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Acadêmica do Curso de Letras: Língua e Literatura Portuguesa e Inglesa da Universidade Federal do Amazonas UFAM, turma de 2009/2.

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JANE EYRE: MULHER SUJEITO OU OBJETO?1

Aline Schwantes dos Passos2 Orientadora: Elis Regina Fernandes Alves3

Resumo: O presente artigo aborda a evolução da mulher na sociedade, desde o começo do movimento feminista

até os dias atuais, com foco no feminismo literário. A análise está voltada para obra Jane Eyre, de Charlotte Brontë, com enfoque na protagonista Jane Eyre, com o objetivo de analisar o retrato da personagem como objeto e/ou sujeito dentro do contexto patriarcal da primeira metade do século XIX na Inglaterra, mostrando sobretudo a auto-afirmação dessa mulher. Utilizam-se teorias em autores como Beauvoir (1980), Alves e Pitanguy (1985), Michel (1982), Woolf (2000), Zolin (2003), Bonnici (2007), entre outros. Conclui-se que a personagem Jane Eyre coloca-se na condição de uma mulher ora objeto ora sujeito, oscilando entre duas fases do feminismo, mostrando-se tanto submissa como independente.

Palavras-Chave: Mulher, Literatura, Feminismo, Jane Eyre, Charlotte Brontë

Abstract: This paper approaches the evolution of woman in society, from the beginning of the feminist

movement to nowadays, focusing the literary feminism. The analysis is focused on Charlotte Brontë’s Jane

Eyre, with the focus on the main character Jane Eyre, aiming to analyze the portrait of this character as object

and/or subject inside the patriarchal context of the first half of the 19th century in England, showing especially the self-affirmation of this woman. We use theories of authors such as Beauvoir (1980), Alves and Pitanguy (1985), Michel (1982), Woolf (2000), Zolin (2003), Bonnici (2007), among others. We conclude that the character Jane Eyre is sometimes an object and sometimes a subject, oscillating between two phases of the feminism, being both submissive as independent.

Key-words: Woman, Literature, Feminism, Jane Eyre, Charlotte Brontë

1. Introdução

O feminismo trata da temática da independência da mulher e a sua busca pela igualdade, deixando para trás a tradição de silêncio a que eram submetidas, e tornando-se sujeitos por meio do surgimento de diversos movimentos de reivindicação de seus direitos. A liberdade feminina correspondia ao querer ir mais adiante e firmar-se na sociedade como um ser independente e intelectual, e para isso a mulher sempre buscou direitos sobre política e cidadania que pudessem torná-la insubordinada ao homem.

Dentro da literatura, a mulher sempre foi muito discriminada e considerada como inferior, seja como escritora, seja como personagem, sendo enquadrada dentro de algum tipo de estereótipo. Como autora, a mulher escondia-se atrás de pseudônimos masculinos, pois era impedida de escrever com sua própria identidade, como personagem, durante séculos, sua

1 Artigo científico apresentado para obtenção de nota parcial na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso do

Curso de Letras – Língua Portuguesa e Língua Inglesa da Universidade Federal do Amazonas – UFAM - IEAA

2 Acadêmica do Curso de Letras: Língua e Literatura Portuguesa e Inglesa da Universidade Federal do

Amazonas – UFAM, turma de 2009/2.

3 Professora da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, possui graduação em Letras: Língua Inglesa e

Língua Portuguesa pela UEM – Universidade Estadual de Maringá (2003) e mestrado em Letras pela mesma Universidade (2007).

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figura era vista apenas como um objeto fácil de ser moldado e enquadrado dentro de todos os padrões colocados pela sociedade. Mas, com o passar do tempo, as mulheres conquistaram seu espaço dentro da literatura, com isso, o feminismo literário mostra o quão importante foi e é a contribuição da mulher dentro do campo da literatura, pois, com o passar dos anos, ela firmou-se através de sua escrita e de suas excelentes produções.

A obra Jane Eyre (1847) de Charlotte Brontë mostra a protagonista (que dá nome ao livro) como uma mulher que luta para consolidar-se como pessoa atuante em uma sociedade onde o principal papel da mulher era de ser esposa e mãe. Através dessa narradora, o leitor fica sabendo dos seus sonhos, dúvidas, ilusões e lutas dentro dessa sociedade estritamente fechada em suas regras.

Assim, considerando a aplicação da teoria feminista nesta obra de autoria feminina, o objetivo deste trabalho é analisar o retrato da personagem Jane Eyre como objeto e/ou sujeito dentro do contexto patriarcal da primeira metade do século XIX na Inglaterra, considerando nesse processo as atitudes da personagem em relação à liberdade, independência e a igualdade diante dos homens.

Dessa forma, é importante evidenciar o tema da mulher como objeto e sujeito para mostrar os fatores e elementos que contribuíram na construção da identidade dessa personagem ao longo do romance, e para enfatizar a emancipação feminina nas atitudes e pensamentos dessa personagem.

A análise está apoiada no feminismo, em específico no feminismo literário, para compreender os aspectos sociais da trajetória da mulher em sua luta para conseguir espaço tanto na sociedade como na literatura. Com isso, a obra de Simone de Beauvoir (1980), bem como as contribuições de Virginia Woolf (2000), Alves e Pitanguy (1985), Bonicci e Zolin (2003), entre outros teóricos, possibilitaram compor um referencial teórico para fortalecer a temática apresentada.

2. Feminismo e a Literatura

2.1. Papel da mulher nas sociedades

Desde os primórdios, as mulheres possuíam um lugar de inferioridade ao dos homens, sendo excluídas, por exemplo, das expedições guerreiras por serem consideradas fracas e frágeis. (BEAUVOIR, 1980a). O mundo sempre pertenceu ao homem, e este teve a vantagem de dominar e se manter à frente das mulheres (BEAUVOIR, 1980a), esta por sua vez, não

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possuía nem voz e nem identidade própria. A partir disso, os homens firmaram-se no mundo como seres soberanos, ao contrário das mulheres, que foram colocadas como desempenhadoras do papel do Outro, sendo tratadas como inferiores. Em O Segundo sexo, Beauvoir diz que a desvalorização da mulher foi uma etapa necessária na história da humanidade, pois é a partir de sua fraqueza que ela fica conhecida nas sociedades. (BEAUVOIR, 1980a).

Durante muito tempo, as mulheres tiveram suas ocupações limitadas, e sua função primordial era a reprodução da espécie humana. (ALVES E PITANGUY, 1985). No período do feudalismo, por volta do século XI, a condição da mulher está organizada de maneira incerta, em um primeiro momento, a mulher está desprovida de todos os direitos privados porque não possui nenhum poder político. Neste século toda a configuração social baseava-se na força do trabalho, categoria essa em que as mulheres não se encaixavam, pois eram tidas como incapazes para tais atividades. A partir do momento em que os feudos tornam-se hereditários e patrimoniais, as mulheres continuam sendo inferiorizadas, pois era necessário um tutor masculino, sendo necessário casar-se. (BEAUVOIR, 1980a).

No século XVI, as mulheres ainda são alijadas da instrução formal, ainda estavam restritas a aprender apenas os trabalhos domésticos. Ao se casar, a mulher tinha como dever obedecer ao marido, tornando-se uma incapaz, pois tudo o que fizesse deveria estar de comum acordo com o seu marido, caso contrário, tanto o esposo, quanto a justiça anulariam seus atos. (MICHEL, 1982). A vida da mulher casada girava em torno da submissão imposta pelo marido, sendo excluída das atividades da sociedade.

Chegando ao século XVII percebe-se certa luta pela liberdade de expressão e de direitos iguais por parte das mulheres, são as primeiras vozes femininas que traziam como ideias centrais a insubordinação e as mudanças concretas na organização social (ALVES E PITANGUY, 1985), mas as ideias de igualdade foram consideradas intoleráveis.

A partir do século XVIII aumentam-se um pouco a independência e a liberdade das mulheres, mas os costumes patriarcais ainda continuam rígidos, e às mulheres é dada apenas uma educação básica, após isso, ou casam-se ou são levadas para um convento, (BEAUVOIR, 1980a). Contudo, as mulheres deste século começam a rejeitar o seu enclausuramento, isto é, não aceitavam a limitação de seus papéis, e insubordinações começam a ocorrer tanto nas classes baixas, como nas classes dominantes.

