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Resenha Ordem do Discurso de Michel Foucault

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From the SelectedWorks of Wagner Amodeo

2011

Resenha Ordem do Discurso de Michel Foucault

Wagner Amodeo, Prof.

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MICHEL FOUCAULT:

A ORDEM DO DISCURSO

Resenha por Wagner Amodeo São Paulo Novembro 2010

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A ORDEM DO DISCURSO

Resenha por Wagner Amodeo

A presente resenha foi elaborada a partir da obra ―A ordem do discurso‖ de

Michel Foucault, referente à aula inaugural proferida pelo autor no College de France

em 02 de dezembro de 1970. Outras fontes de referência contribuíram para a compreensão dos conceitos abordados na obra em foco indicadas ao final deste trabalho.

INTRODUÇÃO

O livro em foco é um opúsculo, redigido em tom de conferência, onde M. Foucault relata suas principais reflexões e pesquisas sobre como os diversos discursos encontrados em uma dada sociedade, ou em um grupo social específico, exercem funções de controle, limitação e validação das regras de poder desta mesma sociedade.

Um discurso, para o autor, é conceituado como uma rede de signos que se conecta a outras tantas redes de outros discursos, em um sistema aberto, e que registra, estabelece e reproduz não significados esperados no interior do próprio discurso, mas sim valores desta sociedade que devem ser perpetuados. O discurso não é um encadeamento lógico de palavras e frases que pretendem um significado em si mesmo, ainda que essa estratégia seja empregada, ele será uma importante organização (ordem) funcional onde se estrutura um imaginário social. O discurso deixa de ser a representação de sentidos pelo que se debate ou se luta e passa a ser, ele mesmo, o objeto de desejo que se busca, dando-lhe, assim, o seu poder intrínseco de reprodução e dominação.

[...] O discurso nada mais é do que um jogo, de escritura, no primeiro caso, de leitura, no segundo, de troca, no terceiro, e essa troca, essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão os signos. O discurso se anula assim, em sua realidade, inscrevendo-se na ordem do significante.1

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3 Foucault, nessa conferência, sintetiza as noções, princípios e táticas da organização do discurso e, em decorrência, as possibilidades de analisá-lo.

RESENHA

O autor inicia seu pronunciamento com um paradoxo: Como falar sobre o discurso tendo-se de empregar o próprio discurso para desvendá-lo?

“Existe em muita gente, penso eu, um desejo semelhante de não ter de começar, um desejo de se encontrar, logo de entrada, do outro lado do discurso” 2

Com tal exposição já denota a dificuldade de desvencilhar-se das estratégias empregadas pelo discurso seja o forma seja o corriqueiro.

Menciona também de início a busca por “uma voz sem nome” a orientá-lo. Além de fazer um jogo de palavras para dizer que as palavras são isso mesmo, um jogo, ao final da obra irá acrescentar e revelar que essa frase também homenageia um predecessor seu, que muito contribuiu às suas pesquisas: Jean Hyppolite.

A essência de sua crítica à ordem do discurso refere-se aos procedimentos que visam o controle do que é produzido, por quem é produzido, e de como se distribuem os discursos, como podem ser vistos no quadro sinótico. (Tabela 1). Com a concepção crítica estabelecida o autor proporá posturas e procedimentos metodológicos de análise do discurso.

Podem ser destacados quatro conceitos entrelaçados e essenciais nesta obra: 1. Existem diferenças fundamentais entre o que pode ser verdade, uma

“possibilidade de verdade”, e o que Foucault designa “no verdadeiro”, aquela “verdade” aceita por determinada sociedade, aquela que interessa a um grupo social A “verdade” oficial, “verdade” que não perturba o status quo e é validada através de operações específicas, denominada “no verdadeiro”. Exemplifica com Mendel, quando suas pesquisas demonstraram ser verdadeiras não foram aceitas, pois não estavam “no verdadeiro”.3

2. Não há simetria entre o que o discurso diz representar e os possíveis objetos e conceitos externos que efetivamente possam existir ou que têm a “possibilidade de verdade”. O discurso se insere nos

2

Op. cit. pág. 6. Existem os discursos formais, porém, uma vez que os valores sociais estejam incorporados torna-se possível perceber o discurso em quaisquer circunstâncias.

3

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4 encadeamentos sígnicos de outros discursos dando-nos a impressão de continuidade ou até mesmo de evolução, aprofundamento progressivo desses discursos. O exemplo que Foucault fornece a respeito de Mendel é ilustrativo (item anterior), entretanto poderá induzir que as proposições mendelianas não foram aceitas apenas por uma questão contextual e que, assim que possível, tornaram a verdade em verdade oficial, validada. O autor, ao longo da obra, insiste que tal acontecimento não é uma decorrência natural, nem regular.

