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O VESTUÁRIO DE ELECTRA E AS MARCAS DE STATUS SOCIAL, COMUNICAÇÃO E GÊNERO DAS ATENIENSES

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O VESTUÁRIO DE ELECTRA E AS MARCAS DE STATUS SOCIAL,

COMUNICAÇÃO E GÊNERO DAS ATENIENSES

Maria Angélica Rodrigues de Souza1

Resumo: A presente comunicação almeja refletir sobre vestuário, status social, comunicação e

Gênero entre as atenienses do Período Clássico. Analisaremos uma das tragédias do escritor Sófocles, Eléctra. O tragediógrafo teceu, no decorrer desta obra, diversas assertivas envolvendo o universo feminino e sua inteligência astuciosa. Neste estudo colocaremos em prática a noção de intertextualidade através do diálogo com os demais autores contemporâneos a Sófocles. Lançaremos mão de estuduosos de nossa contemporaneidade que também abordam a temática.

Palavras-chave: Atenienses. Gênero. Comunicação.

A proposta da presente comunicação é refletir sobre vestuário, status social, comunicação e Gênero entre as atenienses do Período Clássico. Defendemos que os enredos estavam relacionados com o modelo aracne/mulher tecelã2. Concebemos que tais entrelaçamentos se constituíam em uma das possibilidades da presença das atenienses na dinâmica social que apresentava-se permeada por relações de gênero, poder e comunicação. O trabalho está inserido na dimensão historiográfica da História Social e sua interface especialmente com a História Cultural.

A História Social ao propor objetos de estudo e interpretações que continham novos temas como o cotidiano, as experiências vividas entre homens e mulheres, a sexualidade e a vida em família, nos oferece condições para desenvolver estudos sobre as mulheres atenienses do Período Clássico, pois até a primeira parte do século XX discussões nos debates acadêmicos das ciências humanas envolvendo o grupo feminino foram relegadas. A partir de meados do século mencionado o quadro começa a se modificar.

Em nosso estudo, incluso no contexto apresentado, estão as vestimentas e os adereços das atenienses. Lançaremos mão principalmente da tragédia de Sófocles Electra, do Oikonomikós de Xenofonte e de autores contemporâneos que pesquisam a temática para tratarmos nesta comunicação.

Sófocles nasceu em Atenas (496 a. C.) e morreu em Colono Ática (406 a. C.). A tragédia Electra foi apresentada pela primeira vez em Atenas aproximadamente em 413 a. C.. A personagem

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio

de Janeiro. Brasil. Membro do Laboratório de História Antiga da UFRJ. Orientada pelo Prof. Dr. Fábio de Souza Lessa. Professora de História da rede pública da Prefeitura de Mangaratiba e da Prefeitura do Rio de Janeiro.

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que dá nome à peça espera pelo retorno do irmão que vingará a morte de seu pai. A composição dramática inicia com o regresso de Orestes a Micenas.

O tragediógrafo compõe Electra como uma mulher não submissa, astuciosa e que trama em momentos oportunos ações que conduzem a seus objetivos. Esta mulher requer uma atenção especial e deve ser vigiada, pois externa suas opiniões, questiona, rompe com o silêncio que deveria ser uma das qualidades das esposas dos cidadãos, não se deixa diminuir, assim observamos, quando as questões de gênero e poder se fazem presentes.

Peter Burke ao tratar de fontes na Grécia Antiga ressalta que segundo John Winkler os documentos foram produzidos quase totalmente pelos homens, mas podem ser interpretados sob a ótica inversa, trazendo a tona pontos de vista femininos sobre assuntos diversificados como sexo e outros “(...) uma consciência por parte das mulheres gregas, no que se refere aos significados de sexo e gênero diferentes dos enunciados por seus maridos e pais”3 (BURKE, 2005, p. 41).

Partiremos do pressuposto de que a tragédia sinalizava que as mulheres utilizavam os recursos de sua esfera para conseguir o que almejavam e que os escritores lançaram mão de um repertório cotidiano, entre outros, para construir suas produções e partilhar com os atenienses suas concepções. Trabalharemos no decorrer da comunicação teias que foram elaboradas por Electra na tragédia, utilizando-se de uma métis com o intuito de atingir seus propósitos.

Nas palavras de Crisótemis, personagem irmã de Electra, podemos verificar que esta externa seus sentimentos rancorosos “Por que vieste novamente, irmã, gritar e lamentar-te assim às portas do palácio? Não aprendeste, decorrido tanto tempo, que o ódio apenas nutre inúteis esperanças?”4 (SÓFOCLES. Electra. vv. 316-319). Percebemos que o tempo não é um fator, neste caso, que indica a desistência e nem o esquecimento de Electra diante de seu objetivo, ao contrário, se constitui em um elemento afirmador dos fins que se deseja alcançar.

