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EDUCAÇÃO ESCOLAR E OS ÍNDIOS URBANOS DE CAMPO GRANDE/MS: considerações preliminares sobre as práticas de ensino nas escolas

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EDUCAÇÃO ESCOLAR E OS ÍNDIOS URBANOS DE CAMPO GRANDE/MS: considerações preliminares sobre as práticas de ensino nas escolas

Antônio Hilário Aguilera Urquiza (UFMS) Carlos Magno Naglis Vieira (UCDB) Resumo: O artigo é baseado em considerações preliminares de um projeto de pesquisa em andamento. As reflexões que serão apresentadas, além de contribuir para um assunto muito pouco trabalhado no cenário acadêmico, porém em construção, nas pesquisas em Educação, busca apresentar algumas práticas pedagógicas dos docentes com relação aos estudantes indígenas matriculados nas escolas de Campo Grande/MS. Com uma metodologia de caráter qualitativo que estabelece uma relação entre identidade, diferença e cultura(s), tendo como eixo de interpretação os processos históricos que produzem sentidos e os significados que realçam ainda mais as relações de poder que hierarquizam as diferentes culturas, o texto está amparado em um referencial bibliográfico com interface na educação, na antropologia e nos estudos de cultura, como: Bhabha (1998), Caldeironi (2011), Freire (2006), Silva (2009 e 2011) e Sobrinho (2011). Com uma população de aproximadamente 6 mil índios, distribuídos em 5 aldeias urbanas (Marçal de Souza, Darcy Ribeiro, Água Bonita, Tarsila do Amaral e Indubrasil), Campo Grande, capital do Estado do Mato Grosso do Sul, possui 491 estudantes indígenas (SEMED, 2011) matriculados nas 93 escolas municipais da cidade. Pesquisas iniciais apontam a necessidade de uma maior aproximação epistemológica com a temática, uma prática pedagógica de exclusão, silenciamento, subalternização e marginalização do diferente, resultante de um forte preconceito historicamente construído de parte da sociedade não-indígena e evidencia que as crianças indígenas que estudam nas escolas urbanas de Campo Grande/MS fazem do espaço escolar um “entre-lugar” constituindo estratégias próprias para garantir e afirmar o modo de ser indígena. Palavras-Chave: índios em contexto urbano, Campo Grande/MS, educação escolar, prática de ensino e identidade/diferença.

Introdução

Nos últimos anos, muitas publicações sobre as populações indígenas foram produzidas, perpassando as várias áreas do conhecimento. Essas publicações destacam e apontam questões fundamentais de uma diversidade de epistemologias que são construídas ao longo do processo. No meio desse universo de pesquisas, cujo tema se refere às populações indígenas, muito pouco estudo tem sido produzido sobre os índios em contexto urbano.

Ao direcionar a lente dos estudos para a criança indígena em contexto urbano, nota-se um número ainda menor de trabalho. Nesse sentido, o texto além de contribuir com um campo de pesquisa em construção, pretende proporcionar elementos significativos para novas discussões teóricas e metodológicas.

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Assim, o texto EDUCAÇÃO ESCOLAR E OS ÍNDIOS URBANOS DE CAMPO GRANDE/MS: considerações preliminares sobre as práticas de ensino nas escolas, fruto de um projeto de pesquisa em andamento, tem como objetivo principal apresentar algumas práticas pedagógicas dos docentes com relação as crianças indígenas matriculadas nas escolas de Campo Grande/MS. Para o tratamento desse objetivo proposto faz-se necessário uma aproximação das produções já realizadas sobre a temática, principalmente de autores como: Freire (2006), Sobrinho (2011) e Caldeironi (2011). Essas e outras produções serão fundamentais para compreender as práticas de ensino dos docentes que circulam pelas escolas que possuem estudantes indígenas. Além do referencial bibliográfico, centrado no campo dos Estudos Culturais e da Teoria Pós-Crítica, com interface nos conhecimentos que têm como suportes a História, a Antropologia e a Pedagogia, o texto é composto de depoimentos de professores e alunos indígenas que circulam por escolas municipais de Campo Grande.

A metodologia de caráter qualitativo, a qual será apresentada no texto estabelece uma relação entre identidade, diferença e cultura(s), tendo como eixo de interpretação os processos históricos que produzem sentidos e os significados que realçam ainda mais as relações de poder que hierarquizam as diferentes culturas.

