• Nenhum resultado encontrado

Data do documento 13 de abril de 2021

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Data do documento 13 de abril de 2021"

Copied!
23
0
0

Texto

(1)

Processo 2937/17.9T8STS.P1 Data do documento 13 de abril de 2021 Relator Lina Baptista

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Contrato de empreitada > Desistência > Promessa de cumprimento > Caducidade

SUMÁRIO

I - Tendo as partes celebrado um contrato de empreitada, contendo por objeto um vestido de noiva que ia ser confecionado à medida e personalizado à escolha da Autora, mediante um preço fixado pela Ré, e tendo a Autora desistido de ficar com o vestido, o contrato extinguiu-se, com perda do montante já pago a título de preço.

II - Tendo a Ré, por política de cortesia da empresa, emitido, em momento posterior, um documento a titular um crédito pelo valor de € 3.500,00 (valor que a Autora havia pago), estamos em face de um negócio jurídico unilateral, configurável como uma promessa de cumprimento (artigo 458.º do CC).

III - Tratando-se de uma mera declaração de vontade unilateral, a Ré tinha inteira liberdade de modelação do conteúdo da mesma, designadamente definindo que esse crédito teria que ser utilizado exclusivamente pela Autora e fixando um prazo de validade de um ano.

IV – Não tendo a Autora usufruído desse crédito no período de tempo delimitado de um ano o direito que lhe foi concedido caducou.

TEXTO INTEGRAL

Processo n.º 2937/17.9T8STS.P1

Comarca: [Juízo Local Cível de Santo Tirso (J1), Comarca do Porto]

Relatora: Lina Castro Baptista Adjunta: Alexandra Pelayo

Adjunto: Fernando Vilares Ferreira *

(2)

……… ……… ………

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

B…, residente na Rua …, n.º …, 4.º DF, Porto, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “C…, UNIPESSOAL, LDA.”, sociedade com sede na Rua …, n.º …., 1.º andar, Sala .., Trofa, pedindo que seja declarada válida e eficaz a declaração de resolução realizada por si, com efeitos a partir da data aí fixada e, consequentemente. que a Ré seja condenada a restituir-lhe a quantia de € 3 500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescida dos respectivos juros legais, contados desde a data de resolução do contrato em questão, até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante que o Tribunal julgue justo, com recurso a critérios equitativos, mas nunca inferior ao montante de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), atendendo à gravidade dos danos sofridos.

Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sem contudo conceber ou conceder, que a Ré seja condenada a restituir-lhe, a titulo de enriquecimento sem causa do montante de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescidos dos respectivos juros legais, contados desde a data de resolução do contrato em questão, até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante que o Tribunal julgue justo, com recurso a critérios equitativos, mas nunca inferior ao montante de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), atendendo à gravidade dos danos sofridos.

Alega, em síntese, que, tendo em conta o objecto social da Ré de confecção de vestuário por medida e o comércio a retalho de vestuário para adultos, a contratou, em Fevereiro de 2016, para lhe confeccionar um vestido de noiva à medida, personalizado a seu gosto.

Afirma que, nessa ocasião, ficou escolhido, em traços gerais, o formato do vestido, tendo sido acordado com a criadora D… que os restantes pormenores seriam elaborados “no seu próprio corpo” na ocasião da primeira prova.

Expõe que, na mesma ocasião, lhe foi transmitido que o preço do pretendido vestido rondaria o valor de € 3 900,00/€ 4.000,00, mas que se fosse pago de imediato tal montante fixar-se-ia em € 3.500,00 – o que a motivou a liquidar, desde logo, o referido montante de € 3.500,00.

Diz que a primeira prova do vestido ficou agendada para o dia 15/04/16, mas que, devido ao falecimento de um familiar seu, comunicou à Ré a necessidade de adiar.

Mais alega que, em Maio de 2016, esta e o seu então noivo terminaram a relação e, consequentemente, desmarcaram o respectivo casamento.

Afirma que, por força deste acontecimento, contactou a D…, no sentido de alcançarem uma solução equitativa para ambas as partes, tendo logrado obter cum consenso, que se materializou na emissão de

(3)

uma nota de crédito do valor liquidado, que poderia ser utilizada na aquisição de artigos de vestuário vendidos no estabelecimento comercial da Ré.

Acrescenta que ficou, desde logo, estipulado que, caso ela conhecesse alguém que pretendesse adquirir qualquer vestido ou peça de vestuário de alta-costura, poderia fazê-lo com recurso à referida nota de crédito, desde que esta autorizasse e confirmasse a respectiva amortização do valor das peças escolhidas. Bem como que esta estipulação foi determinante na aceitação do acordo, uma vez que as peças de vestuário confeccionadas e vendidas pela Ré são todas elas peças de alta-costura e não usadas por si no seu dia-a-dia.

Alega sequencialmente que, em Março de 2017, uma das suas conhecidas – E… – mostrou interesse e disponibilidade em utilizar a referida nota de crédito, tendo-se deslocado ao estabelecimento da Ré, onde escolheu dois vestidos e uma blusa, com um custo global de cerca de € 2.300,00.

Declara que, tendo-se deslocado ao estabelecimento da Ré, na companhia da indicada E…, em Abril de 2017, com o intuito de utilizar a nota de crédito referida, nos termos supra mencionados, a D… não permitiu tal utilização nem tão pouco a escolha de outras peças de roupa.

Relata que este comportamento da Ré a motivou a enviar-lhe, em 08/05/17, uma missiva a comunicar que, face à recusa de cumprimento da sua obrigação e consequente incumprimento definitivo da mesma, o contrato celebrado deveria considerar-se resolvido e a Ré deveria devolver-lhe o montante em questão no prazo de 08 dias.

Alega também que a actuação da Ré a fez incorrer numa situação de desespero, angústia e profunda tristeza, estado de espírito que se estendeu, inclusivamente, ao desempenho da sua actividade profissional.

Defende que a Ré, com o comportamento descrito, manifestou, de forma clara e definitiva, não querer cumprir com a obrigação que lhe incumbia, o que motivou a resolução do contrato em questão.

Supletivamente defende que a Ré, com a recusa da entrega das peças de vestuário, bem como com a recusa de devolver o montante pago por si, usou e fruiu deste valor, vendo integrado na sua esfera jurídica patrimonial, sem qualquer causa justificativa, o valor global de € 3.500,00.

A Ré veio contestar, aceitando ter aceitado a incumbência de confeccionar um vestido de noiva à medida para a Ré e impugnando a essencialidade da demais matéria de facto alegada na Petição.

Contrapõe - com particular relevo – que ficou acordado que a Autora entregaria para efeitos de entrada do pagamento do preço do vestido a quantia de € 3.500,00, sem prejuízo de um acerto final.

Afirma que quando a Autora desmarcou a primeira prova o vestido estava quase terminado, somente faltando os ajustes ao corpo da noiva.

Declara ter emitido a nota de crédito à Autora referida apenas por política de cortesia da empresa, a qual não era transmissível.

Conclui pedindo que a presente acção seja considerada totalmente improcedente, com a sua absolvição do pedido.

Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual se proferiu despacho saneador e se agendou a audiência de julgamento.

(4)

supra referido, julga-se totalmente improcedente a presente acção, por não provada e absolve-se a Ré do pedido.”

Inconformada com a sentença, a Autora interpôs o presente recurso, pedindo a revogação da sentença, com a consequente procedência da acção nos termos peticionados, terminando com as seguintes

CONCLUSÕES:

1) Não se conforma a Recorrente com a sentença proferida nestes autos que decidiu: Face ao supra referido, julga-se totalmente improcedente a presente acção, por não provada e absolve-se a Ré do pedido. 2) A sentença em crise está inquinada por sucessivos erros de julgamento (de facto e de direito).

3) O presente recurso incidirá sobre os seguintes aspectos: (i) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; (ii) Nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto; (iii) impugnação da matéria de facto; (iv) impugnação da matéria de direito aplicado ao caso sub judice;

4) A Recorrente formulou um pedido subsidiário, no final da sua petição inicial, nos termos do artigo 554.º, n.º1, do CPC, que importava a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa.

5) Na sentença em crise, consta do ponto 5. das questões a decidir, a verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa da Recorrida.

