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A HERMENÊUTICA DE PROFUNDIDADE (HP): INTERPRETAÇÃO E REINTERPRETAÇÃO E SEUS PRESSUPOSTOS INTERDISCIPLINARES

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CAPOEIRA

Revista de Humanidades e Letras ISSN: 2359-2354 Vol. 3 | Nº. 2 | Ano 2017

Sergio Luis do Nascimento

Doutor em Filosofia pelo PPGF-UFRJ/Professor da FACC-UFRJ

A HERMENÊUTICA DE PROFUNDIDADE

(HP): INTERPRETAÇÃO E

REINTERPRETAÇÃO E SEUS

PRESSUPOSTOS INTERDISCIPLINARES

_____________________________________

RESUMO

Este artigo apresenta a hermenêutica de profundidade (HP) de Thompson (2005) como ferramenta estratégica para discussões interdisciplinares. A partir das categorias dissimulação, unificação e legitimação, pretende-se aprofundar como a interpretação e a reinterpretação podem ajudar na pesquisa social. A Hermenêutica de Profundidade (HP) confronta como as formas simbólicas são interpretadas pelos sujeitos que constituem o campo sujeito-objeto. No caso específico deste artigo, como a HP pode convergir com a interdisciplinaridade. No plano teórico, buscamos integrar a perspectiva crítica da ideologia de John Thompson com a perspectiva de análise. Para esse debate, buscam-se aportes em Thompson (2005), Morin (2000), Gareschi (2000), entre outros.

Palavras-chave: metodologia; interdisciplinaridade;

hermenêutica; ideologia

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ABSTRACT

This paper presents a depth (HP) analysis by Thompson (2005) as a strategic tool for interdisciplinary discussions. From the dissimulation of words, unification and legitimation, it is intended to reveal an interpretation and a reinterpretation can help in social research. Depth Hermeneutics (HP) is confronted as symbolic forms are interpreted by the subjects that constitute the subject-object field. In the specific case of this article, how a HP can converge with interdisciplinarity. At the theoretical level, we seek a critical perspective on John Thompson's ideology with a perspective of analysis. For this debate, sports are sought in Thompson (2005), Morin (2000), Gareschi (2000), among others. Keywords: fundamental; interdisciplinarity; hermeneutics; ideo-logy

Site/Contato

www.capoeirahumanidadeseletras.com.br

capoeira.revista@gmail.com

Editores deste número:

Bas’Ilele Malomalo

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A HERMENÊUTICA DE PROFUNDIDADE (HP):

INTERPRETAÇÃO E REINTERPRETAÇÃO E SEUS

PRESSUPOSTOS INTERDISCIPLINARES

Sergio Luis do Nascimento1

Introdução

A construção e a sistematização deste artigo foram baseadas nas proposições de John B. Thompson (1995), que tem como objeto as formas simbólicas, isto é, falas, ações, textos, conteúdos significativos. O estudo das formas simbólicas é “fundamentalmente e inevitavelmente um problema de compreensão e interpretação” (THOMPSON, 1995, p. 352). Por não serem puros objetos naturais e externos, passíveis de serem medidas e quantificadas, as formas simbólicas necessitam de compreensão e de significação para serem interpretadas e

1 Doutor em Educação pela UFPR na linha de Políticas Educacionais. Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia

Universidade Católica do Paraná (1998), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (2009). Atualmente é professor da Secretaria Estadual de Educação do Paraná e professor de Filosofia na Pontifícia

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reinterpretadas. Os desafios que são postos quotidianamente nos “próprios sujeitos, autores dessas falas, desses textos, imagens, representações, etc., são eles também capazes de refletir e de agir de forma compreensiva, reflexiva e interpretativa” (GUARESCHI, 2000, p. 81). A Hermenêutica de Profundidade é usada como como referencial metodológico, e a interpretação e a reinterpretação como ferramenta interdisciplinar e multidisciplinar. Essas ferramentas remetem à análise dos pressupostos teóricos e epistemológicos de questões que, há tempos, teóricos da educação investigam. Isso se percebe conforme alguns questionamentos de Michael Apple: “de quem é a cultura? A que grupo social pertence esse conhecimento? No interesse de quem determinado conhecimento (...) é ensinado em instituições culturais como as escolas?” (2006, p. 50).

