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Da Competência Para a Execução Penal dos Condenados que
Cumprem Pena em Estabelecimento Federal
Rodrigo Leite Ferreira Cabral*
Resumo: A presente tese tem como finalidade a identificação do Órgão Jurisdicional competente para processar, julgar e supervisionar a Execução Penal dos condenados que estão a cumprir pena em Estabelecimento Penitenciário Federal. Para esclarecer essa dúvida foi examinado se a competência ficaria a cargo do Juiz da Execução da origem ou do Juiz da Execução do local de cumprimento da pena. Uma vez superada essa dúvida, com a conclusão de que ficaria a cargo do Juiz do local de cumprimento da pena, passou-se à análise da competência em razão da matéria, ou seja, a competência é da Justiça Estadual ou Federal. Ao final, concluiu-se que a competência para a Execução Penal dos condenados que cumprem pena em estabelecimento penitenciário federal é do Juiz da Execução Federal do local do cumprimento da pena, podendo, no caso específico da Penitenciária Federal de Catanduvas, o Tribunal Regional da 4ª Região, mediante ato próprio, estabelecer Varas Especializadas da Execução Penal em Município distinto do local do estabelecimento prisional.
1. TESE.
Inicialmente, cumpre frisar que a instalação da Penitenciária Federal de Segurança Máxima na Comarca de Catanduvas, por ser o primeiro Presídio Federal da história do Brasil, a toda evidência, gera alguma incerteza jurídica, até o esclarecimento dos temas decorrentes desse novo modelo prisional, sendo que as discussões e questionamentos levantados sobre o tema são bastante salutares para o aprimoramento desse modelo.
Qual é o órgão jurisdicional competente para processar e
julgar a Execução Penal dos sentenciados que cumprem pena em Presídio Federal?
A nosso aviso, existem três possíveis respostas a esta indagação: a) o Juiz da Execução Penal do local da condenação; b) o Juiz da Execução
Penal Estadual competente no local do cumprimento da pena; c) o Juiz da Execução Penal Federal competente no local do cumprimento da pena.
Passa-se agora, em observância ao princípio da persuasão racional, a fazer um exame analítico para identificar qual é o juízo competente, em nossa opinião, para processar e julgar a execução penal dos condenados que estão a cumprir pena em Penitenciária Federal de Segurança Máxima.
1. Da incompetência do Juiz da Execução Penal do local da condenação.
A Lei de Execuções Penais permite, perfeitamente, que um condenado possa cumprir pena em Estado distinto daquele em que foi sentenciado, conforme se verifica da leitura do art. 86, da Lei de Execuções Penais, verbis:
“Art. 86. As penas privativas de liberdade aplicadas pela
Justiça de uma Unidade Federativa podem ser executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou da União.”
Com efeito, tal possibilidade “(...) atende não somente ao
interesse público da administração penitenciária como também (em alguns casos) ao interesse do próprio condenado.” (Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, item
106).
Em casos que tais, a jurisprudência pacífica do egrégio Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o juiz competente para a execução penal é o juiz da
execução do local em que o condenado cumpre pena, conforme se verifica do seguinte
julgado, verbis:
“PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO DE PENA. PRESO
TRANSFERIDO. INCIDENTES DE EXECUÇÃO.
COMPETÊNCIA.
- A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que compete ao Juízo da Vara das Execuções Penais da comarca onde se situa o estabelecimento penitenciário onde o condenado cumpre
pena, mesmo sendo esta imposta por Juízo de outro Estado, decidir sobre os incidentes de execução.
- Conflito conhecido. Competência do Juízo da Vara de Execuções Criminais de Manaus-AM, o suscitante.”
(grifou-se)
(CC 33.186/AM, Rel. Ministro VICENTE LEAL, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28.11.2001, DJ 04.02.2002 p. 285)
Diante dessa constatação, pode-se concluir que a Vara de Execução de Origem é incompetente para processar e julgar a execução penal do condenado que estão a cumprir pena em estabelecimento penal federal.