A seleção do campo teórico surgiu porque “as análises feitas [...] não pretendem nunca ser neutras ou imparciais” (SILVA, 2011, p.234), com isso é preciso “descrever o processo contínuo de separação, realinhamento e recombinação de discursos, grupos sociais, interesse políticos e estrutura de poder, numa sociedade [...] de descrever os processos discursivos pelos quais os objetos e identidades são formados ou pelos quais se lhe atribuem significado” (SILVA, 2009, p.21). Dessa forma, a escrita, fundamentada nessa perspectiva teórica permite o autor desconstruir a noção de cultura como algo fixo e naturalizado e compreender que as populações indígenas se “deslocam no tempo e no espaço e, no entanto, em diferentes espaços e latitudes, as particularidades se reafirmam, [...] reivindicam um lugar próprio e singular, fazendo de nosso tempo um tempo aparentemente esquizofrênico” (GUSMÃO, 2008, p.48).

Depois de anunciar rapidamente o objetivo do texto e o campo teórico no qual pretendemos transcorrer a escrita do artigo, o trabalho apresenta o cenário indígena de Campo Grande/MS, destacando dados numéricos, aldeias e a história de contato dessa população. Em seguida, elabora uma cartografia dos estudantes indígenas matriculados na Rede Municipal de Ensino. E, por fim, procura descrever algumas práticas pedagógicas de docentes de escolas com alunos indígenas e como essas práticas de

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ensino impregnam a vida desses índios nesse tempo de “modernidade líquida” (BAUMAN, 2001).

Os índios no contexto urbano de Campo Grande/MS

Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, é uma cidade multicultural, pois possui uma população com inúmeros sotaques, oriundos de migrações nacionais (nordestinos, mineiros, paulistas, catarinenses, paranaenses, baianos e gaúchos) e estrangeiros vindo da América, Europa, Ásia e Oriente Médio (paraguaios, bolivianos, portugueses, húngaros, russos, búlgaros, gregos, franceses, poloneses, italianos, alemães, sírios, armênios e japoneses).

Os migrantes estrangeiros que povoaram o município, principalmente na década de 20, são populações de origem colonizadora. Essas populações, além do interesse no domínio e na exploração do outro, provocaram um silenciamento dos grupos que já habitavam o local, os afrodescentes e as populações indígenas. No entanto, essa “colonialidade do poder” que ainda perdura na cidade, evidencia que os grupos estrangeiros fixaram uma “hierarquia racializada: brancos (europeus), mestiços e, apagando suas diferenças históricas, culturais e lingüísticas, índios e negros como identidades comuns e negativas” (WALSH, 2009, p.14)..

Assim, como descrito acima, a cidade além de abrigar na sua formação étnica, migrantes estrangeiros e nacionais, possui um considerado número de afrodescentes e uma crescente população indígena. Esses povos, desde a colonização, vêm sendo posicionados como minorias étnicas e por esse motivo, têm vivido “nas margens da sociedade branca ou como obstáculos para a implantação dos valores civilizatórios, sendo vistos como ervas daninhas que devem ser eliminadas, sufocadas” (BACKES e NASCIMENTO, 2011, p.25) e silenciadas da identidade de Campo Grande/MS.

A população indígena na cidade de Campo Grande/MS é de aproximadamente 6 mil pessoas, segundo os dados do IBGE-2010. Esses índios, em sua grande maioria, mulheres, viram na cidade a oportunidade de melhorar suas condições de vida, principalmente no tocante aos laços de parentescos, relações de trabalho, a falta de terra, problemas políticos na aldeia e a educação escolar. Segundo os estudos de Mussi (2006), esse fato torna-se evidente devido à restrita condição de trabalho que existe na aldeia. Para os estudantes indígenas que frequentam o Programa Rede de Saberes da UCDB, aqueles que ainda resistem em permanecer na aldeia, se não possuir um trabalho

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no setor público (ex. professor, agente de saúde) fica limitado ao trabalho no setor agro-industrial, mais especificamente, nas usinas de cana de açúcar.

Os índios quando chegam à cidade acreditam que poderão encontrar oportunidades para recomeçar a vida. “Esperam reencontrar, nos espaços urbanos, uma sociedade que os recebam com dignidade, e que as portas de um trabalho possam se abrir; acreditam ainda na reintegração do não-índio com o indígena” [...] (MAGALHÃES, 2009, p.206)..