O século XIX é marcado pela consolidação do sistema capitalista que passa a refletir seus resultados na vida das mulheres e pela luta por melhores condições. É um período de grande demanda de mão-de-obra, ocorrendo um grande desenvolvimento tecnológico e a

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construção de fábricas, com isso, o trabalho não-remunerado da mulher feito à domicílio sofre uma grande queda, pois esses trabalhos feitos em casa passam a ser executadas nas fábricas. Partindo dessas questões, este período traz mais do que nunca a revolta e a luta das mulheres pelos direitos iguais e por melhores condições de trabalho através dos movimentos reivindicatórios. (ALVES E PITANGUY, 1985).

É no final deste século que as mulheres passam a ter acesso a todos os níveis da educação, inclusive nas universidades, mesmo ocorrendo certa resistência por parte dos homens. No campo da arte e da literatura, muitas mulheres tornaram-se conhecidas, como Rosa Bonheur na França e George Eliot na Inglaterra. (MICHEL, 1982).

Deste modo, vemos a grande construção pela independência feita pelas mulheres de vários séculos, rompendo com as normas impostas na sociedade, mostrando que sua vida e seu destino não estão apenas ligados ao casamento, mas sim, à liberdade e aos mesmos direitos dos homens.

A mulher entre o final do século XIX e início do século XX de certa maneira, ainda ocupava em vários segmentos um lugar de inferioridade aos homens, ocupando somente a posição de esposa e mãe, sem muitas chances de desenvolver sua vida profissional. Segundo Virginia Woolf em “A room of one’s own” (1928), as principais ocupações oferecidas às mulheres antes de 1928 envolviam leituras para senhoras idosas, confecção de flores artificiais, ensino do alfabeto para as crianças do jardim de infância, entre outros. O campo de trabalho era, ainda, muito restrito e as mulheres não podiam escolher por vontade própria qual profissão gostariam de seguir.

A mulher sempre carregou consigo um dilema imposto pela sociedade e principalmente pelos homens, o de possuir estereótipos, como caracterizou o socialista Proudhon no século XIX após ser aprovada a lei do direito de trabalho as mulheres. Segundo ele ou a mulher é “Dona-de-casa ou prostituta” (MICHEL, 1982, p. 55), isto é, a sociedade criava/cria uma visão estritamente fechada em relação à mulher e sua vida independente, julgando-a de forma inapropriada e preconceituosa, como vemos:

Estereótipos são conceitos, opiniões e crenças convencionais, geralmente muito simplificadas, que supostamente tipificam e se conformam a um modelo invariável e carente de qualquer individualidade. As representações culturais que estereotiparam e ainda estereotipam a mulher são conseqüências lógica da sociedade patriarcal. (BONNICI, 2007, p. 80).

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Grandes problemas foram enfrentados pelas mulheres durante os séculos XIX e XX. Com a superexploração da mão de obra e os baixos salários, as mulheres que passaram a trabalhar fora de casa sofriam com essa situação. Vemos essa realidade na seguinte citação:

Compartindo com o homem as terríveis condições de trabalho vigentes naquele período, como jornadas de 14, 16 e até 18 horas, as mulheres (assim como os menores) sofrem ainda uma superexploração advinda das diferenças salariais. (...) A justificativa ideológica para esta superexploração era de que as mulheres necessitavam menos trabalho e menos salários do que os homens porque, supostamente, tinham ou deveriam ter quem as sustentasse. (ALVES E PITANGUY, 1985, p.38).

Percebe-se a visão fechada e equivocada feita pelos sindicatos masculinos, e por grande parte da própria sociedade em relação à mulher e ao trabalho. A contradição deste pensamento é evidente, pois no início do século XX, após a primeira guerra mundial, o desemprego é comum em todo o globo e muitas mulheres eram obrigadas a se prostituírem, pois contavam apenas com elas mesmos, sem ter alguém para sustentá-las. (MICHEL, 1982).

Diante deste contexto, ainda no século XX, grande parte das mulheres ainda estavam presas a uma vida estática em função da casa, limitadas apenas às panelas, agulhas, lençóis e ao leite materno: “o papel desse ser puramente afetivo é o de esposa e dona de casa; ela não poderia entrar em concorrência com o homem.” (BEAUVOIR, 1980a, p. 144). Sua principal função continuava a de ser mãe e esposa, mantendo-se confinada à família, e vivendo em uma sociedade patriarcal, sendo tida como um ser passivo que deve obedecer às normas da sociedade e principalmente aos princípios do pai. As mulheres casadas estavam destinadas, além de cuidar da casa, cuidar de sua aparência, isto é, o ato de se embelezar é um trabalho direcionado especialmente para elas: “cuidar de sua beleza, arranjar-se, é uma espécie de trabalho que lhe permite apropriar-se de sua pessoa como se apropria do lar pelo seu trabalho caseiro.” (BEAUVOIR, 1980b, p. 296).

Neste sentido, as mulheres são “escravizadas” em casa, dedicando-se ao lar, à cozinha, ao marido e aos filhos. Nessa época, os pais eram responsáveis em escolher o marido para a sua filha, não havendo chance de manifestação por parte desta. Tanto no século XIX, como o início do século XX, o marido domina a mulher, mantendo-a no ambiente privado. São raras as mulheres que tiveram uma vida diferente desta tradicional, não se vê grande quantidade de nomes de mulheres que tiveram sucesso em uma carreira profissional, como por exemplo, na literatura. O que se pode observar, é que no século XX as mulheres surgiram com ideias

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inovadoras referentes ao voto, ao divórcio e ao aborto, buscando igualdade e independência em sua vida, iniciando os movimentos feministas em diversos campos da sociedade.

2.2. Feminismos

O movimento feminista surgiu na França, na primeira metade do século XIX, mas ganhou força nos Estados Unidos na segunda metade de 1960. Na França, nesse período histórico, a marca registrada é a Revolução Francesa, e é nesse momento em que as mulheres ao perceberem que o campo da política não se estende ao seu sexo, resolvem adquirir “características de uma prática de ação política organizada.” (ALVES E PITANGUY, 1985, p.32). Esse momento é marcado também por discursos filosóficos, intelectuais e políticos, em que se defendia a luta pela igualdade de direitos entre mulheres e homens:

Reivindicam, assim, a mudança da legislação sobre o casamento que, outorgando ao marido direitos absolutos sobre o corpo e os bens de sua mulher, aparecem-lhes como uma forma de despotismo incompatível com os princípios da Revolução Francesa. (ALVES E PITANGUY, 1985, p.32).

Suas reivindicações logo começam a serem atendidas, e a construção de sua autonomia mostra o quanto as mulheres foram capazes de alcançar os objetivos pautados, tanto na possibilidade de receber educação, quanto ao produzir conhecimento, mas, as maiores conquistas destas mulheres referem-se ao campo da política e do sexo.

O movimento feminista denuncia a manipulação do corpo da mulher e a violência a que é submetido, tanto aquela que se atualiza na agressão física – espancamentos, estupros, assassinatos – quanto a que o coisifica enquanto objeto de consumo. Denuncia da mesma forma a violência simbólica que faz de seu sexo um objeto desvalorizado. (ALVES E PITANGUY, 1985, p.60-61).

Um fato que obteve muita repercussão foi a longa luta pelo direito ao voto conquistado por elas que exigiu paciência e organização. Zolin cria uma definição importante do que seria o feminismo nos últimos dois ou três séculos, definição que traz de forma resumida esse relevante movimento ocorrido em todo o mudo. Vemos que esta corrente

Trata-se de um movimento político bastante amplo que, alicerçado na crença de que, consciente e coletivamente, as mulheres podem mudar a posição de

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inferioridade que ocupam no meio social, abarca desde reformas culturais, legais e econômicas, referentes ao direito da mulher ao voto, à educação, à licença-maternidade, à prática de esportes, à igualdade de remuneração para função igual etc, até uma teoria feminista acadêmica, voltada para reformas relacionadas ao modo de ler o texto literário. (ZOLIN, 2003, p.163).

O movimento sufragista, como ficou conhecida a luta pelo direito ao voto feminino, ocorreu em várias partes do mundo, cada um com sua especificidade, mobilizando 2 milhões de mulheres, por isso é tido como um dos maiores movimentos de massa e significado no século XX. Esse movimento iniciou-se em 1848 nos Estados Unidos com o intuito de denunciar a exclusão das mulheres no âmbito da esfera pública. (ALVES E PITANGUY, 1985). Através de abaixo-assinados, atos públicos, passeatas, entre outros tipos de manifestações, conseguiram esse direito que até então era considerado incabível a elas.