Sófocles reitera nos versos que seguem após apresentar esta posição determinada de Electra na própria fala de Crisótemis o modelo de conduta que deveria ser seguido por Electra e que era permeado pelas relações de gênero e poder: “Sei que a justiça não está comigo, irmã; está contigo, mas se quero viver bem devo curvar-me aos detentores de poder”5 (SÓFOCLES. Electra. vv. 325-327). O autor euforiza a obediência diante dos que detêm o poder, a submissão diária que as mulheres deveriam vivenciar e que estaria inclusa no modelo tradicional, o modelo mélissa e ao

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BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005, p. 41.

4 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 316-319. 5 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 325-327.

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mesmo tempo põe em xeque esta relação de poder, evidenciando sua diluição. O desejo de vingança é um dos itens que diferencia Electra da irmã.

Com o intuito de continuarmos analisando esta fonte enfatizaremos a intertextualidade e colocaremos Sófocles para dialogar com Xenofonte na questão da submissão contida no modelo mélissa. Ao estudarmos o Oikonomikós de Xenofonte, nos concentramos principalmente nas referências acerca do comportamento peculiar a uma esposa bem-nascida. Percebemos que o texto de Xenofonte euforiza as ações femininas de acordo com a idealização da sociedade; assim o autor constrói um modelo de conduta para a esposa desde sua preparação para o matrimônio, passando pelo conhecimento de algumas tarefas peculiares até a complementação dessa educação recebida na casa dos pais pelo esposo.

É interessante observarmos que Xenofonte detalha o modelo mélissa objetivando mostrar a importância da concepção deste por parte da esposa, pois ajudaria no desempenho de suas tarefas cotidianas, já que as mulheres atenienses também eram responsáveis pela preservação dos bens do casal, podendo ser uma ótima ou má administradora. Neste último caso, ela poderia levar a ruína um cidadão: “Também te posso citar maridos que de tal modo lidam com suas mulheres que as transformam em úteis auxiliares para o fomento de sua casa, enquanto para outros são elas causa essencial de ruína”6 (XENOFONTE. Oikonomikós. III, 10). Acreditamos que o momento no qual a pólis dos atenienses estava vivenciando, se fazia necessário propostas que resgatassem modelos, formas que estavam se distanciando naquele período.

Com o término da guerra do Peloponeso, os atenienses vivenciaram um momento de crise, suas conquistas no decorrer do século V, quando Atenas chegou a liderar um grande número de póleis, não mais faziam parte do cotidiano. Dessa forma, podemos perceber que o V século para os atenienses foi um momento em que a pólis atingiu o auge e no final deste enfrentou uma crise significativa com o findar da guerra contra os lacedemônios.

Pressupomos que Xenofonte, na maioria das vezes, utilizou argumentos para ratificar a ideologia. Se este procedimento foi adotado podemos crer que as esposas não estavam seguindo totalmente os padrões, ou seja, o que ele repetiu várias vezes em relação à educação das esposas, o que elas deveriam fazer era na prática o que provavelmente elas não estavam efetuando. Portanto se fazia necessário, de acordo com o autor, uma reafirmação do modelo ideal. Podemos concluir então que, o comportamento ideal esperado para uma esposa não correspondia à prática social vivenciada. Dessa forma, Xenofonte estaria tentando restabelecer uma tradição, que no decorrer do

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tempo foi se desintegrando, pois a pólis, na época da produção do Oikonomikós, havia passado por transformações que não eram concebidas por Xenofonte e seus pares. A obra foi escrita aproximadamente em 362 a. C. e objetiva recuperar um espaço, na pólis, que antes os belos e bons cidadãos detinham.

Neste momento, nos dedicaremos, à pontos da tragédia Electra em que o escritor aborda os ritos funerários e o papel das representações femininas contidas na peça. Obtêm destaque as oferendas que são conduzidas aos mortos pelas atenienses com o propósito de manter vínculo com o passado e através destas faz emergir duas sinalizações: da mulher que profere palavras próprias contrariando assim os modelos coexistentes e a mulher que é frágil submissa. Sófocles também aborda com cautela a importância de informações passadas de mãe para filha, a comunicação estabelecida entre elas e que em certos momentos não resulta na educação desejada. “Todos os teus conselhos aprendeste dela; és incapaz de proferir palavras próprias”7 (SÓFOCLES. Electra. vv. 328-332).