6) Dispõem os artigos 607.º, n.º 2 e o artigo 608.º, n.º 2, do CPC que a sentença deve enunciar as questões a solucionar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação.

7) Sucede que, a sentença em crise omite a apreciação e decisão de tal pedido subsidiário, o que estas normas impunham que fosse feito.

8) Razão pela qual, a sentença em crise é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC visto que não se pronunciou sobre uma questão que tinha de apreciar (pedido subsidiário apresentado pela Recorrente), nulidade que aqui se invoca.

9) SEM PRESCINDIR: (ii) A sentença em crise indicou como provados 49 factos e não provados 3 factos, sendo que na parte da sentença que deveria ser dedicada ao dever de fundamentação da matéria de facto (cfr. artigos 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, 205.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa) não são indicados quais os meios probatórios que serviram para dar como provados os 49 factos e não provados os 3 factos.

10) Não foi analisado um único depoimento, nem o conteúdo de um único documento (tendo sido, isso sim, omitido um email junto pela Recorrente na audiência prévia, conforme adiante se referirá).

11) Como também não foi considerada a confissão da Recorrida (conforme adiante se demonstrará). 12) A fundamentação da matéria de facto inclui, por imposição legal, a indicação dos factos provados e não provados, a fundamentação dos factos provados por acordo, documento e confissão, a análise crítica das provas, sendo neste momento que o tribunal justifica, com recurso à prova produzida, o motivo pelo qual deu como provados certos factos e não provados outros.

13) Com esta exigência de fundamentação pretende-se que o tribunal explique o processo de formação da sua convicção, dando a conhecer o percurso lógico e racional que efectuou em sede de apreciação e valoração da prova, de forma a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam porque o tribunal deu como provados certos factos e não provados outros, com referência à prova produzida e considerada pelo tribunal.

(5)

14) O que não ocorre com a sentença em crise.

15) Motivo pelo qual há uma total omissão (e não “somente” uma deficiente fundamentação), o que integra a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, que aqui se invoca.

16) SEM PRESCINDIR: iii) Como nota prévia à parte da impugnação da matéria de facto, sempre se referirá que o Tribunal a quo tratou diferentemente as partes, em violação dos artigos 4.º e 516.º, n.º3, do CPC, aquando dos seus depoimentos.

17) Tendo permitido que o mandatário da Recorrida perguntasse o que quisesse, da forma que quisesse, e as vezes que entendesse (cfr. depoimento da Recorrente entre os minutos 00:05:42 a 00:05:59; 00:37:04 a 00:37:17; 00:53:19 a 00:54:00; 00:59:55 a 01:27:50); aquando do depoimento da Recorrida, retirou logo no início a instância ao mandatário da Recorrente e ofereceu sucessivas ajudas e respostas à Recorrida, em sua substituição, solicitando a sua confirmação, ou seja, fazendo o tribunal as proibidas perguntas sugestivas (cfr. depoimento da Recorrida entre os minutos 00:24:13 a 00:44:36).

18) Como segunda nota prévia, é importante sublinhar os “alertas” dados pelo mandatário da Recorrida à Recorrente, durante o seu depoimento, acerca do que as testemunhas arroladas pela Recorrida iriam atestar em julgamento (15 dias depois).

19) Conforme consta do depoimento da Recorrente, entre os minutos 00:30:58 a 00:32:28; 00:33:04 a 00:33:07; 00:53:42 a 00:54:33;

20) Posto isto, indicam-se, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, os pontos 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 32, 33, 34, 36, 38 e 43 dos factos provados, e os pontos 1, 2 e 3 dos factos não provados como sendo os concretos pontos de facto que a Recorrente consideram incorrectamente julgados.

21) Refira-se, como ponto prévio a este segmento do recurso, que os factos 22 a 24 não deviam estar incluídos na matéria de facto, por serem juízos conclusivos, visto que não é facto referir que: “o vestido já estava, como sempre estão, os vestidos para a primeira prova, quase terminado”, nem que “somente faltavam fazer os ajustes ao corpo da noiva”, e nem que “o vestido da noiva estava pronto a vestir para a prova”.

22) É tudo conclusivo e genérico, desprovido do que são factos (que aliás não foram alegados na contestação quanto a essa matéria).

23) Como é conclusivo o facto 38, segunda parte, que é, aliás, decalcado ipsis verbis do artigo 70.º da contestação, sendo desprovido de um único facto.

24) Nos factos provados 25, 33, 36 e 38 é usada a expressão “nota de crédito” que é, precisamente, o cerne desta discussão: saber qual o enquadramento legal a dar a essa declaração da Recorrida, materializada na carta junta como documento n.º 2 com a petição inicial.

25) Por isso, tal expressão terá de ser retirada da matéria de facto.

26) O mesmo sucedendo com a expressão “cortesia” (constante dos factos 25 e 36), por ser também juízo conclusivo.

27) Os meios de prova que implicariam a prolação de decisão em sentido inverso e que aqui se deixam consignados nos termos do artigo 640.º, n.º1 alínea b) do Código de Processo Civil, são: (i) confissão da Ré/Recorrida; (ii) email junto pela Recorrente na audiência prévia; (iii)declarações/depoimento de parte da

(6)

Recorrente – cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio com início em 00:00:00 e termo em 01:33:53 – depoimento da testemunha F… - cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio com início em 00:00:00 e termo em 00:27:02 – depoimento da testemunha G… - cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio com início em 00:00:00 e termo em 00:08:54 – depoimento da testemunha H… - cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio com início em 00:00:00 e termo em 00:10:32 – declarações de parte da Recorrida - que ficaram gravadas no sistema Habilus Média Studio com início em 00:00:00 e termo em 00:45:52 –depoimento da testemunha I… – cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio com início em 00:00:00 e termo em 00:17:16 - cuja indicação exacta das passagens da gravação segue infra, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC;

28) (i) da confissão da Ré/Recorrida: Resulta da acta da audiência de discussão e julgamento realizada a 7.2.2020 que em sede de declarações de parte a Ré “declarou que foi contactada por uma suposta amiga da Autora, no sentido de mediar o conflito entre ambas e, em consequência, foi emitida a carta constante dos autos”.

29) Sendo que a Recorrida, em sede de declarações de parte, confessou que a conhecida da Recorrente (de seu nome E…) apresentou-se como representante desta quanto a este assunto (tudo conforme as passagens deste depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os minutos 00:29:39 a 00:31:31).

30) A confissão em juízo é um meio probatório dotado de força probatória plena (artigos 355.º, n.º 1 e 2, 358.º, n.º 1, ambos do Código Civil e 463.º, n.º1 e 607.º, n.º 5 do CPC), pelo que o facto não provado 1 devia ter sido dado como provado, e os factos provados 25, 26, 33 e 36 como não provados.

31) Sendo que o facto não provado 1 devia ter sido dado como provado com a seguinte redacção: Foi celebrado um contrato entre Autora (representada por E…) e Ré, através do qual a Ré se obrigou-se perante a Autora a entregar-lhe peças de vestuário, por si comercializadas e que a Autora indicasse, até ao limite do valor de 3.500€.

32) (ii) O email junto pela Recorrente na audiência prévia atesta, igualmente, que o acordo materializado na emissão da “nota de crédito” foi conseguido por essa conhecida da Recorrente, em nome e a pedido desta.

33) (iii) Por outro lado, o depoimento da Recorrente (conforme as passagens deste depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os minutos 00:58:52 a 00:59:52 e 01:21:58 a 1:27:40 e de F… (conforme as passagens deste depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os minutos 00:01:44 a 00:09:55) demonstram que a Recorrente dirigiu-se ao “atelier” da Recorrida para escolher peças de vestuário, conforme “nota de crédito” emitida, e que tal foi recusado peremptoriamente pela funcionária lá presente (que não era a “D. G…”, conforme ficou demonstrado) por instruções da Recorrida. 34) Acresce que do depoimento de G… (conforme as passagens deste depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os minutos 00:00:25 a 00:08:22) resultou que este é desprovido de credibilidade, na medida em que afirmou que atendeu a Recorrente no episódio referido na conclusão antecedente, tendo, contudo, dito que trabalhou seis meses para a Recorrida (entre dezembro de 2015 e Junho de 2016) e esse episódio ocorreu em Abril de 2017).

