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A INTENCIONALIDADE NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES/AS NO CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA

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Academic year: 2021

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CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA

AMARAL, Débora Monteiro – UFSCar

de_ufscar03@yahoo.com.br

MONTRONE, Aida Victoria Garcia – UFSCar

montrone@ufscar.br

Eixo Temático: Formação de Professores e Profissionalização Docente Agência Financiadora: CNPq Resumo

A presente pesquisa trata sobre a intencionalidade na formação de educaores/as e tem como temática central da mesma olhar e enxergar o curso de Pedagogia da Terra da UFSCar como sendo um local de aprendizagens e ensinamentos, um curso de formação de educadores/as populares, que, tem em seu seio um diferencial que é a intencionalidade política dos movimentos sociais envolvidos na busca de educadores/as preparados/as para atuar em suas comunidades (assentamentos/acampamentos) de forma a contribuir para o desenvolvimento da educação de qualidade nos mesmos. Os objetivos desta pesquisa foram: descrever os processos de ensino e aprendizagem desencadeados no curso na visão dos e das educandos/as; compreender os ensinamentos e as aprendizagens ocorridas no curso, na visão dos/as e educandos/as. Como metodologia de pesquisa utilizou a abordagem qualitativa de investigação por acreditar na importância de conhecer e descrever os processos de ensino e aprendizagem. A coleta de dados contou com levantamento bibliográfico, entrevistas coletivas, escutas, conversas, observações, registros em diário de campo e acompanhamento dos e das alunas em seu tempo-escola e no tempo-comunidade. A análise dos dados apontou a diferenciação do regime de alternância pela possibilidade da aproximação entre a teoria (trazida no tempo-escola) e a prática (vivenciada no tempo-comunidade). Também apontou diversos ensinamentos e aprendizagens entre os/as educandos/as apesar das diferenças entre os movimentos sociais que pertencem, a convivência, lês possibilitou compreender, valorizar e aprender com essas diferenças, em espaços de aprendizagem para além da sala de aula. Palavras Chaves: Formação de educadores, Pedagogia da Terra, Processos Educativos. Introdução

O presente texto compõe uma análise preliminar de processos formativos realizados num curso superior 1para educadores da Reforma Agrária. O mesmo procura articular esta

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formação específica em pedagogos/as da terra com os cursos tradicionais que formam pedagogos e pedagogas, trazendo assim as diferenciações de formação e as especificidades do curso em questão.

Estudar a formação de professores/as é ao mesmo tempo pensar o pesquisador, o professor universitário e ver na dupla condição de formador e de aprendiz neste contexto. (COSTA e OLIVEIRA, 2007). Sabe-se também que para que possamos pensar em um projeto de melhoria da nação é necessário que pensemos num melhor reconhecimento aos/as educadores/as e que lhes seja atribuído seu devido valor.

Partindo-se se uma visão integrada e crítica da educação é necessário pensar que a formação do profissional da educação só pode ser planejada e executada com base numa concepção muito clara do que se espera da educação.

Neste sentido os cursos voltados para a formação de pedagogos/as da terra apontam como principal objetivo formar educadores/as com uma visão alargada de educação e de pedagogia. Esta visão que a vincula aos processos de formação do ser humano e que permite aos/as educandos/as alargar também sua tarefa, seu horizonte, suas perguntas, complexificando e tornando ainda mais fascinante o desafio de sua formação.

Caldart (2004) nos chama a atenção quando diz que nas pedagogias mais tradicionais a educação é vista exatamente no contraponto da luta, sendo a ordem seu valor mais precioso. Por isso, a educação é vista como sinônimo de socialização passiva, da integração à sociedade, de aprendizado da obediência ou até do conformismo pessoal e social. Por outro lado, nas pedagogias que se colocam em uma perspectiva de participar dos processos de transformação social, o predomínio da pedagogia da palavra, seja como apelo à conscientização ou denuncia da alienação provocada pelas condições sociais, de modo geral também não concede lugar de destaque para a dimensão pedagógica própria da ação de lutar. Em ambos os olhares resta pouco lugar para a educação como um processo produzido pela luta mesma. Segundo a autora somente quando a luta social passa a ser vista como educativa é que necessariamente se altera o olhar sobre quem são os sujeitos educadores. “Não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças, que nos afirmamos humanos”. (FREIRE, 1997, p.87).