2. Da incompetência do Juiz da Execução Penal Estadual do local do cumprimento da pena.
Conforme assentado no item anterior, a execução penal compete ao Juízo da Vara das Execuções Penais do local onde se situa o estabelecimento penitenciário em que o condenado cumpre pena, mesmo sendo esta imposta por Juízo de outro Estado.
Cumpre verificar agora se a Execução deve ficar a cargo da
Justiça Estadual ou da Justiça Federal do local em que se encontra o estabelecimento
prisional.
Se o caso dos autos versasse sobre condenado pela Justiça Federal cumprindo pena em penitenciária Estadual, não haveria dúvida alguma: a execução penal ficaria a cargo do Juiz Estadual.
Nesse sentido é a súmula n. 192, do egrégio Superior Tribunal de Justiça, verbis:
“Súmula n. 192-STJ - Compete ao juízo das execuções
penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos a administração estadual.”
O caso em exame, todavia, é o inverso, o sentenciado foi
condenado pela Justiça Estadual cumprindo pena em estabelecimento penitenciário Federal, caso que, é de se reconhecer, pode gerar alguma dúvida.
O primeiro ponto a ser observado, é que a citada súmula traz em seu bojo uma condicionante (“quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos a
administração Estadual.”), o que já dá forte indicativo de que a competência depende de
que ente da Federação estaria administrando o Estabelecimento Penal.
Da análise do art. 109 da Constituição Federal - que deve ser analisado estritamente – de fato, conforme asseverado pelo Juiz de Dourados, não se vislumbra nenhuma hipótese que autorize a conclusão de que a Justiça Federal é competente para processar e julgar a Execução Penal dos condenados que estão a cumprir pena em Presídio Federal.
A solução do presente caso, todavia, nos parece, deve ser extraída de dispositivos outros da Constituição Federal, que não do seu art. 109.
Para chegar a tal conclusão, deve-se atentar que a Execução Penal tem natureza mista: é atividade administrativa e é atividade jurisdicional.
A corroborar tal assertiva, veja-se a lição de Guilherme de Souza Nucci, verbis:
“Natureza jurídica da execução penal.
É processo jurisdicional, cuja finalidade é tornar efetiva a pretensão punitiva do Estado, envolvendo, ainda, atividade administrativa. Nessa ótica, está a posição de Ada Pellegrini Grinover, para quem ‘a execução penal é atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estatais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio, respectivamente, dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos penais.’ (‘Natureza jurídica da execução penal’, p. 7).”
(NUCCI, Manual de Processo Penal e Execução Penal, 2ª ed., p. 947)
Tal natureza mista (administrativa e jurisdicional), em se tratando de Penitenciária Federal, evidencia a atuação da União na Execução Penal, o que, como conseqüência lógica, atribuiu ao Poder Judiciário Federal a competência para a fiscalização e decisão sobre a Execução Penal.
Essa conclusão, encontra fundamento no próprio pacto
federativo (CF, art. 1º), posto que cada ente federado, União, Estados e Municípios
(deixamos de lado a discussão sobre serem os Municípios entes federados ou não) tem a
prerrogativa constitucional de autonomia político-administrativa (CF, art. 18).
“A Constituição de 1988 adotou como forma de Estado o
federalismo, que na conceituação de Dalmo de Abreu Dallari é uma ‘aliança ou união de Estados’, baseada em uma Constituição e onde ‘os Estados que ingressam na federação perdem sua soberania no momento mesmo do ingresso, preservando, contudo, uma autonomia política limitada’. A adoção da espécie federal de Estado gravita em torno do princípio da autonomia e da participação política e pressupõe a consagração de certas regras constitucionais, tendentes não somente a sua configuração, mas também a sua manutenção e indissolubilidade.” (grifou-se)
(MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada, 4ª ed., 2004, págs. 630 e 631)
Ora, haveria evidente violação ao pacto federativo atribuir-se à Justiça Estadual a competência para processar e julgar a Execução Penal de Penitenciária Federal.
Da mesma forma, que seria inadmissível que a União se imiscuísse na administração penitenciária Estadual, não pode o Estado interferir na administração Federal.