(7)

35) E, por consequência, o depoimento da testemunha H… é desprovido de credibilidade, visto que refere que foi esta ex-funcionária a atender a Recorrente quando esta se dirigiu ao “atelier” da Recorrida com vista a usar a “nota de crédito” em questão (conforme as passagens deste depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os minutos 00:01:17 a 00:02:37).

36) Acontece que, o depoimento da Recorrida também é desprovido de qualquer credibilidade, visto que se contradiz com o da testemunha G…, quanto ao facto desta testemunha ter estado presente quando a Recorrente se dirigiu ao “atelier” para lhe ser mostrado o vestido de noiva em questão, e com o da testemunha I…, no que ao estado do vestido concerne.

37) A primeira contradição encontra-se nas passagens destes depoimentos gravados no sistema Habilus Média Studio entre os minutos 00:11.26 a 00:15:29 (do depoimento da Recorrida) e entre os minutos 00:01:53 a 00:02:11 (do depoimento da testemunha G…).

38) A segunda contradição encontra-se nas passagens desses depoimentos gravados no sistema Habilus Média Studio entre os minutos 00:08:04 a 00:08:29 (depoimento da Recorrida) e entre os minutos 00:11:13 a 00:11:28 do depoimento da testemunha I…).

39) Relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente, em consequência da conduta da Recorrida, o depoimento da Recorrente (conforme as passagens deste depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os minutos 00:21:23 a 00:24:55, 00:28:34 a 00:30:31, 01:06:15 a 01:09:01 e 01:09:08 a 01:14:39 descrevem-nos de forma escorreita, espontânea e de acordo com as regras da experiência comum.

40) Tendo esclarecido todas as questões formuladas pelos mandatários e pelo Tribunal, não escamoteando qualquer questão, merecendo, pois, total credibilidade.

41) Ao que acresce o facto de tais sentimentos só pela Recorrente foram sentidos, pelo que só ela poderia descrevê-los e explicá-los.

42) Face à confissão da Recorrida, à prova testemunhal e documental indicada deveriam ter sido dados como não provados os factos 25, 26, 33, 36, 43.

43) Como também os factos 28, 32 e 34 deveriam ser dados como não provados, o primeiro por ser irrelevante para o que aqui se discute, e os outros dois por não ter sido produzida prova quanto aos mesmos.

44) E dados como provados os factos 1 a 3 dos não provados.

45) E devem ser eliminados da matéria de facto os “factos” 22, 23, 24 e 38, segunda parte, por constituírem matéria conclusiva, ou caso assim não se entenda, ser os mesmos julgados não provados. 46) O que, ao abrigo do artigo 662.º n.º 1 e 2 do CPC, deverá ocorrer.

47) Do Direito: o tribunal a quo errou na determinação das normas aplicáveis ao caso.

48) Isto porque, não são aplicáveis as normas relativas ao contrato de empreitada, visto que, face à emissão da “nota de crédito”, foi celebrado entre as partes um novo contrato, que revogou o anterior, através do qual a Recorrida se obrigou a permitir à Recorrente a escolha e pagamento, com recurso a essa “nota de crédito”, de peças de vestuário das que a Recorrida vende, até ao limite de 3.500€ (tudo cfr. os artigos 405.º n.º 1 e 406.º n.º 1 do C.C).

(8)

Recorrente) que a pedido e em nome da Recorrente logrou obter este novo contrato junto da Recorrida. 50) O sentido que a expressão “para si” tem, para o declaratário normal (cfr. artigos 236.º, n.º1 e 238.º, n.º1, do C.C), é o de que só a Recorrente poderia recorrer ao pagamento de peças de vestuário mediante o uso dessa “nota de crédito”. Não poderia entregar essa “nota de crédito” a uma terceira pessoa, para que esta usasse esse documento para pagamento.

51) E, de certo modo, é isso mesmo que a Recorrida confessa nos artigos 46.º, 68.º, 70.º e 72.º da contestação.

52) De todo o modo, sempre seria impensável, irrealista e contra legis impor a condição (que a Recorrida quis convencer o Tribunal) que essa expressão significava que as peças escolhidas tinham de ser para uso obrigatório e exclusivo da Recorrente.

53) E, nunca a Recorrida poderia impor essa condição, por o artigo 280.º do C.C não o permitir e porque tal viola o princípio da boa fé (cfr. artigo 762.º, n.º 2 do C.C) e o conteúdo do direito de propriedade sobre as peças de vestuário escolhidas pela Recorrente, que não é limitado pela vontade da Recorrida, sendo que esta ao emitir a “nota de crédito” não poderia, pelas razões expostas, impor a utilização ou finalidade que a Recorrente iria fazer delas (até porque tal nem é controlável).

54) De todo o modo, conforme ficou demonstrado a Recorrente quis escolher peças de vestuário, algo que foi recusado pela funcionária presente no “atelier” da Recorrida, por indicações desta, pelo que ocorreu uma declaração categórica de recusa antecipada de cumprimento da obrigação a que a Recorrida estava adstrita.

55) Donde, tal é fundamento de resolução do contrato pela Recorrente (conforme ocorreu).

56) Sendo que a resolução opera por mera declaração unilateral dirigida à contraparte, de acordo com os artigos 432.º, n.º 1 e 436.º, n.º1, do C.C, o que ocorreu conforme ficou demonstrado.

57) A resolução tem efeito retroactivo e equipara-se, quanto aos seus efeitos, à declaração de nulidade e anulabilidade do negócio jurídico (cfr. artigos 433.º e 434.º n.º 1 do C.C).

58) Motivo pelo qual, a Recorrida tem de restituir o que recebeu da Recorrente (3.500€), de acordo com o disposto no artigo 289.º, n.º 1, do C.C, acrescido dos juros de mora peticionados.

59) Quanto aos danos não patrimoniais, ficou demonstrado o incumprimento da obrigação pela Recorrida, e a ilicitude do mesmo, visto que violou o direito de crédito da Recorrente, sem nada que o justificasse ou legitimasse.

60) Também se verifica a culpa da Recorrida (que, aliás, se presume cfr. artigo 799.º, n.º 1, do C.C).

61) Os danos não patrimoniais da Recorrente também se verificaram – tristeza, humilhação, frustração – e os mesmos não se teriam verificado não fosse o comportamento, já descrito, da Recorrida.

62) A ressarcibilidade destes danos está prevista no artigo 496.º do C.C e revestem uma gravidade que reclama a tutela do Direito.

63) Atendendo ao lapso temporal decorrido (cerca de 4 anos), o modo de execução do comportamento da Recorrida e o grau de culpa (elevadíssimo) desta, elevam a gravidade e as consequências de tais danos, pelo que o montante de 4.500€ se afigura justo e equitativo (cfr. artigo 496.º n.º 4 e 494 do C.C).

64) Ao ter decidido como decidiu, a sentença em crise violou as normas previstas nos artigos 355.º, n.º 1 e 2, 358.º, n.º 1, do C.C e 463.º, n.º 1 e 607.º n.º 5 do CPC.

(9)

65) As normas jurídicas que, no nosso entendimento, deveriam ter sido aplicadas ao caso são as constantes nos artigos 236.º, n.º 1, 238.º, n.º1, 258.º, 262.º, 289.º, n.º1 432.º, n.º 1, 434.º, n.º1, 436.º, n.º1, 494.º, 496.º, n.º1 e 4, 798.º, 799.º, n.º1, 800.º, n.º1 e 801.º, do C.C.

A Ré veio apresentar contra-alegações, pedindo que seja negado provimento ao recurso interposto.

O presente recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

*

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:

• Nulidade da sentença por omissão de pronúncia e/ou por falta de fundamentação da matéria de facto; • Modificação da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas e

• Reapreciação da fundamentação de direito. *

III – NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA E/OU POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A Recorrente começa por invocar ter formulado um pedido subsidiário, no final da sua Petição Inicial, que importava a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa.

Entende que, tendo a sentença em crise omitido a apreciação e decisão de tal pedido subsidiário, a mesma é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CP Civil, visto que não se pronunciou sobre uma questão que tinha de apreciar.