A intencionalidade pedagógica dos cursos de formação de educadores/as ou pedagogos/as da terra tem em sua centralidade a prática educativa da práxis social, retomando a reflexão sobre a força formadora do trabalho, da cultura, da luta social, como matrizes

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educativas do ser humano e que não podem deixar de ser intencionalizadas como práticas pedagógicas em um projeto educacional que se pretenda emancipatório, e por isso mesmo, omnilateral.

Segundo Arroyo (2004) ao desenhar um perfil de formação como esta é porque se acredita que a construção do ser humano pela educação é um projeto, uma tarefa intencional e consciente.

O aprender e ensinar na formação de educadores/as

Para compreender os/as professores/as como sujeitos que pensam, que mobilizam saberes e refletem em diversos níveis sobre sua prática, é necessário que pensemos quais saberes são necessários para o exercício da atividade docente e como estes saberes são construídos.

A base de conhecimento é definida como um conjunto de compreensões, conhecimentos, habilidades, disposições necessárias para a atuação efetiva em situações específicas de ensino e aprendizagem. Segundo Mizukami (2004) compondo esta base estão os diferentes tipos de conhecimentos que orientam as decisões dos professores: conhecimento de conteúdo específico, conhecimento pedagógico geral e conhecimento pedagógico do conteúdo.

Considerando que os professores desenvolvem seus trabalhos a partir da construção e reelaboração de múltiplos saberes ou conhecimentos, segundo Costa e Oliveira (2007) o que importa neste contexto é discutir como os professores aprendem e que elementos podem e devem ser considerados pelas instituições formadoras no processo de aprendizagem da docência.

A pesquisa

A presente pesquisa trata sobre a formação de educadores e educadoras de Reforma Agrária, tendo como eixo temático os ensinamentos e as aprendizagens que ocorrem dentro do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal de São Carlos - SP - na visão dos e das educandos/as.

Para entender o curso de Pedagogia da Terra é preciso primeiro contextualizá-lo dentro da política do Governo Federal, o PRONERA (Programa Nacional de Educação na

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Reforma Agrária), que foi criada em 1998, por meio da portaria nº 10/98 do então Ministério Extraordinário de Política Fundiária, sendo vinculado diretamente ao Gabinete do Ministro. É uma política do Governo Federal, executada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Tem como objetivo ampliar os níveis de escolarização formal dos trabalhadores e trabalhadoras da Reforma Agrária. Este programa tem se tornado um relevante instrumento de democratização do conhecimento no campo, já que propõe e apóia projetos de escolarização formal em todos os níveis de ensino.

O surgimento deste programa deu-se pela reivindicação organizada dos movimentos sociais do campo e concretiza-se por meio da parceria estabelecida entre eles, o governo federal e as instituições de ensino superior.

No biênio 2003 – 2004, o PRONERA firmou convênio com diferentes universidades e organizações de assentados, visando ampliar as ações do programa. Foram firmados 27 convênios para o ensino médio normal. Os projetos na área de profissionalização também deram saltos de qualidade, ampliando a formação técnica para as áreas de agropecuária, enfermagem, magistério e administração de cooperativas, por meio de 15 novos convênios.

No âmbito do ensino de graduação, o PRONERA tem firmado novas parcerias com universidades e institutos de pesquisa para formar novos profissionais nas áreas de Pedagogia da Terra, História, Geografia, Ciências Agrárias e Agronomia, num total de 13 novos convênios para atender assentados de áreas reformadas do país (PRONERA, 2004).

É, então, dentro deste contexto, que surge o Curso de Graduação de Pedagogia da Terra, um curso específico para a população assentada beneficiária de projetos de reforma agrária e, este se justifica e tem sua relevância pelas demandas colocadas pela realidade social do Brasil rural, aonde a necessidade de formação profissional dos seus habitantes vem sendo historicamente ignorada.