Em Campo Grande, a população indígena encontra-se dividida em 5 (cinco) aldeias, consideradas “aldeias urbanas”, sendo: a Aldeia indígena Marçal de Souza (localizada na zona leste da capital no bairro Tiradentes), Aldeia indígena Água Bonita (localizada na zona norte da cidade nas proximidades do bairro Nova Lima), Aldeia indígena Tarsila do Amaral (próxima a Aldeia indígena Água Bonita), Aldeia indígena Darcy Ribeiro (localizada na parte noroeste do município, proximidade do bairro Jardim Noroeste) e Aldeia indígena do Núcleo Industrial (localizada na zona oeste de Campo Grande, nas mediações do Núcleo Industrial). Além das comunidades já formadas, existem aqueles que residem em bairros afastados do centro da cidade, nas periferias, como os bairros: Tiradentes, Guanandi, Itamaracá, Tarumã, Conjunto Aero Rancho, Parque do Laranjal, São Jorge da Lagoa, Jardim Leblon, Jardim Carioca, Talismã e Morada Verde.

A primeira aldeia urbana a ser constituída em Campo Grande/MS é a Marçal de Souza, no ano de 1998. A aldeia é formada por famílias da etnia Terena que se deslocaram principalmente dos municípios de Aquidauana, Sidrolândia, Miranda e de outras cidades do Estado e até mesmo fora dele. A aldeia encontra-se em uma área de 4 (quatro) hectares e 9.300 (nove mil e trezentos) metros quadrados, doada no dia 25 de janeiro de 1973 pelo prefeito municipal Antônio Mendes Canale, a FUNAI, em ocasião a Lei Municipal de nº 1.416 (MUSSI, 2006).

A ocupação da área pelos povos indígenas ocorreu em 09 de junho de 1995 com um total de 100 famílias, sendo 353 indivíduos (158 adultos e 195 crianças). Após inúmeras iniciativas dos moradores da aldeia indígena ante o poder público, cobrando melhores condições de vida e a inserção definitiva ao contexto urbano, a prefeitura no ano de 1999 inaugurou 163 casas, sendo todas “de alvenaria, cujos telhados lembram muito a antiga disposição das aldeias em forma de círculos, ou seja, o antigo sistema tradicional” (MUSSI, 2006, p.262). Ainda nesse mesmo ano, foi fundada na aldeia a Escola Municipal Sulivan Silveste Oliveira – Tumune Kalivono “Criança do Futuro”.

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Nos dias atuais, a situação dos indígenas na aldeia urbana Marçal de Souza tem características muito diferentes daquelas de anos anteriores, pois conta com um número maior de famílias, uma mulher cacique para representar a liderança da aldeia e sofrem as mesmas dificuldades das demais famílias carentes que habitam as periferias de Campo Grande/MS, a falta de qualificação para o emprego, saneamento básico e asfalto.

A Aldeia indígena urbana Água Bonita, segunda a ser constituída na cidade, está localizada no bairro Vida Nova III, periferia do município. Fundada em 14 de maio de 2001, a aldeia possui uma história quase que semelhante a Aldeia Marçal de Souza, principalmente com relação à fundação da mesma e os enfrentamentos realizados junto ao poder público. A área começou a ter contornos de aldeia urbana a partir da criação da Associação dos índios Kaguateca Marçal de Souza em 1987. A associação formada pelas lideranças indígenas da aldeia foi responsável por cobrar junto a Prefeitura Municipal de Campo Grande e do Governo do Estado de MS uma melhor qualidade de vida para o seu povo.

Após inúmeros enfrentamentos políticos a Associação dos índios Kaguateca Marçal de Souza firmou um convênio com o Governo do Estado, junto ao Idaterra para a construção de casas e delimitação da área da aldeia. A partir desse convênio a aldeia indígena urbana foi fundada com uma área de 11 hectares, sendo 8 hectares para uso comum dos indígenas e da população local do bairro e 3 hectares para reserva ambiental (MUSSI, 2006).

