafraseando o autor, nos vem à tona algumas questões fundamentais como: Como explicar tal fenômeno? Porque a África foi repartida politicamente e sistematicamente? Porque os africanos foram “incapazes” de pôr cerco aos seus adversários? Para responder tais questões complexas, são apresentadas algumas teorias fundamentais que foram elaboradas desde meados dos anos 1880. A elas então: Teoria econômica, teorias psicológicas, teorias diplomáticas e teoria da dimensão africana. Esta última a mais aceitável,

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razoável e que melhor explica a partilha da África. Não abordaremos cada uma das teorias em suas especificidades, porquanto não cabe aqui. Apenas algumas considerações breves sobre cada uma.

A teoria econômica, eminentemente retrata a perspectiva economicista. De fato, tal teoria não se pode anula-la. Visto que o principal interesse europeu sobre o continente africano, a nosso ver, fora suas riquezas materiais, recursos minerais etc. Esta teoria está relacionada com a expansão do imperialismo econômico. Sua formulação clássica remonta ao autor John Aktison Hobson (1902). Para ele, a raiz econômica do imperialismo seria, grosso modo, a estratégia de expansão política com vistas a se apossar de novos territórios. Outros autores, contemporâneos, como Rosa Luxemburgo e Lênin (1916) reformularam a questão do Imperialismo. Em contrapartida, reduzir a complexidade do fenômeno, não explica como a partilha foi possível.

As teorias psicológicas, entretanto, são as concepções clássicas de racismo, eugenia e imposição de concepção religiosa. São: darwinismo social, cristianismo evangélico e atavismo social. Seus adeptos acreditaram na supremacia da “raça branca”. Para os pós-darwinianos, a justificativa da conquista estava na interpretação errônea da seleção natural, em que o forte domina o fraco na luta pela existência: “A força prega sobre o direito”. O cristianismo evangélico sustentava que a partilha fora parte do impulso missionário. Com objetivo de “regenerar” os povos africanos. Ou seja, imposição de sua crença. O atavismo social é o mais sádico: Dominar o próximo pelo prazer de domina-lo. De acordo com o autor, tais teorias, mesmo que com fundo de algumas “verdades”, não conseguem explicar e compreender a partilha, do ponto de vista histórico.

Ademais há a concepção diplomática da partilha, onde oferecem simplesmente uma explicação política para a partilha. Porém, “é, portanto, necessário, fundamental mesmo, examinar a partilha da África da perspectiva histórica africana” (UZOIGWE, 2010, p. 30). Alguns autores são apresentados e embora admitissem os motivos econômicos da partilha, eles não eram centrais.

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Então, é fundamental para nós, apreciarmos a história da África dentro da perspectiva de autores africanos, ou os ditos africanistas. Conceber a África como unidade histórica, com suas especificidades próprias e dinâmicas distintas. Levar em consideração tanto os fatores europeus como os africanos são fundamental para compreendemos o processo da partilha. A rejeição da ideia escatológica ou da predestinação que a partilha/conquista seria inevitável para a África também é central:

Pelo contrário, considera-as a consequência lógica de um processo de devoração da África pela Europa, iniciado bem antes do século XIX. Admite-se que foram motivos de ordem essencialmente econômicas que motivaram os europeus e que a resistência africana à invasão crescente da Europa precipitou a conquista militar efetiva. Parece de fato que a teoria da dimensão africana oferece um quadro global e histórico que explana melhor a partilha do que todas as teorias puramente eurocêntricas (UZOIGWE, 2010, p. 31). A África sem dúvidas foi “devorada” de forma exacerbada pela Europa. Entretanto, de forma breve, apresentaremos o início dessa corrida rumo à partilha. A chamada Conferência Geográfica de Bruxelas (1876) sobre o interesse do Duque de Brabante (Leopoldo I). Daí suas incursões resultaram na criação do Estado Livre do Congo. Paralelamente a isto, as atividades da Coroa Portuguesa, a partir de 1876 também, constituíram acontecimentos importantes. Assim, para o autor, a corrida começou bem antes, para os portugueses e a Bélgica. Por conseguinte, em decorrências de alguns problemas de ordem políticos e econômicos, a ideia de uma conferência internacional foi retomada por Bismark.