A concepção de educação neste curso é diferenciada dos demais cursos de Pedagogias que temos, pois, ele toma como princípio fundamental que a reflexão e o próprio movimento de luta pela terra, tem a práxis social e o movimento social como princípio educativo:

“... é possível enxergar que o princípio educativo por excelência está no movimento mesmo, no transformar-se transformando a terra, as pessoas, a história, a própria pedagogia, sendo essa a raiz e o formato fundamental de sua identidade pedagógica.” (CALDART, 2004).

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Na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) o curso teve início no 2º semestre de 2007 com 60 alunos/as (atualmente, 1º sem. 2009, está com 44) advindos/as de vários assentamentos/ acampamentos do Estado de São Paulo e pertencentes 4 movimentos sociais diferentes (MST2 , Feraesp3 , Omaquesp4 e FAF5 ).

Surge então, a importância de aproximar-se deste curso de formação de educadores/as da Reforma Agrária e acompanhar estas práticas sociais e os processos educativos que permeiam os/as estudantes, pretendendo contribuir para o surgimento de questões e problematizações que enriqueçam e promovam um debate para a qualidade do mesmo.

A relevância deste estudo está na necessidade de uma educação no campo para o campo de forma a contribuir com a formação de seres humanos comprometidos com a luta de sua história de vida, tornando-se então, os próprios sujeitos desta história e, para isso, pautando a discussão na importância de professores/as formados/as e engajados com a luta deste povo.

A temática central da pesquisa está em olhar e enxergar o curso de Pedagogia da Terra da UFSCar como sendo um local de aprendizagens e ensinamentos, um curso de formação de educadores/as populares, que, tem em seu seio um diferencial que é a intencionalidade política dos movimentos sociais envolvidos na busca de educadores/as preparados/as para estarem atuando em suas comunidades (assentamentos/acampamentos) de forma que possam contribuir para o desenvolvimento da educação de qualidade nos mesmos. Para isso, foi formulada como questão de pesquisa: qual é a visão dos/as educandos/as em relação às aprendizagens e os ensinamentos ocorridos na prática de ser educando/a do curso de Pedagogia da Terra da UFSCar – São Carlos.

Os objetivos desta pesquisa são: descrever os processos de ensino e aprendizagem desencadeados no curso na visão dos e das educandos/as; compreender os ensinamentos e as aprendizagens ocorridas, no curso, na visão dos/as e educandos/as.

Caminhos percorridos

Devido à natureza da questão de pesquisa, trata-se de uma pesquisa qualitativa por entender que a mesma exige que o mundo seja examinado com a idéia de que mais nada é trivial,

2 Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

3 Federação dos Empregados Rurais Assalariados no Estado de São Paulo

4 Organização Estadual de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São Paulo 5 Federação dos Trabalhadores da Agricultora Familiar do Estado de São Paulo

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que tudo tem potencial para construir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo. Nesta abordagem pressupõem-se de que muito pouco se sabe acerca das pessoas e ambientes que irão constituir o objeto de estudo (BOGDAN, BIKLEN, 1994).

Nesta metodologia a pesquisa vai se tornando possível à medida que o/a pesquisador/a se familiariza com o ambiente, com as pessoas e com outras fontes que possam a vir estar ligadas a coleta de dados. O convívio é um momento de aprendizagens mútuas e devemos respeitar as aprendizagens de cada um.

“O convívio não apenas como dado, mas, enquanto metodologia pode ser extremamente rico. Nele, as pessoas se colocam abertamente e o conhecimento é mais autêntico”. (OLIVEIRA e STOTZ, 2004, p.12).

As pessoas aprendem umas com as outras e a cada dia vivenciamos novas experiências, mas, para isso, devemos estar sempre abertos para aprender no convívio com o outro.

Destacamos a importância e a escolha desta metodologia por acreditar que se deve dar mais importância ao processo do que simplesmente aos resultados e produtos da pesquisa. Poder buscar entender o ser humano e suas vivências, descobertas, aprendizados é o que traz significado para a pesquisa e reforça sua importância.