A Recorrida contrapõe, nas respectivas contra-alegações, que não ocorre esta nulidade da sentença, por que o tribunal não tem que conhecer das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Decorre do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CP Civil que a sentença é nula – entre o mais – quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Tratam-se – como os demais - de vícios de natureza formal e não substancial.

Com efeito, decorre do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CP Civil que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).”

(10)

devem considerar-se “questões” para este efeito “os temas alegados pelas partes que constituem, de forma directa e imediata, dados integradores dos elementos constitutivos ou impeditivos dos direitos cuja tutela é procurada pelas partes na instância, na lógica e na perspectiva dos pedidos.”[2]

Em decorrência, devem apreciar-se todas as questões submetidas ao conhecimento do Tribunal e, por contraponto, apenas se podem conhecer as questões suscitadas legal e processualmente, exceptuando obviamente aquelas que fiquem prejudicadas pela apreciação das decisões antecedentes.

É precisamente uma situação com estes contornos a que se verifica na sentença em recurso: entendeu-se que, tendo sido celebrado um contrato de empreitada entre as partes e tendo a Autora desistido de ficar com o vestido de noiva, são aplicáveis os efeitos previstos no art.º 1229.º do Código Civil[3], perdendo esta o montante já pago.

Conclui-se, consequentemente, que a Ré não tinha que dar qualquer quantia à Autora.

O enriquecimento sem causa tem um campo de aplicação subsidiário e restrito, para os casos em que alguém, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem (cf. art.º 473.º do C Civil).

Constituem seus requisitos o enriquecimento, o empobrecimento, o nexo causal entre um e outro e a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada.

Vincando este carácter subsidiário, o art.º 474.º do C Civil prescreve que “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”

Tendo ficado decidido na sentença que a Ré não tinha que dar qualquer quantia à Autora, em virtude da sua desistência da receber a obra encomendada, ficou prejudicada a apreciação do indicado pedido subsidiário, tal como enunciado neste art.º 474.º do C Civil.

Improcede, portanto, a nulidade de omissão de pronúncia. *

Mais invoca a Recorrente que na sentença não são indicados quais os meios probatórios que serviram para como provados os 49 factos e não provados os 3 factos.

Especifica que não foi analisado um único depoimento, nem o conteúdo de um único documento, como também não foi considerada a confissão da Recorrida.

Defende que, havendo uma total omissão (e não “somente” uma deficiente fundamentação), ocorre a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CP Civil.

Respondeu a Recorrida que os meios probatórios que serviram para dar os factos dados como provados foram devidamente analisados e valorados.

Decorre do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea b), do CP Civil invocado que a sentença é nula – entre o mais – quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Trata-se – uma vez mais - de um vício de natureza formal e não substancial.

Por isso, a doutrina e a jurisprudência têm decidido de forma reiterada e unânime que a falta de fundamentação só existe no caso de se verificar uma absoluta e total falta de fundamentação, quer ao nível do quadro factual apurado quer no que respeita ao respectivo enquadramento legal.

(11)

padecer de vários vícios, mas não será, por esta via, nula.

Explica Antunes Varela[5] que o dever de fundamentação das decisões judiciais, decorrente do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa e em geral do art.º 154.º do CP Civil, encontra a sua justificação na necessidade de persuadir as partes “da legalidade da solução encontrada” e de “convencer aquela que perdeu da sua falta de razão em face do Direito”, e bem assim proporcionar à parte que perdeu o conhecimento dos fundamentos em que o julgador baseou a sua decisão, para que, pretendendo impugná-la, o possa fazer “com conhecimento de causa”.

Especificamente para as sentenças, o art.º 607.º, n.º 4, determina que o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. No caso em apreço, o tribunal recorrido elencou os documentos juntos aos autos em que estribou a sua convicção, dando realce às passagens dos mesmos que reputou de particularmente relevantes.

Referiu ter relevado para a formação da sua convicção o depoimento de parte da Autora, na parte que resultou a confissão dos factos consignados em Acta.

Analisou a prova testemunhal produzida, referindo as passagens dos respectivos depoimentos de cada uma das testemunhas que entendeu relevantes para a decisão da matéria de facto e aludiu igualmente à parte do depoimento da testemunha J… que considerou não ter credibilidade, justificando tal conclusão.

Finalmente, fez consignar que os factos não provados derivaram da ausência de prova no sentido dos mesmos.

É, pois, manifesto que a fundamentação da matéria de facto contém a análise crítica das provas, justificando, com recurso aos meios de prova produzidos, o motivo por que deu como provados certos factos e não provados outros, nos termos prescritos nos art.º 154.º e 607.º, n.º 4, do CP Civil.

Conclui-se, por inerência, que a sentença não padece do invocado vício de falta de fundamentação. *

IV – MODIFICAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A Relação pode e deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (cf. art.º 662.º do CP Civil).

Em concreto, a Recorrente pede a reapreciação dos Itens 22, 23, 24, 25, 26, 28, 32, 33, 34, 36, 38 e 43 dos Factos Provados e dos Itens 1, 2 e 3 dos Factos não provados.

Contrapôs a Recorrida que a Recorrente usa apenas excertos de testemunhos para tentar inebriar a verdade dos factos.

A Recorrente começa por sustentar que parte dos factos incluídos no elenco dos Factos Provados devem ser daí retirados por serem juízos conclusivos.

É incontestável que os factos conclusivos, irrelevantes ou de direito não devem ser considerados provados ou não provados, devendo, ao invés, ser desconsiderados na fundamentação de facto.

(12)

merecer uma pronúncia por parte do tribunal em termos de ser considerada provada ou não provada, mas, ao invés, ser incluída em lista que o tribunal elaborará (após a indicação dos factos não provados e antes de passar à fase da análise crítica da prova) e na qual indicará (através dos artigos onde tal matéria se encontra alegada nos articulados das partes) que a concreta matéria da qual não tomou conhecimento por entender que a mesma era conclusiva, irrelevante ou de direito.”

Concretiza que os factos 22[7], 23[8] e 24[9] não deviam estar incluídos na matéria de facto, por serem juízos conclusivos, visto que não é facto referir que: “o vestido já estava, como sempre estão, os vestidos para a primeira prova, quase terminado”, nem que “somente faltavam fazer os ajustes ao corpo da noiva”, e nem que “o vestido da noiva estava pronto a vestir para a prova”.

No que concerne à factualidade do Item 22 entendemos que a mesma não é conclusiva. Contudo, parte da mesma é absolutamente irrelevante, designadamente ao referir que os vestidos estão sempre quase terminados na altura da segunda prova.

Esta referência em nada releva para a apreciação/decisão da causa e apenas poderia ser atendida para efeitos de formação da convicção do julgador.

Assim, restringe-se a factualidade do Item 22 nos seguintes termos: “Quando a Autora desmarcou a primeira prova o vestido já estava quase terminado.”

Relativamente à factualidade do Item 23 verifica-se uma irregularidade paralela à do Item antecedente, contendo um conjunto de factos irrelevantes para a decisão do pleito, designadamente ao aludir ao comportamento habitual da generalidade das noivas, os quais – da mesma forma – apenas poderiam relevar em sede da formação da convicção do julgador.

Restringe-se, por inerência, a factualidade do Item 23 nos seguintes termos: “Somente faltando os ajustes ao corpo da noiva que são feitos no momento em que está vestido, momento em que a Autora poderia alterar alguns aspectos do vestido e, consequentemente, o preço final.”

Quanto à factualidade do Item 24 a mesma é uma mera repetição da já constante dos Itens 22 e 23, pelo que impõe a sua eliminação.

A Recorrente advoga que o facto 38[10] dos Factos Provados, que é, aliás, decalcado ipsis verbis do artigo 70.º da Contestação, é desprovido de um único facto.

Assiste inteira razão à Recorrente neste ponto: a factualidade do Item em causa começa com uma mera repetição da já constante nos Itens 36 e 37 e finaliza com uma conclusão (ao referir que o desconto efectuado nas peças de roupa era incompatível com a nota de crédito) que não pode manter-se no elenco dos factos provados.

