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O NASCIMENTO DO MUNDO CRISTÃO

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Academic year: 2021

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O NASCIMENTO DO MUNDO CRISTÃO

The Birth of the Christian World

Willibaldo Ruppenthal Neto.1

VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou cristão

(312-394). 2. ed. Trad. Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2011.

O livro Quando nosso mundo se tornou cristão, do arqueólogo e historiador francês especialista em Roma antiga Paul Veyne, é uma reinterpretação sobre o processo de transformação do Império Romano de um mundo pagão para um mundo cristão. Esse famoso historiador de Roma foi organizador do primeiro volume da grande coleção Histoire de la vie privée (História da Vida Privada), também escrevendo o primeiro capítulo desse volume. Membro da École française de Rome e professor no Collège de France, é um autor de renome mundial, sendo considerado um dos maiores conhecedores do Império Romano na atualidade.

O objetivo principal do livro aqui resenhado é a construção de uma nova perspectiva sobre o processo de cristianização do mundo ocidental e de ocidentalização do cristianismo. Trata-se de um momento crucial na história do mundo ocidental e do cristianismo, quando essas histórias se fundiram e modificou-se cada uma dessas estruturas culturais de modo a modificou-se tornarem de difícil distinção: o cristianismo ocidentalizou-se e o nosso mundo (ocidental) se tornou cristão. Paul Veyne constrói uma

1 Graduando em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná (FTBP) e graduando em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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nova perspectiva focando-se especialmente sobre a pessoa de Constantino, que é revalorizado, e sobre o próprio processo que este inicia de transposição do paganismo pelo cristianismo no Império Romano. Tal processo ainda terá outra figura de grande importância: Teodósio. Este, porém, terá sua importância na consumação do processo do qual Constantino é o autor e inventor. Constantino é o grande nome no livro.

A imagem de Constantino tem sido desvalorizada por historiadores nos últimos séculos, de modo que este é percebido em geral como um oportunista e aproveitador. O autor tem como objetivo combater tais perspectivas reducionistas e anti-históricas que por objetivos ideológicos e religiosos tentam transformar Constantino em um déspota com pretensões de domínio e manipulação política por trás de sua conversão. Faz então uma revalorização. Muitas vezes, esta perspectiva cética é resultado de uma concepção ‘ideologista’ sobre a religião, onde esta é percebida sempre como método de controle social. Porém, nesta nova perspectiva histórica que Paul Veyne traz não se compreende a religião como “uma mentira politicamente útil que se chama ideologia” (p. 205), mas como “uma categoria a priori que não se pode derivar de outra coisa” (p. 47). Isso não significa que o cristianismo não é “uma inovação, uma invenção, uma criação” (p. 78) por parte dos discípulos de Jesus, mas faz com que a crença de Constantino seja o que se destaca no texto, resultando e não resultada, a partir somente da fé, já que “sem a fé gratuita e sem uma Revelação não há verdadeira crença” (p. 105). Não se parte do pressuposto que a fé é uma mentira útil, mas abre-se espaço para a existência de uma crença genuína. De fato, para “algumas

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pessoas cultas (…) a religião não é uma coisa suficientemente séria para interessar a um homem de poder, a menos que preencha uma função ideológica” (p. 201), mas, para Veyne, a religião não deve ser reduzida a isto:

reduzir a religiosidade a explicações psicológicas seria ter uma visão muito curta e passar ao largo da realidade irredutível que é o sentimento religioso. Não, a religião não é uma jogada psicológica impressentida, nós não nos entregamos a pequenos artifícios à revelia de nossas crenças consoladoras. O divino, o sagrado, é uma qualidade primária que não se pode derivar de outra coisa. (p. 51).

Para explicitar a crença de Constantino no cristianismo, Veyne utilizará Eusébio como fonte principal, retomando este historiador cuja imagem fora sujada juntamente com Constantino por alguns historiadores dos últimos séculos, que tenderam a vê-lo como um hipócrita e oportunista que exaltou a imagem de Constantino com fins pessoais e utilitaristas.

O preconceito sobre Eusébio, porém, é resultado de um preconceito pré-existente sobre Constantino. Na verdade, a falsa percepção de Constantino como “um militar e um político brutal e eficiente que só se torna cristão por uma questão de cálculo” (p. 83) não faz sentido quando se entende que se Constantino “favorecesse os cristãos, ganharia o favor de um pequeno grupo organizado e convicto, o que não lhe traria grande vantagem e iria jogar-se nos braços de uma seita com constantes querelas internas que todos conheciam” (p. 120). J. B. Bury, outro grande estudioso da Roma Antiga, chega a escrever que “a revolução religiosa promovida por Constantino em 312 foi o ato mais audacioso já cometido por um autocrata,