A conferência de Berlim sobre a África ocidental (1884-1885) foi a mais decisiva para a invasão da África. Ou seja, notório o fato de que como as nações europeias sentiam-se no direito e dever de sentar-se a uma mesa e debater quem ficaria com os territórios do continente africano. Como se eles fossem os verdadeiros povos originários do continente, e suas terras e riquezas lhe

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pertencessem de fato e de direito. De acordo o autor, a conferência não tinha o objetivo inicial de partilhar a África. Ideia complexa de se conceber.

O fato é que, tal empreendimento culminou na distribuição de territórios e aprovações de resoluções sobre a partilha/expropriação da África. Foram criados alguns conceitos de “esferas de influências” para as nações europeias, como o hinterland, onde a posse de uma parte do litoral africano acarretava o domínio sem um limite definido do território. Claro que posteriormente, as nações sistematizaram um novo mapa político da África sobre sua hegemonia.

Cabe salientar novamente, que antes da conferência, como fora dito, as potências europeias já tinham suas esferas de influência na África por várias formas, a saber: instalação de pequenas colônias, criação de entrepostos comercias, feitorias, estabelecimentos missionários etc. A de se considerar também os tratados entre os próprios africanos e os tratados bilaterais entre os europeus. Aqui também, não cabe o aprofundamento destes tratados, ver na obra supracitada. As mais importantes foram às conquistas militares (1885-1902). Os franceses, por exemplo, foram os mais ativos nas incursões militares. A conquista britânica segundo o autor também foi espetacular e sangrenta, adentrar-se nos detalhes também se torna inviável no presente trabalho, devido ao seu caráter específico sobre a questão da partilha.

De acordo com o autor, quando se busca uma resposta clara e objetiva para responder à questão de como ou porque as potências invasoras conseguiram dominar a África, e com relativa facilidade, “porque a balança pendia a seu favor, sobre todos os aspectos” (UZOIGWE, 2010, p. 44). Em primeiro lugar, pelo fato das atividades dos missionários, e dos exploradores geográficos, daí os europeus começaram a ter maior conhecimento sobre a África, embora este conhecimento não seja sinônimo positivo, devido às atrocidades cometidas. Os europeus tiveram mais informações sobre os rios, terrenos, economias dos africanos, e inclusive as suas debilidades e conflitos endógenos.

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Segundo, pelo fato das inovações tecnológicas, sejam hospitalares, bélico-militares e etc. E em terceiro, para o autor, a natureza desigual do comércio entre a Europa e a África até anos de 1870 e adiante. Os recursos materiais da Europa são tidos como superiores. A questão também das alianças de alguns dirigentes de países africanos em se aliarem com os invasores contra seus vizinhos, “apenas para verem-se vencidos um pouco depois”. Em suma, o fator central, de acordo com o autor foi à esmagadura superioridade logística e militar da Europa. Com exércitos profissionais bem treinados etc. Poucos estados africanos possuíam exércitos permanentes e bem treinados, embora conhecessem muito mais sobre seu campo de batalha, e utilizavam isto a seu favor. Ademais:

Em vista das vantagens econômicas, políticas e, sobretudo, militares e tecnológicas das potências europeias em relação às sociedades africanas, fica evidente que a luta foi desigual, e não surpreende que tenham podido vencer a África com facilidade. De fato, para a Europa, a conquista não podia sobrevir em melhor momento; para a África, o momento não podia ser pior (UZOIGWE, 2010, p. 46).

Posteriormente a partilha, propriamente dita, a África fora dividida em um novo mapa geopolítico, foram cerca de 40 unidades políticas. Em 1902 a conquista estava quase concluída. Eventos sangrentos se sucederam. De acordo com Uzoigwe (2010), embora a conquista da África pela Europa tenha sido fácil, o mesmo não se pode dizer da ocupação e instalação de administrações europeias. Fato caracterizado pelos movimentos de lutas e resistências africanas, principalmente a luta armada.