“Nunca um acontecimento, um fato, um feito, um gesto de raiva ou de amor, um poema, uma tela, uma cancã, um livro têm por trás de si uma única razão. Por isso que a mim me interessou sempre muito mais a compreensão do processo em que e como as coisas se dão do que o produto em si”. (FREIRE, 1992, p.9)

Cabe salientar também que através deste tipo de abordagem é possível uma melhor compreensão de como e para que as pessoas se educam ao longo da vida. O aprendizado do respeito às diferenças é importante para que possamos nos despir dos pré-conceitos que temos construídos e instituídos em nossa memória sobre aquela população e, só depois disso é possível estar de fato com aquela comunidade. A partir deste momento, então, foi que as experiências e que os processos educativos começam chegar até nós.

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Convivência

Desde maio de 2008, através da convivência com os e as educandas deste curso, tem sido possível acompanhar os processos educativos que estão se dando, seja nos espaços formais de educação (Universidade) seja em diferentes espaços (alojamento, refeitório, ciranda infantil, acampamentos e assentamentos rurais, entre outros). Durante o mês de janeiro e fevereiro/2009 pudemos estar no Centro de Formação do MST, na cidade de Ribeirão Preto – SP -, onde os e as educandas estavam tendo sua formação, pudemos vivenciar momentos de muito aprendizado e entender um pouco mais de como está se dando este curso, quais as especificidades da turma, as dificuldades e os conflitos encontrados ao longo do processo.

Coleta de dados

A coleta de dados contou com levantamento bibliográfico, entrevistas coletivas escutas, conversas, observações, acompanhamento dos e das alunas em seu tempo-escola5 e no tempo-comunidade6 e anotações no diário de campo.

A escolha pela metodologia das entrevistas coletivas se deu por acreditar que em grupo ocorre a partilha e o contraste de experiências que constrói um quadro de interesses e preocupações comuns que, em parte experienciadas por todos, são raramente articuladas por um único indivíduo. (GASKELL, 2002).

Para convidar e selecionar os e as educandas foram utilizados os seguintes critérios: a) que movimento social pertence; b) idade e c) sexo. Procurou-se observar com atenção para que os e as participantes pudessem representar ao máximo o curso em questão e, para isso, os grupos foram compostos por representantes dos quatro movimentos que compõe o curso, homens e mulheres, pessoas mais novas e pessoas com mais idade. Por fim formamos dois grupos tendo 8 pessoas em cada um deles.

O processo para a realização das entrevistas foi marcado por algumas características: os diálogos ocorreram em vários momentos e em lugares diferentes. No total foram mais de 7 horas de conversas realizadas no período de aproximadamente 3 semanas.

A pesquisa em questão foi aprovada pelo comitê de ética da UFSCar e, para manter o sigilo foram utilizados nomes fictícios na elaboração do texto.

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Análise dos dados

Para a análise dos dados foram feitas, primeiramente, as transcrições das entrevistas e a escuta das mesmas. Após isso foi elaborado um texto com os resultados preliminares, cruzando as mesmas com as vivências e com os registros em diários de campo.

A devolução dos dados é uma próxima etapa da pesquisa que é muito importante para garantir momentos formais de devolução dos dados e pré-análises buscando de forma compartilhada a interpretação dos dados.

Conforme Minayo (2004) a análise dos dados é a fase que nos conduz à teorização sobre os dados, produzindo o confronto entre a abordagem teórica anterior e o que a investigação de campo aporta de singular como contribuição.

A turma Helenira Resende6: vivências educadoras e a prática ao longo da formação

Atualmente o curso, que começou com 60 educandos/as, conta com 44, sendo que destes, 40 são mulheres e 4 homens, na faixa etária de 18 a 55 anos.

O aprendizado do respeito às diferenças foi importante para se despir dos pré-conceitos que estavam construídos e instituídos na memória sobre aquela população e, só depois disso conseguir estar de fato com aquela comunidade. A partir deste momento, então, foi que as experiências e os processos educativos começaram a chegar até nós.

É o que Paulo Freire (2005) nos diz sempre de estarmos em comunhão, estar com o outro, a necessidade do desvelamento do mundo com os sujeitos, do diálogo permanente com estes, contemplar outra visão de mundo que não a dominante imposta. A alteridade é aqui ponto central, pois, através dela podemos realmente estar com e no mundo.