Os anos de 1930 e 1940 representam um período em que, convencionalmente, as mulheres obtiveram resultados a partir das suas reivindicações, além do voto, tinham mais chances de ingressar nas instituições escolares e inserir-se no mercado de trabalho. Em relação ao trabalho, as mulheres lutaram durante muito tempo (e lutam) por um espaço na sociedade em que pudessem escolher qual profissão gostariam de seguir, e que os baixos salários e longas jornadas de trabalho fossem modificados.

Durante muito tempo as mulheres eram proibidas de divorciarem-se pelo fato de todos os costumes e crenças religiosos estarem envolvidos dentro desta questão, mas o surgimento dos movimentos feministas em todo o mundo e as novas ideias e propostas que surgiam fizeram com que muitas mulheres mudassem de certa forma o pensamento em relação ao casamento, e houve diversas modificações nas leis. Durante o século XIX o divórcio passa por várias fases apresentadas através das leis que eram criadas ao longo de muitos anos, mas é apenas em 1942 que houve modificação e aprovação no estatuto da mulher casada. (BEAUVOIR, 1980a).

2.3. Feminismo Literário

O movimento feminista, surgido na segunda metade do século XIX, que proporcionou às mulheres a oportunidade de buscarem sua independência, agirem como sujeitos e não aceitar as regras do patriarcalismo, deixando de lado uma vida totalmente privada, trouxe consigo um espaço de oportunidades para a mulher no âmbito literário, mostrando a capacidade que esta possui em ser escritora e, a partir disso, a mulher pôde assumir sua identidade própria e não mais precisava se esconder atrás de pseudônimos masculinos.

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Segundo Bonnici (2007, p. 49), “a finalidade da crítica literária e da leitura feministas é focalizar a constituição do estilo, da imagística e das características do patriarcalismo numa determinada obra.”, isto é, o feminismo literário busca focalizar esses elementos dentro da obra de ficção, objetivando fazer uma desconstrução do patriarcalismo. Existem dois importantes tipos de crítica literária feminista, a nova descoberta da escrita feminina e uma releitura das obras a partir do ponto de vista da mulher. A crítica feminista também traz consigo um modo de ler a literatura voltada para a visão de desconstrução de todas as ideologias de gênero que foram criadas ao longo do tempo pela cultura. (ZOLIN, 2003, p. 162).

Desde a década de 1960, a mulher vem ganhando espaço no campo de estudos nas diversas áreas do conhecimento e na literatura buscou-se analisar a mulher tanto como leitora quanto escritora, mostrando as diferenças entre as experiências das mulheres e dos homens. (ZOLIN, 2003). Mas o surgimento propriamente dito da crítica literária feministaocorreu nos Estados Unidos por volta de 1970, com a publicação da tese de doutorado de Kate Millet intitulada “Sexual Politics”, essa publicação trouxe mudanças no campo intelectual referentes às diferenças existentes entre o pensamento e a experiência da mulher como leitora e escritora comparadas aos dos homens, ou seja, a partir dessas diferenças entre as mulheres e os homens e a partir dos novos pensamentos e horizontes que vinham surgindo, quebram-se os modelos rígidos impostos pela sociedade. (ZOLIN, 2003a).

Para Zolin (2003a, p. 162), “a crítica feminista trabalha no sentido de desconstruir a oposição homem/mulher e as demais oposições associadas a esta, numa espécie de versão do pós-estruturalismo.”, pode-se dizer que este é o principal objetivo de estudo do feminismo literário, pois busca igualar o ser feminino ao ser masculino, desconstruindo toda a visão fechada em relação à mulher como um ser independente, abrindo caminhos para elas em vários campos, principalmente no da literatura, mostrando que as mulheres possuem a capacidade de produzirem boas obras na esfera da literatura tanto quanto os homens. Assim, busca-se desconstruir as ideias das obras masculinas que tradicionalmente retratavam a mulher como um ser emudecido, sempre ocupando um lugar secundário ao homem.

No século XIX, as mulheres tiveram de utilizar pseudônimos masculinos para conseguirem publicar, pois, embora tivessem o direito de escrever, uma obra publicada por uma autora não atingiria venda, pois a sociedade de então não via com bons olhos esta atividade na esfera feminina. Aliás, o século XIX, embora marcado pelo início dos movimentos feministas, coloca também em xeque a inteligência da mulher, pois ela “foi tenazmente marcada por diversos tipos de discriminações, justificadas com o argumento da

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suposta inferioridade intelectual das mulheres, cujo cérebro pesaria 2 libras e 11 onças, contra 3 libras e meia do cérebro masculino.” (ZOLIN, 2003a, p. 164). A partir desta afirmação, as mulheres eram impedidas de usar o seu “intelecto”, pois, deveriam cumprir o seu papel “natural” colocado pela sociedade, caso contrário estariam violando leis científicas e a própria religião. (ZOLIN, 2003a, p. 164).

O Feminismo Literário tem duas grandes expoentes na primeira metade do século XX. Primeiramente temos a escritora e ensaísta Virgínia Woolf que foi responsável pela quebra do formalismo tradicional e pelo uso e difusão de técnicas narrativas inovadoras (como o fluxo de consciência e o monólogo interior). Visando um novo olhar ao tema “mulher e literatura”, ela escreveu diversos ensaios em relação à escrita da mulher, com isso é considerada uma das precursoras da crítica feminista. (ZOLIN, 2003a). Seu principal ensaio, publicado em 1929, intitulado “A Room of One’s Own”, que foi traduzido para o português como “Um teto todo seu”, traz a ideia do “modo como as circunstâncias atuam sobre o trabalho da mulher escritora e questões relativas à sua sujeição intelectual.” (ZOLIN, 2003a, p. 166).

A ideia central em “A Room of One’s Own” é a de que a mulher deve ter seu próprio espaço e sua própria renda financeira para poder escrever poesia e ficção: “A woman must have money and room of her own if she is to write fiction;”4 (WOOLF, 2000, p. 6). Essa era

uma realidade longe da vida da maioria das mulheres, pelo fato das condições a que eram submetidas não contribuírem para tal proeza, primeiramente porque existia a questão da cultura da mulher e sua função na sociedade, isto é, sua educação era limitada, eram destinadas ao casamento, não possuíam renda suficiente para poder mantê-las a uma vida independente.

A questão apresentada acima aborda o tema “mulher e ficção” que é um fator importante dentro do ensaio de Woolf, este tema está ligado à mágoa das mulheres em relação à opressão e à inferioridade que eram exercidas sobre elas pelo sexo masculino, refletindo esses sentimentos em sua escrita. Woolf ainda especula o intelectual da mulher como escritora, interpretada da seguinte maneira por Zolin “a mulher que nasce com o veio poético no século XVI, seria uma infeliz e em conflito consigo mesma.” (ZOLIN, 2003a, p. 166).

Segundo Woolf são vários os fatores que contribuem para a escassez da mulher escritora durante os séculos passados, ela diz que para uma mulher escrever um romance era necessário possuir seu próprio espaço, mas isso só seria possível se os pais da jovem fossem ricos, caso contrário “If a woman wrote, she would have to write in the common

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room.”5 (WOOLF, 2000, p. 67), pois as condições “pobres” da moça mal serviam para a compra de suas roupas.

No século XIX as mulheres já escreviam um pouco, só que ainda não possuíam um lugar próprio para as suas escritas, estas deveriam ser feitas na sala de estar comum, correndo o risco de serem interrompidas a qualquer momento. No começo as poucas mulheres que se dedicavam à escrita ficavam restritas apenas à autobiografia, pois esta servia de “escape” para desabafarem a sua indignação em relação à sua submissão aos homens e às suas restrições na sociedade, mas com o passar o tempo a mulher começou a “to use writing as an art, not as a method of self-expression.”6 (WOOLF, 2000 p. 79).

Em seu ensaio, Woolf questiona certas diferenças existentes entre homens e mulheres, ela lança perguntas e vai em busca de respostas para tais diferenças. Em relação à mulher como personagem, Woolf diz que é diferente da realidade, muitos escritores criavam personagens fortes e independentes até certo ponto, mas que na vida real suas características eram muito diferentes. Woolf conclui seu ensaio chegando a uma resposta acerca do tema “mulher e ficção”, reunindo até o último capítulo ideias e fatos enfrentados pelas mulheres, dizendo:

[...] Women and Fiction, is that it is fatal for anyone who writes to think of their sex. It is fatal to be a man or woman pure and simple; one must be woman-manly or man-womanly. It is fatal for a woman to lay the least stress on any grievance; to plead even with justice any cause; in any way to speak consciously as a woman.” (WOOLF, 2000, p. 102-103).7

Esse ser masculinamente feminina ou femininamente masculino traz consigo a ideia de manter a igualdade entre os sexos, com os mesmo direitos na escrita, mas para isso, é preciso que os dois lados assumam duplamente esse ser, para não haver visão fechada e preconceito em relação à escrita e aos personagens propostos pelo(a) autor(a).