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De acordo com Terence O. Rager, “se o processo de conquista e da ocupação pelos europeus era claramente irreversível, também era altamente resistível” (2010, p. 51). Resistível devido à força das populações africanas sejam elas estatais/ centralizadas ou não, frente a um inimigo em comum: os europeus. É certo que os invasores enfrentaram também uma gama de movimentos de resistência. As resistências africanas generalizadas foram extremamente importantes e tiveram consequências que ressoaram, inclusive, aos dias de hoje. Entretanto, o tema da resistência tem especificidades originais, como: A ideia de soberania como base da ideologia de resistência, o papel das ideias religiosas que se mesclaram aos movimentos, e as consequências e relevâncias das formas de lutas e resistências (armadas) em todo continente, criando, inclusive novos Estados, “baseados na tecnologia militar europeia”.

Inicialmente, o autor retrata a visão eurocêntrica de que as tradições dos povos africanos em não oferecer resistência foram consideradas “pacíficos”, e os que resistiram “sedentos por sangue”. De acordo como autor, devemos refutar as concepções historiográficas europeias tradicionais. O fato é que a questão das lutas, e distintas formas de resistência são ações legítimas de defesa de sua soberania, e para além disso, sua liberdade e dignidade. Conquanto um tema complexo, onde o autor, referenciando demais autores que se debruçaram acerca do tema, e julgaram algumas formas de resistência como rebeliões, ainda são desconhecidas. Estes episódios descritos como rebeliões, em realidade, conotam a visão do colonizador. Ademais, vale ressaltar que a resistência foi “um fenômeno organizado”. Em síntese, “praticamente todas as sociedades africanas resistiram, e a resistência manifestou-se em quase todas as regiões de penetração europeia” (RAGER, 2010, p. 54).

Desta forma, para compreendermos a questão da resistência, vários estudos historiográficos acerca do papel das ideias religiosas são problematizados na obra. Muitos historiadores empreenderam tais discussões. Em sua maioria, certamente, a perspectivas e leituras distintas da mesma

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questão, descobriram que as doutrinas e os símbolos religiosos, apoiavam-se diretamente na soberania e em suas legitimidades, “a legitimidade dos dirigentes era consagrada por uma investidura ritual e, quando um dirigente e seu povo decidiram defender sua soberania, apoiavam-se muito naturalmente nos símbolos e conceitos religiosos” (RAGER, 2010, p. 59).

Para outros pensadores e estudiosos do tema, como Walter Rodney (1971), observa que houve uma resistência espiritual num estágio mais avançado da luta africana. Segundo este autor, “os povos africanos resistiram espontaneamente em toda parte, não só em termos físicos, mas empregando igualmente suas próprias armas religiosas e metafísicas”(RAGER, 2010; apud RODNEY, 1971). São apresentados vários exemplos de povos africanos e suas relações com suas religiões ancestrais. Em alguns casos, devido à derrota militar, entravam em profunda crise espiritual, abandonando certos rituais e crenças. Noutros casos, chefes religiosos que tomavam a frente das resistências. Porém, o autor afirma que a resistência se baseava no princípio mesmo das soberanias estabelecidas.

Interessante no estudo do tema também, a presença de “chefes proféticos” que emergiam, abrindo caminho para o novo, e fazendo novas leituras em relação à necessidade das resistências, cabe salientar que:

Apesar de todo o valor desse trabalho, a importância dada à ideologia religiosa na resistência foi atacada por dois lados. Certos especialistas julgavam que o papel da religião na resistência foi subestimado; em contraposição, outros afirmavam que exagerou o papel da resistência na religião (RAGER, 2010, p. 62).

Está afirmação é compreensível pela simples dicotomia entre o material e espiritual. Ora, fazia parte da vida, costumes e cultura dos povos africanos seus

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cultos e religiões ancestrais, mesmo de influência cristã ou islâmica. Entretanto, vários europeus vinham à relação da resistência e da religião com desdém. Inclusive muitos historiadores influenciados pela perspectiva reducionista. Com isso, em determinadas regiões de África, a oposição contra a resistência foi denominada de “caça aos feiticeiros”. Ademais, vale salientar que os movimentos de resistência culminaram também na luta nacionalista e de guerrilhas e muitos médiuns estavam envolvidos em tais lutas. De acordo com o autor, “na perspectiva da história da religião africana, esses movimentos apresentavam interesse justamente na medida em que oferecem respostas às angústias íntimas das sociedades africanas”. (RAGER, 2010, p. 64).

