PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ
COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - FORO CENTRAL DE CURITIBA 2ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE E ADOÇÃO DE CURITIBA - PROJUDI
Processo n. 001566-59.2015.8.16.0188
Visto.
1. Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública do Paraná em face do
Estado do Paraná, na qual se pretende, em sede de tutela antecipada, seja determinado ao réu que forneça, no prazo de 48h, “kits” de material didático necessário ao acompanhamento escolar para cada estudante da rede estadual matriculado no ano de 2015, consistente em cinco (05) cadernos de cem (100) folhas, seis (06) canetas esferográficas azul ou preta, dois (02) uniformes completos e dois (02) pares de tênis; ou ainda, alternativamente, almeja-se que o réu efetue o pagamento de R$ 400,00 (quatrocentos reais) para cada aluno da rede estadual possibilitando a aquisição dos referidos materiais de forma particular.
Postula-se, também, a antecipação da tutela a fim de que o réu forneça, em igual prazo, transporte escolar a todos os alunos da rede estadual de ensino ou pague, para tal fim, R$ 5,00 (cinco reais) por dia letivo a cada aluno.
A petição inicial veio acompanhada de documentos (movimentos 1.2 a 1.16).
Regularmente intimado, nos termos do artigo 2º da Lei n. 8.437/1992 c/c o artigo 1º da Lei nº. 9.494/1997, o réu se opôs ao pedido de antecipação de tutela e juntou documentos (movimentos 9.1 a 9.7).
2. Para a concessão da tutela antecipada mostra-se necessário o atendimento dos requisitos
previstos no artigo 273, caput, do Código de Processo Civil, consistentes na verossimilhança das alegações e no receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Os dois requisitos devem coexistir.
Em sede de cognição sumária, típica desta fase processual, vislumbra-se a presença dos referidos requisitos, de forma parcial, em relação às alegações aduzidas pelo autor.
No caso vertente, inegável a presença do fundado receio de dano irreparável, tendo em vista que os documentos que instruem a petição inicial demonstram, pelo menos em determinadas escolas da rede pública de ensino, que o mínimo necessário ao atendimento do direito fundamental à educação não está sendo assegurado no Estado do Paraná.
Destaca-se que o direito fundamental à educação, titularizado por crianças e adolescentes, não pode ser relegado a um segundo plano nem ser tratado com displicência como se fosse um tema de menor importância entre as prioridades do Poder Público.
Não se pode perder de vista que por meio da educação também são tutelados e preservados,
reflexamente, outros direitos igualmente imprescindíveis, tais como a saúde, a alimentação, a segurança, a cultura, o emprego, entre outros.
Não há dúvida que o lugar de criança e de adolescente é dentro da escola, onde encontrarão os subsídios necessários a se desenvolverem com dignidade e respeito, a fim de se tornarem cidadãos conscientes de seus direitos e obrigações em sociedade.
Por sua vez, a rua, que é alimentada pela evasão escolar, vem a ser uma escola às avessas na qual apenas se aprende criminalidade, violência e marginalidade.
Restringir o direito à educação, portanto, revela-se tão grave quanto deixar de materializar o direito à saúde e à vida.
Daí que se justifica a incumbência constitucional do Estado em garantir, com prioridade absoluta, a concretização do direito à educação a crianças e adolescentes.
Nesse sentido, no artigo 227 da Constituição da República, pelo qual foi consagrado no direito brasileiro a chamada doutrina da proteção integral, está estabelecido que: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
o direito à vida, à saúde, à alimentação, , ao lazer, à profissionalização, à
prioridade, à educação
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(Redação dada Pela Emenda Constitucional n. 65, de 2010)”– destacou-se.
A Constituição, em seu artigo 208, confere contornos mais claros a essa obrigação estatal: “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)”– destacou-se.
De fato, desde a Constituição da República de 1988, as crianças e adolescentes brasileiros foram alçados à categoria de titulares de direitos civis, humanos e sociais, cujo exercício deverá ser assegurado pela família, sociedade e Estado.
A seu turno, a Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) também preconiza em seu artigo 4º a garantia de absoluta prioridade à observância dos direitos de crianças e adolescentes, a qual compreende a “preferência na formulação e na
execução das políticas sociais públicas” e a“destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude”, e ainda reproduz o Texto Constitucional ao
dispor no artigo 54 que “Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: [...] VII -atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”– destacou-se.
Mais do que isso, o Estatuto da Criança e do Adolescente impõe como um dever de todos a prevenção da ocorrência de ameaça ou violação de tais direitos (“Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”).
Não se trata, a toda evidência, de garantias legal e constitucional inócuas ou programáticas.
Efetivamente, entre todas as prioridades que possui o Poder Público, em primeiro lugar deve estar a efetivação dos direitos fundamentais garantidos a crianças e adolescentes.
Assim, não se pode negar a existência de fundado receio de dano irreparável, porquanto o direito postulado não pode aguardar o ulterior deslinde do feito, cumprindo seja acolhido na parcela em que se revelem preenchidos os pressupostos legais à antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.
No que concerne à verossimilhança das alegações expostas na petição inicial, pode-se observar, em juízo superficial e não exauriente, que não se mostra cabível o acolhimento irrestrito do pedido de antecipação de tutela tal como formulado.
Em sua manifestação de evento 9.1, o Estado do Paraná demonstrou que a Resolução n. 777, de 18 de fevereiro de 2003, da Secretaria da Educação, estabelece critérios para transferência aos Municípios de recursos destinados ao transporte escolar, tendo havido repasse para tal fim, no exercício de 2014, da quantia de R$ 91.607.104,00 (noventa e um milhões, seiscentos e sete mil e cento e quatro reais).
Vale dizer, neste aspecto, a matéria é controvertida e necessita de dilação probatória, não ensejando a concessão da liminar colimada.
