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Metas de inflação numa economia pós-keynesiana

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Academic year: 2021

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AGRADECIMENTOS

A orientação do professor David Dequech foi fundamental para a consecução deste trabalho. Afora a contribuição no conteúdo da tese que nossos diálogos geraram, sua confiança me deu tranqüilidade para trabalhar.

O professor Gilberto Tadeu Lima leu e comentou a uma versão anterior da tese, apontando possibilidades de avanço. A importância disso está no fato de que ele é co-autor do artigo sobre o qual se construiu a principal contribuição das páginas seguintes. Do ponto de vista teórico, ele é um dos interlocutores mais próximos. Esta versão final foi refinada depois de seus comentários.

O professor e colega Giuliano Contento de Oliveira e os professores Antônio Carlos Macedo e Silva e Ana Rosa Ribeiro de Mendonça Sarti participaram da banca de qualificação e fizeram sugestões valiosas nessa ocasião.

Devo lembrar também a prontidão e a competência dos funcionários da Secretaria Acadêmica, o incentivo dos amigos dos cursos de mestrado e doutorado e dos companheiros de residência em Campinas e o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Sou grato aos meus irmãos, George e Lílian, e aos meus pais, Edvaldo e Maria de Lourdes. Eles foram uma grande fonte de estímulo.

Ainda como doutorando, eu me casei com Sandra. Fazer a tese se tornou mais fácil com ela.

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RESUMO

Esta tese examina a compatibilidade do sistema de metas de inflação com uma estrutura econômica que é caracterizada como pós-keynesiana. Essa estrutura é formada por três elementos: uma relação IS; uma relação como a curva de Phillips, mas com teor pós-keynesiano; e um processo adaptativo de formação de expectativas para a taxa de inflação. Políticas monetária e de rendas reagem ao desvio da inflação em relação a uma meta de inflação e/ou ao desvio do produto em relação a uma meta para o produto. Essas funções de reação para as políticas monetária e de rendas fecham o sistema, e diferentes funções de reação conformam diferentes sistemas dinâmicos. Expectativas dependem das taxas de inflação passadas e da taxa meta de inflação: elas são adaptadas em cada período tomando-se a discrepância entre o valor da inflação esperado e a média ponderada entre inflação observada e meta de inflação. A depender de qual desvio ou quais desvios compõem cada função de reação, a combinação de políticas pode ser classificada como pós-keynesiana, ortodoxa ou mesmo como contendo elementos de ambas as orientações. Uma combinação de funções de reação capaz de gerar convergência dos desvios do produto e da inflação em relação às respectivas metas de maneira que cada política seja independente uma da outra tem algum grau de compatibilidade com a estrutura da economia. A capacidade de convergência de cada sistema mede o grau de compatibilidade das políticas com a estrutura da economia. Para alcançar metas para produto e inflação, a maioria dos modelos mostra que a política de rendas deve reagir, no mínimo, ao desvio da inflação, enquanto a política monetária deve pelo menos reagir ao desvio do produto. Um caráter convencional ou institucional surge quando há sucesso do sistema de metas de inflação, o que garante aderência da confiança ao processo de formação de expectativas.

Palavras-chave: economia pós-keynesiana; política de rendas; política monetária; metas de

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ABSTRACT

This dissertation analyses the compatibility of the inflation target system with an economic structure characterized as a post Keynesian one. This structure presents three elements: an IS relation; a relation similar to the Phillips curve but with a post Keynesian content; and an adaptive process of the formation of expectations for the inflation rate. Monetary and incomes policies react to the inflation gap in relation to an inflation target and/or to the output gap in relation to a product target. These reaction functions to monetary and incomes policies close the system and different reaction functions structure different dynamic systems. Expectations depend on past inflation rates and on the inflation target rate: they are adapted in each period, considering the gap between the expected inflation value and the weighted average between the actual inflation and the inflation target. Depending on the gap or gaps that make up each reaction function, the combination of policies can be classified as post Keynesian, orthodox or as a mix of elements from both orientations. A combination of reaction functions capable of generating a convergence of the product and the inflation gaps in relation to the respective targets, in such a way that each policy remains independent from the other, has some degree of compatibility with the structure of the economy. The convergence capacity of each system gauges the compatibility degree between the policies and the structure of the economy. To reach product and inflation targets most models show that the incomes policy must at least react to the inflation gap, whilst the monetary policy must at least react to the product gap. A conventional or institutional character emerges when the inflation targets system succeeds. This guarantees the maintenance of confidence in the process of expectations formation.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Critérios de compatibilidade entre as diferentes combinações de política e a estrutura econômica 70