Deve, portanto, eliminar-se este Item dos Factos Provados.

Seguidamente, a Recorrente pretende a retirada da expressão “Nota de crédito” dos Itens 25, 33 e 36, adiantando que este é precisamente, o cerne desta discussão: saber qual o enquadramento legal a dar a essa declaração da Recorrida, materializada na carta junta como documento n.º 2 com a petição inicial. Analisados os autos, verifica-se que as partes estão de acordo em que a Ré, por política de cortesia da empresa, emitiu uma nota de crédito à Autora pelo valor de € 3 500,00 (cf. art.º 23.º e 24.º da Petição e art.º 42.º da Contestação).

(13)

constante de fls. 18 dos autos.

Além disso, não existe outra expressão na língua portuguesa que substitua esta com igual sentido semântico.

Assim, apesar de se tratar de uma expressão com marcada conotação jurídica, entende-se dever manter a mesma nos Itens em causa, acrescentando, para possibilitar a qualificação da mesma no local próprio da fundamentação de direito, que foi esta a expressão utilizada pela Ré e passando a colocar a mesma entre aspas.

Mais pretende a Recorrente a eliminação da expressão “cortesia” dos Itens 25 e 36 por, da mesma forma, entender tratar-se de um juízo conclusivo.

Tal como ficou referido acima, as partes estão de acordo em que a Ré emitiu a tal “Nota de crédito” por cortesia.

A palavra “cortesia”, ao contrário da acima referida, não tem qualquer conotação jurídica, tratando-se de uma expressão corrente, com o significado de gentileza ou graciosidade.

Não vemos, portanto, qualquer motivo atendível para retirar tal expressão dos itens em causa, que se mantém.

Pretende a Recorrente que seja dada como não provada a factualidade dos Itens 25[11], 26[12], 33[13], 36[14] e 43[15] face à confissão da Recorrida, à prova testemunhal e documental produzida.

Também que seja dada como não provada a factualidade dos Itens 28[16], 32[17] e 34[18], o primeiro por ser irrelevante para o que aqui se discute, e os outros dois por não ter sido produzida prova quanto aos mesmos.

Pretende, depois, que passe a dar-se como provada a factualidade do Item 1[19] dos Factos não provados. Sustenta neste sentido que a Ré, em sede de declarações de parte, declarou ter sido contactada por uma suposta amiga da Autora, no sentido de mediar o conflito entre ambas e que, em consequência, foi emitida a carta constante dos autos. Bem como que esta E… se apresentou como representante da Autora quanto a este assunto.

Acrescenta que o email junto pela Recorrente na audiência prévia atesta, igualmente, que o acordo materializado na emissão da “nota de crédito” foi conseguido por essa conhecida da Recorrente, em nome e a pedido desta.

Mais refere que o depoimento da Recorrente demonstra que esta se dirigiu ao “atelier” da Recorrida para escolher peças de vestuário, conforme “nota de crédito” emitida, e que tal foi recusado peremptoriamente pela funcionária lá presente (que não era a “D. G…”, conforme ficou demonstrado) por instruções da Recorrida.

Advoga que o depoimento de G… é desprovido de credibilidade, na medida em que afirmou que atendeu a Recorrente no episódio referido acima tendo, contudo, dito que trabalhou seis meses para a Recorrida (entre dezembro de 2015 e Junho de 2016) e esse episódio ocorreu em Abril de 2017). Bem como que, por consequência, o depoimento da testemunha H… é desprovido de credibilidade, visto que refere que foi esta ex-funcionária a atender a Recorrente quando esta se dirigiu ao “atelier” da Recorrida com vista a usar a “nota de crédito” em questão. Ainda que o depoimento da Recorrida também é desprovido de qualquer credibilidade, visto que se contradiz com o da testemunha G…, quanto ao facto desta testemunha ter

(14)

estado presente quando a Recorrente se dirigiu ao “atelier” para lhe ser mostrado o vestido de noiva em questão, e com o da testemunha I…, no que ao estado do vestido concerne.

Entende que esta confissão e teor do documento justificam que se passe a considerar provada a factualidade do Item 1 dos Factos não provados, com a seguinte redacção: “Foi celebrado um contrato entre Autora (representada por E…) e Ré, através do qual a Ré se obrigou-se perante a Autora a entregar-lhe peças de vestuário, por si comercializadas e que a Autora indicasse, até ao limite do valor de 3.500€”. Bem como que, por inerência, passe a considerar-se não provada a factualidade dos Itens 25, 26, 33 e 36 dos Factos Provados.

Antes de mais, cumpre referir que – reanalisada toda a prova por depoimentos e testemunhas produzida nos autos – não vislumbramos que alguma das partes ou testemunhas tivesse faltado à verdade ou produzido depoimento contraditório com os demais ou com as demais provas carreadas para os autos. Pelo contrário, todas as declarações e depoimentos foram prestados de forma objectiva, clara e credível, sendo que cada um dos depoimento foi corroborado pelos demais e pela prova documental, levando à “construção” de uma versão unitária e consistente dos factos ocorridos, nos precisos termos dados como provados.

Especificamente quanto ao depoimento da testemunha G… não se verificou a contradição suscitada, já que esta afirmou ter sido funcionária da Ré “há mais ou menos 4 anos”, “4 ou 5 anos, mais ou menos” (sic) e durante seis meses. Ou seja, a mesma não soube situar com precisão no tempo os meses em que trabalhou no estabelecimento da Ré (o que é perfeitamente compreensível), mas foi credível ao relatar a situação que vivienciou nesse local com a Autora e com a sua acompanhante E…. Além disso, este seu depoimento foi confirmado, de forma consistente, pela legal representante da Ré e pelo seu companheiro, testemunha H….

Depois, quer a Recorrente, quer a legal representante da Recorrida confirmaram que, na sequência de uma conversa tida entre uma conhecida da Autora (E…) e a representante da Ré, esta última assentiu em emitir uma “Nota de crédito” a permitir a troca do valor pago em roupa. A Autora disse expressamente não ter tido qualquer conversa com a D… sobre esta questão, tendo somente recebido da Ré a comunicação escrita de fls. 18. Também a representante da Ré confirmou apenas ter enviado a carta em causa para a Autora, sem ter tido qualquer conversa prévia com esta.

Por inerência, mantém-se, na íntegra, o teor da factualidade constante dos Itens 25 e 26, devendo, contudo, eliminar-se deste último a referência à comunicação verbal da emissão da “Nota de crédito”, por ser isto o que resultou da prova produzida.

Face ao teor destas mesmas declarações, e principalmente em face do teor do documento de fls. 18 (em especial quanto à expressão “para que possa adquirir na nossa empresa, para si, qualquer outro vestido até 30 de Junho de 2017), entendemos estar cabalmente provada a factualidade constante do Item 36. No entanto, desse Item deverá eliminar-se a matéria conclusiva, que refere que a Ré podia impor as regras que tivesse por oportunas por se tratar de um acto de cortesia, ficando o Item em causa com a seguinte redacção concisa: “A nota de crédito emitida pela Ré foi somente a favor da Autora, por cortesia e não admitindo que a mesma fosse transmissível.”

(15)

tão-só que, na sequência de tal conversa entre a E… e a D…, a Ré assentiu em emitir a referida “Nota de crédito”. Ou seja, não se pode considerar - como a Recorrente pretende – que tenha havido qualquer acordo entre si e a Ré tendo por objecto tal “Nota de crédito.” Indefere-se, portanto, a transição da factualidade do Item 1 para os Factos Provados.

Relativamente à factualidade do Item 43, a própria Autora confessou nunca se ter deslocado às instalações da Ré para escolher qualquer peça de roupa para si. Assim, não se justifica equacionar a alteração de tal factualidade.

