• Nenhum resultado encontrado

A saúde e a espiritualidade: uma integração necessária na terceira idade*

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A saúde e a espiritualidade: uma integração necessária na terceira idade*"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

MARQUES, L. F. . A saúde e a espiritualidade: uma integração necessária na terceira idade. In: TERRA, Newton Luiz; DORNELLES, Beatriz. (Org.). Envelhecimento bem-sucedido. Porto Alegre: Edipucrs, 2002, p. 455-460.

A saúde e a espiritualidade: uma integração necessária na

terceira idade*

Luciana Fernandes Marques** A saúde, na terceira idade assim como noutras faixas etárias, deve estar além da ausência de doenças. A saúde aqui é vista numa perspectiva biopsicosocial, relacionada a um alto nível de bem-estar físico, psicológico e social que uma pessoa consegue alcançar, apoiada por sua condição de vida. A espiritualidade como uma dimensão da saúde também é considerada importante, o que seria uma visão chamada biopsicosocioespiritual, integral, holística ou ainda transpessoal. É uma esfera da vida humana que tem sido prestigiada atualmente por estar totalmente ao alcance de qualquer pessoa e por trazer benefícios ao bem-estar e a saúde geral.

Na terceira idade essa integração parece ainda mais necessária, já que a pessoa vive o envelhecimento e, por vezes, o adoecimento do corpo com sofrimento. A espiritualidade, religiosa ou não, é uma das poucas áreas da vida capazes de dar sentido a essas experiências. Ou melhor, a pessoa, usufruindo e desenvolvendo sua espiritualidade pode criar sentidos para atravessar bem essa fase da vida. Esse desenvolvimento está naturalmente vinculado a todos outros aspectos da vida e também se relaciona a um cuidado de si mesmo, geração de hábitos saudáveis, enriquecimento das esferas emocionais, relacionais, laborais, etc. Nesse ponto de vista nos distanciamos de uma visão de saúde que considera apenas a dimensão orgânica ou corporal.

1. Responsabilização pela própria saúde

Quando apenas o corpo, ou os processos fisiológicos são considerados, há um reducionismo que acaba gerando atitudes passivas, nas quais as

*Tema desenvolvido na Tese de Doutorado intitulada “Saúde e Bem-estar espiritual em adultos Porto-alegrenses”, defendida em dezembro de 2000 na Faculdade de Psicologia, PUCRS (Orientador: Jorge C. Sarriera).

(2)

** Psicóloga, Bolsista Recém-doutor (CNPq) do Projeto Integrado Gestão Estratégica de Competências, coordenado pela Profs. Julieta B. R. Desaulniers (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS). lucianafm@pucrs.br

pessoas não se responsabilizam pelo próprio estado de saúde, dependendo da ciência médica para a cura e não considerando a extrema importância da prevenção, dos bons hábitos, de viver um estilo saudável de vida. No contexto social, essa visão gera uma delegação dos cuidados à classe médica, mas principalmente cuidados de curar doenças, depois de instaladas.

Os estudos sobre os estilos de vida que levam à saúde têm objetivos comportamentais de propor a adoção de comportamentos saudáveis pela população para conservar e melhorar a saúde. Eles versam sobre que condutas levam à saúde e, atualmente, já está popularizado esse conhecimento, sendo que grande parte das pessoas sabe o que deve fazer para manter-se saudável. No entanto, seguem desconhecidos os fatores que determinam os comportamentos promotores de saúde, ou, o que faz com que uma pessoa adote condutas de saúde. Algumas das hipóteses são: para adotar condutas saudáveis, a pessoa deve ter motivação e informações sobre a saúde; deve ver a si mesma como vulnerável, ver a enfermidade como uma ameaça real, estar convencida da eficácia de ditas condutas, e ver poucas dificuldades para colocá-las em prática (MARÍN, 1995). O quanto pode ser saudável o estilo de vida das pessoas religiosas e/ou espiritualizadas, é algo que só atualmente começa a ser estudado.

Alguns fatores de risco como o fumo, álcool, acidentes de trânsito, falta de condições adequadas de higiene, se devem ao comportamento das pessoas, e muitos são os obstáculos para realizar programas eficazes de prevenção (RIOS, 1996), entre eles a não resposta dos sujeitos à persuasão dos técnicos de que o melhor é adotar hábitos saudáveis. A pessoa até pode ser movida por um estímulo de massa como a mídia, mas a longo prazo acaba abandonando ditos hábitos e retornando a uma vida desregrada. Parece arraigado o hábito de não responsabilização pela saúde. E quando isso chega a uma escala global, vemos um comportamento de descaso consigo, com o outro e com o meio ambiente.