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desafiando e desprezando o que pensava a grande maioria dos súditos” (citado por Veyne na p. 12). Ainda outros autores não citados por Veyne como Runciman e o teólogo cubano Justo L. González perceberam o anacronismo que é refutarmos a fé de Constantino a partir dos elementos de fé atuais: “(...) pensar que Constantino foi hipócrita ao se declarar cristão, sem crer de fato em Jesus Cristo, é um anacronismo. (…) a opinião oportunista é equivocada porque o grau de apoio que os cristãos poderiam ter prestado a Constantino era muito duvidoso”.2 Mesmo assim, são

poucos os autores que mostram e provam com fortes argumentos o comportamento cristão de Constantino como Paul Veyne faz no livro aqui resenhado: pelo caráter de proselitismo, pregando para seus empregados (p. 92), “por todas as suas ações públicas, por suas guerras, por suas leis” (p. 133), dentre outros exemplos. Suas leis também tiveram direcionamentos especificamente cristãos, como quando contra os sacrifícios pagãos domésticos e ocultos (p. 151, 157) e contra os harúspices domésticos (p. 158). Como, com tais informações, pensaríamos que a conversão de Constantino foi uma “jogada política”? É justamente por isso que Veyne considera tal conversão muito mais “um capricho pessoal” (p. 106) do que uma jogada política, sendo o resultado de uma conversão autêntica – testificada pelo fato de que “Constantino se comportou (…) como era de se esperar que se comportasse levando-se em conta que a célebre narrativa da sua conversão e de seu sonho era verídica” (p. 126).

Muitos historiadores incréus que trabalham sobre a Antiguidade acabam exercendo certa apologia às religiões pagãs,

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como se o cristianismo tivesse sido uma quebra no progresso da humanidade, um passo para trás na história, uma “morte” que necessitou de um “renascimento”. Veyne, porém, faz justamente o contrário disso: ele afirma categoricamente a “superioridade” do cristianismo sobre o paganismo, definindo o cristianismo como “uma obra-prima”. Ele sabe muito bem que tal afirmação sobre o cristianismo é uma ação ousada, mas não volta atrás. Apesar da probabilidade de críticas, Veyne mantém-se firme em sua posição, expondo os diversos pontos que corroboram para tal consideração: o paganismo era parcial, enquanto o cristianismo englobava toda a vida do fiel (p. 112); o paganismo era estático, enquanto o cristianismo era prosélito e universalista (p. 66); o paganismo não era moralista como o cristianismo (p. 43); o cristianismo possuía um sentimento comunitário desconhecido pelo paganismo (p. 54-55); resumindo: “o paganismo não passava de uma religião, o cristianismo era também uma crença, uma espiritualidade, uma moral e uma metafísica” (p. 64). Sendo assim o cristianismo não apenas ‘modificou’ o mundo ocidental, mas permitiu que este fosse melhorado, foi certamente um passo à frente na história.

O que normalmente se aponta para a “degradação” do cristianismo (p. 74) é justamente a incorporação do cristianismo pelo Império Romano por parte de Constantino, o caminho inverso (ocidentalização do cristianismo), transformando uma religião de convertidos em uma religião de súditos (por tornar-se a “religião do trono” – conforme realmente foi – p. 212). Porém, diferente do que se costuma fazer, o autor aponta para tal transformação, não como uma incorporação da religião por parte

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do Império na figura dos imperadores, mas na figura da própria população, “dois ou três séculos depois de Constantino” (p. 178), quando “de dez por cento da população tornar-se-á nominalmente a fé que todos abraçam; a pessoa passa a nascer cristã como se nascia pagão” (p. 178). A “conversão” das massas se deu não por perseguição ou evangelização, mas por “conformismo que lhe foi ditado por uma autoridade agora reconhecida” (p. 179).

No seu último capítulo, o autor pensa se “tem a Europa raízes cristãs?” (cap. XI). Trata-se de uma aproximação do autor com seu público, que é especialmente francês. Uma frase do capítulo IX demonstra bem a resposta para esta questão: “para ver e ouvir o papa num subúrbio parisiense, uma imensa multidão acorre, composta em parte de gente que não crê e que só pensa em Deus uma vez por ano” (p. 182); de fato, dessa forma, há raízes cristãs na Europa, mas “a palavra cristão permanece para muitos não uma identidade, mas uma espécie de parônimo hereditário” (p. 235). A Europa, segundo Veyne, não “foi pré-formada no cristianismo, não é o desenvolvimento de um germe, mas o resultado de uma epigênese. De resto, o cristianismo também” (p. 240). Não se trata apenas de “quando o nosso mundo se tornou cristão”, mas de quando o cristianismo começou a se tornar no que é hoje. O público latino-americano, que não é o foco principal de Veyne, deve pensar especialmente neste segundo sentido do processo, onde o cristianismo ocidentalizou-se, cabendo algumas reflexões: até que ponto a cultura ocidental deve ser imposta ou levada à América Latina e sua teologia? Será que devemos repetir o processo empreendido por Constantino e pela massificação do cristianismo ou será que

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temos a oportunidade de um novo processo, de uma liberdade nova na nossa história? Essas são algumas perguntas que o livro de Veyne abre mesmo sem ter esse intuito.

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