Quanto à circunstância aludida no Item 33, de que a E… não fez qualquer menção à Autora ou à “Nota de crédito” dos autos quando foi escolher as peças de roupa para si, a mesma foi cabalmente confirmada pelas testemunhas G… e H… (já acima referidos). Em concreto, a 1.ª testemunha, perguntada a tal respeito, disse “Não falou de nada” (sic) e a 2.ª testemunha disse ter, nesse dia, entabulado conversa de ocasião com esta Senhora e ter acompanhado a mesma, por simpatia, na escolha de algumas peças de roupa. Assegurou que a mesma nunca se referiu à Autora ou a utilização da “Nota de crédito” e que, sendo política da empresa fazer descontos nos preços a clientes com alguma visibilidade, “Foi feita uma atenção no valor das peças” (sic), por a pessoa em causa ser uma figura pública. Acrescentou que, se se tivesse equacionado a hipótese de utilizar a “Nota de crédito”, nunca se teria concedido o desconto.

Entende a Recorrente que a factualidade do Item 28 deve ser eliminada, por ser irrelevante. Afigura-se-nos, em contrário, que se trata de matéria factual relevante por conferir consistência à sucessão de factos dados como provados e, por outro lado, que a mesma foi confessada pela própria Recorrente. Mantém-se, pois, a factualidade em causa.

Quanto à factualidade dos Itens 32 e 34, discordamos que não tenha sido produzida qualquer prova quanto aos mesmos. Com efeito, a mesma foi confirmada pela depoente legal representante da Ré, pela testemunha G… e pela testemunha H…. Mantém-se, portanto, a factualidade em causa.

Pretende finalmente a Recorrente que passe a considerar-se provada a factualidade constante dos Itens 2[20] e 3[21] dos Factos não provados, sustentando que o seu depoimento descreve esta factualidade de forma escorreita, espontânea e de acordo com as regras da experiência comum.

Sendo certo que a Recorrente declarou, no decurso do seu depoimento, que a representante da Ré e as suas funcionárias a maltrataram e a empurraram para fora da loja, é igualmente certo que a representante legal da Ré contrapôs que a Autora foi agressiva e malcriada (nas suas palavras “Ela continuava a disparatar, a disparatar”) e a testemunha G… negou ter actuado pela forma descrita pela Autora. Perante esta incompatibilidade de depoimentos, ficamos com dúvidas sobre quem terá efectivamente tido um comportamento desadequado, restando a solução de se manter a factualidade do Item 3 como não provada.

Por outro lado, entendemos, da mesma forma, que não foi produzida prova segura nos autos de que a inquietação, intolerância e angústia sentidos pela Autora tenham sido provocados pela actuação da Ré. As regras de experiência comum indiciam que este estado depressivo terá sido provocado pelo rompimento do noivado, na sequência de um longo namoro. Não é compreensível a tese da Autora de que o rompimento do noivado foi uma questão que ficou resolvida e que o fundamento dos seus danos morais seja a questão dos presentes autos.

(16)

Tal como se refere na fundamentação de facto da sentença, não é crível que a insensibilidade de um ser humano fosse a tal ponto que o impacto psicológico provocado pelo final de uma relação de 16 anos com a expectativa de casamento fosse inferior à não resolução de uma possível contenda com o vestido de noiva. Reafirma-se, pois, a tese da sentença recorrida, mantendo a factualidade do Item 2 nos Factos não provados.

A conclusão final é, assim, a da parcial procedência deste fundamento de recurso. *

V - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida, com as alterações acima introduzidas:

Factos provados:

1. A Ré tem como objecto social a confecção de vestuário por medida, bem como o comércio a retalho de vestuário para adultos em estabelecimentos especializados.

2. Entre o vestuário por medida confeccionado pela Ré, destacam-se os vestidos de noiva e vestidos de cerimónia.

3. A Autora, que iria casar-se no dia 23/09/2016, e pretendia um vestido de noiva confeccionado à medida, que fosse distinto dos demais existentes no mercado e personalizado ao seu gosto, dirigiu-se ao estabelecimento comercial da Ré, sito na Rua …, ….- 1.0 andar, Sala .., em Novembro de 2015.

4. Tendo sido acompanhada pela sua mãe nessa deslocação. 5. Nessa primeira deslocação foi informada dos modelos existentes.

6. Após alguma ponderação e análise da informação prestada, regressou em Fevereiro de 2016 - também na companhia da sua mãe - ao referido estabelecimento comercial da Ré, altura em que se reuniu, pela primeira vez, com a sócia gerente da Ré, a Exma. Sr. D….

7. A qual é o "rosto" e a criadora de todos os vestidos e peças de vestuário, feitos à medida, pela Ré. 8. Nesta primeira reunião, a Autora explicou à Exma. Sr.a D… a ideia que pretendia para o modelo de vestido de noiva que desejava, ouviu as sugestões oferecidas, bem como foi dito pela criadora que iria ponderar a melhor maneira de o apresentar na primeira prova.

9. Tendo ficado, desde logo, escolhido o tipo de tecido.

10. Bem como ficou escolhido, em traços gerais, o formato do vestido de noiva a confeccionar, o qual seria composto por um vestido curto, sobreposto de uma saia "princesa", com abertura na parte da frente, sem que mais nada ficasse definido, porquanto a criadora referiu que os restantes pormenores seriam elaborados "no seu próprio corpo", como que "esculpidos" na referida primeira prova.

11. Por outro lado, o preço do pretendido vestido, segundo o que a Ré - por intermédio do Dr. H…, cônjuge da Exma. Sr. D… - transmitiu à Autora, rondaria o valor de € 3.900,00 (três mil e novecentos euros) e os €4.000,00 (quatro mil euros).

(17)

quinhentos euros).

13. O que motivou a Autora a optar por liquidar, desde logo, o referido montante de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), visto que se tratava de um "desconto" considerável.

14. O que o fez, mediante pagamento por multibanco, no referido estabelecimento comercial da Ré, no dia 19/02/2016. - cfr. comprovativo de pagamento que ora se junta como Doc. n.° 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

15. Tendo-lhe sido transmitido que o respectivo recibo só poderia ser emitido posteriormente. 16. A primeira prova do vestido ficou agendada para dia 14/04/2016.

17. Em 15 de Abril de 2016, ocorreu o falecimento de um familiar próximo da Autora, tendo a mesma alegado que não lhe foi de todo possível comparecer na data agendada para a 1º prova, o que foi de imediato comunicado à Ré.

18. Não tendo ficado, contudo, outro dia agendado para se realizar a primeira prova.

20. Em finais de Maio de 2016, a Autora e o seu, então, noivo terminaram a sua relação e, consequentemente, desmarcaram o respectivo casamento.

20. Tal facto foi comunicado à Ré, em Junho de 2016.

21. Por força deste acontecimento, a Autora comunicou à funcionária da Ré, com quem contactou, que deixou de ter interesse no vestido de noiva.

22. Quando a Autora desmarcou a primeira prova o vestido já estava quase terminado.

23. Somente faltando os ajustes ao corpo da noiva que são feitos no momento em que está vestido, momento em que a Autora poderia alterar alguns aspectos do vestido e, consequentemente, o preço final. 24. ELIMINADO

25. A Ré optou, por política de cortesia da empresa, por fazer o seguinte: emitir o que apelidou de uma “nota de crédito” à Autora, pelo valor de €3.500,00 (valor este que a mesma havia pago).

26. O que comunicou à Autora por carta registada, datada de 19/07/2016; cfr. doc. 2 junto com a P1 que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

27. “Nota de crédito” essa que era no valor de €3.500,00 e que era "...para que possa adquirir na nossa empresa, para si, qualquer outro vestido até 30.06.2017 até esse mesmo valor total - data em que a nota de crédito perderá validade".

28. A Autora é que nunca se deslocou a proceder ao levantamento da mesma.

29. Em finais de Março de 2017, a Ré recebeu na loja uma cliente - que mais tarde veio a saber chamar-se E….

30. A qual, como qualquer outra cliente, viu peças, escolheu e pediu o preço.

31. Tendo entretanto dito que trabalhava em televisão, o que até fez com que a Ré lhe fizesse um desconto pois é sempre bom ter esse tipo de visibilidade.

32. Razão pela qual às peças que esta escolheu a Ré lhe fez um desconto, pelo que 2 vestidos e uma blusa ficariam em €2.300,00.

33. Nunca tendo esta cliente E… feito qualquer menção à autora muito menos à “nota de crédito”.

34. As peças da Ré são todas exclusivas e personalizadas, pelo que o que tem em exposição são a base das peças, que depois carecem sempre de personalização.

