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1. O maoísmo representa, na história do marxismo, a mais original e rigorosa interpretação de

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8

LESTE VERMELHO

revista de estudos críticos asiáticos

issn 2446-7278

número 1 – junho de 2015

.

NOTAS SOBRE O MAOÍSMO

márciobilharinho naves1

1. O maoísmo representa, na história do marxismo, a mais original e rigorosa interpretação de Marx, aquela que soube capturar as determinações profundas de O capital, identificando o caráter anti-economicista, anti-teleológico e anti-juridicista (anti-humanista) que nele se encontrava em estado prático. Nesse sentido, ele é um corpus que compreende, além da obra de Mao Tsé-tung, as contribuições do núcleo dirigente da revolução cultural, notadamente, de ZhangChunqiao e Yao Wenyuan, assim como de maoístas ocidentais como Charles Bettelheim, Bernard Fabrègues (Bernard Chavence) e Alain Badiou, e daqueles que foram, em grau e medida variados, influenciados pelo pensamento de Mao, como Louis Althusser, Gianfranco La Grassa e Maria Turchetto.2 Mas o maoísmo também

1

Professor aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e autor de A questão do direito

em Marx, São Paulo, Outras Expressões/Dobra, 2014.

2 Além de suas Obras escolhidas, Pequim, Edições em Línguas Estrangeiras, 1975, das Opere complete, Milão,

EdizioniRapportiSociali (disponível em http://www.nuovopci.it/arcspip/rubriqueb645.html), pode-se ler de Mao o importante trabalho: Crítica ao Manual de economia política, in Hu Chi-Hsi (org.), Mao Tsé-Tung e a

construção do socialismo, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1975, assim como os seus textos difundidos durante

a revolução cultural (cf., por exemplo, Mao Tse-Toung, Livre rouge de laRevolutionculturelle, Bruxelas, La

Taupe, 1971; de Zhang Chunqiao, pode-se ler, Sulladitatturaintegralesullaborghesia e de Yao Wenyuan,

Sobre a claque revisionista de LinPiao, ambos em Mao Tsé-tung, Opere complete, cit., t. 25; de Charles Bettelheim, Revolução cultural e organização industrial na China, Rio de Janeiro, Zahar, 1979, Sociedades de transição: luta de classes e ideologia proletária (juntamente com Paul Sweezy), Portucalense, Porto, 1971, China e U.R.S.S.: dois “modelos” de industrialização (juntamente com Marco Macciò), Portucalense, Porto, 1971 e A luta de classes na União Soviética, t. 1, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979 (notadamente o importante ‚Prefácio‛), e A luta de classes na União Soviética, t. 2, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983; de Bernard Fabrègues (Bernard Chavance), Organisationcapitaliste et organisationsocialistedutravail (I: Propriété et gestion) inCommunisme, nº 16-17, 1975, Organisationcapitaliste et organisationsocialistedutravail (II: Machinisme et capitalisme) in Communisme, nº 18, 1975, Organisationcapitaliste et organisationsocialistedutravail (III. Chine: machinisme, science et technique), in Communisme, nº 19, 1975, , Bernard Chavance; de Louis Althusser, Por Marx,

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9 pode ser identificado, seja com uma nova prática revolucionária, que põe a luta de classes no

“posto de comando”, seja com uma nova concepção da transição, que se apóia na tese de que a luta de classes prossegue no socialismo e que localiza na revolucionarização das relações de produçãoo núcleo fundamental objeto do comunismo, e de que a revolução cultural é a expressão

mais elevada.

Não será certamente por acaso que o maoísmo (e Mao) seja objeto de uma contumaz e inesgotável campanha de aniquilamento teórico e político, em um esforço – compartilhado em grande medida por organizações e intelectuais ‚comunistas‛ – para bloquear o seu acesso às massas trabalhadoras, pois de sua apropriação por parte delas é que dependerá a única possibilidade de ultrapassagem das formas organizativas do capital. É por isso que o marxista galego Francisco Sampedro pode afirmar que ‚Marx sen Mao significa o revisionismo‛3, isto é, que foi o maoísmo que libertou a teoria de Marx das sucessivas camadas de

ideologia burguesa que a recobriam, como resultado de um longo trabalho de interpretação

idealista de seu pensamento que neutralizava a sua natureza revolucionária.