Por isso, é importante explicar que, ao eleger o que está escrito como matéria prima de investigação, encontramos na Hermenêutica de Profundidade (HP) de John B. Thompson (1995) condições de explicitar e sistematizar tanto uma reflexão filosófica sobre o ser, quanto uma reflexão metodológica sobre a natureza e as tarefas da interpretação na pesquisa social. Na concepção estrutural da pesquisa, a reflexão a ser desenvolvida neste contexto deve levar em conta as formas simbólicas produzidas, transmitidas, recebidas e o estudo das construções significativas da contextualização social das formas simbólicas. A interdisciplinaridade remete à convergência entre o fazer e o pensar interdisciplinar. Estabelecendo relações de interação entre as áreas de conhecimento, a interdisciplinaridade ajuda na compreensão e na proposta desse artigo no que refere ao "parcelamento e a compartimentação dos saberes impedem apreender o que está tecido junto" (MORIN, 2000, p. 45). A conexão que estamos propondo é com a metodologia da Hermenêutica de Profundidade, aliada ao conceito de interdisciplinaridade como "interação real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa" (JAPIASSU, 1976, p. 74). Compreende-se nesse caso o exame das estratégicas simbólicas e as abordagens no compreender e entender as partes de ligação entre as diferentes áreas de conhecimento.

As estratégias metodológicas: compreensões preliminares

Thompson (1995, p. 19) percebe em contextos da vida cotidiana, bem como nas estruturas mais amplas da esfera pública e privada, como as formas simbólicas são construídas e

Universidade Católica do Paraná. Endereço: Rua Imaculada Conceição, 1155. Prado Velho - CEP: 80215-901 - Paraná - Brasil - E-mail: axesergio@yahoo.com.br

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reconhecidas socialmente como significativas. Elas podem ser linguísticas, não linguísticas ou mistas; compreender falas e ações; textos, programas de televisão, obras de arte e também ações, gestos e rituais. São empregadas e articuladas e se entrecruzam com relações de poder nos contextos sociais estruturados nos quais muitos de nós vivemos a maior parte do nosso tempo.

Uma primeira etapa da HP como referencial metodológico é a fase sócio-histórica. Algumas perguntas são sempre importantes de serem feitas. Por exemplo, ao estudar determinado fenômeno, como o espaço e o tempo interagem? Em que lugar ele acontece? Como é a relação e a influência desse fenômeno no objeto da pesquisa? Sobre o tempo, “em que época aconteceu, ou acontece? O fato de se dar em tal momento histórico tem a dizer sobre o fenômeno em estudo?” (GUARESCHI, 2000, p. 83).

Thompson (1995) propõe o referencial metodológico da HP constituído de três fases principais. Tais fases “devem ser vistas não tanto como estágios separados de um método sequencial, mas antes como dimensões analiticamente distintas de um processo interpretativo complexo” (idem, p.365). É isso, portanto, o que Thompson denomina de Hermenêutica de Profundidade. Abaixo, é apresentado esquema que segue o referencial metodológico baseado no estudo de Thompson, que tem como objetivo visualizar as três fases da Hermenêutica de Profundidade.

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A figura acima serve como um guia que orienta a análise das formas simbólicas em geral, ou de um fato comunicacional. Esse referencial serve para instrumentalizar o pesquisador a não esquecer circunstâncias, assuntos importantes que, de um modo ou outro, deveriam, ou poderiam, influenciar na compreensão de determinado fenômeno (GUARESCHI, 2000). Pretende-se visualizar cada fase do organograma, demonstrando as fases mais determinantes para a pesquisa e a compreensão mais global e profunda do fenômeno.

Como referencial metodológico, a Hermenêutica de Profundidade tem sido um aporte aos nossos estudos e reflexões desde o desenvolvimento de análise dos discursos e em artigos e publicações científicas que discutem situações “das maneiras como as formas simbólicas são interpretadas e compreendidas pelas pessoas que as produzem e as recebem no decurso de suas vidas quotidianas” (THOMPSON, 1995, p. 363).