3. O discurso é o encadeamento de significantes em si mesmo e de outros discursos externos. Não possui foco no significado e sim no significante e, portanto, no imaginário dos receptores. Reproduz “de” e “para” esse imaginário consolidando a função de perpetuar as leis, regras, normas, valores implícitos “no verdadeiro” socialmente aceito.

“[...] O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”.4

4. A estrutura social de manutenção desses valores dispõe de rituais específicos de validação e disseminação dos discursos que torna um pronunciamento aceito oficialmente. Seja pela qualificação de autores, seja pelas solenidades que envolvem os discursos, para citar dois exemplos.

O discurso não é a representação simbólica do mundo ou de uma realidade exterior e universal. Por isso o autor disponibiliza outras noções que irão iludir nossa percepção da realidade discursiva e referem-se a temas que são tratados filosoficamente (Tabela 2). Dada a decorrência temporal e a falsa noção de continuidade, tornam-se noções dificilmente corrompidas.

Essas noções apóiam-se em um anseio de logofilia, ou seja, um sentimento gerado pela educação familiar e social (em especial pelas estruturas de ensino), de que sempre é possível encontrar uma mensagem plena de sentidos e verdade no interior dos discursos. Sentimento que nos faz, mesmo inconscientemente, crer em um maniqueísmo entre o verdadeiro e o falso. Se há um núcleo validado, por diversos procedimentos, será possível encontrar uma verdade, caso contrário haverá o falso, o erro. Como, pelas próprias funções dos discursos, estes excluem os que lhe afrontam, parecerá que sempre há uma verdade intrínseca a ser encontrada.

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5 Tabela 1 Quadro sinótico sobre a exclusão e ordenação dos discursos

Procedimentos para a hegemonia na ordem dos discursos

CONTROLE – SELEÇÃO – ORGANIZAÇÃO – REDISTRIBUIÇÃO

1º P roc ed ime nto : E xte rior L IMI T AÇÃO E X CL U S ÃO O DO DIS C U RS O Interdição

Palavra proibida. Ritual de Circunstância Tabu do Objeto. Direito privilegiado.

Rejeição Dualística Razão X Loucura. Segregação da loucura.

Vontade de verdade

Validação “no verdadeiro” Verdadeiro X Falso 2º P roc ed ime nto : Int er io r RAREFAÇ ÃO O RDENAÇ ÃO DO DI S CU RS O Classificação. Categorização. Permanência Impermanência Produção e Divulgação Autoria Disciplinas 3º P roc ed ime nto : E xte rior S UJ E IÇÃO O DO D IS CU R S

O Limitam seus poderes

Especializações. Trocas e comunicações. Rituais de qualificação. Sociedades de

discurso

Dominam aparições aleatórias

Ritualizações do discurso. Circunstâncias. Lugares simbólicos. Posições (status)

Selecionam os que falam

Quem pode falar. Autorizações, outorgas, qualificações, licenciaturas. Posições (status)

A logofilia desliza a outro sentimento denominado logofobia, quer seja, o receio e a angústia de não ter o discurso próprio, individualizado, validado e, portanto, inserido “no verdadeiro”. Não ser reconhecido. Com isso esses discursos corroboram

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6 na reprodução e manutenção das verdades oficiais. Logofilia e logofobia formam um par de elementos indissociáveis para a ordem do discurso, um eixo que estrutura a produção e divulgação dos discursos.5

Este par logofilia-logofobia parece ser a fonte de outras noções estabelecidas pelo autor, que são a do sujeito fundante, da experiência originária e da mediação universal. Referem-se no primeiro caso à possibilidade, ou à crença nessa probabilidade, a de que um sujeito possa, até isoladamente, através de uma espécie de intuição e de uma suspeita racionalidade, fundar horizontes de significação que a história não terá senão a tarefa de explicitar em seguida.6 O sujeito assim qualificado estará isento da instância do discurso.7

Tabela 2 Decisões fundamentais para a análise do discurso

EIXO: LOGOFILIA – LOGOFOBIA

Modos de elisão da realidade Decisões para análise do discurso Tema do sujeito fundante.

Produz o registro

ESCRITURA

Questionar a

vontade de verdade nos discursos.

Tema da experiência originária.

Supõe uma verdade anterior e contínua

LEITURA

Restituir o caráter aleatório, de acontecimento do discurso.

Tema da mediação universal.

Crença na consciência imediata e racional sobre o mundo

TROCA

Suspender a soberania dos significantes, do imaginário.

A experiência originária supõe uma espécie de conhecimento do mundo existente antes de nossa aparição neste planeta. Inclina-se a dizer que, já que certas “verdades” foram ditas antes, é possível uma captura de tais pensamentos

5

Este eixo é construído, no indivíduo, pela educação familiar e pela a cultura social. Internalizam-se valores que serão, em dadas circunstâncias, os licenciadores e validadores dos discursos.