Na convivência, nas conversas e entrevistas com os/as educandas foi possível compreender um pouco mais sobre a especificidade desta turma: são educandos e educandas advindos/as de vários assentamentos rurais do Estado de São Paulo, uns com mais tempo de luta outros mais recentes. A maioria deles/as estudou parte em escolas da cidade e parte em escolas rurais. Relataram as dificuldades encontradas, preconceitos vividos/ sofridos durante o percurso escolar. Muitos deles saiam bem cedo das suas casas para pegar o transporte que os

6 Turma de Pedagogia da Terra da Universidade Federal de São Carlos, a primeira turma deste curso no Estado

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levariam até a escola da cidade e retornavam a noite. Também relataram discriminações sofridas por outros colegas e também por professores/as e direção da escola.

Como diz Dussel (s/d) quando traz a categoria de “proximidade”, para ele o ontológico do mundo em que vivemos baseia-se na compreensão das coisas como são verificadas, aproximar-se das coisas, ir além da aproximação, busca a aproximação primeira. A proximidade não é totalizante. Não busca conhecer o outro e qualificá-lo ou classificá-lo. Quer mais. Quer experienciar, quer viver com, em, junto.

A relação face-a-face entre Eu e o Outro é anterior ao mundo, isto é, anterior à totalidade de sentido, de compreensão dos entes. É a partir do face - a- face do povo em seu viver diverso e plural - enquanto negado pelo capitalismo - que se constrói a filosofia da libertação.

O face-a-face, segundo Dussel (s/d), é movido pelo encontro original, do inusitado, do desconhecido, do ver o outro e aproximar-se, alterativo, numa relação justa, de respeito mútuo, de espanto, de acolhimento, amorosa. A proximidade é ao mesmo tempo originária e histórica. Da proximidade original do nascer surge a proximidade histórica: o ser humano nasce fraco e indefeso e depende dos outros, de sua atenção, dos conhecimentos, dos produtos. Assim é que pouco a pouco o ser humano vai sendo parte de um povo, de uma cultura, tem um mundo. É no calor da proximidade que o mundo se realiza como mundo. É na e pela proximidade que o mundo é o que é, esse mundo.

Foi um pouco disso que pudemos vivenciar com os e as educandas do curso de Pedagogia da Terra, pudemos sentir um pouco pertencente àquele grupo, estar face-a-face com a turma, viver junto.

A serem questionados do porque vieram fazer este curso de Pedagogia da Terra, pudemos notar respostas bem variadas: por ter o sonho de ser professor/a, para poder ajudar o assentamento em que vive, e outros vieram sem saber o porquê é agora que estão descobrindo a importância do curso.

Os e as educandas relataram a todo o momento a grande diferença entre este curso dos cursos de Pedagogia tradicionais, que é estar parte do curso na Universidade (ou em algum espaço formal de educação) no tempo escola e a outra parte no Assentamento, no tempo comunidade. Segundo os e as educandas este é um dos mais importantes diferenciais deste curso, a possibilidade de conciliar a teoria com a prática durante o curso todo e poder levar

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para a comunidade o que aprendem no tempo escola e trazer para o tempo escola as aprendizagens e vivências do tempo comunidade. Como se vê na fala a seguir:

“... a pedagogia da alternância tem trazido né, é uma referencia de primeiro mundo, uma metodologia de primeiro mundo e que tem feito que os estudantes façam esta busca auto-ditata também, que as vezes surpreende os professores em sala de aula, porque os alunos têm elementos de análise da realidade da teoria que aparece no conteúdo das aulas, então isso vem a surpreender, porque a gente ta habituado àquela relação em que o professor fala lá na frente, tem o conhecimento de tudo e o aluno só recebe e de repente os professores chegam acostumados com esta metodologia e se surpreendem porque os alunos acabam fazendo intervenção na sala de aula e questionando, na sua linguagem, na sua forma de fazer, e que tem um conteúdo a fala, que tem um posicionamento e que existe uma concepção por de traz disso então eu acho que isso pro professor é um aprendizado...” (Amélia, 24 anos)

Para eles e elas o maior significado de vir a ser formados Pedagogos/as da Terra é poder construir um espaço de educação com qualidade nos assentamentos, poder contribuir como educadores/as nas escolas dos assentamentos, com escolas que atendam as necessidades dos e das assentados/as, podendo assim ser sujeitos de sua história. Como diz Fiore (1986, p.10) “educação é, pois, processo histórico no qual o homem se re-produz, produzindo seu mundo”. Podemos ver isso na fala de uma das educandas quando ela diz:

“... eu comecei a fazer o curso porque no assentamento não tem escola, então eu quero me capacitar o suficiente para, ter argumento suficiente para abrir uma escola no assentamento, porque eu vejo como a criança está indo numa realidade que não é deles e como isso está influenciando as crianças do meu assentamento...” (Karla, 20 anos)

Colocam como dificuldades para freqüentar o curso o fato de ter que deixar os/as filhos/as nos assentamentos no tempo escola e a falta de condições financeiras, por estes motivos alguns abandonaram o curso, como mostram as falas a seguir:

“... então é difícil, mas a gente está na luta, meu companheiro falou para mim que essa decisão não foi só minha, foi minha, dele e do meu filho e mais o movimento né, que fez esse convite de eu estar, então se eu estou nessa, nesse desafio, nesse desafio quero estar até concluir então, difícil é, mas a gente está na luta, não pode desanimar, na luta do povo ninguém desanima...” (Daniela, 33 anos)

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“... e lá fora, eu chego lá e aí o que é pior eu tenho que lidar no dia, arranjar um tutu para vir para cá...” (Solange, 31 anos)

Como é um curso onde estão presentes quatro movimentos sociais diferentes (MST, Feraesp, Omaquesp e FAF) os e as educandas também pautaram algumas dificuldades na convivência e de aceitação da cultura e costume de cada um, mas, também ressaltaram muitos aprendizados entre ambos e, disseram que ao estarem abertos um para o outro, os movimentos aprenderam e ensinaram muito. As falas abaixo dizem sobre isso:

“... a questão da convivência, a gente lembra da história dos porquinhos, no frio mesmo, para sobreviver, os porquinhos tinham que viver juntinhos, mas juntinhos iam furando né, uns acertando aos outros, com o frio lascado tinham que se unir para se aquecer, mas os espinhos furavam, então a nossa convivência no início foi juntar mesmo dos quatro movimentos, num pequeno espaço, num espaço da grande esperança, do grande sonho, que tem tantas expectativas, tantos sonhos que desemboca ali, sem muita preparação do que a gente ia enfrentar e os sonhos dos porquinhos foi um período para se afastar um pouco, se distanciar, e depois de sentir muito frio, neste sentir muito frio eles decidiram, olha, já que nós não podemos ficar unidos por conta dos espinhos, mas que a gente fiquei pelo menos próximo e não saia, consiga se unir, um pouco de longe, não precisa ficar muito perto para evitar os espinhos, mas essa convivência precisa se dar na questão do respeito, questão do respeito e poder dialogar agora já pode, no começo lá nem se tinha muito não...” (Mariana, 55 anos)

Em relação aos processos de ensino e de aprendizagem, os e as educandas destacaram que a todo o momento estão aprendendo e ensinando, seja na sala de aula, seja no alojamento ou em outros espaços educativos, disseram que estes processos educativos se dão entre eles e entre eles/as e os/as educadores/as. Ressaltaram que aprenderam muito durante as aulas e que acreditam que os e as educadoras também aprendem com eles/as, pois, ao conhecer a realidade deles/as podem conhecer outras formas de viver, outras culturas e assim passam a respeitar.

“... acho que é boa a nossa turma e eu acho interessante porque eu não aprendo só com os professores, os alunos, mesmo os amigos, passam muita informação as vezes num debate assim, acho interessante essa relação, fica debatendo em sala de aula...” (Ivana 22 anos)

O ato de educar e educar-se permeia todo o tempo os e as educandas do curso. Os/ mesmos/as estão em processo de aprendizado dentro e fora da sala de aula, com

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professores/as, com as crianças, com outros/as estudantes. Para conviver entre pessoas diferentes é preciso que você se eduque para aceitar as diferenças e aprender com elas. Neste sentido o curso em questão tem este diferencial, apesar de serem estudantes advindos de várias cidades do Estado de São Paulo, vários assentamentos/ acampamentos distintos, eles e elas conseguem reconhecer estas diferenças e aprender com elas, a partir da convivência.