Em suma, os movimentos de resistência foram fundamentais e voltaram-se para necessidades futuras. Para o autor, do ponto de vista da soberania, afirma-se que eles anteciparam sua reconquista e o triunfo do nacionalismo africano. É inquestionável que estes empreendimentos trouxeram as melhorias significativas para os povos africanos. O fenômeno da resistência está extremamente relacionado na luta em prol da liberdade. Embora, vários acadêmicos de perspectivas distintas concordem ou não com tal fato. Outros estudiosos relacionam os movimentos de resistência com o surgimento de Estados autoritários na África. Que é outra história. Ademais, cronologicamente, há teses que afirmam que as lutas e resistências tenham surgido já no século XVI e XVII, fenômeno atribuído à resistência econômica. De acordo com Samir Amin (1972) apud, Ranger:

O que estava em jogo na confrontação entre a África e a Europa não era a dominação política oficial, mas as tentativas europeias de manipulação econômica. A resistência africana verdadeiramente significativa era dirigida contra a manipulação econômica (2010, p. 68).

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Entretanto, a maioria dos estudiosos e historiadores afirma que os movimentos mais importantes de resistência à dominação colonial são efetivados no século XX. O que de fato se confirmou na história contemporânea da África. Parafraseando o autor do capitulo, a historiografia da resistência é dinâmica e crítica. Há toda uma dialética neste processo histórico, assim como a própria história é dialética, devemos pormenorizar e nos atentarmos com maior profundidade a qualquer assunto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho almejou uma breve contribuição e interpretação crítica sobre o processo analisado. De antemão vale ressaltar que o tema da Partilha da África é um assunto complexo da história da África. Infelizmente, não obtivemos condições aqui, de um maior aprofundamento e sistematização do pensamento sobre o tema, devido ao caráter genérico do trabalho. Embora, esperamos ter contribuído para o assunto e, apreciado o solicitado. A partilha da África, ou que se denominou de “partilha”, em uma visão mais assídua e crítica, na nossa concepção foi simplesmente fruto da dominação imperialista europeia e uma expropriação sistematizada das nações industrializadas, sedentas por novos territórios, fontes de matérias-primas e recursos agrícolas etc. Bem como a exploração, brutal e cruel de um continente, de vários povos, culturas e costumes. Há toda uma discussão sobre o tema. Certamente cabe aqui apenas uma síntese.

A partilha foi uma ação desonrosa, motivada por ambições egoístas e econômicas. Certamente, a todo o contexto histórico, e o pensamento ideológico dos europeus da época. Nas várias premissas ou justificativas de terem cometido o que cometeram. Sejam as teorias psicológicas, econômicas etc. Embora aqui,

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apreciamos a concepção da dimensão africana. Estudar história da África é sempre tarefa difícil, devemos considerar a complexidade das relações Europa x África e suas especificidades próprias e dinâmicas distintas. Ademais as relações são fruto de todo um contexto que propiciou tal fenômeno. Como as citadas anteriormente. Conquanto a Revolução Industrial, as inovações tecnológicas, bélicas ou militares e as da medicina ocidental, foram decisivas para a efetivação da partilha e da consolidação do sistema colonial.

Mas os mais importantes a se salientar foram à garra, força e diversas formas de luta armada e resistência dos povos africanos frente aos invasores. Mesmo que seja colossal pensar em uma partilha e conquista tão rápida em um continente gigantesco da terra o que realmente nos causa perplexidade. Sendo, inicialmente, uma luta desigual. Vale frisar que o mais forte é aquele que tem a capacidade de resistir por mais tempo e se adaptar as mudanças. E por fim, a fundamental importância de se estudar qualquer tema de África, por historiadores e estudiosos africanos. O objetivo também fora reafirmar o tema, dentro da perspectiva da historiografia africana.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935/ Editado por Albert Adu Boahen. – Brasília: UNESCO, 2010.

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