A HP permite ao pesquisador desenvolver uma ferramenta teórica e metodológica na análise sócio-histórica que “inclui formas de análise complementares entre si, partes de um processo interpretativo complexo” (GUARESCHI, VERONESE, 2006, p. 87). Esse enfoque metodológico irá ajudar a compreender como fenômenos sociais diferentes interagem. Essa interação é possível na análise da metodologia da HP, pois a apreensão dos fenômenos na “pesquisa social é a realização de um processo hermenêutico crítico, em que não se desvelam sentidos, mas se propõem sentidos viáveis, para avançar na compreensão do fenômeno” (GUARESCHI, VERONESE, 2006, p. 86). A HP é a ferramenta metodológica, pois propõe os sentidos no intuito de argumentar, debater, revisar, analisar, interpretar e relacionar as implicações conflituosas da manutenção do poder com a modificação deste. A interdisciplinaridade propõe um tema com diferentes abordagens em que a compreensão e o entendimento das partes interagem com as diferentes áreas de conhecimento, com o intuito de ampliar sabedorias, resgatar possibilidades, unindo-se para transpor algo inovador. Ir, portanto, além do pensar fragmentado numa busca constante de investigação que possibilite a superação do saber (JAPIASSU,1976, p. 74).

A HP possibilita, enquanto método de análise, examinar as regras e convenções, as relações sociais e as instituições e a distribuição de poder, “recursos e oportunidades em virtude das quais esses contextos constroem campos diferenciados e socialmente estruturados” (THOMPSON, 1995, p.369). Para isso, algumas situações podem ser particularmente relevantes: 1) A estrutura social na qual as relações de poder são estabelecidas e mantidas, e as assimetrias e

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diferenças relativamente estáveis; 2) os campos de interação2, suas regras e convenções, as posições das pessoas e o “capital” a elas disponível; 3) as instituições sociais, os conjuntos de regras, recursos e relações que as constituem, as formas particulares que dão aos campos de interação; 4) os meios técnicos de construção e transmissão das formas simbólicas, que lhes conferem características determinadas.

Segundo Pierre Bourdieu (1997), um campo de interação pode ser conceituado, sincronicamente, como um espaço de posições e, diacronicamente, como um conjunto de trajetórias. Essas posições e trajetórias são determinadas, em certa medida, pelo volume e distribuição de variados tipos de recursos ou “capital” (econômico, cultural, simbólico). Dentro de qualquer campo de interação, os indivíduos baseiam-se nesses diferentes tipos de recursos para alcançar seus objetivos particulares (THOMPSON, 1995, p.195).

Na segunda fase, a Análise Formal ou Discursiva, o enfoque tem na investigação lógica um instrumento de análise importante e “tenta-se descobrir a argumentação, ou a espécie de silogismo que está subjacente ao texto” (GUARESCHI, 2000, p. 86). As instâncias do discurso estão sempre situadas em circunstâncias sócio-históricas particulares, mas apresentam características e relações estruturais que podem ser analisadas formalmente.

Para Thompson, essas características devem ser estudadas por meio de análise formal ou discursiva. Segundo o autor, podem ser empregados métodos distintos de análise discursiva, que devem ser relacionados em função dos objetos e circunstâncias específicas da pesquisa. Por exemplo, análise de conteúdo das mensagens, dos enunciados que permite a ampliação da discussão se levamos em conta suas bases teóricas e metodológicas. Na teia da complexidade desse artigo, inclui-se a interação entre interlocutor e locutor e os impactos que podem provocar ao analisarmos o contexto social de sua produção.

A terceira e última fase da Hermenêutica de Profundidade é a Interpretação ou Reinterpretação da ideologia. O conceito de ideologia é um outro ponto que Thompson (1995, p. 78) colabora para a construção deste artigo, quando fornece instrumentos teóricos para a análise da midiação na cultura moderna e análise ideológica das formas simbólicas. Defende que as formas simbólicas são ideológicas quando atuam, em contextos específicos, para estabelecer ou manter relações de desigualdade no acesso aos bens materiais e simbólicos. Comenta ainda que,

2Segundo Guareschi (2000, p. 83), há aqui uma enormidade de circunstâncias (processos, detalhes) que podem afetar

o fenômeno em estudo. Em geral não prestamos atenção ao fato de que ao entrar em interação com outras pessoas, grupos, cada ator carrega consigo grande número de qualificações que vão influenciar essa interação. O pesquisador Pierre Bourdieu (1997) talvez seja o analista mais sutil e arguto na análise desse processo. Ele alerta que as interações entre pessoas e grupos sofrem uma influência profunda devido aos recursos, ou ao capital simbólico, que cada parcei-ro carrega consigo num diálogo, ou em qualquer pparcei-rocesso interativo.