Através deste embate entre as irmãs o tragediógrafo aponta a dualidade de conduta, a manipulação por intermédio de presentes:

“Teu ódio, esse vive apenas em palavras, de fato, segues os algozes de teu pai; eu, entretanto, não me curvarei a eles embora me prometam todos os presentes que agora ostentas com tamanha vaidade; mostre-se tua mesa cada vez mais farta e sejam os teus dias superabundantes; a mim porém, me satisfaz só o bastante para viver em paz com a minha consciência”8 (SÓFOCLES. Electra.vv. 348-355).

As diferenças entre as irmãs acentuam-se na representação do figurino da peça, em que as roupas de Crisótemis são marcadas pela elegância, contrastando com a indumentária simples de Electra. Defendemos que as vestes e os adereços comunicam, transmitem uma mensagem.

Electra e seus enredos nos ritos funerários

Para análise das tramas da personagem que intitula a tragédia lançaremos mão do conceito de métis formulado por Marcel Detienne e Jean-Pierre Vernant que se encontra na obra Métis – Astúcias da inteligência. Os historiadores especialistas no estudo da Grécia Antiga definem métis como uma forma de inteligência – a inteligência astuciosa: “(...) a métis não é mais que um componente de certos saberes ou de alguns poderes detidos por um pequeno grupo de deuses, cujas atividades são funcionalmente orientadas para os domínios, onde prevalece esta forma de

7 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 328-332. 8 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 348-355.

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inteligência”9. Ela é polimórfica e diversa e aplica-se aos múltiplos saberes. Os esquadrinhadores mostram que é no mundo dos humanos que esta forma de inteligência astuciosa desfruta de todos seus privilégios10(DETIENNE, M. & VERNANT, 2008, p. 276).

Verificaremos a astúcia de Electra através de um momento oportuno onde sua irmã deveria obedecer sua mãe Clitemnestra e levar as oferendas determinadas pela mãe ao jazigo de Agamemnon. Electra deve ser vigiada, acompanhada, quando ocorre um descuido ela aproveita o momento oportuno e age. Electra faz uso de sua métis convencendo sua irmã a não levar tais oferendas:

“Não deixes nada do que tens tocar no túmulo! Nem os preceitos dos mortais, nem os divinos permitem a consagração das oferendas mandadas pela mais perversa das esposas; será mais natural deixar que o vento as leve ou escondê-las todas no âmago da terra, onde jamais possam ir perturbar meu pai; e quando tua mãe morrer, vá encontrá-las intactas e guardadas para ela mesma!”11(SOFOCLES, Eléctra. vv 422-430). “Deixa-as de lado, irmã: põe sobre a sepultura

alguns de teus cabelos; por mim – é tudo quanto posso dar, coitada! – dedica-lhe estes meus cabelos maltratados e este modesto cinto gasto pelo uso”12 (SOFOCLES, Eléctra. vv 446-447).

Neste contexto, a protagonista da tragédia aproveita as tarefas que eram atribuídas (tecer, bordar, cuidar dos mortos e outros) às mulheres para através delas burlar a idealização. As atividades que possuíam uma finalidade específica ganhavam uma outra dimensão. Electra não rejeita diretamente essas atividades, mas atribui à elas um novo sentido além do esperado. Os itens euforizados pelo tragediógrafo para que sejam colocados no túmulo de Agamemnon apresentam referências relacionadas à questão das roupas e dos adereços denotando a posição social e o status das personagens. Comunicando que, neste momento, Electra não dispõe de indumentárias que pertençam a um grupo social abastado.

Crisótemis acaba realizando o pedido de sua irmã: “Farei, pois o que é justo não é objeto de briga, mas deve ser realizado com pressa. Enquanto tentar executar estas coisas, guardai-me o segredo, amigas, pois se minha mãe for informada, penso que um dia pagarei caro esta tentativa”13 (SOFOCLES. Eléctra. vv. 463-467). Lin Foxhall e Gabriele Neher no capítulo introdutório do livro Gender and the City before Modernity ao abordar a cidadania, o pertencimento e a participação defendem que embora as mulheres não possuíssem, em grande parte, poder de participação direta na

9 DETIENNE, M. & VERNANT, J. P. Métis - As astúcias da inteligência. São Paulo: Odysseus Editora, 2008, p. 276. 10 DETIENNE, M. & VERNANT, J. P. Métis - As astúcias da inteligência. São Paulo: Odysseus Editora, 2008, p. 276. 11 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 422-430.