Diferentemente ocorre em relação ao fornecimento do material didático indispensável à frequência escolar.
O autor trouxe documentos expedidos por algumas escolas públicas integrantes da rede estadual pelos quais se constata que há falta de material didático-escolar para ser entregue aos alunos carentes.
Ainda assim, este Juízo entende que não é possível generalizar, indiscriminadamente, a situação retratada nestas escolas para toda a rede estadual.
Em outras palavras, não há prova inequívoca que todas as escolas e todos os alunos matriculados na rede pública de ensino padeçam de falta de material didático-escolar.
Por outro lado, pode-se inferir que, efetivamente, aquelas escolas enumeradas na inicial possuem alunos carentes que estão necessitando de material necessário à frequência escolar. Desde logo, cumpre assegurar aos alunos necessitados daquelas escolas os meios indispensáveis para que possam usufruir, concretamente, o direito à educação que lhes é garantido pela Constituição da República.
A esse Juízo incumbe intervir para que essa situação já diagnosticada seja rapidamente resolvida, em atenção a ditames constitucionais cogentes que regulam a matéria, mas sem realizar qualquer espécie de ingerência no poder discricionário do réu em sua gestão.
Com efeito, onde a Constituição determina um dever do Estado, estabelecendo que seu cumprimento seja realizado com prioridade absoluta, não há espaço para se falar em discricionariedade administrativa.
Também não se pode cogitar, à luz do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV), que a correção de uma ofensa a um direito fundamental, assegurado de forma prioritária pela Constituição da República, fique a critério, exclusivamente, da avaliação de conveniência e oportunidade do Poder Público.
Assim, nesta etapa inicial da demanda, em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, cabível o deferimento parcial da tutela antecipada almejada para que sejam tomadas providências urgentes, a fim de mitigar de imediato o problema já constatado remissivo à falta de fornecimento de material didático-escolar.
3. Posto isto, defiro em parte a tutela antecipada postulada e determino ao Estado do
Paraná que forneça o material didático-escolar básico aos alunos carentes matriculados nas seguintes escolas declinadas na petição inicial: (i) Colégio Estadual Castro Alves, em Cornélio Procópio; (ii) Colégio Estadual Carlos Gomes, em Pato Branco; (iii) Colégio Estadual Sertãozinho, em Matinhos; (iv) Colégio Estadual Padre Antonio Vieira, em São José dos Pinhais; (v) Escola Estadual Dr. Xavier da Silva, em Curitiba; (vi) Colégio Estadual Barão do Rio Branco, em Curitiba; (vii) Escola Estadual Érico Veríssimo, em Laranjeiras do Sul; (viii) Colégio Estadual Professora Tereza da Silva Ramos, em Matinhos; (ix) Colégio Estadual Antonio Diniz Pereira, em Ivaiporã; e (x) Colégio Estadual Tiradentes, em Curitiba.
O “kit” escolar deverá ser destinado apenas aos alunos necessitados, cujos pais ou responsável deverão assinar termo de declaração junto à respectiva escola informando que a família é carente economicamente e não possui recursos para adquirir o material escolar sem prejuízo do próprio sustento, sob de pena de responsabilização criminal em caso de falsidade. As escolas já enumeradas deverão elaborar uma listagem dos alunos que necessitam do “kit”, especificando o nome de cada um deles e definindo o conteúdo de dois “kits”, sendo um para ser usado por eles agora no 1º semestre e outro no 2º semestre do ano letivo de 2015.
O “kit” a ser fornecido em cada semestre deverá ter o valor máximo de R$ 175,00, e deverá abarcar os materiais didático-escolares indispensáveis à frequência escolar (por exemplo, caderno, caneta, lápis, apontador, borracha, estojo, mala, uniforme).
A comunicação e divulgação aos pais ou responsável acerca do teor desta decisão deverá ser feita por intermédio das próprias escolas.
4. O autor desta demanda deverá obter junto às mencionadas escolas e juntar nos autos as
referidas listagens, por escola, do conteúdo do “kit” e dos alunos carentes que dele necessitam, no prazo de quinze (15) dias.
Após, deverá ser intimado o réu para fornecer o “kit” escolar referente ao primeiro semestre, diretamente nas citadas escolas, no prazo de dez (10) dias, com a respectiva comprovação nestes autos, cumprindo às escolas repassar o material aos alunos.
O segundo “kit” escolar deverá ser fornecido pelo réu, diretamente nas citadas escolas, na primeira semana de aula do segundo semestre do ano letivo de 2015, com a respectiva comprovação nestes autos.
A viabilização de recursos para cumprimento desta liminar ficará a critério da discricionariedade do réu, seja por meio de redirecionamento de verbas previstas para outras áreas sem nenhuma prioridade legal como a publicidade, seja mediante cancelamento de gastos com programas governamentais que não são pautados pelo princípio constitucional da prioridade absoluta, ou outra forma de contingenciamento ou programação financeira.
5. Na hipótese de descumprimento pelo réu da presente obrigação de fazer, fixo multa diária no
montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do artigo 213, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente c/c artigo 461, § 3º, do Código de Processo Civil, a ser revertida ao Fundo para Infância e Adolescência, nos termos do artigo 214 do Estatuto da Criança e Adolescente.
6. Intime-se o Estado do Paraná do teor desta decisão, com urgência, na pessoa de seu
representante legal, e, na mesma oportunidade, cite-se para, querendo, apresentar contestação, no prazo legal.
7. Intime-se a Defensoria Pública do Paraná.
8. Dê-se ciência desta decisão ao Ministério Público e ao Sr. Governador.
Curitiba, 06 de março de 2015
Maria Lúcia de Paula Espíndola Juíza de Direito