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em contextos sociais estruturados, as pessoas têm localizações sociais diferentes e, em virtude de sua localização, diferentes graus de acesso aos recursos disponíveis.

O autor estabelece uma interpretação abrangente quanto à teoria da reprodução social e defende que essa vai além da concepção de ideologia apenas como instrumento de manutenção das relações de classe e considera as outras assimetrias de poder, de gênero, raça, idade igualmente importantes. Como defende em citação abaixo:

É, certamente, verdade que as relações de dominação e subordinação entre classes e facções de classes são de grande importância para a análise da ideologia; mas seria muito enganador, no meu ponto de vista, defender que as relações de classe são a única, ou, em todas as circunstâncias, a principal, característica estrutural dos contextos sociais com referência aos quais a análise da ideologia devesse ser feita. Ao contrário, parece-me fundamental reconhecer que existem relações de poder sistematicamente assimétricas que estão baseadas em fatores diferentes dos de classe - de que estão baseadas, por exemplo, em fatores de sexo, idade, origem étnica - e parece-me essencial ampliar o marco referencial para análise da ideologia para dar conta desses fatores (THOMPSON, 1995, p. 127).

Essa última fase da HP nos desafia a explicar os fatos, objetos do estudo. Impulsiona-nos justamente a uma interpretação, ou reinterpretação dos fenômeImpulsiona-nos estudados. Os procedimentos dessa análise discursiva são quebrar, dividir, desconstruir e procurar desvendar os padrões e efeitos que constituem e que operam dentro de uma forma simbólica ou discursiva.

As convergências entre a HP e a proposta de interdisciplinaridade estão relacionadas ao fato de que a segunda surgiu como método interdisciplinar para as ciências humanas que consistia em "indicar as primeiras tendências de pesquisa nas ciências humanas, no sentido de sistematizar a metodologia e os enfoques das pesquisas realizadas pelos pesquisadores" (FAZENDA, 1999, p.67). A proposta da interdisciplinaridade é estabelecer ligações de complementaridade, convergências, interconexões entre as diferentes áreas de conhecimentos e passagens entre os conhecimentos. Essa fase da HP impulsiona-nos a ir além da análise e “referendar” o que foi analisado, estar atento às imparcialidades. Como ressalta Guareschi (2000, p. 33), “o fato de não podermos ser neutros não dispensa do fato de buscarmos conhecer qual a nossa visão, qual nossa cosmovisão, quais nossos valores, que ideias defendemos”. A HP, aliada à interdisciplinaridade, possibilita na Interpretação ou Reinterpretação acrescentar uma nova visão do fato ou do fenômeno. Como descreve Thompson, “a interpretação constrói sobre esta análise, como também sobre os resultados da análise sócio-histórica. Mas a interpretação implica um movimento de pensamento, ela procede por síntese por construção criativa de possíveis significados” (1995, p. 376).

O ato de interpretação, mediado pelos métodos de enfoque da HP é, ao mesmo tempo, um processo de reinterpretação, o que torna arriscado o trabalho. As divergências e os olhares

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diferenciados sobre o objeto o tornam arriscado, cheio de conflito, mas ao mesmo tempo aberto à discussão. Thompson afirma (1995, p. 376) que “a possibilidade de um conflito de interpretação é intrínseca ao próprio processo de interpretação”. Isso está no fato de que “quem ler a interpretação, e não concordar com tal interpretação, tem o direito e o dever de reinterpretar, de acrescentar ao que foi dito, sua visão dessa realidade, justificando-a também” (GUARESCHI, 2000, p. 88). Devido a isso, Thompson utiliza a ideia de reinterpretação, a atribuição de novos sentidos às formas simbólicas estudadas.

Há um quadro de modos de operação da ideologia e das estratégias ideológicas correlatas que têm sido utilizadas no processo de reinterpretação das formas simbólicas, discutido a seguir. Optamos por utilizar para a interpretação o quadro de modos de operação da ideologia e as suas estratégias típicas de construção simbólica. A HP permite, num primeiro momento, indagar sobre o objeto de pesquisa e, num segundo momento, interpretar as idas e vindas dos fenômenos estudados.