Assim, atribuir a execução penal da Penitenciária Federal à Justiça Estadual seria permitir a intervenção de um ente da Federação na esfera do outro, o que a implicaria em negativa da autonomia político-adminstrativa da República Federativa do Brasil constitucionalmente consagrada (CF, art. 18).
Veja-se que o egrégio Superior Tribunal de Justiça já utilizou, em Conflito de Competência, raciocínio semelhante, muito embora em caso de competência processual civil, verbis:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO CIVIL
PÚBLICA PROPOSTA PELA ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL, SECCIONAL DO
TOCANTINS, E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE JUIZ SUBSTITUTO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
4. Ação Civil Pública proposta contra concurso público, para o provimento de cargo de Juiz Substituto do Estado do Tocantins, deve ser processada e julgada na Justiça Estadual, devido à obrigação do Poder Judiciário de zelar pela intangibilidade do Pacto Federativo e pela garantia da autonomia dos entes federados.
5. Conflito conhecido, para declarar a competência da Justiça Estadual.” (grifou-se)
(STJ - CC 47.613/TO, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO MEDINA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22.06.2005, DJ 22.08.2005 p. 126)
Consta do voto vencedor do Ministro Paulo Medina o seguinte,
verbis:
“É mister ressaltar que, no Federalismo, constituído no
Brasil pelo fenômeno da descentralização política, todos os entes federados, quais sejam, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, ocupam, juridicamente, o mesmo plano hierárquico, estando subordinados, unicamente, à Constituição Federal.
Não se pode, pelo princípio do federalismo, olvidar da isonomia política e jurídica da União e dos Estados, o que restaria, fatalmente, ameaçada pela interferência direta do Juízo Federal, na investidura de cargos afetos ao Poder Judiciário Estadual.
ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, ao registrar a igualdade jurídica da União e dos Estado, em fortuita citação do eminente jurista Dalmo de Abreu Dallari, in "Curso de Direito Constitucional Tributário", 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 122, asseverou:
‘O reconhecimento desse poder de fixar sua própria escala
de prioridades é fundamental para a preservação da autonomia de cada governo. Se um governo puder determinar o que o outro deve fazer, ou mesmo o que deve
fazer em primeiro lugar, desaparecem todas as vantagens da organização federativa.’”
A competência, portanto, para processar e julgar a Execução Penal dos condenados que cumprem pena em Presídio Federal é da Justiça Federal.
Desse modo, pode-se asseverar que a Vara de Execução Estadual do local de cumprimento da penal é incompetente para processar e julgar a execução penal do condenado que está a cumprir pena em Penitenciária Federal.
Ressalte-se que, no caso específico da Penitenciária de Catanduvas, cumpre verificar qual Vara Federal é competente para tanto: se a Vara Federal
Criminal de Cascavel, a que pertence o Município de Catanduvas, ou se a Vara Federal Criminal de Curitiba.
A nosso aviso, a 1ª Vara Federal Criminal de Curitiba é a Vara competente para a Execução Penal, posto que foi designada pela resolução n. 56/2006-TRF4 para a Execução Penal Federal no Estado do Paraná.
Veja-se que é perfeitamente possível tal designação por ato administrativo do egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, posto que autorizado pelo art. 3º da Lei n. 9.664/98, que tem a seguinte redação, verbis:
“Art. 3º Caberá ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
mediante ato próprio, especializar Varas em qualquer matéria, estabelecer a respectiva localização, competência e jurisdição, bem como transferir sua sede de um Município para outro, de acordo com a conveniência do Tribunal e a necessidade de agilização da prestação jurisdicional.”
Assim, a conclui-se que a Vara de Execução Federal é a competente para processar e julgar a Execução Penal de condenados que estão a cumprir pena em Presídio Federal, sendo que no caso específico do Presídio Federal de Catanduvas a 1ª Vara Federal Criminal de Curitiba é competente.
*Promotor de Justiça
Disponível em: http://www.mp.pr.gov.br/eventos/tsrodrigo.doc