12 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 446-447. 13 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 463-467.

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política, eram grandes articuladoras na esfera igualmente importante, a religiosa, com o registro de suas atividades em Santuários, individualmente e em grupos.14(FOXHALL e NEHER, 2012, p. 12).

Outro momento da peça relevante, para este artigo, que envolve os ritos funerários é o alerta de que as mulheres que ameaçam devem ser vigiadas: Sófocles por intermédio de um diálogo entre Clitemnestra e sua irmã aborda esta questão: “Vejo-te espairecer de novo, como queres, aproveitando a ausência do zeloso Egisto, pois ele não te deixa, quando está presente, transpor as portas para injuriar amigos”15 (SÓFOCLES. Electra. vv. 500-503). A ausência da presença masculina é levantada como um dos momentos que as mulheres agem.

Mais uma vez o tragediógrafo elabora um diálogo entre a protagonista da tragédia e sua irmã: “Eu não os dei nem tu (e como poderias, se não permitem, que te afastes sem escolta nem mesmo para reverenciar os deuses?)”16 (SÓFOCLES. Electra. vv. 910-912). Oferecer oferendas era uma das atividades do cotidiano feminino que o autor sinaliza aos receptores que poderia ser usada para outros fins.

Uma das referências às oblações divinas pode ser verificada nos versos que seguem nas oferendas humildes a Apolo nas falas de Electra: “Ah! Quantas vezes vim depor em teu altar piedosas oferendas, quase sempre humildes, pois outras não podiam minhas mãos devotas!”17 (SÓFOCLES. Electra. vv. 1378-1380).

Questões de gênero e poder

As discussões de gênero no presente estudo focam a sociedade ateniense, a análise de como, os sujeitos históricos dão significação às construções de masculinidade e feminilidade em meio às relações hierárquicas de dominação. As mulheres atenienses não constituíam um grupo unívoco. Adriana Piscitelli, discorrendo sobre o conceito de gênero, mostra que o objetivo de construir um sujeito político fez com que o pensamento feminista destacasse a identidade entre as mulheres, concedendo pouca atenção às diferenças entre elas. De acordo com a pesquisadora “(...) nas novas leituras sobre gênero considera-se que a distinção entre masculino e feminino não esgota os sentidos do gênero”18 (PISCITELLI, 2009, p. 143).

14 FOXHALL, Lin. e NEHER, Gabriele. Introduction. In: FOXHALL, Lin. e NEHER, Gabriele. Gender and the City

before Modernity. Hoboken, New Jersey: Wiley-Blackwell, 2012, p. 12.

15 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 500-503. 16 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 910-912. 17 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 1378-1380.

18 PISCITELLI, Adriana. Gênero: a história de um conceito. In: ALMEIDA, H. B. de e SZWAKO, J. (orgs.).

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Inserida nesta discussão acerca da defesa do gênero como uma categoria que contém diversos grupos de pessoas, que se distancia de uma reflexão que contempla o modelo binário e unificado, Kate Gilhuly defende que há diversas maneiras para representá-lo19 (GILHLY, 2009, p. 06-09). A Matriz Feminina proposta pela pesquisadora ressalta a forma que o gênero foi manipulado com o intuito de atender a interesses dos atenienses20 (GILHLY, 2009, p. 10). A matriz feminina estava contida no imaginário social ateniense, assim a maneira como a ateniense era percebida na esfera pública estava intimamente ligada ao papel que ela exercia na koinonía21 (GILHLY, 2009, p. 13).

As questões de gênero e poder se fazem presentes na relação de Clitemnestra com sua filha. Clitemnestra desaprova o comportamento de Electra, mas quem castiga e pune a mesma é Egisto. O cidadão deveria ter a palavra final em uma sociedade masculinizada. “Por Ártemis! Há de custar-te muito caro o atrevimento! Egisto te castigará!”22 (SÓFOCLES. Electra. vv. 615-616). Electra mais uma vez questiona o posicionamento de sua mãe “Viste? Permites-me falar e logo cedes ao ódio habitual e me fazes calar!”23 (SÓFOCLES. Electra. vv. 617-618). Clitemnestra recorre às recompensas ao tentar silenciar sua filha. Ela propõe que se o forasteiro conseguisse refrear a língua de Electra ele seria recompensado. “Se conseguisses refrear a sua língua terias boa recompensa, forasteiro”24 (SÓFOCLES. Electra. vv. 808-809).