Outra escritora que contribuiu para a criação do feminismo literário e que ganhou destaque em meados do século XX foi Simone de Beauvoir. Em seu livro Le deuxième sexe (1949), traduzido e publicado em português como O Segundo Sexo (1980), Beauvoir utiliza a perspectiva existencialista para discutir a situação da mulher, e mostra que essa é sempre

5 “Se uma mulher escrevesse, teria de escrever na sala de estar comum.” 6 “usar a literatura como uma arte, não como um método de expressão pessoal.”

7 “[...] As mulheres e a ficção, é que é fatal, para quem quer que escreva, pensar em seu sexo. É fatal ser um

homem ou uma mulher, pura e simplesmente; é preciso ser masculinamente feminina ou femininamente masculino. É fatal para uma mulher colocar a mínima ênfase em qualquer ressentimento; advogar, mesmo com justiça, qualquer causa; de qualquer modo, fala conscientemente como mulher.”

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tratada como escrava, isto é, o outro, e o homem sempre como senhor, este é o modo como Beauvoir encara ambos os sexos. (ZOLIN, 2003a). Beauvoir faz em um dos seus ensaios, um apanhado geral da mulher desde os primeiros séculos até o século XX, questionando os motivos que levavam as mulheres a serem oprimidas e consideradas subordinadas aos homens, como por exemplo, através da maternidade que é uma função natural da mulher, acarretando em sua “passividade”, ou seja, no seu destino de mulher, com isso:

Desde a origem da humanidade, o privilégio biológico permitiu aos homens afirmarem-se sozinhos como sujeitos soberanos. [...] Condenada a desempenhar o papel do Outro, a mulher estava também condenada a possuir apenas uma força precária: escrava ou ídolo, nunca é ela que escolhe seu destino. (BEAUVOIR, 1980a, p. 97).

Esse feminismo existencialista de Beauvoir tanto oferece um estudo da opressão das mulheres, quanto sugere formas de emancipá-las dessa opressão. (ZOLIN, 2003a). Além disso, a escritora ainda crítica a representação da mulher nos escritos masculinos, pois as obras apresentavam a mulher numa condição inferior, submissa e apagada.

A obra Sexual Polities de Kate Millet, publicada em 1970, é o marco inicial da crítica feminista literária sistematizada, trazendo “discussões acerca da posição secundária ocupada pelas heroínas dos romances de autoria masculina, como também pelas escritoras e críticas literárias.” (ZOLIN, 2003a, p.169). Em sua análise, Millet afirma que a mulher ainda vive em um sistema patriarcal, isto é, dominada pelo pai/homem, e que em qualquer lugar na sociedade a mulher é tratada como subordinada e oprimida ao homem vivendo sempre escondida atrás deles.

Através da busca de respostas referentes à mulher como um personagem em obras literárias, Millet mostra que a representação da mulher dentro deste cânone está restrita apenas às “repetições de estereótipos culturais” (ZOLIN, 2003a, p.170), como por exemplo, o da mulher anjo e demônio, indefesa e incapaz, perigosa, megera. Normalmente esses estereótipos de personagens presentes na literatura são escritos por homens, que fazem um julgamento equivocado.

2.4. Fases do Feminismo

O movimento feminista aborda três principais fases que representam uma forma de classificação das obras escritas por mulheres. A ensaísta Showalter (1985) organiza as fases

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da tradição literária de autoria feminina, para ela, a mulher escritora foi capaz de construiu sua própria literatura dentro da sociedade patriarcal, mostrando sua capacidade dentro desse espaço limitado. Showalter classifica as três fases como: feminina, feminista e fêmea. (ZOLIN, 2003b).

A chamada primeira fase feminina, tem como classificação, a fase de “imitação e internalização dos valores e padrões vigentes” (ZOLIN, 2003b, p. 256), isto é, a literatura foi produzida entre o período de 1840 e 1880 e era um período em que as repetições dos modelos patriarcais e a tradição ainda predominavam na escrita, como por exemplo, o desejo de se casar que ainda permanecia nesse período. Nessa fase as mulheres começam a escrever mais e a serem protagonistas nas histórias, mesmo ocorrendo certa imitação na escrita dos padrões masculinos.

Logo após surge a fase feminista, datada de 1880 a 1920, vem com uma ideia contra a primeira fase, lutando contra todos os padrões e valores que a sociedade impõe sobre as pessoas, sendo considerado como uma forma de protesto em defesa dos direitos das pessoas. (ZOLIN, 2003b). A mulher, neste caso, não deseja mais ser secundária, começa a retratar ela como um ser mais moderno, que busca fugir dos padrões masculinos.

Por ultimo, é criada a fase fêmea, que começou em 1920 e que se estende até os dias atuais, e tem como foco principal a autodescoberta e a busca de identidade própria. (ZOLIN, 2003b). Aqui, a mulher não deseja se firmar dentro de uma sociedade machista, mas sim, deseja conhecer a si própria, entender-se, independente de homens e de filhos.

É interessante notar que essas fases não são exclusivamente separadas, pelo contrário, por falta de rigidez elas misturam-se, com isso, pode-se observar que muitas escritoras optaram por juntar e misturar essas três fases em apenas uma obra. Dentro das fases do feminismo analisa-se a condição da mulher como personagem nas obras de escritoras femininas, buscando classificá-las quanto ao nível de independência, com isso, vemos uma distinção entre cada personagem mulher, colocando-a como mulher objeto e sujeito, esses dois elementos são fundamentais para uma análise mais profunda de cada personagem.

Beauvoir (1980) desempenha em seu ensaio O Segundo sexo uma análise sobre os dois papéis (objeto-sujeito) desempenhados pelas mulheres, para ela:

[...] à mulher, para que realize sua feminilidade, pede-se que se faça objeto e presa, isto é, que renuncie a suas reivindicações de sujeito soberano. É esse conflito que caracteriza singularmente a situação da mulher libertada. Ela se recusa a confirmar-se em seu papel de fêmea porque não quer mutilar-se,

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mas repudiar o sexo seria também uma mutilação. (BEAUVOIR, 1980b, p. 452).

Ou seja, a mulher considerada um objeto é aquela que é presa aos padrões da sociedade, submissas e são vítimas da sua própria natureza, “escrava da espécie” (BEAUVOIR, 1980b, p. 459), sendo apenas um elemento sem importância dentro desse núcleo, privando-se do mundo e aceitando a passividade. Ao contrário, a mulher que assume o papel de sujeito busca a sua independência dentro e fora de casa, visando direitos que a tornem autora de suas próprias escolhas (muitas vezes misturam-se esses dois elementos em uma única personagem.). Um elemento que contribuiu em grande escala para essa maior libertação das mulheres dos padrões sociais, foi a conquista do direito ao trabalho, que fez com que elas se igualassem a certo ponto aos homens, concretizando assim, sua autoafirmação. Um fator importante para assumir o papel de sujeito e deixar para trás o de objeto, é a mulher reverter os papéis “ao recusar os desmandos que lhe são impostos pelo homem, ela se torna sujeito e o opressor torna-se a “coisa”.” (ZOLIN, 2003a, p. 168), se impondo e sendo insubordinada.

Através das obras literárias em que a mulher se desempenha como objeto e/ou sujeito, surgem o uso de estereótipos sob a mulher. Segundo Bonnici (2007) estereótipos são conceitos, opiniões e crenças convencionais, geralmente muito simplificadas, que supostamente tipificam e se conformam a um modelo invariável e carente de qualquer individualidade.

Através da busca de respostas referentes à mulher como um personagem em obras literárias, Millet, mostra a representação da mulher dentro do cânone literário masculino, questionando essa representação da figura feminina por estar apenas ligada as “repetições de estereótipos culturais” (ZOLIN, 2003a, p.170), como por exemplo, o da mulher anjo e demônio, indefesa e incapaz, perigosa, megera. Normalmente esses estereótipos de personagens presentes na literatura são escritos por homens, que fazem um julgamento que está explícito na sociedade.

Assim, vemos que “o sistema patriarcal fabricou a mulher ideal, que Woolf (1979) chama “o anjo do lar”: ela é simpática, altruísta, passiva, subordinada, silenciosa, casta, obediente, fiel.” (BONNICI, 2007, p. 22), ou seja, a mulher foi criada em um patriarcalismo que as concebiam como obedientes e inferiores, tornando-as assim, seres perfeitos.