Na impossibilidade de tratar aqui de todos os elementos que compõem o maoísmo - daí o caráter sumário e unilateral deste texto -, concentrarei a minha exposição naquilo que me parece ser a sua contribuição fundamental para o marxismo e a revolução proletária: a

Campinas, Editora da Unicamp (no prelo), Ler O capital, t. 1 e 2, Rio de Janeiro, Zahar, 1980 (juntamente com ÉtienneBalibar, Jacques Rancière, Roger Establet e Pierre Macheray), Resposta a John Lewis e Defesa de tese em Amiens, ambos in Posições, t. 1, Rio de Janeiro, Graal, 1978; de Gianfranco La Grassa e Maria Turchetto, Do capitalismo à sociedade de transição, Milão, Franco Angeli, 1978 e Quale marxismo in crise? (juntamente com Franco Soldani), Roma/Bari, DedaloLibri, 1979, de Gianfranco La Grassa, Strutturaeconomica e società, Roma, Riuniti, 1973 Valore e formazionesociale, Roma, Riuniti, 1975, Riflessionesullamerce, Roma, Riuniti, 1977, de Maria Turchetto, As características específicas da transição para o comunismo, in Márcio Bilharinho Naves (org.), Análise marxista e sociedade de transição, Campinas, IFCH/Unicamp, 2005. Bernard Fabrègues (Bernard Chavance) e Gianfranco La Grassa abandonaram as suas posições teóricas desse período. Alain Badiou, embora trabalhe hoje com referências diversas do maoísmo, ainda leva em consideração algumas das aquisições teóricas e políticas daquele período, especialmente ao tomar a revolução cultural como o mais importante evento político do séc. 20 (cf. a reprodução de sua conferência ‚La révolutionculturellechinoise‛ na UniversitéPopulairedu Quais Branly, de Paris, em 25 de março de 2014 (disponível em: http://www.canal-u.tv/video/cerimes/la_revolution_culturelle_chinoise.14453), assim como o capítulo 2, ‚A última revolução?‛, de A hipótese comunista (São Paulo, Boitempo, 2012).

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crítica ao economicismo e, em decorrência disto, a compreensão da natureza efetiva da transição ao

comunismo.4

Essa verdadeira revolução teórica na leitura de Marx – que implicou também na elaboração de uma teoria da dialética materialista e anti-teleológica contraposta ao hegelianismo5 – e essa

nova prática revolucionária estão longe de terem esgotado todas as suas possibilidades

emancipatórias. É por essa razão também, que o aprofundamento teórico do maoísmo, isto é, a fundação em termos conceituais rigorosos do anti-economicismo por Bettelheim, Althusser e Gianfranco La Grassa, emprestaram a ele a sua plena significação.

2. Mao Tsé-tung foi, antes mesmo de Althusser e Balibar6, quem estabeleceu a tese da

dominância das relações de produção nos processos sociais e históricos,7 tese que Marx

desenvolve em O capital,8 e que tem nesta passagem a sua ilustração perfeita:

4 Deixo de abordar, assim, uma questão também fundamental que Mao e a revolução cultural abriram para o

conhecimento: a questão da natureza do Estado na transição socialista, recuperando a correção que Marx opera em sua obra a esse respeito, sob o efeito da experiência da Comuna de Paris. A revolução cultural mostrou a necessidade de se transformar o Estado, preparando as condições de sua extinção e substituição por organizações de massa. Cf. a propósito: Circulairedu Comité central du Parti communistechinois (16 mai 1966), in Gilbert Mury, De larévolutionculturelleau X Congrèsdu parti communistechinois, t. 1, Paris, Union Générale d’Éditions, 1973, Eugenio Del Río, La teoria de latransición al comunismo em Mao Tsetung (1949-1969), Madri, Revolución, 1981, Louis Althusser, Sobre a Revolução cultural, in Márcio Bilharinho Naves (org.),

Presença de Althusser, Campinas, IFCH/Unicamp, 2010, Andrea Piazzaroli Longobardi, Bombardeiem os

quartéis-generais – a crise do partido-Estado na Revolução cultural chinesa (disponível em: http://seminariomarx.com.br/eixo05/Bombardeiem%20os%20quart%C3%A9is%20generais.pdf), e, sobre a retificação de Marx, ÉtienneBalibar, A ‚retificação‛ do Manifesto comunista, in Cinco estudos do materialismo

histórico, t. 1, Lisboa, Presença, 1975.