Tabela 2 – Credibilidade endógena 82

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 01

2 ECONOMIA PÓS-KEYNESIANA E METAS DE INFLAÇÃO 07

2.1 INEFICÁCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA 07

2.2 INFLAÇÃO DE DEMANDA E INFLAÇÃO DE CUSTOS 15

2.3 DIFICULDADES EM DUAS EXPLICAÇÕES PÓS-KEYNESIANAS PARA A INFLAÇÃO DE CUSTOS E NA CRÍTICA PÓS-KEYNESIANA DA VISÃO TRADICIONAL DE PLENO EMPREGO DE FATORES 23

2.4 UMA DEFINIÇÃO PARA A INFLAÇÃO DE CUSTOS 32

3 EXPECTATIVAS ADAPTATIVAS 35

3.1 NOTAS SOBRE A TROCA DE HIPÓTESES SOBRE EXPECTATIVAS 35

3.2 EXPECTATIVAS ADAPTATIVAS E ECONOMIA PÓS-KEYNESIANA 40

4 METAS DE INFLAÇÃO NUMA ECONOMIA PÓS-KEYNESIANA 51

4.1 UM MODELO BÁSICO – POLÍTICAS PÓS-KEYNESIANAS NUMA ECONOMIA PÓS-KEYNESIANA 51

4.2 O EFEITO DE DIFERENTES FUNÇÕES DE REAÇÃO 57

4.2.1 Caso 1 – antecipando os efeitos do desvio do produto sobre a inflação por meio da política de rendas 57

4.2.2 Caso 2 – aproximando uma regra de Taylor 59

4.2.3 Caso 3 – um regime simplificado de política ortodoxa 61

4.2.4 Caso 4 – uma autoridade eleita pós-keynesiana e um banco central ortodoxo 63

4.2.5 Caso 5 – outra versão de política ortodoxa 63

4.2.6 Caso 6 – uso não-dedicado de ambas as políticas 65

4.2.7 Caso 7 – políticas totalmente ortodoxas 67

4.3 UM RESUMO 69

4.4 UM PRIMEIRO BALANÇO 71

5 TORNANDO ENDÓGENA A CREDIBILIDADE 75

5.1 TORNANDO ENDÓGENA A CREDIBILIDADE NO MODELO BÁSICO 75

5.2 TORNANDO ENDÓGENA A CREDIBILIDADE NOS CASOS 1 A 6 79

5.3 TORNANDO ENDÓGENA A CREDIBILIDADE NO CASO 7 83

5.4 UM RESUMO 87

5.5 UM BALANÇO 91

6 ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES 93

REFERÊNCIAS 99

(10)

1

I

NTRODUÇÃO

Atualmente, alguns economistas pós-keynesianos questionam se um sistema de metas de inflação é compatível com a economia pós-keynesiana (LIMA; SETTERFIELD, 2008; SETTERFIELD, 2006; DAVIDSON, 2006; PALLEY, 2006), e esta questão constitui o interesse principal deste trabalho. Evidentemente, se um sistema de metas de inflação é apreciado de acordo com sua definição tradicional, que inclui o uso dedicado da política monetária para alcançar a meta, objetivo de política ao qual todos os outros devem se subordinar, há incompatibilidade com a economia pós-keynesiana por definição (SETTERFIELD, 2006). Então verificar essa compatibilidade compreende uma definição adequada de um sistema de metas de inflação. Uma definição mais geral, sem expor pormenores, pode tornar-se própria sem tirar a caracterização de aspectos principais. Neste trabalho, tal sistema é definido simplesmente como um anúncio público de uma meta de inflação ligado a um compromisso por parte da autoridade de política, que deve ser avaliável pelo público. Essa avaliação consiste em atribuir graus de credibilidade ao compromisso assumido pela autoridade, o que exige que a política usada para persegui-lo também deva ser conhecida.