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3. Análise da obra

Jane Eyre é o segundo romance escrito pela inglesa Charlotte Brontë, publicado em 1847.Charlotte Brontë, que escrevia inicialmente sob o pseudônimo de Currer Bell, faleceu ainda jovem, quase chegou aos quarenta anos, vivendo isolada em um universo relativamente restrito. Escreveu quatro livros, The professor (1846), Villete (1853), Shirley (1849), mas foi com o romance Jane Eyre que Charlotte foi reconhecida como uma grande escritora.

A obra foi vista pela crítica literária como um livro bem sucedido, embora esta heroína não fosse nem bonita e nem rica, mas trouxe descrições de características dos personagens e dos seus sentimentos que até então eram colocados de forma muito superficial em obras de outros autores, além disso, as falas dos personagens eram mais realistas e menos formais. A crítica aponta que está obra “[...] shocked the England of 1847.”8 (O’BRIEN, 1944, pp.

256-257), uma vez que esta personagem trazia consigo conceitos e atitudes diferentes em relação ao comportamento da mulher neste período, envolvendo o seu orgulho, sua autoafirmação e o seu sentimento de amor por Rochester. O fato de Jane não querer apenas o amor do seu patrão, mas sim conquistar também a sua “independência”, fez com que o livro fosse o primeiro a abordar a mulher dessa maneira. A obra recebeu algumas críticas envolvendo a moral “perfeita” que Jane trazia consigo, contudo, o livro vendeu rápido e foi elogiado por muitas pessoas.

Na obra Jane Eyre, Charlotte Brontë narra a história de uma menina órfã que após a morte de seus pais vai morar com a família do seu tio que ao morrer deixou-a sob os cuidados de sua mulher, senhora Reed. Jane é infeliz, pois é odiada e maltratada por sua tia e pelos primos. Ainda criança, é mandada para um colégio (uma espécie de orfanato), onde ela fica oito anos, sendo seis anos como estudante e dois como professora. Durante esse tempo, Jane aprende o suficiente para tornar-se professora. Ao buscar por uma nova vida, Jane consegue um emprego na residência de Mr. Rochester, um homem rico, em Thornfield Haal, e acaba se apaixonando por ele.

Na casa de Mr. Rochester há algo estranho que deixa Jane intrigada, mas levada pelo sentimento do amor que nunca havia experimentado na vida, acaba conquistando Mr. Rochester. Ambos se apaixonam e, no dia do casamento, ela descobre que ele já era casado e que sua mulher vivia trancada na casa, por apresentar problemas mentais. Jane foge da mansão e de Mr. Rochester, fazendo a história tomar outro rumo. Uma família, que até certo

8 “[...] chocou a Inglaterra de 1847.”

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momento não sabia que Jane era sua parente distante, a acolhe e logo em seguida seu tio lhe deixa uma herança, tornando-a uma mulher rica. Após um ano sem saber de Mr. Rochester, ela decide ir atrás dele e descobre que ele ficou cego através do fogo, pois a casa onde ele morava foi incendiada por sua esposa, que faleceu nesse mesmo dia. Por fim Jane o aceita e se casa com ele.

A obra Jane Eyre foi escrita por uma mulher, que cria uma personagem protagonista e a primeira heroína “feia” da ficção. Este personagem feminino foge à regra do estereótipo submisso, mudo e sem valor. A autora consegue mostrar uma mulher que busca sua independência, descrevendo essa personagem com características que se enquadram dentro do movimento feminista, isto é, mostrando que Jane é uma mulher forte e que não se submete a tudo e a todos. Charlotte Brontë explana muito bem esse fato no capítulo XII de sua obra, através da protagonista Jane Eyre:

Têm-se as mulheres como entes passivos; e elas, todavia, sentem tanto quanto os homens. Tanto quanto os seus irmãos, necessitam de campo onde exercitam as suas faculdades. As mulheres penam nos constrangimentos exagerados, na inércia absoluta, precisamente como os homens sofreriam nas mesmas condições. E é pobreza de espírito dos seus privilegiados companheiros dizer que elas devem limitar-se a fazer pudins, cerzir meias, tocar piano e bordar almofadas. Condená-las, ou ridicularizá-las se agem ou aprendem mais do que o preconceito permite ao sexo — constitui uma insensatez. (BRONTË, [s.d.], p. 78).

O trecho acima citado evidencia prenúncios do movimento feminista. No pensamento da protagonista, vemos que há uma crítica ao papel social destinado à mulher e que tal papel, inferior, é “pobreza de espírito” e “insensatez”. Traçando o perfil desta personagem, vemos que desde criança Jane sempre foi privada de amor e carinho pela família de seu tio, que a excluía dos momentos de união da família e sempre era maltratada pela sua tia e principalmente por seu primo John. Vivia sendo humilhada por ele, John, que não tinha o mínimo respeito nem por sua mãe, muito menos por ela:

John não tinha amor à mãe e às irmãs — e odiava-me. Oprimia-me. Espancava-me. Não duas ou três vezes por semana, não uma ou duas vezes por dia: continuadamente. Todos os meus nervos o temiam, todos os feixes dos meus músculos se retesavam quando ele andava por perto. Em certas ocasiões esse pavor me desvairava, porque eu não via para quem apelar das suas ameaças ou dos seus suplícios. [...] Não sei o que eu fiz com as mãos, sei que ele me xingava “rata! rata!” — bramando a toda goela. (BRONTË, [s.d.], pp. 11-12).

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A vida de Jane era um verdadeiro inferno, além de seu primo espancá-la, ele também a insultava, fazendo Jane se sentir muito mal. Sentindo-se inferiorizada, ela mesma se achava uma pessoa feia e menos importante que uma empregada. John não permitia que Jane vivesse como eles:

— Ei! Dona Feiosa! — estrilou a voz de John Reed. [...]

[...] — Você não tem o direito de ler os nossos livros. Mamãe diz que você é uma asilada. Não tem dinheiro. Seu pai não lhe deixou coisa nenhuma. Você devia andar mendigando, e não vivendo aqui com filhos de gente boa como nós, comendo as mesmas comidas e vestindo-se às custas de mamãe. Agora vou lhe ensinar a bulir nas minhas estantes: minhas entendeu? Toda esta casa me pertence, ou me pertencerá brevemente. Vá e fique ali na porta, longe do espelho e da janela. (BRONTË, [s.d.], pp. 10-11, grifo nosso).

Jane acumulava insultos e desprezos naquela casa, vivendo isolada, recebendo castigos, sendo espancada por seu primo, aguentando a indiferença de suas primas, a aversão de sua tia, o trauma do quarto vermelho (que era o quarto do seu tio falecido onde Jane era trancada sozinha quando fazia algo que desagradava a Senhora Reed). Tudo isso fez com que Jane parasse para refletir o motivo de todo o sofrimento e injustiça que lhe eram causadas:

[...] Por que vivia eu sempre sofrendo, sempre de cabeça partida, sempre acusada, condenada sempre? Por que não conseguia agradar? Qual a razão daquela incapacidade de alcançar as boas graças de alguém? Elisa, que era teimosa e egoísta, merecia respeito. Georgina, de gênio mau, acre, irritada, capciosa e insolente, desfrutava de um perdão universal. [...] John, também não refreado, e muito menos repreendido: torcia o pescoço dos pombos, matava os pintinhos [...] — Injustiça! — clamava o meu raciocínio, tangido no agoniado impulso de um precoce poder de análise. [...] (BRONTË, [s.d.], pp. 14-15).

Neste momento podemos ver que Jane, apesar de ainda ser muito jovem, consegue questionar o seu lugar e seu valor no mundo, pois ela sente-se injustiçada em relação a tudo o que faziam para ela naquela casa. O fato de Jane fazer esses questionamentos mostra que sua atitude é incomum às mulheres de sua época, ainda mais mulheres tão jovens, pois ela não se deixa reprimir, mas busca uma explicação para tudo aquilo. Com isso, por um momento, Jane enfrenta sua tia e mostra pela primeira vez voz ativa, sentindo o sabor da vingança, marcando uma libertação emocional:

— [...] Sinto-me satisfeita por não ser sua parenta. Enquanto for viva nunca mais chamarei você de tia. Quando crescer, não a visitarei nunca. [...]

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— Você tem coragem de dizer isto, Jane Eyre?