(18)

35. O valor que lhe faziam estava a ter um desconto por se tratar de alguém com visibilidade televisiva. 36. A “nota de crédito” emitida pela Ré foi somente a favor da Autora, por cortesia e não admitindo que a mesma fosse transmissível.

37. Além de que o vestuário escolhido pela referida E… foi sujeito a um desconto no preço devido ao facto desta ter referido trabalhar em televisão, nunca tendo referido que seria para utilizar a mencionada nota de crédito.

38. ELIMINADO.

39. A Autora deslocou-se, em Abril de 2017, ao estabelecimento comercial da Ré - acompanhada por E… e F… - com o intuito de utilizar a referida “cortesia” que lhe foi feita pela Ré, nos termos supra mencionados. 40. Acontece que, a funcionária da Ré presente no estabelecimento comercial, afirmou perante a Autora que não permitiria o levantamento dos vestidos escolhidos, com recurso à “nota de crédito” emitida. 41. Afirmou, peremptoriamente, que por indicações específicas dadas, telefonicamente, pela Exma. Srª. D…, não iria permitir o levantamento, por conta da “nota de crédito” emitida, das referidas peças de vestuário, nem tão pouco a escolha de quaisquer outras.

42. Somente o permitiria caso as mesmas fossem pagas no acto.

43. A Autora nunca foi às instalações da Ré para escolher qualquer peça para si.

44. A Autora enviou uma missiva à Ré, em 08/05/2017, no sentido de lhe comunicar que, face à peremptória recusa de cumprimento da sua obrigação e consequente incumprimento definitivo da mesma, o contrato celebrado entre as partes deveria considerar-se resolvido e a Ré deveria devolver o montante em questão à Autora no prazo de 8 dias. - cfr. missiva que ora se junta como Doc. n.° 3 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.

45. A Ré respondeu à Autora, por missiva datada de 19/05/2017, junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

46. A Autora estava ainda afectada pelo rompimento do noivado, e tal facto a fazia chorar facilmente. 47. A Autora deparou-se com a manifesta incapacidade de falar com clientes, de realizar diligências em tribunal,

48. Isto porque se sentia completamente desprovida da sua capacidade de concentração, vitalidade e dinamismo que sempre a caracterizaram.

49. Durante vários meses, a Autora viu-se obrigada a interromper reuniões e telefonemas em consequências dos ataques de choro ou mesmo de pânico que, repentinamente, a assombravam, ao mínimo sinal ou conversa relacionada com o tema "casamento'.

*

Factos não provados:

1. Tenha havido qualquer acordo entre Autora e Ré quanto à emissão da nota de crédito.

2. A inquietação, intolerância e angústia sentidas pela Autora tenham sido provocados pela conduta da Ré. 3. A Ré, ou algum/a funcionário/a tenha maltratado e humilhado a Autora.

(19)

VI – REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO DE DIREITO

A reapreciação do julgamento dado à matéria de direito quanto à apreciação do pedido de indemnização atinente aos danos não patrimoniais invocados dependia - nos termos constantes das alegações de recurso - das alterações pretendidas ao julgamento da matéria de facto.

Mantendo-se os factos provados e não provados tal como elencados na decisão recorrida, fica prejudicada a apreciação deste fundamento do recurso da Autora.

A Recorrente advoga ainda que o tribunal recorrido errou na determinação das normas legais aplicáveis ao caso.

Entende que não são aplicáveis as normas relativas ao contrato de empreitada, visto que, face à emissão da “nota de crédito”, foi celebrado entre as partes um novo contrato, que revogou o anterior, através do qual a Recorrida se obrigou a permitir à Recorrente a escolha e pagamento, com recurso a essa “nota de crédito”, de peças de vestuário das que a Recorrida vende, até ao limite de 3.500€ (tudo cfr. os artigos 405.º n.º 1 e 406.º n.º 1 do C.C).

Afirma que o sentido que a expressão “para si” tem, para o declaratário normal (cfr. artigos 236.º, n.º1 e 238.º, n.º1, do C.C), é o de que só a Recorrente poderia recorrer ao pagamento de peças de vestuário mediante o uso dessa “nota de crédito”. Não poderia entregar essa “nota de crédito” a uma terceira pessoa, para que esta usasse esse documento para pagamento. Também que sempre seria impensável, irrealista e contra legis impor a condição (que a Recorrida quis convencer o Tribunal) que essa expressão significava que as peças escolhidas tinham de ser para uso obrigatório e exclusivo da Recorrente.

Declara que a Recorrente quis escolher peças de vestuário, algo que foi recusado pela funcionária presente no “atelier” da Recorrida, por indicações desta, pelo que ocorreu uma declaração categórica de recusa antecipada de cumprimento da obrigação a que a Recorrida estava adstrita, fundamento de resolução do contrato pela Recorrente (conforme ocorreu).

Entende que, perante o incumprimento da Recorrida, lhe assiste o direito de ver restituída a quantia de € 3 500,00, de acordo com o disposto no artigo 289.º, n.º 1, do C.C, acrescido dos juros de mora peticionados. Vejamos:

Não tendo sido objecto do presente recurso, está assente – tal como se decidiu na sentença recorrida – que as partes celebraram um contrato de empreitada, tendo por objecto um vestido de noiva que ia ser confeccionado à medida e personalizado à escolha da Autora, mediante um preço fixado pela Ré.

Bem como que a desistência da Autora em ficar com o vestido de noiva tem os efeitos previstos no art.º 1229.º do C Civil, ou seja, a extinção do contrato de empreitada e a perda do montante já pago, porquanto o tecido e a renda já estavam cortados e o trabalho, grosso modo, estava efectuado, para a realização da primeira prova.

Para além da factualidade que serviu de base a estas considerações jurídicas, provou-se também nos autos que a Ré optou, por política de cortesia da empresa, por emitir o que apelidou de uma “nota de crédito” à Autora, pelo valor de €3.500,00 (valor este que a mesma havia pago), o que comunicou à Autora por carta registada, datada de 19/07/2016.

(20)

Complementarmente considerou-se que a “nota de crédito” emitida pela Ré foi somente a favor da Autora, por cortesia e não admitindo que a mesma fosse transmissível.

O Código Civil entendeu não dever fornecer uma definição legal de contrato, deixando tal trabalho para a doutrina e jurisprudência.

Contudo, da leitura dos art.º 217.º e ss. e 405.º do C Civil decorre que o contrato pressupõe um acordo de vontades, estando na génese da sua formação uma proposta e uma subsequente aceitação, em conformidade com os princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual.

Ou seja, o contrato é geneticamente um negócio jurídico bilateral.

Não é seguramente uma situação com estes contornos a destes autos: a Ré limitou-se a emitir o que apelidou de uma “nota de crédito” à Autora, pelo valor de €3.500,00 (valor este que a mesma havia pago), o que comunicou a esta por carta registada, datada de 19/07/2016.

Não se tratando de um negócio jurídico bilateral, por falta de uma proposta dirigida a uma posterior aceitação, estamos em face de um mero negócio jurídico unilateral.

Com efeito, a Ré limitou-se a emitir uma declaração de vontade unilateral, tendo escolhido para exprimir a sua vontade a missiva enviada para a Autora e constante de fls. 18.

Tal como explica Almeida Costa[22], “Caracteriza-se, assim, o negócio unilateral pela existência de um único lado ou parte, quer dizer, de um único centro de interesses que apenas por si, sem necessidade da concordância de uma contraparte, produz o efeito jurídico visado.”

Dentro das várias modalidades típicas de negócios unilaterais, a actuação em causa enquadra-se na promessa de cumprimento, nos termos prescritos no art.º 458.º do C Civil.

Para além do conteúdo típico de promessa de uma prestação, este negócio tem que revestir a forma escrita (o que se verificou).

Independentemente desta caracterização, tratando-se de uma mera declaração de vontade unilateral, a Ré tinha inteira liberdade de modelação do conteúdo da mesma.

Perante a matéria de facto apurada, temos que a Ré justificou a emissão da constituição de tal negócio jurídico com a política de cortesia da empresa e decidiu conceder exclusivamente à Autora um crédito no valor de € 3 500,00, pelo prazo de um ano, e sem possibilidade de transmissão.