Por outro lado, com a definição de um sistema de metas de inflação, alguns autores encaminham o problema por meio de modelos matemáticos, que necessariamente incorporam apenas parcialmente o que a teoria pós-keynesiana preceitua a respeito do funcionamento de uma economia de mercado. Neste trabalho, segue-se a mesma vertente.

Especificamente, o modelo básico de Lima e Setterfield (2008), como exemplo dessa orientação, acomoda as seguintes características: i) a moeda é endógena e nunca é neutra; ii) a demanda agregada tem importância principal na determinação do equilíbrio macroeconômico; iii) a barganha salarial é conduzida em termos nominais, e salários reais são estabelecidos apenas depois do seu término; iv) mudanças na taxa de crescimento dos custos de produção, particularmente a inflação salarial associada ao conflito distributivo, são fontes importantes de inflação; v) trabalhadores são incapazes de ajustar totalmente o

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crescimento de salários nominais a algum índice de inflação esperada; vi) expectativas sobre inflação influem na trajetória da inflação. Embora a sexta característica seja amplamente reconhecida entre economistas de qualquer inclinação, as demais são muitas vezes colocadas como alguns dos princípios fundamentais da escola pós-keynesiana.

Os principais modelos desenvolvidos aqui partem do modelo básico de Lima e Setterfield (2008), portanto herdam boa parte de seus atributos, que conformam um sistema econômico. Então, a princípio, neste trabalho, uma economia pós-keynesiana compreende as características desse sistema, que é um fechamento provisional ou condicional1. Lembrando que o grupo de economistas pós-keynesianos é bastante heterogêneo, isso significa que, mesmo dentro do âmbito que os faz pertencer a uma escola de pensamento totalmente distinguível2, os modelos que aqui se apresentam são bastante simples, como conseqüência do fechamento. Contudo, se há consonância sobre se as características listadas acima são desejáveis, ou se pós-keynesianos são concordes sobre o funcionamento de uma economia de mercado, e que esse funcionamento envolve, no mínimo, essas características, tais modelos, ao reproduzi-las ou expressá-las de alguma maneira, têm alguma legitimidade. Porém é certo que as equações bastante simples que as representam excluem aspectos importantes que lhes são relacionados. O problema do controle das taxas de juros de longo prazo a partir da política monetária, por exemplo, não é contemplado aqui, embora a propriedade de endogeneidade da moeda seja às vezes descrita por meio do próprio procedimento de operação da taxa de juros de curto prazo. Gastos do governo também estão ausentes. Ademais, vale notar que há dois sentidos para a expressão economia pós-keynesiana. Um se refere à teoria econômica pós-keynesiana, outro, ao sistema econômico modelado como sua expressão “resumida”. Essa distinção não é feita a todo o momento no texto, embora o leitor possa julgá-la útil. Realizá-la é tarefa relativamente direta, dada a relação entre ambos os sentidos.

É fácil apontar outras ausências importantes nos modelos deste trabalho. A relação IS encobre as expectativas sobre o produto ou o gasto planejado, uma única variável fiscal só pode aparecer atrelada a uma política de rendas e a confiança nas

1

Esse fechamento se refere ao fato de que instâncias de perfeito isolamento são raras no mundo real. Assim sistemas teóricos sobre sistemas do mundo real estão sujeitos a “graus de abertura”. Ver Chick (2003).