Uma atitude interdisciplinar é estabelecer, no pensar e no realizar a pesquisa, uma metodologia e, mais do que isso, estratégias metodológicas que possibilitem ir além do factual. Guardadas as limitações desse esboço no presente artigo, acreditamos que podemos revelar nessa junção da HP com a interdisciplinaridade, potencialidades de pesquisa, no que tange ao estilo de escrever, de narrar, de interpretar, de reinterpretar. Para isso, iremos utilizar seis modos gerais de operação da ideologia: Legitimação, Dissimulação, Unificação, Fragmentação, Reificação e Banalização. Cabe salientar que cada um destes modos gerais está relacionado a algumas estratégias típicas de construção simbólica ideológica.

Ideologia e suas estratégicas metodológicas

No Quadro 1, estão dispostos os modos gerais de funcionamento da ideologia e as suas estratégias típicas de funcionamento. Segundo Thompson, os modos de operação descritos não são os únicos pelos quais a ideologia opera, eles podem sobrepor-se e reforçar-se mutuamente e, em situações particulares, a ideologia pode operar de modos distintos (1995, p. 81).

Thompson considera que o exame das estratégicas simbólicas ajuda no alerta sobre questões pertinentes e na compreensão do mundo social. Nesse sentido, a delimitação das possibilidades de operação da ideologia não impossibilita o uso das estratégias de uma análise cuidadosa “das maneiras como as formas simbólicas se entrecruzam com relações de dominação em circunstâncias particulares e concretas” (1995, p. 82).

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Ao estudar a teoria de Thompson (1995), percebe-se como em contextos da vida cotidiana, bem como nas estruturas mais amplas da esfera pública e privada, as formas simbólicas são construídas e reconhecidas socialmente como significativas. Elas podem ser linguísticas, não linguísticas ou mistas, compreender falas e ações, imagens e escritos, numa ampla acepção, referindo-se a manifestações verbais, textos, programas de televisão, obras de arte e também a ações, gestos e rituais. São empregadas e articuladas e se entrecruzam com

Modos Gerais Estratégias típicas de construção simbólica Legitimação: Entende-se a

apresentação das relações de dominação como justas e dignas de apoio, isto é, legítima, baseada em “fundamentos racionais (que fazem apelo à legalidade de regras dadas), fundamentos tradicionais (que fazem apelo à sacralidade de tradições imemoriais), e fundamentos carismáticos (que fazem apelo ao caráter excepcional de uma pessoa individual que exerça autoridade)” (WEBER, 1978 apud THOMPSON, 1995, p.82)

- Racionalização: Manifesta em argumentos racionais que justificam as relações com objetivo de persuadir e com isso, obter apoio.

- Universalização: os interesses de alguns são apresentados como de todos.

- Narrativização: eterniza as tradições por meio de histórias.

Dissimulação: Apresenta-se quando formas simbólicas são representadas de modo que desviam a atenção. Seria a ocultação, a negação ou o obscurecimento das relações de dominação e processos existentes. Por meio do deslocamento transferência de sentidos, conotações positivas ou negativas, de pessoas ou objeto a outro (a).

- Eufemização: Determinadas ações, instituições ou relações sociais são referidas de forma a suavizar suas características e estabelecer valorização mais positiva. - O tropo: uso de figuras de linguagem como sinédoque, é caracterizado pelo uso do todo pela parte, do plural pelo singular, do gênero pela espécie, ou vice-versa; a

metonímia, tropo caracterizado pelo uso de atributo ou característica de algo para designar a própria coisa, e a metáfora que consiste na aplicação de termo ou frase

a outro, de âmbito semântico distinto.

- Deslocamento: Transferência de sentidos, conotações positivas ou negativas, de pessoas ou objeto a outro (a).

Unificação: É o processo pelo qual se cria uma identidade coletiva, independentemente das diferenças individuais e sociais. E recursos da simbolização da unidade da identidade e de identificação coletivos são criados e difundidos.

- Padronização: as formas simbólicas são adaptadas a determinados padrões, que são reconhecidos, partilhados e aceitos.

- Simbolização da unidade: Símbolos de unidade, de identidade e de identificação coletivos são criados e difundidos.