6

Op.cit. pág.47 7

Inserido no sistema de coerção e oficialmente validado, parecerá que o autor não está sujeito às armadilhas discursivas.

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7 anteriorizados e o discurso será simplesmente a representação legítima dessa experiência e, portanto uma verdade continuamente disponível.

O tema da mediação universal induz à crença de uma possível racionalidade, constantemente disponível e capaz de produzir uma consciência imediata a partir das singularidades às categorias supostamente universais.

O autor irá reclamar atenção para o questionamento dessas noções como decisões primárias para a análise do discurso. Deve-se questionar o eixo logofilia-logofobia. Compreender que os discursos não são temporalmente contínuos restituindo seu caráter aleatório e, finalmente, entender que o imaginário, refletido nos significantes expressos nos discursos, não atinge categorias universais por ser exatamente isso: imaginário. O desdobramento dos questionamentos anteriormente descritos leva Foucault a organizar quatro princípios reguladores fundamentais para a análise dos discursos (Tabela 3).

Tabela 3 Princípios reguladores da análise do discurso

Princípios reguladores: Inverter as noções pré-estabelecidas

Estabelecido Postura crítica

Noção de acontecimento

Não há criação baseada na idéia do sujeito fundante. O discurso se produz por eventos

aleatórios ainda que contextualizados.

Noção de série

Não há continuidade, portanto não há uma

série que supostamente gere uma linha evolutiva inquestionável ou rede de significados.

Noção de regularidade

Não há produção regular. impermanência. Cada acontecimento pode

ser entendido como original sem que seja o sujeito fundante ou a continuidade de discursos anteriores.

Noção de condição de possibilidade

Não há núcleos de significados nos discursos.

possibilidade de verdade no emaranhado das redes de significantes.

Uma vez estabelecidas as decisões fundamentais para a análise do discurso, os princípios reguladores e suas inversões, é possível compreender os quatro princípios propostos pelo autor como método para a análise do discurso (Tabela 4).

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8 Tabela 4 Método da análise do discurso

PRINCÍPIOS E REGRAS DE ANÁLISE DO DISCURSO

INVERSÃO P os tura c rít ic a a o di s c urs o

Recorta-se estrategicamente o texto e inverte-se o significado proposto, negando-o e colocando em evidência os significantes. Percebem-se, igualmente, as estratégias de rarefação, especialmente a dos comentários e as falsas universalizações. “[...] é preciso reconhecer, ao contrário, o

jogo negativo de um recorte e de uma rarefação do discurso”

(pág. 52) DESCONTINUIDADE Conh ec im en to ge ne a ló gi c o do d is c urs o

Com a leitura atenta dos discursos pelas noções expostas e uma vez evidenciada a rarefação, percebe-se que não há, como a ser subjacente, um contínuo de verdade evolutiva nos discursos. “Os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem.” (pág. 52)

ESPECIFICIDADE

A especificidade de um discurso pronunciado por autores outorgados não torna os significados propostos verdades absolutas e universais. Não aceitar prontamente o “no verdadeiro” como cúmplice de nossos conhecimentos, por nossa vontade de verdade, e que foram dispostos em nós, igualmente, por discursos prévios inspiradores do eixo logofilia-logofobia. “Deve-se conceber o discurso como uma

violência que fazemos às coisas. [...] e é nesta prática que os acontecimentos do discurso encontram o princípio de sua regularidade.” (pág. 53)

EXTERIORIDADE

Fixar as fronteiras do discurso, primeiramente nele mesmo, restringindo a busca de um núcleo de verdades significativas. Em segundo lugar buscar a compreensão da rede de significantes, e não dos significados, estabelecida exteriormente e imbricadas no discurso analisado. “[...] não

passar do discurso para seu núcleo interior e escondido [...] mas, a partir do próprio discurso, de sua aparição e de sua regularidade, passar às condições externas de possibilidade...” (pág. 53)

Foucault irá ainda apontar, nesta obra, dois conjuntos de conhecimento necessários para uma análise do discurso (posturas a serem adotadas): um crítico e outro genealógico. O primeiro contempla a inversão, as formas de exclusão e de limitação. O segundo conjunto é o „genealógico‟ que se propõem entender como os

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9 discursos foram formados através, ou apesar, dos sistemas de coerção. Quais foram as regras de produção e divulgação desses discursos e suas variações.

A crítica contempla o primeiro princípio da inversão. A genealogia do discurso contempla os três princípios restantes, da descontinuidade, especificidade e exterioridade.

Referências

FOUCAULT, Michel. 2005. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro : Forense

Universitária, 2005.

—. 2010. A ordem do discurso. São Paulo : Ed Loyola, 2010.

—. 1981. As palavras e as coisas. São Paulo : Martins fontes, 1981.

RICOEUR, Paul. 1990. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro : F. Alves,

Referências

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