2

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expectativas é sempre constante. Embora haja críticas contra uma simples relação IS, é comum o seu uso em modelos formais pós-keynesianos3. A ausência da política fiscal, pelo menos em sua forma tradicional, é justificada por tornar os modelos com orientação de políticas pós-keynesiana mais facilmente comparáveis com aqueles cuja orientação é ortodoxa. Confiança constante significa que os modelos descrevem “tempos normais”, quando os modelos são estáveis.

Com as condições impostas pela “formalização” em mente, outro conjunto de questões relaciona-se à origem e aos fundamentos do sistema de metas de inflação. Originalmente, sua justificativa teórica não é pós-keynesiana. O capítulo seguinte dispõe essa discussão, além de apontar problemas com algumas explicações pós-keynesianas sobre a origem do processo inflacionário.

No terceiro capítulo, há uma tentativa de reabilitação do uso de equações de ajuste parcial como uma forma de tratar expectativas, sendo verificada a compatibilidade de uma equação específica com a economia pós-keynesiana. A hipótese de expectativas adaptativas, que é formalmente uma equação de ajuste parcial, foi fortemente rechaçada dentro da macroeconomia tradicional com a ascensão da hipótese de expectativas racionais e é vista como insuficiente também por pós-keynesianos. Retomar a discussão sobre a substituição de hipóteses sobre expectativas (adaptativas por racionais) envolve conceitos como eficiência e estabilidade, que são úteis quando o objetivo é verificar a compatibilidade de um sistema de metas de inflação com a economia pós-keynesiana e, mais geralmente, a viabilidade do sistema de metas de inflação dentro de qualquer arcabouço teórico. Além disso, “graus de abertura” ou fechamentos condicionais podem tornar algum tipo de expectativas adaptativas consistente com argumentos pós-keynesianos.

3

Embora a relação IS possa assumir diversas nuanças. Um exemplo que merece atenção é o modelo de Taylor e O’Connell (1985), um marco na formalização das idéias de Minsky. Nele, a relação IS é estabelecida, mas contém um coeficiente de “exuberância”, que, junto com a taxa corrente de lucro, forma a “taxa de lucro incremental esperada”, que representa lucros esperados mais altos ou mais baixos e depende do “estado geral de confiança”. Alternativamente, essa “exuberância” pode ser pensada como o prêmio de risco de Robinson (1985, p. 331), sendo assim o elemento que incorpora o risco do devedor ou o entusiasmo consagrado como

animal spirits, segundo a expressão original de Keynes. A “taxa de lucro incremental esperada” é um dos

determinantes da demanda por investimento. Então existem expectativas dependentes da confiança nessa relação IS, mas ela continua sendo uma relação IS, ou seja, expectativas a respeito do mercado de bens não existem mais porque o equilíbrio nesse mercado está estabelecido.

(13)

No quarto capítulo, modificam-se o modelo básico de Lima e Setterfield (2008) e suas extensões, que são expressões do uso de diferentes tipos de política econômica. As representações são bastante simples: a influência da demanda agregada por bens finais é indicada numa relação IS; uma relação como a curva de Phillips incorpora a inflação de custos; a taxa esperada de inflação segue uma hipótese especial de expectativas adaptativas, que acentua o papel da credibilidade da política utilizada para alcançar a meta de inflação; uma função de reação da taxa de juros reproduz a política monetária, e a política de rendas também é expressa numa função de reação.

A relação IS, a curva de Phillips e o esquema de formação de expectativas formam a estrutura pós-keynesiana da economia. As políticas reagem a desvios do produto real em relação a algum nível desejado e da inflação em relação a uma meta. A depender de qual desvio ou quais desvios compõem cada função de reação, a combinação de políticas pode ser classificada como pós-keynesiana, ortodoxa ou mesmo como contendo elementos de ambas as orientações. Numa primeira aproximação, uma combinação de funções de reação capaz de gerar convergência dos desvios do produto e da inflação em relação às respectivas metas de maneira que cada política seja independente uma da outra tem algum grau de compatibilidade com a estrutura da economia.