Fragmentação: Significa a segmentação de grupos ou indivíduos que podem representar um desafio aos grupos dominantes.

- Diferenciação: A ênfase em características de grupos ou indivíduos, de forma a dificultar sua participação no exercício de poder.

- Expurgo do outro: Construção social de inimigo, a que são atribuídas características negativas, às quais as pessoas devem resistir.

- Estigmatização, que consiste na desapropriação de indivíduo(s) ou grupo(s) do exercício de alguma condição física, moral ou social (ANDRADE, 2001 apud

SILVA, 2005). Reificação: É concebida como a

tendência a retratar processos como coisas, retirando-lhes o caráter transitório e histórico.

- Reificação: Processa-se por meio da naturalização; fenômeno social ou histórico é tomado como natural e inevitável.

- Eternalização: fenômeno social ou histórico é considerado como permanente, recorrente ou imutável.

Banalização: “diluição” da realidade ou da importância do tema, induzindo à conformidade e ausência de reflexão crítica

- Divertimento: por meio do cômico, desvia-se a atenção de problemas fundamentais para assuntos secundários, ou para situações triviais ou ridículas. - Fait-Divers: “um fato diverso”, ou seja, desvio do assunto, reorientando o foco para direção diversa; forma de lidar com a informação de maneira sensacionalista,

perpetuando seu valor emocional.

- Ironia: consiste em dizer o contrario do que se pensa, deixando intencionalmente uma lacuna entre o explícito e o implícito (seu contrário).

Quadro 1 - recursos e estratégias de construção

FONTE: Adaptado de Thompson, 1995, p.80-89, com aportes de Silva, 2012, p.113-114, Nascimento, S, (2009, p.37-39) e GUARESCHI (2000, p.321-325).

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relações de poder nos contextos sociais estruturados nos quais muitos de nós vivemos a maior parte do nosso tempo (p. 19). A interpretação da ideologia busca explicar o significado e, em seguida, compreender como o significado serve ao estabelecimento e manutenção de relações de dominação assimétricas. “É um trabalho que exige tanto uma sensibilidade às características estruturais das formas simbólicas, como uma consciência das relações entre indivíduos e grupos” (THOMPSON, 1995, p.380).

A dicotomia entre dominação e poder é um campo importante para entendermos a ideologia a partir de Thompson (1995). O poder é entendido como qualidade, como uma característica ou uma capacidade pessoal. Nesse caso, o poder é representado nas ações do indivíduo, ou grupo, quando esses podem fazer alguma coisa. Já a dominação é uma relação e a sua existência necessita do outro para existir. A ideologia, no caso específico deste artigo, é uma relação de dominação, quando se expropriam qualidades, capacidades de decisão de outras pessoas, de outros grupos. Também o é quando se expropria o poder, a capacidade de trabalho de outros seres humanos (GUARESCHI, 2000, p. 62).

Segundo Thompson (1995), ocorre uma marginalização de outros tipos de dominação, de como as formas simbólicas se servem para garantir e legitimar a ideologia ao longo da modernidade. Comenta o pesquisador que os teóricos sociais sobrevalorizam a importância do discurso sobre classe na análise da ideologia. O autor refere-se às sociedades modernas que ocupam os territórios comumente chamados de política, que são territórios extremamente importantes de relação poder e dominação; salienta, no entanto, que esse território não é necessariamente o mais importante para a maioria das pessoas na maior parte do tempo. Para a maioria das pessoas, as relações de poder e dominação que as atingem mais diretamente são as caracterizadas pelos contextos sociais dentro dos quais elas vivem suas vidas cotidianas, ou seja, em casa, no local de trabalho, na sala de aula, entre os companheiros. Esses são contextos em que os indivíduos gastam a maior parte de seu tempo, agindo e interagindo, falando e escutando, buscando seus objetivos e seguindo os objetivos dos outros. Esses contextos estão organizados de maneiras complexas e essas relações implicam desigualdades e assimetrias de poder e recursos que passam de um contexto a outro se referindo às relações entre homens e mulheres, entre negros e brancos, circunscritos em ambientes micros ou macros (THOMPSON, 1995, p.18).