5 Sobre a concepção dialética de Mao, de importância decisiva para a compreensão da especificidade da

dialética marxista em relação àquela hegeliana, cf.: Charles Bettelheim, Uma carta sobre ‚O marxismo de Mao‛, in RossandaRossanda et al., Quem tem medo da China, Lisboa, Publicações Dom Quixote, s/d., Riccardo Guastini, Sulladialettica in Revista di Filosofia, nº 1, 1975, Louis Althusser, Por Marx, cit. e Luiz Eduardo Motta,

A favor de Althusser: revolução e ruptura na teoria marxista, Rio de Janeiro, Faperj/Gramma, 2014.

6 Cf. ÉtienneBalibar, Os conceitos fundamentais do materialismo histórico, in Louis Althusser, ÉtienneBalibar

e Jacques Rancière, Ler O capital, t. 2, cit.

7 Não obstante ainda perdurar uma certa ambiguidade em sua formulação – implicando muitas vezes em sua

coexistência com o economicismo, mas que se dissipa com a emergência da revolução cultural. Esta tese jogou um papel central no movimento de massas da revolução cultural e forneceu elementos de enorme

importância para sua teorização. Como nos dizem Gianfranco La Grassa, Maria Turchetto e Franco Soldani:

‚Com a ruptura entre Urss e China e a dura polêmica antirevisionista do Pcc – e, sobretudo, com a prática da ‚revolução cultural‛ *...+ opera-se uma mudança radical na reflexão teórica acerca das relações de produção e das forças produtivas‛, Rapportidiproduzioni e forzeprodutive, in Quale marxismo in crise?, cit., p. 102.

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11 Voltemos ao nosso capitalista in spe. Deixamo-lo logo depois de ele ter comprado no

mercado todos os fatores necessários a um processo de trabalho, os fatores objetivos ou meios de produção e o fator pessoal ou a força de trabalho. Com o olhar sagaz de conhecedor, ele escolheu os meios de produção e as forças de trabalho adequados para seu negócio particular, fiação, fabricação de botas etc. Nosso capitalista põe-se então a consumir a mercadoria que ele comprou, a força de trabalho, isto é, ele faz o portador da força de trabalho, o trabalhador, consumir os meios de produção mediante seu trabalho. A natureza geral do processo do trabalho não se altera, naturalmente, por executá-lo o trabalhador para o capitalista, em vez de para si mesmo. Mas também o modo específico de fazer botas ou de fiar não pode alterar-se de início pela intromissão do capitalista. Ele tem de tomar a força de trabalho, de início, como a encontra no mercado e, portanto, também seu trabalho da maneira como se originou em um período em que ainda não havia capitalistas. A transformação do próprio modo de produção mediante a subordinação do trabalho ao capital só pode ocorrer mais tarde e deve por isso ser considerada somente mais adiante.9

Mao, por sua vez, ao tratar desse tema, revela compreender perfeitamente o sentido dessa tese – que permaneceu obscurecida10 até Althusser iniciar nos anos sessenta o seu trabalho teórico – notando que Marx opera aqui uma ultrapassagem da concepção que concede às forças produtivas o primado no desenvolvimento social e o papel de elemento gerador de novas relações de produção. É a isso que Mao se refere em suas Notas de leitura do Manual

de economia política da União Soviética, ao dizer que:

[...] um grande desenvolvimento das forças produtivas vem sempre a seguir à transformação das relações de produção. Tomemos o exemplo da história do desenvolvimento do capitalismo. De início apenas houve um simples reagrupamento das atividades. Depois, criaram-se fábricas e oficina artesanais. Nesta fase, estabeleceram-se já relações de produção capitalistas, mas as oficinas artesanais não eram ainda a produção mecanizada. As relações de produção capitalistas fizeram surgir a necessidade de transformação técnica, criando assim as

condições para a utilização das máquinas.11

A tese do primado das relações de produção é de importância extraordinária, não somente para a teoria geral do materialismo histórico – porque é ela que vai permitir identificar a luta de classes como o motor da história –, mas também, particularmente, para a teoria da

9Karl Marx, O capital - crítica da economia política, v. 1, livro primeiro: O processo de produção do capital, t. 1,

São Paulo, Nova Cultural, 1996, p. 303-304.

10 E que, ainda hoje, é objeto de uma sistemática denegação, que diz muito sobre a concepção de comunismo

predominante nos meios marxistas.

11 Mao Tsé-tung, Notas de leitura do Manual de economia política da União Soviética, in Hu Chi-Hsi (org.), Mao

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12 transição para o comunismo – porque é ela que vai permitir identificar o núcleo duro que deve ser transformado para que as formas do capital sejam extintas.