A principal diferença em relação ao trabalho de Lima e Setterfield (2008) é que a credibilidade do compromisso de política não é mantida em seu nível máximo: há uma faixa de valores que esta pode assumir, e a hipótese tradicional de expectativas adaptativas corresponde ao caso em que seu valor é mínimo. Os resultados diferem daqueles do modelo original e suas extensões, porque novos critérios surgem para classificar as distintas combinações de políticas em relação ao grau em que são compatíveis com a estrutura da economia. Essa gradação de compatibilidades está relacionada à capacidade ou facilidade de cada combinação de políticas fazer com que a economia caminhe em direção às metas estabelecidas para inflação e produto. Essa capacidade ou facilidade depende principalmente de regras para as velocidades de ajuste das funções de reação.

Dois problemas são identificados na abordagem do quarto capítulo. Nada garante que as autoridades de política efetivamente sigam algumas regras prescritas para se atingir as metas de inflação e produto, e a credibilidade do compromisso de política

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mantém-se constante independentemente do sucesso ou fracasso do sistema de metas de inflação. A credibilidade torna-se endógena no quinto capítulo, gerando sistemas não-lineares. Isso é uma investida direta contra o segundo problema, mas também encaminha uma solução para o primeiro.

Contudo, mesmo tornando a credibilidade endógena, a confiança permanece constante. Uma interpretação é que uma configuração de equilíbrio estável, que significa sucesso do sistema de metas de inflação (alcance da meta de inflação com credibilidade máxima), alcance da meta para o produto e ausência de erros de previsão sistemáticos, é responsável pela aderência da confiança ao processo de formação de expectativas. Ao contrário, uma configuração de equilíbrio instável implica uma crise de confiança. Soluções instáveis descrevem então a iminência dessa crise. Mas não se modela o que acontece a partir desse ponto.

O último capítulo examina os benefícios e as dificuldades dos conjuntos de modelos. Mesmo desobrigando-os de incorporar alguns aspectos relevantes, seu movimento em direção a modelos mais completos deve necessariamente resolver, dentre outras coisas, o problema colocado por uma confiança nas expectativas constante e procurar incorporar elementos importantes, como a política fiscal.

(15)

2

E

CONOMIA PÓS

-

KEYNESIANA E METAS DE INFLAÇÃO

2.1 INEFICÁCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA

Ainda dentro do âmbito e sob influência da primeira geração de modelos de ciclos de negócios, descendentes do modelo de Lucas (1972), economistas novos-clássicos defenderiam uma regra monetarista como forma de condução da política monetária no debate regras versus discrição4. Isso porque, embora o modelo de Lucas (1972) admita efeitos reais de variações não-esperadas da política monetária, ele implica que estes devem ser transitórios e que distúrbios monetários não terão quaisquer efeitos reais na medida em que seus efeitos sobre o gasto nominal agregado possam ser previstos. Então uma regra era vista como benigna, devido à sua propriedade de previsibilidade, e discrição, maligna, por ser fonte de instabilidade.

A função de oferta agregada surpresa não vingou na macroeconomia novo-clássica, porque ela nunca teve comprovação empírica, mas a influência de Lucas se fez duradoura. “Microfundamentos” e expectativas racionais foram úteis de várias formas5

. É útil destacar dois desenvolvimentos. Seu modelo foi o ponto de partida para um tratamento formal da credibilidade da política monetária, que ganhou popularidade nas versões log-lineares de Sargent e Wallace (1975) e de Barro (1976): com anúncios críveis sobre mudanças na quantidade de moeda sem efeitos reais, esses modelos garantem que a inflação pode ser reduzida sem nenhum custo sobre o produto. Um pouco mais tarde, utilizando a idéia de que as séries observadas de variáveis econômicas resultam de regras de decisão ótimas dos agentes, Lucas (1976) argumentou que não se podem estimar as verdadeiras relações estruturais a partir modelos econométricos convencionais, porque as expectativas dos agentes interferem nessas relações.