A aldeia Água Bonita possui indígenas da etnia Guarani, Kaiowá, Kadiwéu, Guató e Terena, sendo estes últimos a maioria. Atualmente mora na aldeia cerca de 70 famílias que sobrevivem da construção civil, comercialização de frutas em feiras livres e na feira indígena que se situa próxima ao Mercado Municipal de Campo Grande. Diferente da Aldeia Marçal de Souza, a população indígena da aldeia Água Bonita é maioria adulta, sendo uma pequena parcela de crianças e jovens.

A Aldeia Urbana Darci Ribeiro localizada no Jardim Noroeste se constitui em 2006, após a ocupação da área por um grupo de 60 famílias indígenas. Com a liderança de Mário Turíbio (falecido), as famílias acamparam no local, até a chegada de uma decisão judicial do Prefeito Nelson Trad Filho. Após inúmeras tensões entre índios e autoridades municipais foi iniciada a construção de casas para a população (BITTAR, 2011).

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Campo Grande/MS ainda possui duas comunidades indígenas: a Tarsila do Amaral e o Núcleo Industrial. A população indígena da aldeia das duas comunidades não ultrapassa 100 famílias de índios da etnia Terena, Guarani, Kaiowá e Kadiwéu, morando em aproximadamente 150 casas. A Prefeitura de Campo Grande considera como sendo aldeias improvisadas, cuja denominação recebe o nome de aldeia-favela. Segundo relato de indígenas que moram no local, a vinda para Campo Grande/MS ocorreu por causa da difícil situação econômica na aldeia. A realidade apresentada, principalmente na comunidade indígena Tarsila do Amaral não é diferente da vivida na aldeia, para muitos pode até ser considerada pior. Os indígenas que ali residem vivem confinados em uma pequena área geográfica e uma situação de pobreza extrema.

Uma cartografia dos estudantes indígenas nas escolas municipais de Campo Grande/MS

Nessa seção do texto, não pretendemos somente apresentar uma cartografia dos estudantes indígenas nas escolas da Rede Municipal de Educação, mas tentar oferecer elementos significativos capazes de contribuir para futuras pesquisas com populações indígenas em contexto urbano. Mostrar que esses estudantes indígenas que freqüentam as unidades escolares se relacionam e dialogam com outros estudantes, e mais especificamente, pensar em políticas públicas que possam atender esse segmento da população local.

A opção de restringir a escrita do texto ao cenário das escolas da Rede Municipal é uma estratégia metodológica. Primeiro, porque as escolas mais próximas das aldeias urbanas são do município e segundo porque a Rede Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul não apresenta dados significativos sobre os estudantes indígenas que freqüentam as escolas urbanas de Campo Grande. Para a Secretaria de Educação do Estado, os únicos números apresentados de matrículas indígenas são referentes às escolas indígenas, ou seja, eles desconsideram os índios que residem na cidade e estudam nas escolas não- indígenas.

Em Campo Grande, a Secretaria Municipal de Educação/SEMED possui atualmente 93 escolas, organizadas e distribuídas em áreas urbanas e rurais. Segundo dados da SEMED, no ano de 2011 foram matriculadas um total de 491 crianças indígenas. Para os gestores da SEMED, existe um número ainda maior de índios

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matriculados nas escolas, pois em anos anteriores a população indígena que freqüentava as escolas da rede municipal era superior a 900 alunos. Por esse e outros motivos, os gestores levantam duas questões para tentar justificar o problema. A primeira delas seria a regularização do período de matrícula escolar. Segundo eles muitas crianças são matriculadas nas escolas públicas fora do período, com isso, os dados acabam não sendo preenchidos corretamente, principalmente no que se refere à origem étnica.

Em conversa com diretores de escolas, cujas unidades escolares, ficam localizadas próximas as aldeias urbanas, o fato acontece como muita freqüência, principalmente, porque muitas famílias retornam a aldeia de origem no período de férias e acabam voltando para a cidade somente após o início do ano escolar. De acordo com os gestores, a SEMED está estudando uma alternativa de antecipar o calendário de matrícula, principalmente nas escolas com maior número de estudantes indígenas.

A segunda justificativa e talvez a que mais merece atenção dos pesquisadores, é que mesmo sabendo do direito assegurado pela Constituição Federal de 1988 à educação diferenciada, os estudantes indígenas, na intenção de garantir alternativas para permanecer no espaço escolar, acabam assumindo outras identidades. O fato da criança indígena, mesmo vivendo em espaços urbanos negar sua identidade, não significa que elas abram mão de sua identidade étnica, mas é resultado do esforço de manter-se inserida e poder negociar com os demais sujeitos da escola.