O economicismo, tanto em sua modalidade ‚rústica‛, que o stalinismo consagrou em algumas tantas fórmulas célebres12, como em suas infinitas variações sempre atualizadas – e que pode aparecer paradoxalmente como um ‚anti-stalinismo‛! –, sustenta que, ainda no interior das formações sociais capitalistas, ocorre o fenômeno da socialização dos meios de produção, resultante dos aperfeiçoamentos e inovações das técnicas de produção e de gestão econômicas. Essa produção ‚socializada‛, no entanto, se encontra constrangida a permanecer dentro do ‚invólucro‛ do capital porque a propriedade privada dos meios de produção não permite que esses emerjam e se constituam então as bases materiais de uma sociedade socialista.

O problema da transição para o comunismo estaria, assim, resolvido de antemão, ele se identificaria com o desenvolvimento vigoroso, inesgotável – agora sem as travas da propriedade privada – das forças produtivas já socialistas. O comunismo seria alcançado quando jorrasse a abundância dos meios materiais exigidos para a satisfação das necessidades de toda a sociedade (sem classes). Nessa formulação, o que desaparece é a própria questão fundamental da transição: a transformação revolucionária das relações de produção capitalistas em comunistas e o surgimento de novas forças produtivas comunistas; o que desaparece, na verdade, é a própria transição, já que, sem essas transformações, não se rompe com o domínio do capital. O que o maoísmo nos mostrou é que não é suficiente para uma ultrapassagem efetiva do capitalismo a simples transferência da propriedade privada dos meios de produção para o Estado, que a revolução não é uma

12 Cf. o conhecido livro de Stalin, Materialismo dialético e materialismo histórico, São Paulo, Global, 1979. Para

uma crítica específica do stalinismo, remeto a estes trabalhos: Bernard Chavance e Charles Bettelheim, O stalinismo como ideologia do capitalismo de Estado, Serge Vincent-Vidal, A crítica das concepções econômicas de Stalin por Mao Tsé-tung e Márcio Bilharinho Naves, Stalinismo e capitalismo, todos in Márcio Bilharinho Naves (org.), Análise marxista e sociedade de transição, cit., Bernard Fabrègues (Bernard Chavance),

Staline et lematérialismehistorique, in Communisme, nº 22-23, 1976, e Staline, lalutte de classe, l’État, in Communisme, nº 24, 1976, Bernard Chavance, Le capital socialiste. Histoire critique de l’économie politique

dusocialisme – 1917-1938, Paris, Le Sycomore, 1980 e George Labica, Le marxisme-leninisme, Paris, Éditions

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13 operação jurídica de transferência da titularidade, que as relações de produção não são relações jurídicas, e que o marxismo-leninismo não é o socialismo jurídico. De fato, as relações de produção capitalistas não podem ser ‚afetadas‛ por medidas jurídicas, elas são totalmente indiferentes ao direito. O domínio completo da burguesia sobre o trabalhador direto decorre do processo de subsunção real do trabalho ao capital por meio do qual vem a ocorrer a expropriação das condições subjetivas do trabalho, condições essas que são absorvidas pelo sistema de máquinas, acarretando a perda definitiva de qualquer controle dos meios de produção pela massa fabril, que se torna um ‚apêndice da máquina‛.13 Assim, o domínio do capital está materialmente inscrito nas estruturas técnico-organizativas do processo de trabalho. As forças produtivas capitalistas, portanto, não possuem um desenvolvimento próprio, elas não mantêm com as relações de produção uma relação de exterioridade, mas, ao contrário, elas estão dentro dessas relações, elas são a forma material

de existência das relações de produção. Desse modo, como ressalta Maria Turchetto, as relações

de produção ‚‘plasmam’ a estrutura das forças produtivas materiais, as quais, assim, não têm uma posição ‘neutra’, nem uma ‘história’ autônoma e separada face às relações de produção, *elas+ não apenas não têm leis próprias de ‘desenvolvimento histórico’ como tampouco uma ‘existência histórica’ fora das relações de produção‛.14

3. Retornemos ao ponto central de nossa exposição. O domínio de classe da burguesia encontra na estrutura técnico-organizativa do processo de trabalho o seu lugar privilegiado de existência. Isso é de uma importância fundamental na abordagem da passagem do capitalismo ao comunismo, e é da compreensão dessa questão que a possibilidade de uma ‚saída‛ da sociedade burguesa se apresenta como real. De fato, após a revolução, se a