— Tenho coragem, senhora Reed! Tenho coragem! Porque é a verdade. A senhora pensa que sou insensível, pensa que posso viver sem uma migalha de amor e de carinho. Mas não, não posso viver assim; e a senhora não tem pena. [...] Mal terminei essa resposta, minha alma começou a se expandir, a exultar, na mais extraordinária sensação de independência e de triunfo que jamais experimentei [...]. Provara pela primeira vez o sabor da vingança; era o de um vinho perfumado, tépido, gostoso. (BRONTË, [s.d.], pp. 30-31, grifo nosso).

Jane, apesar de ser uma menina pobre e órfã, comprova através dessa sua atitude que é capaz de se defender sozinha, porque ela não tinha pai e mãe, mesmo assim, esta menina tem voz ativa em um momento histórico em que a mulher era silenciada por toda a sociedade. A protagonista não é colocada em uma posição eternamente vitimizada, como era comum em muitas personagens em sua mesma posição, a de mulheres, órfãs, pobres. Para a senhora Reed, Jane estava se tornando um problema difícil de enfrentar, então resolve mandá-la para um orfanato. Esse lugar onde Jane foi morar se torna um ambiente de sofrimento, pelos hábitos e regras diferentes, mas também se torna a oportunidade da realização de parte dos seus sonhos, o principal deles, ser livre:

Meu primeiro trimestre em Lowood me pareceu um século. E não, de certo, um século de ouro. Foi a fase da luta exaustiva pela adaptação aos novos hábitos e às tarefas a que eu não estava afeita. O receio de fracassar me torturava mais do que as penas físicas do trabalho — que, aliás, não eram poucas. (BRONTË, [s.d.], p. 45).

Jane permaneceu no colégio durante oito anos, seis anos como aluna e dois anos como professora, e depois de uma infância difícil e cheia de obstáculos, Jane afirma que a instituição contribuiu e teve um valor fundamental para ela. Ela apresenta um caráter surpreendente, cansada da sua vida fechada e estabilizada dentro da instituição Lowood, esta personagem decide buscar novos caminhos para sua vida, almejando um novo lugar para morar e trabalhar, e para conhecer novas pessoas, lutando pela sua independência, esses eram seus desejos:

[...] Não me correspondera com o mundo exterior. Regulamentos escolares, disciplina escolar, hábitos escolares e estudos, e vozes, e caras, e frases de preferências e antipatias: eis o que eu conhecia da vida. E agora sentia que não bastava. Nesta tarde, cansei-me da rotina de oito anos. Quis liberdade, ansiei por liberdade. Por liberdade, murmurei uma prece — e tive a sensação de que ela se desfazia ao vento que soprava lânguido. Abandonei-a e

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construí uma súplica humilde: pedindo mudança, pedindo estímulo. E também esta súplica me pareceu fundir-se no espaço vago.

— Então — bradei, meio desesperada — dai-me pelo menos uma servidão diferente. (BRONTË, [s.d.], p. 62, grifo nosso).

Esse momento de reflexão de Jane é um ponto culminante no livro, é um contraste entre liberdade e servidão, pois ao usar a palavra “servidão” vemos que Jane ao mesmo tempo em que anseia por sua liberdade, se vê também como serva, isto é, um mero objeto na sociedade. Notamos o desespero dessa personagem em buscar uma “servidão” e um objetivo diferente que contribuísse para a sua vida, pelo fato dela ter crescido sozinha no mundo, busca seus objetivos como pode, mas apesar de tudo isso, sabe que por viver dentro de uma sociedade em que a desigualdade entre homens e mulheres é nacionalizada, sempre vai ser vista como serva e aceita isso no seu íntimo, embora não queira demonstrá-lo de forma explícita.

A partir desse novo objetivo, Jane, que ainda é tão jovem, toma uma atitude admirável, decide criar um anúncio, que é uma espécie de carta de emprego, e vai até Lowton colocá-la no correio. Após todo o sofrimento desde a casa de sua tia até a sua morada no orfanato, Jane luta por sua independência, indo contra os padrões da época. A descrição do conteúdo da carta é muito significativa:

[...] “Moça acostumada a ensinar” (então, eu não tinha dois anos de professora?) “deseja encontrar uma colocação junto a uma família de respeito que tenha criança de menos de quatorze anos”. (Refleti que estava com dezoito anos e não quis assumir a responsabilidade de alunos mais ou menos da minha idade.) “A pretendente acha-se habilitada a ensinar as matérias usuais da boa educação inglesa, e Francês, Pintura, e Música” (naqueles tempos esse para hoje modesto catálogo de conhecimento tinha uma grande significação). [...] (BRONTË, [s.d.], p. 63).

A condição de órfã vivida por Jane obriga-a a uma independência, começando dentro da instituição a partir do momento em que se torna professora, nesse ponto, vemos a evolução social dessa protagonista que dispôs de determinação para galgar esse novo lugar na sociedade, mostrando-se como uma mulher decidida.

A partir desse momento, a vida de Jane muda radicalmente, após formar-se como professora, ela aspira à sua liberdade no âmbito social. Agora, irá manter-se com o seu próprio trabalho, quebrando o estereótipo da esposa dependente do marido, que é colocado na sociedade para as mulheres seguirem. Ela consegue um emprego de governanta e professora

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na casa de Mr. Rochester em Thornfield, onde ensina Adèle, filha de uma dançarina francesa com quem Mr. Rochester se envolveu e que por ter sido abandonada por sua mãe é a “protegida” de Mr. Rochester. Na casa de Mr. Rochester, Jane vive experiências até então desconhecidas para ela, criando uma afeição pela família, e principalmente por seu patrão Mr. Rochester.

Durante o tempo em que Jane permanece na casa de Mr. Rochester, ela oscila em vários momentos o seu comportamento entre objeto e sujeito. Trazendo para dentro da análise a ideia da teórica Showalter (1985) em relação às fases do feminismo, vemos que esta personagem se enquadra dentro de duas fases desse movimento, já que seu comportamento oscila. Primeiramente, o foco do romance está apontado para a fase feminina, isto é, Jane, apesar de possuir certa independência, refletida em seu trabalho como governanta e professora, também tem o desejo de ser amada e de se casar, que é a característica principal da fase feminina, mas Jane traz lampejos da fase feminista, pois ela não quer ser inferior às pessoas e principalmente ao seu patrão, defendendo os seus direitos como pessoa e apresentando independência por possuir um trabalho.

Ao conhecer Mr. Rochester, Jane descreve-o de forma natural, colocando seu ponto de vista em relação à aparência e às características de seu patrão. Em uma das conversas entre os dois, Jane consegue se impor e cria voz para responder às indelicadezas de Rochester:

[...] — Então, antes de tudo, concorde comigo em que tenho o direito de ser um pouco imperioso e brusco. Talvez até implicante algumas vezes, nos terrenos em que domino; concorde, principalmente, que tenho idade para ser seu pai, e que conheci muitos povos de muitas nações e viajei por metade do globo, enquanto você tem vivido tranqüilamente com um grupinho de gente numa casa. Concorda?

— Como quiser, senhor.

— Isso não é resposta! Ou melhor: é uma resposta muito irritante, porque muito evasiva. Responda francamente.

— Não acho que o senhor, só porque é mais velho e tem visto mais mundo do que eu, tenha o direito de me governar. A sua autoridade depende do uso que o senhor tenha feito do seu tempo e da sua experiência. [...] (BRONTË, [s.d.], p. 94).

Vemos que Jane não se deixa emudecer por este homem que está recém conhecendo, mostrando claramente a sua personalidade e firmando-se como sujeito na situação. Contudo, Jane cria um amor “platônico” (até certo ponto) por Mr. Rochester e é neste momento em que esta heroína começa uma luta dentro de si quanto a esse novo sentimento que estava

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conhecendo e ao mesmo tempo o anseio por sua liberdade. Primeiramente, ela questiona seus sentimentos e faz o seu próprio julgamento:

[...] — Tu, favorita de Mr. Rochester? Tu, capaz de agradar-lhe? [...] Vai-te! Tua insensatez me irrita! [...] Ficaste relembrando a cena da ultima noite, hein? Cobre a cara, envergonhada! Ele disse qualquer coisa em louvor dos teus olhos, não foi? Cadelinha cega! Abre estes olhos remelentos e vê tua insensatez enorme! Nenhuma mulher deve envaidecer porque um superior talvez queira se casar com ela. Nem deve alimentar secretas ambições de amor, porque elas, quando não contidas ou reveladas, arruínam a vida que as alimenta [...]. Por isso, Jane Eyre, ouve a tua sentença; amanhã, coloca-te diante do espelho e desenha o teu próprio retrato. Desenha-o minuciosamente sem suavizar um defeito, sem omitir uma linha dura, sem desprezar uma desproporção. E escreve nele esta legenda: “Retrato de uma Governanta, sozinha, pobre e simplória”. (BRONTË, [s.d.], p. 112).