Os estudantes indígenas matriculados na rede encontram-se distribuídos em 20 escolas. As escolas que concentram um maior número de matrículas de índios ficam localizadas nas proximidades das aldeias urbanas. Sendo elas: Escola Municipal João Candido de Souza (Aldeia Urbana Água Bonita) com 104 alunos indígenas; Escola Municipal Professora Ione Catarina Gianotti Igydio (Aldeia Urbana Darcy Ribeiro) com 79 alunos; Escola Municipal Sulivam Silvestre Oliveira – Tumune Kalivono (localizada na aldeia Marçal de Souza) com 74 alunos; Escola Municipal Professor Arassuay de Castro (Aldeia Urbana Darcy Ribeiro) com 21 alunos; Escola Municipal Rachid Saldanha Derzi (Aldeia Urbana Darcy Ribeiro) com 20 alunos.

Dentre os dados apresentados pela SEMED, o maior número de matrículas indígenas estão concentrados nos Anos iniciais do Ensino Fundamental, mais especificamente entre o 1° e o 5° Ano. Esses alunos, em sua maioria do sexo feminino, buscam na escola, um aprendizado dos códigos ocidentais para tornar-se um instrumento facilitador do diálogo entre os não-índios (FREIRE, 2006).

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Além das escolas municipais apresentadas existem outras instituições que possuem um número significativo de alunos indígenas, como: a Escola Antônio José Paniago, no Jardim Itamaracá e a Escola Professora Olivia Enciso, no Bairro Tiradentes com 11 alunos matriculados. A escola Padre Thomaz Ghirardelli, no Bairro Dom Antônio Barbosa e a escola Professora Arlene Marques Almeida, no Jardim Canguru com 9 alunos. Na escola Professor Vanderlei Rosa de Oliveira, no bairro Novo Maranhão, o número de alunos indígenas é de oito matriculas.

Dentre as escolas mencionadas e as demais instituições que tem no seu espaço estudantes indígenas, podemos perceber que os currículos e as práticas pedagógicas não atendem as diferenças. Ao contrário, as práticas de ensino e os currículos que se fazem presentes nas escolas reforçam o modelo hegemônico de educação. Em outras palavras, o diferente é excluído, inferiorizado, silenciado e aprisionado em sua diferença cultural, o que não permite a possibilidade de movimento e dinamismo e impede a produção de outros sentidos (BHABHA, 1998).

As praticas de ensino nas escolas municipais para os povos indígenas

A possibilidade de realizar um trabalho com os povos indígenas em contexto urbano é sempre um convite a aprender, pois trata-se de um cenário de pesquisa em construção. Assim, além da dificuldade de escrever sobre a temática, nessa seção, o artigo tem como proposta apresentar algumas práticas pedagógicas dos docentes com relação às crianças indígenas matriculadas nas escolas de Campo Grande/MS. A intenção de apresentar essas práticas de ensino dos docentes vem no sentido de mostrar que uma boa prática pedagógica não pode ser realizada sem garantir conflitos e tensões, e sem que o conceito de cultura não esteja presente.

Os escritos que serão apresentadas no texto são elaborados a partir de experiências preliminares na aldeia urbana Marçal de Souza e de pesquisas exploratórias realizadas nas escolas da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande/MS. Para fundamentar as reflexões foram selecionados como eixo de análise os conceitos de identidade e diferença. A escolha desses conceitos ocorreu porque durante as visitas na aldeia se fizeram presentes, principalmente nas relações de tensões que vão se formando no espaço escolar.

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O estudante indígena ao chegar à escola depara-se com uma realidade diferente das escolas indígenas das aldeias rurais. Em determinadas situações podem ser considerados “alienígenas na sala de aula”, pois são cerceados e invadidos por códigos ocidentais que não conhecem plenamente e não dominam. Essa questão pode ser compreendida nos escritos da índia Terena Maria de Lourdes (2010)

Quando cheguei à sala de aula, meu primeiro impacto foi com a questão da língua isto é, eu falante da língua terena e a professora da língua portuguesa. Quando ela começou a explicar a matéria parecia que eu estava em outro mundo, pois não entendia nada do que ela estava falando. Fiquei olhando para ela com vontade de dizer que não estava entendendo nada, mas não sabia como falar. Sei que aos poucos fui decorando os nomes das letras e consegui com muito custo juntar as sílabas e a decodificar tudo o que lia.