O autor propõe uma reformulação do conceito de ideologia em termos da interação entre sentido e poder, evitando com isso a tendência comum na literatura teórica de pensar a ideologia como uma pura ilusão ou como uma imagem invertida e distorcida do que é “real”. Essa visão teve como base os estudos de Marx e Engels que compararam a operação da

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ideologia com o trabalho de uma câmara escura. Estes autores propõem que a ideologia reflete o mundo por meio de uma imagem invertida. Segundo Thompson (1995), “essa visão atraente em sua simplicidade, alarmante em sua autoconfiança teórica, pode enganar-nos”, pode nos seduzir e induzir-nos ao erro de pensar a ideologia como um conjunto de imagens e ideias. Para ele, o mundo social raramente é tão simples como essa visão de ideologia sugere. Como pessoas, nós estamos imersos em “conjuntos de relações sociais e estamos constantemente envolvidos em comentá-las, em representá-las a nós mesmos e aos outros, em verbalizá-las, em recriá-las e em transformá-las por meio de ações, símbolos e palavras” (THOMPSON, 1995, p.19). Na concepção de Thompson (1995), os atores sociais são ativos nesse campo da vida cotidiana em que a contestação e a luta se travam tanto por intermédio de palavras e símbolos como pelo uso da força física. E a ideologia, no sentido que o autor propõe e discute, é uma parte integrante dessa luta; é uma característica constitutiva da vida social; é sustentada e reproduzida, contestada e transformada, por meio de ações e interações que incluem a troca contínua de formas simbólicas (THOMPSON, 1995, p.19). A análise das formas simbólicas como ideológicas nos pede que as analisemos em relação aos contextos sócio-históricos específicos nos quais elas são empregadas e persistem.

Considerações finais

Este artigo teve a intenção de aproximar duas metodologias de pesquisa e suas interações estratégicas. Fazer pesquisa tendo como perspectiva a interdisciplinaridade requer um saber coletivo e complexo, em que desfragmentar o saber é o ponto crucial desse método, que tem no diálogo entre as disciplinas sua principal ferramenta. A interdisciplinaridade propõe como postura a atitude reflexiva, crítica, uma avaliação e análise das práticas de aprendizagens resultantes principalmente das pesquisas. A Hermenêutica de Profundidade (HP) tem o intuito de ir além da interpretação para os pesquisadores que pretendem utilizar e relacionar esses métodos. E temos na complexidade do problema e na interpretação dos fenômenos estudados a principal junção dessa proposta metodológica.

Compreender as influências e analisar a aplicação dos aportes teóricos dos fenômenos sociais são outros mecanismos que intercruzam nessas metodologias que possibilitam ao pesquisador ir além da finalidade argumentativa de um trabalho científico. Por meio da HP e da interdisciplinaridade, o pesquisador pode traçar na análise do contexto sócio-histórico a discussão dos conflitos, das rupturas, conexões, interações e superações do fenômeno social estudado, lembrando que esses referenciais metodológicos ajudam-nos "a não esquecer circunstâncias, ou pontos importantes que, de um modo ou outro, deveriam, poderiam,

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influenciar na compreensão de determinados fenômenos" (GUARESCHI, 2000, p. 82). Tal perspectiva é necessária, conforme a abrangência do tema em estudo e da sua complexidade de relacionar o estudo ao fenômeno social.

REFERÊNCIAS

APPLE. M. W. Ideologia e currículo. 3. ed.. Porto Alegre: Artmed, 2006.

BOURDIEU, P. Coisas ditas. tradução Cássia R. da Silveira e Denise Moreno Pegorim; revisão técnica Paula Monteiro. São Paulo: Brasiliense,2004.

FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 4. ed.. Campinas: Papirus, 1999.

GUARESCHI, A, P. Org. Os construtores da informação: meios de comunicação, ideologia e ética. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

GUARESCHI, A. P; VERONESE, V. V. “Hermenêutica de Profundidade na pesquisa social”. Revista Ciências Sociais Unisinos. Volume 42 – Número 2 – Maio/Agosto 2006.

JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e Patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

Sergio Luis do Nascimento

Doutor em Educação pela UFPR na linha de Políticas Educacionais. Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1998), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (2009). Atualmente é professor da Secretaria Estadual de Educação do Paraná e professor de Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Endereço: Rua Imaculada Conceição, 1155. Prado Velho - CEP: 80215-901 - Paraná - Brasil - E-mail: axesergio@yahoo.com.br

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