(3)

Determinadas enfermidades como as cardíacas, o câncer e o diabetes decorrem, em grande medida, de situações estressoras como o abuso de drogas, dieta desequilibrada, vida sedentária e contaminação ambiental (BRAVO et al., 1991), a maior parte dessas situações pode ser evitada pelas pessoas. De qualquer forma, não deve a pessoa sentir-se culpada no caso de adoecer, pois também a saúde é afetada pela natureza, pelas instituições sociais, pelas relações interpessoais e por outras tantas variáveis desconhecidas e não controláveis. Os modos de vida e experiências estressantes provocam desadaptações e exigem do organismo novas respostas, mas as formas como as pessoas enfrentam e se readaptam aos eventos estressantes também interferem no processo de saúde/adoecimento.

2. Enfrentamento saudável de situações estressantes

A ciência psicológica tem enfocado quais as melhores formas de enfrentamento das situações estressantes, que a longo prazo não representam adoecimento mental nem físico. Por exemplo, uma atitude saudável frente à resolução de um problema incluiria adotar uma postura ativa para resolvê-lo, adotar uma visão diferente de modo que ele não pareça mais um problema, lidar com as emoções que surgem e partilhar o problema com os outros. Uma maneira não saudável seria reprimir ou negar o problema, fantasiar com uma situação ideal, aversão e evitação da situação problemática e culpar os outros (BROWN, 1999). Ainda que a causa do adoecer, por vezes, não possa ser evitada, os modos de enfrentá-la e o desenrolar do processo da enfermidade podem ter uma participação substancial da pessoa.

Já sabemos atualmente que o comportamento humano, as atitudes, os valores, emoções e pensamentos interagem com o processo saúde-doença. Por exemplo, além dos fatores estressores mencionados acima, as próprias emoções podem perturbar o organismo e alterarem o funcionamento do corpo. As novas descobertas nessa área apontam para estados mentais que afetam o sistema imunológico e o vigor do sistema cardiovascular. O campo específico

(4)

desse estudo é a psiconeuroimunologia, um subcampo da biologia. Entre as emoções perturbadoras estão: raiva e hostilidade; depressão, pena de si, culpa e desamparo; estresse, agitação, nervosismo e ansiedade; supressão e negação da ansiedade. E entre os estados benéficos estão: calma, otimismo, confiança, alegria e bondade amorosa (GOLEMAN, 1999).

A pessoa deveria gerar um estado mental de atenção e disponibilidade para cuidar de sua saúde integral, escolhendo as melhores opções na forma de lidar com questões cotidianas e gerando equilíbrio, permitindo que várias esferas de sua vida se desenvolvam (ou ao menos respirem e sobrevivam). Isso se aplica à alimentação, vestuário adequado ao clima, relações interpessoais, momentos de sono, descanso e lazer alternados com outros de desafio mental, aprendizagem, e outros de atividade física, espiritualidade, transcendência, contato com outras pessoas, etc. E também aos cuidados específicos com o corpo, mente, emoções, cognição, espírito. Assim, desenvolve uma noção adequada do que a longo prazo é o melhor. Todas as áreas da vida são então harmonizadas e se equilibram.

3. Os benefícios da espiritualidade

O que se questiona é se a pessoa que desenvolve sua espiritualidade, que valoriza o sagrado na sua vida pode melhor proporcionar essa atenção e cuidado à saúde integral. KURTZ et al. (1995) afirmam que há maior probabilidade de se encontrar bons hábitos de saúde, comportamentos de apoio aos outros, e portanto, bem-estar psicológico em pessoas que têm uma visão espiritual positiva frente à vida. A perspectiva espiritual inclui conteúdos existenciais, que por sua vez, tem profundas implicações no bem-estar físico e psicológico (WONG e FRY, 1998).

De todas as áreas da vida humana, o espiritual (religioso ou não) parece ser aquele que permeia as outras esferas, sendo sua origem e o seu final. A partir dele ocorre uma maior consciência de se estar vivo e um estímulo para integração interna (corpo-mente-espírito) e externa

(5)

(pessoas-ambientes-seres-vivos-universo), proporcionando sentimentos de unidade. O espiritual alimenta, dá sentido, vitaliza e significa a vida como um todo, não mais dividida em áreas.

REED (1991) enfoca a espiritualidade como um recurso potencial para a saúde mental, e num estudo com idosos indica que a espiritualidade pode desempenhar um importante papel no enfrentamento da experiência de envelhecimento, na resolução do luto, elevando o bem-estar e diminuindo a depressão. KOENIG et al. (1998) também encontraram maior depressão e menor qualidade de vida em pessoas idosas, hospitalizadas e seriamente enfermas que enfrentavam sua situação de uma forma auto-dirigida (excluindo a ajuda de Deus) e tinham atitudes negativas em relação à Deus ou aos membros da Igreja. Noutro estudo com pessoas idosas, WALTON et al. (1991) também encontraram a associação entre auto-transcendência, bem-estar existencial e baixos escores de solidão.