“Educar-se é um ato em que cada um constrói a si mesmo, juntamente com aqueles com que convive, ao assumirem os destinos dos grupos, da comunidade a que pertencem”. (SILVA et al. 2008, p.15 )

Os e as educandas destacam aprendizagens que vão desde a troca de experiências com os/as educadores, entre os movimentos sociais, e, em especial entre a turma. Na fala a seguir podemos perceber o que dizem sobre a aprendizagem entre os movimentos:

“... e uma aprendizagem de movimento pra movimento também, por exemplo, o MST tem uma característica do movimento dele, a OMAQUESP tem uma característica, então aqui nós estamos aprendendo o que o MST tem e eles aprendem com nós, com a Feraesp, com a FAF. Cada movimento tem sua característica e nós aqui estamos sempre aprendendo uns com os outros...” (Selma, 36 anos)

Também é importante destacar aqui a fala de uma educanda que diz existir no curso vários espaços de aprendizagem que não o da sala de aula, que não o transmitido pelos/as educadores:

“... todos os momentos são formativos, e os professores, muitas vezes, não percebem isso né, eles não percebem isso porque eles estão preocupados em aplicar a disciplina e fazer a parte deles lá né, e talvez isso eles não percebam entre nós, se alguns deles percebem, essa coisa da gente fazer tarefa juntos, ou organizar alguma coisa junto, fazer uma noite cultural, talvez eles não percebam que a gente também faz esse tipo de coisa, não é só a disciplina, não é só estudar os textos, mas a gente tem outras coisas que a gente faz, se eles perceberem e valorizarem, ver como um aprendizado eu acho que é legal...” (Marina, 55 anos)

A tarefa destes e destas educadas é mais que meramente estudar, é uma tarefa política, que exige determinação e desvelar o mundo diariamente, cortar arames diários. É enfrentando muitas dificuldades que estes e estas educandas ainda conseguem estar neste curso, lutando a cada dia para mudar essa sociedade capitalista que não os serve.

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Tecendo algumas considerações

A presente pesquisa procurou dissertar o curso de formação de professores/as da UFSCar, Pedagogia da Terra, que, além de ter a meta de formar educadores/as que possam estar aptos a assumirem salas de aulas nas cidades, mas também, que estejam capacitados e encorajados a assumirem o desafio de estarem atuando junto aos assentamentos/ acampamentos que os e as mesmas vieram, que tenham formação que os/as possibilitem contribuir para a educação dos mesmos.

O regime de alternância tem sido um diferencial e um dos responsáveis por uma aproximação positiva da teoria com a prática. Os e as educandas têm a possibilidade de voltar à sua comunidade e poder compreender com mais facilidade o que estudaram durante o tempo escola e, também ao contrário, quando voltam para o tempo escola, trazem para a sala de aula, para a convivência a troca de experiências e saberes acumulados em seus assentamentos/ acampamentos.

Apontamos também como uma característica importante desta turma a de fazer com que a convivência entre 4 movimentos sociais diferentes para além das discordâncias traga a cada dia aprendizados novos que só venham a somar aprendizados com a turma, com curso. No conhecer o outro, os movimentos começam a se respeitar, a entender que a luta é de todos e todas e é comum a todos e todas, pois, é uma luta por melhores condições de educação no campo, é juntos que eles e elas neste curso têm a cada dia buscado se superar e compreender a importância de juntar forças, somar as energias para poderem obter um resultado comum a todos/as.

O curso busca uma formação que vá além dos saberes de sala de aula, que vá além dos conteúdos ensinados pelos/as professores/as a estes educandos/as, mas, que todos e todas juntas possam construir um curso de formação voltado para a classe popular, voltado para as comunidades assentadas, para as pessoas do campo. É neste sentido que o título traz “a intencionalidades na formação de educadores/as”, pois, os cursos voltados para a formação de pedagogos/as da terra apontam como principal objetivo formar educadores/as com uma visão alargada de educação e de pedagogia. Esta visão que a vincula aos processos de formação do ser humano e que permite aos/as educandos/as alargar também sua tarefa, seu horizonte, suas perguntas, complexificando e tornando ainda mais fascinante o desafio de sua formação.

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REFERÊNCIAS

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