Tanto para os estudantes indígenas quanto para os professores não-índios observamos que ambos ficam em uma posição de alienação. O estudante por depositar no professor a confiança de ser o mediador e facilitador das dificuldades encontradas no espaço escolar, e o professor por não conhecer a cultura dos índios. Diante dessas e outras situações encontradas nas escolas, observamos que os estudantes indígenas conseguem melhores resultados frente às práticas pedagógicas dos docentes do que o professor quanto a alteridade dos alunos indígenas.

Os professores por não conseguirem conhecer a realidade de seus alunos indígenas acabam desenvolvendo práticas pedagógicas de exclusão, silenciamento, subalternização e marginalização do diferente. Muitas dessas práticas são resultantes do modelo hegemônico de escola, a qual seleciona saberes, valores, práticas e outros referentes que consideram adequados ao seu desenvolvimento.

Em conversa com professores de uma escola da Rede, uma professora de Matemática relatou a seguinte situação:

Sempre percebi que os alunos indígenas dos anos iniciais tinham muita dificuldade na matemática. Atividades de raciocínio lógico, operações matemáticas simples, situação problema; eles não tinham rendimento satisfatório. Após algum tempo trabalhando com eles, mudei a minha prática de ensino. Passei a montar a estrutura dos problemas junto com eles.

Analisando o discurso da professora sobre os alunos índios é possível perceber duas questões sobre as quais podemos refletir. Na primeira parte do relato da professora, percebemos que ela traz a dificuldade matemática somente para os estudantes indígenas. A mesma esquece que essas dificuldades apresentadas, também podem ocorrer com os

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alunos não-índios. Mas, o que acontece em muitas situações é que o estudante indígena está destinado ao fracasso escolar. Na segunda parte do discurso da professora, percebemos que ela conseguiu rever um pouco da sua prática pedagógica em sala, principalmente com relação às crianças indígenas.

A professora iniciou uma prática com uma proposta baseada no diálogo e na troca de conhecimento de diferentes grupos. Essa proposta poderia ser adotada pelas escolas, para que assim, os segmentos que estão à margem da população pudesse ter a oportunidade do diálogo e que o regime disciplinador fosse colocado sob tensão. Desse modo, poderíamos pensar em uma educação que apareça como

- Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade.

- Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença.

- Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados (CANDAU e OLIVEIRA, 2010, p.14).

No diálogo com outra professora [Educação Física], ela relatou a seguinte situação:

Preparei uma atividade sobre jogos indígenas na Semana do Dia do Índio. Pesquisei muito na internet. Levei alguns materiais. Durante a aula na quadra de esporte perguntei: quem é índio? Quem é índio? Ninguém respondeu. Depois mudei a pergunta: Alguém sabe algum esporte indígena? As crianças indígenas não responderam. Eu sabia quem era índio. No final acabei me irritando porque ninguém respondeu. Percebi que ninguém sabia nada.

No discurso da professora constata-se que ela não percebeu, mas, iniciou sua fala excluindo a criança indígena. Pois, ao perguntar quem é índio? A professora acaba separando o outro que está à margem. Ainda nessa ocasião, quem iria se identificar como diferente no meio de um grupo onde a superioridade colonizadora se sobressai. Nessa situação, a criança indígena acaba negando sua identidade com medo de discriminação ou preconceito. Essa estratégia, que denominamos de “negociação” é muito utilizada pelos indígenas em contexto urbano, principalmente para permanecer em um determinado local.

Nesse mesmo discurso podemos levantar outra questão. Será que os jogos praticados pelos indígenas são diferentes daqueles praticados pelos não-índios? Será que

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o futebol não é um esporte praticado na aldeia? Ao perguntar sobre: alguém sabe um esporte indígena? A professora mostra que ela também desconhece um esporte indígena. O que espera do profissional de educação é que ele seja “um sujeito da compreensão” onde não nega a diferença, mas se “apropria da diferença traduzindo-a à sua própria linguagem” (DUSCHATZKY, SKLIAR, 2001, p.19).