Esta passagem mostra um momento de oscilação no comportamento de Jane, pois aqui ela se torna um mero objeto, desvalorizando-se e inferiorizando-se. Por estar apaixonada por Mr. Rochester, Jane fica vulnerável às situações, isto é, passa a ser uma moça frágil por causa dos seus sentimentos.

No início Jane resiste bastante a Mr. Rochester, apesar dos momentos agradáveis de conversa e de carinho, ela sempre mantém seus sentimentos afastados, mantendo-se sempre contida, o que pode ser resultado da luta de Jane em relação as suas duas fortes naturezas, a do amor versus a razão, como também, o seu autojulgamento em dizer que não servia para ele por ser uma simples governanta: “Já confessei que estava certa de que amava Mr. Rochester. E não ia deixar de amá-lo só porque ele não me prestava atenção.” (BRONTË, p. 129).

Após toda a resistência de Jane sobre esse novo sentimento que florescia dentro de si, deixa-se contrabalancear, entrando em contradição sobre seus pensamentos. Vemos isso em uma discussão entre Jane e Mr. Rochester:

— Jane, acalme-se. Não se agite assim, como um pássaro selvagem, frenético, que se depena de desespero.

— Não sou um pássaro. Não estou presa em nenhuma gaiola. Sou um livre ser humano, com uma vontade independente, a vontade que agora me ordena deixá-lo.

[...] — Minha esposa está aqui! — exclamou apertando-me de novo — porque aqui é que estão a minha igual e a minha eleita! Jane, quer casar-se comigo?

[...] — Então, senhor, eu quero me casar com o senhor! (BRONTË, [s.d.], pp. 177-178).

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Notamos que Jane entra em contradição sobre seus princípios, ao mesmo tempo em que julga que ele quer prendê-la, igualmente às convenções sociais que tentavam enjaulá-la em suas regras, ela aceita o pedido de casamento do seu amado. Apesar de sempre ter mantido os seus princípios de liberdade e independência como foco principal na sua trajetória de vida, Jane não consegue mais resistir ao amor e aceita casar-se, embora soubesse o que a esperava dali em diante. Esta passagem mostra novamente as oscilações e os lampejos de Jane da fase feminina para a fase feminista.

Com o passar do tempo, Jane e Mr. Rochester assumem o amor que sentem um pelo outro, tornando-se noivos. Jane mostra-se uma mulher-sujeito ao recusar o dinheiro, as roupas novas e as joias que o seu amado oferece, deixando clara a sua condição de mulher independente e futura esposa. Jane diz:

— Eu desejo apenas uma consciência limpa, senhor. Uma consciência não humilhada por favores degradantes [...]. Prefiro continuar ganhando como governanta de Adèle: assim ganharei meu sustento e meu teto e, além disso, trinta libras por ano. Quero eu mesma fazer o meu enxoval, com o meu dinheiro. E o senhor não precisa me dar coisa alguma além... (BRONTË, [s.d.], p. 189).

Jane, ao recusar esse “luxo” que nunca teve e agora poderia ter, traz duas questões que ajudam a caracterizar o seu caráter: além de mostrar que possui seus próprios princípios em relação à vida e ao casamento, ela também não quer ser submissa e nem dependente do seu marido, pelo contrário, faz questão de continuar ganhando o seu próprio dinheiro e sustentando-se com o seu trabalho, o que para o feminismo significa um grande avanço no pensamento dessa mulher, que quer libertar-se de todos aqueles estereótipos criados sobre as mulheres, mostrando a sua capacidade de conquistar seus objetivos por mérito próprio.

No dia do seu casamento, Jane descobre que Mr. Rochester era casado, e que sua esposa, por apresentar problemas mentais, vivia trancada na casa dele. Jane rejeita casar-se com ele, pois não aceita a condição de amante para a sua vida, fugindo da casa e da vida do seu amado, voltando a ser uma pessoa solitária, porém independente: “Jane Eyre, que fora uma mulher ardente e anelante — quase uma esposa — era de novo uma criatura fria e solitária. A sua vida continuava apagada e suas perspectivas desoladas.” (BRONTË, p. 206). Este trecho é muito significativo, pois mostra mais uma vez Jane colocando-se na posição de objeto, pode-se notar isso no momento em que diz voltar a ser uma “criatura fria e solitária”. Apesar de muitas atitudes dessa personagem serem consideradas avançadas, à frente do seu

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tempo, ela deixa evidente que para ser uma mulher “ardente e anelante” precisaria ter um amor, isto é, coloca-se na posição de mulher que para ser feliz precisa de um homem. Com isso, Jane mostra que ainda tem atitudes que a tornam uma mulher como as de seu tempo, que para ter perspectivas na vida e uma vida não solitária necessita de um marido.

Mr. Rochester é considerado um homem crítico, arrogante e dominador, isso pode ser reflexo dos erros cometidos em seu passado. O fato desse personagem trancar sua esposa em sua própria casa, serve, de modo indireto para Jane, como uma forma de alerta para mostrar aquela sociedade estritamente fechada em suas regras e costumes, mostrando que apesar do verdadeiro amor que Mr. Rochester sentia por ela, ele poderia “trancá-la” (metaforicamente ou não) através do matrimônio, assim como ocorreu com sua esposa legítima. Rochester diz:

[...] E quando eu a tiver empolgado alegremente, para ser minha para sempre, hei de amarrá-la a uma corrente como esta. (E mostrou a cadeia do relógio). Pois é, minha querida pessoinha! Amarrá-la como uma jóia que eu pudesse perder! (BRONTË, [s.d.], p. 189).

Assim como essa citação, há outros momentos em que Rochester usa expressões dominantes sobre Jane, mesmo que de forma carinhosa e no sentido mais bem intencionado, é passado ao leitor um desejo de “propriedade” sobre sua amada. Com isso, Rochester apenas aparenta ser um homem sensato e de morais corretas, mas na verdade, quem realmente mostra uma verdadeira moral e sensatez é Jane, que recusa casar-se com um homem casado:

[...] Você será minha esposa. Não sou casado. Virtual e nominalmente, você será a senhora Rochester. E enquanto vivermos serei só seu. [...] Nem pense que eu queria atraí-la para o erro — torná-la minha amante. Por que é que está sacudindo a cabeça? Jane, é preciso ser razoável. Senão, ficarei mesmo zangado.

Havia tremores na sua voz e nas suas mãos. Premiam-lhe as narinas dilatadas, e os seus olhos coruscavam. Apesar disto, ousei falar:

— Mr. Rochester, a sua esposa está viva. Este é um fato que o senhor reconheceu hoje pela manhã. Se eu ficar com o senhor como é do seu desejo, serei afinal de contas sua amante. Fala de outro modo é sofisma, e é falso. (BRONTË, [s.d.], p. 212, grifo nosso).

É notória a tentativa de Rochester convencer Jane a fazer algo que ele quer, mesmo sendo uma atitude equivocada. Mas Jane opta por seguir seus princípios e valores, que também são os princípios moralistas de uma sociedade que a condenaria se ela se torasse amante de um homem casado. Mesmo sofrendo ela rejeita casar-se com ele, deixando o amor

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de lado e seguindo a razão, assumindo seu papel de sujeito. Ao mesmo tempo, isso é sinal de que ela é objeto, pois está seguindo regras sociais que condenariam uma mulher que ousasse ter um relacionamento com um homem casado. Jane vai contra a sociedade ao mostrar que não depende de ninguém, principalmente de um marido para poder sobreviver, resultando na sua sobrevivência por conta própria.