O estudioso Thomas Laqueur enfatiza que o gênero na Antiguidade era muito importante e fazia parte da ordem das coisas. “Foi no mundo do sexo único que se falou mais diretamente sobre a biologia de dois sexos, que era mais arraigada no conceito de gênero, na cultura”25 (LAQUEUR, 2001, p.19). Ele defende ainda que ser homem ou mulher implicava em uma posição social, um lugar na sociedade, assumir um papel cultural. Assim como Laqueur, Gilhuly sinaliza que a estrutura defendida por ela opera em uma variedade de textos e gêneros26 (GILHULY, 2009, p. 02). Tal papel está presente nos versos que seguem: Crisótemis dirigindo-se a Electra se refere a esta como mulher que não é precavida, que fala com indiscrição. “Ainda ignoras que és mulher, que

19 GILHULY, Kate. The Feminine Matrix of Sex and Gender in Classical Athens. New York: Cambridge University

Press, 2009, p. 06-08.

20 GILHULY, Kate. The Feminine Matrix of Sex and Gender in Classical Athens. New York: Cambridge University

Press, 2009, p. 10.

21 GILHULY, Kate. The Feminine Matrix of Sex and Gender in Classical Athens. New York: Cambridge University

Press, 2009, p. 13.

22 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 615-616. 23 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 617-618. 24 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 808-809.

25 LAQUEUR, Thomas. Inventando o Sexo. Corpo e Gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,

2001, p. 19.

26 GILHULY, Kate. The Feminine Matrix of Sex and Gender in Classical Athens. New York: Cambridge University

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não és homem e tua força é bem menor que a força deles, e que a fortuna de teus inimigos cresce enquanto a nossa cai e se reduz a nada?”27 (SÓFOCLES. Electra. vv. 996-999).

Sófocles enfatiza este comportamento e reafirma que nem todas as mulheres estão inseridas nesse conjunto. O diálogo entre Orestes e Electra reafirma a posição do autor de que o momento requer atenção e vigilância sobre as mulheres: “Calemos ambos; alguém pode ouvir-nos. Não pela deusa virgem! Não por Ártemis! Não há motivos para recearmos mulheres indolentes confinadas lá no palácio, simples peso inútil! Não deves esquecer porém, de que há mulheres de espírito viril, e tu és uma delas”28 (SÓFOCLES. Electra. vv. 1237-1242). Segundo o tragediógrafo a protagonista da peça obedece ao irmão, a presença masculina, porque a obediência está relacionada à concretização de sua vingança: “Dispõe de mim; ordena e obedecerei”29 (SÓFOCLES. Electra. vv. 1317).

Concluímos que as obras, neste artigo, tecem o feminino, trazendo a tona reflexões que abordam a indumentária grega euforizando a história do vestuário, das roupas das atenienses e seus complementos como um dos canais comunicacionais na pólis. Visando a relação do vestuário com o conjunto de valores existentes em Atenas e que estavam entrelaçados em relações de gênero e poder.

Referências

Documentação Textual

SÓFOCLES. Eléctra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

XENOFONTE. Oikonomikós. Biblioteca de Altos Estudos. Academia das Ciências de Lisboa: 1942.

Referências Bibliográficas

BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

DETIENNE, M. & VERNANT, J. P. Métis - As astúcias da inteligência. São Paulo: Odysseus Editora, 2008.

GILHULY, Kate. The Feminine Matrix of Sex and Gender in Classical Athens. New York: Cambridge University Press, 2009.

FOXHALL, Lin. e NEHER, Gabriele. Introduction. In: FOXHALL, Lin. e NEHER, Gabriele. Gender and the City before Modernity. Hoboken, New Jersey: Wiley-Blackwell, 2012.

LAQUEUR, Thomas. Inventando o Sexo. Corpo e Gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001.

NUÑEZ, Carlinda F. P. Electra ou uma constelação de sentidos. Goiânia: Editora da UCG, 2000.

27 SÓFOCLES. Eléctra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 996-999. 28 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, vv. 1237-1242. 29 SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, v. 1317.

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PISCITELLI, Adriana. Gênero: a história de um conceito. In: ALMEIDA, H. B. de e SZWAKO, J. (orgs.). Diferenças, igualdade. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2009.

ROUSSEL, Denis. Los Historiadores Griegos. Trad. N. Mígues. Buenos Aires: Siglo XXI, 1975. SOUZA, Maria Angélica R. de. Tecendo mensagens numa trama bem urdida: as mulheres atenienses. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005. THEML, Neyde (Coord.) Linguagens e formas de poder na antiguidade. Rio de Janeiro: FAPERJ, Mauad, 2002.

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