4

Os modelos novos-clássicos dessa primeira geração sugeriam prescrições monetaristas, como

estabelecimento de uma taxa constante de crescimento monetário, embora o monetarismo seja teoricamente diferente de qualquer geração novo-clássica.

5

Ver o capítulo 3. As gerações superpostas de Lucas (1972) são geralmente substituídas por uma modelagem tipo Arrow-Debreu.

(16)

Do ponto de vista da história da teoria econômica, metas de inflação surgem como resolução alternativa do problema de ineficácia da política monetária devido à inconsistência temporal, e inconsistência temporal no âmbito da política monetária aparece de maneira mais relevante na literatura econômica quando Kydland e Prescott (1977) transladam a famosa crítica de Lucas (1976) dos métodos econométricos para a programação dinâmica e o controle ótimo6 7. A narração dos acontecimentos que levam à inconsistência temporal começa com o nível de preços de equilíbrio dependendo do comportamento da política monetária. Logo uma regra sistemática pode ser usada para formar expectativas sobre a política futura, se o banco central continua a se comportar de acordo com ela. Mas, porque o banco central se preocupa também com o nível de atividade, uma vez que os agentes privados assumem seus compromissos baseados na expectativa que a regra será seguida, é ótimo para ele se desviar da regra. Contudo, se um desvio da regra é possível, os agentes devem considerá-lo quando formam expectativas. No fim, só pode haver mais inflação. De uma maneira mais técnica, se o problema da política monetária é colocado em termos de otimização dinâmica com expectativas do público formadas racionalmente, ele é inconsistente. O resultado final da otimização em cada ponto do tempo ou seqüencial (uma otimização discricionária) é ineficiente, gerando uma distorção – o viés inflacionário. Para resolver o problema, Kydland e Prescott (1977) sugerem arranjos institucionais coercitivos, como fazer o congresso legislar sobre a política e torná-la efetiva apenas dois anos à frente8. Posteriormente, a abordagem de Barro e Gordon (1983a, 1983b)

6

Para uma definição formal de problemas consistentes em programação dinâmica, ver Acemoglu (2009, p. 148). A definição em problemas de controle ótimo é análoga. Um problema é temporalmente inconsistente caso não seja temporalmente consistente. Uma contribuição menos lembrada sobre a inconsistência temporal na condução da política monetária é a de Calvo (1978). Ele aponta que foi provavelmente Strotz (1955-1956) o primeiro a considerar a inconsistência temporal na ciência econômica e Auernheimer (1974), na política monetária. Auernheimer (1974) analisa o problema do governo de maximizar sua receita inflacionária da criação de moeda. O modelo de Calvo (1978) contempla aspectos dos modelos de Auernheimer (1974) e de Kydland e Prescott (1977). Strotz (1955-1956) analisa o problema do consumidor, e seu trabalho deu origem a uma série de desenvolvimentos que hoje aparecem consolidados nas restrições que se impõem à função de utilidade para que sua maximização intertemporal seja consistente.

7

Do ponto de vista pragmático, metas de inflação parecem ser algo culminante da mudança prática de controle de agregados monetários para procedimentos de controle da taxa de juros (PALLEY, 2006). Muito da forma de agir dos bancos centrais foi construído sem uma contraparte no debate acadêmico até um passado recente, por causa principalmente das críticas de Lucas (1976) e de Kydland e Prescott (1977) e do advento dos modelos de ciclos reais, que implicam irrelevância da política monetária (WOODFORD, 2003, cap. 1).

8

No trabalho de Kydland e Prescott (1977), além da política monetária, há outro exemplo formalmente desenvolvido de políticas temporalmente inconsistentes: uma política fiscal que oferece uma dedução do imposto por investimento feito (investment-tax-credit). Hoje é amplamente reconhecido na literatura

(17)

particularizou o resultado de inconsistência temporal como o de um jogo jogado uma única vez. Modelar a política monetária como um super-jogo trouxe com mais força considerações sobre a credibilidade, que haviam sido levantadas com a popularização do modelo de Lucas (1972), mas ressurgindo agora associadas com o conceito de reputação em jogos repetidos e, um pouco mais adiante, com crenças sobre as preferências do banco central.