Novamente será possível notar oscilações no comportamento de Jane quanto ao casamento e a luta pela independência, mostrando um querer libertar-se e ao mesmo tempo um desejo de se entregar a um homem. Podemos ver isso em um momento da narrativa em que Jane é pedida em casamento por John (seu primo) e ela imagina-se casada:

[...] E imaginei-me sua mulher... Oh, nunca! Como discípula, ajudante, tudo iria bem. [...] De certo, vivendo em tais circunstâncias, teria que sofrer. Meu corpo penaria sob um domínio massacrante. Meu coração, porém, e meu espírito, permaneceriam independentes. Eu possuiria o meu mundo, para o qual poderia me voltar, meus pensamentos sem peias, com os quais poderia me entreter nas horas de solitude. Haveria na minha alma um recanto só meu, no qual ele jamais penetraria. E aí me fora possível conservar os meus sentimentos, florindo frescos e abrigados, sem que a sua austeridade os crestasse e os seus passos de conquistador os esmagasse. Mas, como esposa — sempre ao seu lado, contida sempre, sempre oprimida — forçada a manter baixa a flama do meu ser, obrigando-o a se estiolar sem emitir um grito sequer enquanto a chama prisioneira lhe consumisse as fibras, uma por uma — seria inaturável. [...] Em suma, como homem, ele gostaria de me obrigar à obediência. (BRONTË, [s.d.], pp. 282-283).

Esta citação comprova que a busca de Jane por sua autoafirmação é contrabalanceada pelo sentimento de viver submetida a um homem, ocorrendo uma luta entre querer servi-lo ou servir a si mesma. Jane pensa desse modo ao imaginar-se casada com um homem que não ama, contudo, esse pensamento se valida também para Mr. Rochester, pois mesmo amando-o não teria mais coragem de se casar, pois não deseja viver presa e limitada ao casamento. Neste ponto, situando novamente essa personagem no mundo literário, vemos que ela se difere de muitas outras personagens dos romances de sua época, pois podemos observar que Jane tem atitudes consideradas à frente do seu tempo, se diferenciando da maioria daquelas mulheres que vivem na era vitoriana, onde o patriarcalismo ainda era bastante dominante e os costumes impostos pela sociedade eram muito fortes.

Todo esse conflito de sentimentos vivenciado por Jane em sua vida de amadurecimento ocorre pelo fato dessa jovem estar aprendendo a equilibrar-se entre o amor e a razão, assim:

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[...] — Que fazer? E a resposta que o meu espírito deu — “Deixar Thornfield imediatamente” — foi tão pronta, tão imperiosa, que chocou os meus ouvidos. Aleguei:

— Que eu não seja mulher de Edward Rochester, é o menos, na minha opinião. Que eu tenha despertado de um sonho radioso e tenha encontrado pobre e inútil, é um horror que posso sofrer e dominar. Mas que eu tenha de abandoná-lo decididamente, instantaneamente, inteiramente, é intolerável. Não posso fazer isso.

Entretanto uma voz íntima assegurou o contrário e predisse que eu o faria. Lutei contra a minha própria resolução. Desejei ser fraca para evitar o transe terrível que me esperava. Mas a consciência, tornando-se tirana, estrangulou a paixão e disse-lhe com escárnio que ela já havia atolado o pezinho na lama e que, com braços de ferro, a empurraria para as insondáveis profundezas da agonia. (BRONTË, [s.d.], pp. 207-208).

Este conflito interno de Jane faz que com ela fique completamente indiferente aos erros de Mr. Rochester por causa do excesso de amor que sentia por ele, resultando em uma terrível decepção sentida por ela. Ao mesmo tempo, o excesso de razão e de moral faz esta heroína buscar sua própria identidade longe do homem que amava.

Ao longo do romance, Jane nunca possuiu um “teto todo seu”, por isso, apesar de todas as suas atitudes e pensamentos, continua sendo subordinada, mas esta personagem sempre foi muito questionadora, tornando-se sujeito de muitas das suas ações. Com isso, ela oscila entre ser objeto e sujeito, apesar disso, Jane sempre quis ser vista como uma mulher livre, que podia decidir sozinha suas próprias escolhas, rejeitando ser um objeto passivo e manipulável.

Já discutimos aqui que Beauvoir mostra em seu ensaio que para a mulher ser autora de suas próprias escolhas, ela primeiro precisa tornar-se sujeito, e é isso que Jane faz até certo ponto da obra, ela se firma como sujeito forte e inteligente, impondo-se em uma sociedade exclusiva aos homens.

No entanto, apesar de toda essa liberdade e independência conquistada por Jane, ela também se deixa submeter em vários momentos na obra. E o final desta personagem no romance é muito simbólico, pois, analisando-o socialmente, vemos que Jane aceita adequar-se aos valores e padrões de uma sociedade patriarcal, pois ela casa-se com Mr. Rochester, dedicando agora todo o seu tempo para cuidar dele (porque ele estava cego) voltando a ser um objeto igualmente na sua infância.

Tenho agora dez anos de casada. Sei o que é viver inteiramente com e para o que mais ama na terra. Considero-me feliz — mais feliz do que a linguagem pode exprimir, porque sou a vida do meu marido, tanto quanto ele é a minha vida. Nenhuma mulher se integrou mais no seu esposo do que eu: fiz-me,

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cada vez mais, osso do seu osso e a carne de sua carne. [...] (BRONTË, [s.d.], p. 312).

Esta passagem no final do livro mostra o típico “final feliz” desta fase, neste caso, Jane talvez se entregou totalmente ao casamento pois ela sempre teve o desejo de ser amada, o que se concretiza apenas no final. O seu trabalho agora gira em torno de cuidar de Mr. Rochester, que por estar cego fica dependente de Jane, com isso, ela deixa de ganhar o seu próprio dinheiro, para dedicar-se totalmente ao seu amado.

Portanto, Charlotte Brontë traz para dentro desta obra a mulher que atua na sociedade como um ser capaz de enfrentar certos padrões e estereótipos. As atitudes dessa personagem são comuns na fase feminista, por possuir pensamentos e atitudes próprias que vão à frente do seu tempo, com isso, aborda temas como a independência da mulher, liberdade e direitos iguais, mas, ao mesmo tempo, esta autora explana temas como o amor, a submissão, e os anseios da mulher que deseja se casar, e, ao fazer isto, ela enquadra também esta personagem dentro da fase feminina (que é a fase principal de Jane), pois estes últimos temas são comuns nessa fase.

4. Considerações finais

De inicio, foi feita neste trabalho uma revisão bibliográfica em teorias sobre o movimento feminista e sobre a crítica feminista na literatura, em seguida, foi analisada uma personagem feminina a partir das teorias estudadas. É possível reconhecer que a mulher, apesar de ter sido considerada por muito tempo um ser oprimido, se destacou por suas lutas ao longo da sua trajetória, na realização de direitos como: trabalhar, votar, e se mostrar igual ao homem, além disso, até hoje, ela busca por completo seu espaço no âmbito social, político e cultural.

Deste modo, o objetivo do presente artigo foi analisar a condição da mulher como objeto e sujeito dentro da obra Jane Eyre, de Charlotte Brontë, mostrando os fatores que contribuíram para a manifestação desta personagem tanto como um mero objeto, assim como um indivíduo-sujeito, participante e atuante em sua sociedade, buscando obter a igualdade de direitos e escolhas igual ao sexo oposto.

A partir da analise, foi possível alcançar o objetivo proposto neste trabalho, pois se notou que a personagem analisada coloca-se na condição de uma mulher ora objeto ora sujeito. Para isso, foi necessário observar as condições que levaram essa personagem a ser

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classificada desse modo, com isso, analisaram-se as condições e o ambiente que rodeiam esta mulher, bem como a sociedade de sua época juntamente com suas regras sociais, assim chegou-se a conclusão de que esta personagem encaixa-se em duas fases do feminismo literário, isto é, a fase feminina e a fase feminista, oscilando entre essas fases, saindo em vários momentos da submissão e da condição de mulher apaixonada, para a fase da mulher decidida e independente, mas que ao final do romance volta novamente para a sua fase principal, a de mulher-esposa.

Esta obra abre caminhos para outras possíveis análises, pois é possível analisar as simbologias do romance, o romance entre Jane e Rochester e seus obstáculos, bem como o drama que envolve o romance, além do fato de este marido manter sua primeira esposa trancada em um quarto por ela ter problemas mentais.

5. Referências Bibliográficas

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BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 1. Fatos e Mitos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980a.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 2. A experiência vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980b.

BONNICI, Tomas. Teoria e crítica literária feminista: conceitos e tendências. Maringá: Eduem, 2007.

BRONTË, Charlotte. Jane Eyre. Trad. Sodré Viana. Ediouro, [s.d]

MICHEL, Andrée. O feminismo: uma abordagem histórica. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1982.

O’BRIEN, Kate. The Romance of English Literature. New York: Adprint Limited London, 1944.

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WOOLF, Virginia. A Room of One’s Own. London: Penguin Classics, 2000.

ZOLIN, Lúcia Osana. “Crítica Feminista”. In BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana (orgs). Teoria Literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: Eduem, 2003a. pp. 161-182.

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