Como podemos observar os professores tem dificuldade de reconhecer a diferença e com isso não conseguem questionar os conceitos hegemônicos e permanentes que excluem o outro. Diante disso, percebemos que muitos estudantes, principalmente aqueles que chegaram recente da aldeia, “vivem a angústia permanente de pensar na fronteira do saber/poder ocidental, sobre o saber/poder ocidental, contra o saber/poder ocidental, produzindo um terceiro tempo/espaço (BHABHA, 1998), que permita subvertê-lo ao mesmo tempo em que signifique a legitimação do saber/poder de seu povo” (BACKES e NASCIMENTO, 2011, p.27).

Assim, após uma tentativa desafiadora de escrever e refletir sobre as práticas pedagógicas que circulam nas escolas com alunos indígenas, pensamos que é o momento de encerrar a escrita. Uma escrita que precisa percorrer muitos caminhos investigativos para uma boa produção, uma escrita que apesar de mostrar uma linguagem já atravessada e ressignificada com as leituras do campo teórico, “precisa virar do avesso muitas de [nossas] convicções” (BUJES, 2007, p.37).

Penso que é o momento de parar, porque não estamos mais conseguindo “afiar as palavras”, como escreve Corazza (2007). Não estamos sendo mais pesquisadores envolvido, atravessado e totalmente mobilizado pelo tema, como Bonin (2007). Todos esses problemas vêm se acumulando com a necessidade de maior aproximação epistemológica com a temática e as irritações teóricas que o campo dos Estudos Culturais tem provocado, principalmente porque vai aparecendo uma variedade de caminhos por onde a pesquisa com povos indígenas urbanos podem se entrelaçar.

REFERENCIAS

BACKES, José Licínio; NASCIMENTO, Adir Casaro. Aprender a ouvir as vozes dos que vivem nas fronteiras étnico-culturais e da exclusão: um exercício cotidiano e decolonial. Série-Estudos (UCDB), v. 31, 2011.

BAUMANN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998.

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BONIN, Iara Tatiana. E por falar em povos indígenas...: quais narrativas contam em práticas pedagógicas? Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 2007. (Tese de Doutorado em Educação).

BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Descaminhos. In: Marisa Vorraber Costa. (Org.). Caminhos Investigativos II - outros modos de pensar e fazer pesquisa em Educação. 2 ed. Rio de Janeiro (RJ), 2007, v. , (p. 31)

CALDERONI, Valéria Aparecida Mendonça de Oliveira. Nas tramas da igualdade e da diferença frente a alteridade dos alunos indígenas. Campo Grande: Universidade Católica Dom Bosco, 2011. (Dissertação de Mestrado em Educação).

CANDAU, Vera Maria Ferrão; OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. Pedagogia decolonial e educação antirracista e intercultural no Brasil. In: Educação em Revista. v. 26. Belo Horizonte: UFMG, 2010 (p.14)

CORAZZA, Sandra Mara. Labirintos da pesquisa, diante dos ferrolhos. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.). Caminhos Investigativos I: novos olhares na pesquisa em educação. Rio de Janeiro: Lamparina editora, 2007.

DUSCHATZKY, Silvia, SKLIAR, Carlos. O nome dos outros. Narrando a alteridade na cultura e na educação. In: LARROSA, Jorge; Skliar, Carlos (Org.). Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. (p.19). FREIRE, Maria do Céu Bessa. A criança indígena na escola urbana: um desafio intercultural. Universidade Federal do Amazonas, 2006. (Dissertação de Mestrado de Educação).

GUSMÃO, Neuza Maria Mendes de. Antropologia, Estudos Culturais e Educação: desafios da modernidade. Pró-Posições, v. 19, n. 3 - set./dez, 2008. (p.48)

MUSSI, Vanderléia Paes Leite. As estratégias de inserção dos índios Terena: da aldeia ao espaço urbano (1990-2005). Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Assis, 2006 (Tese de Doutorado em História).

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___________. Documentos de Identidade: uma introdução as teorias do currículo. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2011 (p.234).

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SOBRINHO, Roberto Sanches Mubarac. Vozes Infantis: as culturas das crianças escolares como elementos de (dês) encontros com as culturas das crianças Sateré-Mawé. Manaus: Editora Valer, Fapeam, 2011.

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