A espiritualidade é como um combustível sempre presente que favorece essa conexão da pessoa consigo mesma e com os outros, imprimindo um sentido transcendental em todas as ações, uma finalidade e um sentido últimos que alçam a consciência humana a um reino de clareza, lucidez e de disposição. “O trabalho espiritual tem por objetivo libertar-nos das necessidades habituais, dos projetos de auto-favorecimento, do tempo e do espaço cotidianos. Para além de tudo isso, brota a sabedoria que enfrenta o mundo com energia e alegria sempre renovadas” (LOWENTHAL E SHORT, 1995, p. 117).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BRAVO, M.; SERRANO-GARCIA, I.; BERNAL, G. La perspectiva biopsicosocial de la salud vis a vis la biomedica como esquema teórico para enmarcar el proceso de estrés. Revista Interamerica de Psicología, v. 25, n. 1, p. 35-52, 1991.

2. BROWN,D. O estresse, o trauma e o corpo. In GOLEMAN, D. Emoções que curam : conversas com o Dalai Lama sobre mente alerta, emoções e saúde. Rio de Janeiro : Rocco, 1999. p. 104-120.

(6)

3. GOLEMAN, D. Emoções perturbadoras e gratificantes: impactos sobre a saúde. In GOLEMAN, D. Emoções que curam : conversas com o Dalai Lama sobre mente alerta, emoções e saúde. Rio de Janeiro : Rocco, 1999. p. 43-58.

4. KOENIG, H. G.; PARGAMENT, K. I.; NIELSEN, J. Religious coping and health status in medically ill hospitalized older adults. Journal of Nervous and Mental Disease, v. 186, n. 9, p. 513-521, 1998.

5. KURTZ, M. E.; WYATT, G. & KURTZ, J. C. Psychological and sexual well-being, philosophical spiritual views, and health habits of long term cancer survivors. Health Care for Women International, v. 16, n. 3, p. 253-262, mai-jun. 1995.

6. LOWENTHAL, Martin e SHORT, Lar. O coração compassivo : a superação do sofrimento por meio da psicologia e de práticas budistas. São Paulo : Pensamento, 1995.

7. MARÍN, J. R. Psicología social de la salud. Madrid: Síntesis, 1995.

8. REED, P. G. Spirituality and mental health in older adults: extant knowledge for nursing. Family and Community Health, v. 14, n. 2, p. 14-25, jul. 1991.

9. RIOS, Luis F. Psicologia Comportamenal Comunitária. In CABALLO, Vicente E. Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento. São Paulo : Santos Livraria e Editora, 1996.

10. WALTON, L. G.; SHULTZ, C. M.; BECK, C. M. et al. Psychological correlates of loneliness in older adult. Archives of Psychiatric Nursing, v. 5, n. 3, p. 165-170, jun. 1991.

11.WONG, P. T. P.; FRY, P. S. (Eds.) The human quest for meaning : a handbook of psychological research and clinical applications. Mahwah : Lawrence Erlbaum, 1998.

Referências

Documentos relacionados

Em relação ao DAS 28, também não foram observadas diferenças nos níveis de CEA, CA 125, CA 19-9, CA 15-3 e presença de valores alterados, quando comparou-se pacientes em remissão

Tanto Herculano quanto Varnhagen mantinham estreitas ligações com os governantes, que invariavelmente patrocinavam seus trabalhos, mas no caso do autor

Este trabalho está voltado, especificamente, para análise de ferramentas de medição de desempenho que possam ser utilizadas por Instituições de Ensino Superior (IES) e nas

Como apontado no Relatório Anual dos Gastos Militares do SIPRI, “é improvável que o aumento das despesas militares na América do Sul resulte em uma guerra entre Estados, mas

A média de idade foi semelhante entre homens (70,3.. anos) e mulheres (70,9 anos), sem diferença estatística, o que sugere que os homens desse estudo não apresentaram menor

A intricada relação de crise que ocorre entre as duas esferas pública e privada expõe questões que de início nos pareceriam no- vas, porém, nas palavras de Arendt, não é

O algoritmo do filtro de Kalman pode ser usado para estimar os estados e a saída de um sistema dinâmico em situações, nas quais as variáveis não estão disponíveis a todo o momento

O objetivo deste trabalho de conclusão de curso, é desenvolver um traço de concreto para a produção de placas pré-fabricadas cujo a função seja apenas de vedação, respeitando