Em termos de actuação da Recorrente subsequente ao recebimento deste documento emitido pela Ré, ficou provado que a Autora nunca foi às instalações da Ré para escolher qualquer peça para si.

Provou-se que, em finais de Março de 2017, a Ré recebeu na loja uma cliente - que mais tarde veio a saber chamar-se E… – a qual, como qualquer outra cliente, viu peças, escolheu e pediu o preço.

Considerou-se que, tendo esta pessoa dito que trabalhava em televisão, a Ré lhe fez um desconto nas peças escolhidas (pelo que 2 vestidos e uma blusa ficariam em €2.300,00).

Deu-se como provado que esta cliente nunca fez qualquer menção à autora nem que seria para utilizar a mencionada “nota de crédito”.

Provouse também que a Autora se deslocou, em Abril de 2017, ao estabelecimento comercial da Ré -acompanhada por E… e F… - com o intuito de utilizar a referida “cortesia” que lhe foi feita pela Ré, nos termos supra mencionados.

(21)

não permitiria o levantamento dos vestidos escolhidos, com recurso à “nota de crédito” emitida, e que somente o permitiria caso as mesmas fossem pagas no acto.

Esta actuação da Autora, socorrendo-se de uma terceira pessoa que se deslocou ao estabelecimento da Ré, omitindo o propósito de usufruir do crédito da Autora e aceitando um desconto especial nas peças que escolheu em face da sua qualidade de figura pública da televisão, redundaria numa transmissão do crédito concedido à Autora e em condições particularmente vantajosas e, nesta medida, extrapolava do direito concedido exclusivamente à pessoa da Autora.

Tratou-se, sem margem para dúvidas, de uma actuação contrária aos princípios da boa fé, princípio ordenador quer da formação, quer da execução dos negócios jurídicos.

Concordando com a tese da Ré no sentido de que a recusa de utilização do crédito concedido à Autora para pagar os ditos artigos escolhidos pela sua conhecida foi legítima, e sabendo-se que esta nunca foi às instalações da Ré para escolher qualquer peça para si, a conclusão necessária é a de que a Autora optou por não usufruir do direito que lhe foi concedido no período de tempo delimitado de um ano.

Uma vez que o direito concedido à Autora pela Ré foi concedido para vigorar pelo prazo de um ano, é manifesto que tal direito caducou.

Como refere Joana Farrajota[23], “Em termos amplos pode dizer-se que a caducidade corresponde à extinção, ex nunc, de uma situação jurídica, ipso ire, pelo decurso do tempo – principal causa de caducidade – ou pela verificação de qualquer facto superveniente a que se atribua um efeito extintivo do vínculo contratual.”

Tendo caducado este direito, improcede a pretensão da Recorrente de ver restituída a quantia de € 3 500,00, de acordo com o disposto no artigo 289.º, n.º 1, do C.C, acrescido dos juros de mora peticionados. A conclusão final é, portanto, a da total improcedência do recurso.

*

VII - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso da Recorrente/Autora, confirmando-se a decisão recorrida.

*

Custas a cargo da Recorrente/Autora - art.º 527.º do CP Civil. *

Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)

Porto, 13 de Abril de 2021 Lina Baptista

(22)

Alexandra pelayo

Ao abrigo do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, com a redacção pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, declaro que o presente Acórdão tem voto de conformidade do Exmo. Adjunto, Desembargador Fernando Vilares Ferreira.

________________

[1] Doravante designado apenas por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade. [2] In Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/12/2000 proferido na Revista n.º 715/99 e constante de Sumários 37º. Veja-se, no mesmo sentido, lebre de Freitas in “Do conteúdo da base instrutória” in Julgar, n.º 17, Coimbra Editora, pág. 71.

[3] Doravante apenas designado por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade. [4] cf. Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 140, Antunes Varela e outros in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 687.

[5] In Manual de Processo Civil, 1984, pp. 670 e 671.

[6] In A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Civil, 2015, Coimbra Editora, pág. 147. [7] Do seguinte teor “Quando a Autora desmarcou a primeira prova o vestido já estava, como sempre estão, os vestidos para a primeira prova, quase terminado.”

[8] Do seguinte teor “Somente faltando os ajustes ao corpo da noiva que são feitos no momento em que está vestido – momento em que, normalmente, as noivas ao verem-se ao espelho optam por alterar alguns aspectos, por vezes bastantes, como acima se disse, o que faz ter de alterar o vestido e consequente preço.”

[9] Do seguinte teor “E assim sucedeu com o vestido da Autora, o qual estava pronto a vestir para a prova, não tivesse a Autora desmarcado a mesma em cima da hora.”

[10] Do seguinte teor “Pois além dessa nota de crédito ser somente para uso da Autora, a verdade é que tinha sido feito um desconto devido a uma circunstância concreta, que era incompatível com a nota de crédito.”

[11] Do seguinte teor “A Ré optou, por política de cortesia da empresa fazer o seguinte: emitir o que apelidou de uma “nota de crédito” à Autora, pelo valor de € 3 500,00 (valor este que a mesma havia pago).”

[12] Do seguinte teor “O que comunicou à Autora verbalmente, e depois por carta registada, datada de 19/07/2016; cf. doc. 2 junto com a PI que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.”

[13] Do seguinte teor “Nunca tendo esta cliente E… feito qualquer menção à autora muito menos à “nota de crédito”.

[14] Do seguinte teor “A “nota de crédito” emitida pela Ré foi somente a favor da Autora, por cortesia, logo impondo aquelas as regras que entendeu como oportunas – nunca admitindo que a mesma fosse transmissível.”

[15] Do seguinte teor “A Autora nunca foi às instalações da Ré para escolher qualquer peça para si.”

(23)

mesma.”

[17] Do seguinte teor “Razão pela qual às peças que esta escolheu a Ré lhe fez um desconto, pelo que 2 vestidos e uma blusa ficaram em € 2 300,00.”

[18] Do seguinte teor “As peças da Ré são todas exclusivas e personalizadas, pelo que o que tem em exposição são a base das peças, que depois carecem sempre de personalização.” [19] Do seguinte teor “Tenha havido qualquer acordo entre Autora e Ré quanto à emissão da nota de crédito.”

[20] Do seguinte teor “A inquietação, intolerância e angústia sentidas pela Autora tenham sido provocados pela conduta da Ré.”

[21] Do seguinte teor “A Ré ou algum/a funcionário/a tenha maltratado e humilhado a Autora.” [22] In Direito das Obrigações, 12.ª Edição Revista e Actualizada, 2016, pág. 461.

[23] In A Resolução do Contrato sem Fundamento, Colecção Teses, 2015, Almedina, pág. 25.

Referências

Documentos relacionados

Inicialmente concebido como Auditório do tradicional Colégio Estadual de Sergipe (hoje Atheneu Sergipense), o espaço pelo qual ansiava a sociedade sergipana

Não, exceto nos casos de forro, assoalho e lambris, onde se faz necessário o controle mais eficaz sobre as entradas e saídas de madeira serrada na indústria. Neste caso, não

(ICSEZ/UFAM) Campus Universitário, Parintins (AM). E-mail: corina.ftima@yahoo.com.br ;.. indivíduos estão construindo suas identidades, descobrindo-se e se autoafirmando

Aos 09 dias de junho do ano de 2015, a Fundação Norte Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura, através do seu Pregoeiro, designado pela PORTARIA/FUNPEC nº 018/2014

AS RESPOSTAS DESTAS QUESTÕES DEVERÃO SER ASSINALADAS NA FOLHA DE RESPOSTAS DAS QUESTÕES DE MÚLTIPLA ESCOLHA.. (3,5 pontos) No século dezenove, o barroco no Brasil passou

Incentive seu filho a ter um horário fixo de estudo diário e o auxilie sempre que necessário, porém peço para que deixe que seu filho realize atividades, assim ele aprenderá com os

O texto analisa as características do texto televisivo no contexto dos processos midiáticos contemporâneos que o enformam e questiona a capacidade explicativa dos modelos advindos

- DUO-TRAVATAN * solução oftálmica deve ser usado com precaução caso você apresente inflamação intraocular ativa, bem como fatores de risco com predisposição para