13 Na expressão de Marx em O capital.

14 Maria Turchetto, As características específicas da transição ao comunismo, in Márcio Bilharinho Naves

(org.), Análise marxista e sociedade de transição, cit., p. 9-10. No mesmo sentido encaminham-se as reflexões de Gianfranco La Grassa, Maria Turchetto e Franco Soldani: ‚O desenvolvimento das forças produtivas não é um fenômeno meramente quantitativo, mas estruturado pela finalidade de reproduzir a relação de produção capitalista (como relação de antagonismo crescente entre ‘potências mentais da produção’, tornadas potências do capital, e trabalhadores expropriados realmente numa proporção crescente) como fundamento da valorização. As relações de produção capitalistas estruturam as forças produtivas internamente (nos próprios

‘lugares’ – os processos de trabalho – em que estas se desenvolvem) *...+‛, Rapportidiproduzioni e

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14 revolucionarização das relações de produção e o surgimento de forças produtivas de tipo novo não ocorrerem, o processo de valorização do valor prosseguirá, e as relações de produção capitalistas continuarão a se reproduzir. A estatização dos meios de produção não afeta em nada o seu caráter de classe, muito embora crie a ilusão de que a classe exploradora foi extinta porque não mais existe a propriedade privada desses meios. Ocorre que, como vimos, não é a propriedade dos meios de produção que define a natureza de uma formação social, mas a efetiva capacidade de utilização desses meios. Como o processo de valorização perdura, serão aqueles agentes que o partido designará para ocupar os postos de direção nas fábricas e em outros empreendimentos produtivos que se tornarão ‚funcionários do capital‛, exercendo as mesmas funções da antiga burguesia ‚privada‛. Juntamente com dirigentes do partido e da máquina estatal – ou seja, todos aqueles que, de algum modo, dirigem

o processo de valorização – eles passarão a compor uma nova burguesia, uma burguesia de estado, e o capitalismo ‚privado‛ se transformará em um capitalismo de Estado. É isso que a

tese de Mao, de que a luta de classes prossegue no socialismo, capta com perfeição, constituindo-se em um importante aporte à teoria marxista da transição.15 E esse é também um aspecto de imenso significado da revolução cultural16 – com a qual Mao e o maoísmo se confundem – repondo a necessidade de as massas retomarem a iniciativa revolucionária com o objetivo de destituir do poder essa nova burguesia de Estado e de proceder à transformação comunista das relações de produção e das forças produtivas.

15 Sobre a contribuição de Mao Tsé-tung à análise dos problemas da transição, cf., notadamente, Eugenio Del

Río, La teoria de latransición al comunismo en Mao Tsetung (1949-1969), cit.

16 Sobre a experiência da revolução cultural, cf., notadamente, o conjunto de textos reunidos in James Myers,

Jürgen Domes e Erik Von Groeling (orgs.), Chinesepolitics – Documentsandanalysis, v. 1: Cultural revolutionto 1969, Columbia, Universityof South Carolina Press, 1986, e James Myers, Jürgen Domes e Milton Yeh (orgs.),

Chinesepolitics – Documentsandanalysis, v. 2: Ninthpartycongress (1969) tothedeathof Mao (1979), Columbia,

Universityof South Carolina Press, 1989, e Raymond Lotta (org.), And Mao makes 5 – Mao Tsetung’slastgreatbattle, Chicago, Banner, 1978; sobre a história da revolução cultural, cf.: Jean Daubier,

História da revolução cultural, Lisboa, Presença, 1974 e Giovanni Blumer, La revolución cultural china, Barcelona,

Península, 1972; e, ainda, dentre outros, os estudos: Alessandro Russo, La scena conclusiva. Mao e leguardierossenelluglio 1968, in Tommasodi Francesco (org.),L’assalto al cielo– larivoluzioneculturale cinese quarant’anni dopo, Roma, Manifestolibri, 2005, Elisabeth Perry e Li Sun, Proletarianpower – Shangai in the

cultural revolution, Boulder, Westview Press, 1997, Andrew Walder, Chang

ch’un-ch’iaoandShanghai’sJanuaryrevolution, Ann Arbor, Universityof Michigan, 1978, Hong Yung Lee, The politicsoftheChinese cultural revolution, Berkeley University Press, 1978 e Hongsheng Jiang, La Commune de Shangai et laCommune de Paris, Paris, La Fabrique, 2014.

Referências

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