Em conjunto, os trabalhos de Kydland e Prescott (1977) e de Barro e Gordon (1983a) concedem a possibilidade de focar diretamente sobre três aspectos, a fim de se obter uma solução do problema de ineficácia da política monetária devido à inconsistência temporal: reputação, preferências do banco central e flexibilidade da política9. Um sistema de metas de inflação é o exemplo mais típico de mecanismo de coerção sobre a política monetária, restringindo-lhe a flexibilidade.

Conquanto surgindo como solução de um problema levantando por autores líderes da escola novo-clássica, novos-keynesianos passaram a empreender um desenvolvimento teórico profícuo sobre o sistema de metas de inflação. Esse encaminhamento era presumível: a aceitação da crítica de Lucas (1976) e a assimilação das ferramentas da teoria de ciclos reais (real business cycle – RBC) fizeram paulatinamente com que a forma novo-keynesiana de construir uma teoria deixasse para trás modelos de equilíbrio parcial e começasse qualquer elaboração por uma economia de equilíbrio geral dinâmico10. De uma forma bastante resumida, o expediente novo-keynesiano é introduzir competição monopolística e escalonamento de preços num modelo de equilíbrio geral dinâmico com as escolhas consumo/poupança, trabalho/lazer e moeda/títulos. Isso gera uma curva IS, uma curva LM e uma relação como a curva de Phillips. A curva LM é mainstream que problemas de inconsistência temporal também surgem no desenho e condução da política

fiscal. Ver, por exemplo, Wickens (2008, cap.6).

9

Focar sobre cada um desses aspectos produz um conjunto de soluções alternativas: a) a perda de reputação impõe um mecanismo coercitivo ao banco central ou o banco central tem incentivos para influir sobre a crença de suas ações quando não se conhecem suas verdadeiras preferências; b) as preferências do banco central podem diferir das do público, de modo a colocar um peso maior sobre a baixa inflação através de: i) um policymaker com aversão à inflação acima do normal; ii) um pacote de incentivos ao policymaker; iii) um desenho adequado do banco central; c) a flexibilidade da política pode ser diretamente limitada. Ver Barro e Gordon (1983b), Cukierman e Meltzer (1986), Rogoff (1985), Walsh (1995) e Svensson (1997).

10

O próprio uso da caixa de ferramentas da teoria de ciclos reais é uma resposta à crítica de Lucas (1976), porquanto as equações de Euler fornecem relações estruturais, já que são invariantes a mudanças na política que modificam o movimento das variáveis endógenas.

(18)

freqüentemente trocada por uma regra de Taylor, porque o interesse não recai sobre agregados monetários. A teoria RBC é um importante bloco de construção porque continua fornecendo “marcas de referência” que prevaleceriam sem as imperfeições: as taxas naturais do produto e de juros à maneira de Friedman (1968) e Wicksell (1936). Parte disso a denominação “nova síntese neoclássica”11. Modelos dessa nova síntese implicam que a política monetária sistemática pode fazer diferença substancial em relação ao modo que a economia responde a distúrbios reais de toda variedade. Uma abordagem para a política monetária que objetiva a estabilidade de preços se justifica pela própria demora no ajuste de preços12, e a constatação da inconsistência temporal ao modo de Kydland e Prescott (1977) torna uma regra de política a escolha adequada. Mas uma regra de política monetária agora não é necessariamente uma escolha uma vez por todas à maneira de Kydland e Prescott (1977) e de grande parte da literatura que os seguiu. As regras da nova síntese são contingentes13.

Uma questão que se coloca então é se pós-keynesianos aceitam o problema de ineficácia da política monetária devido à inconsistência temporal. Ineficácia da política monetária para pós-keynesianos é diferente de ineficácia devido à inconsistência temporal. Em primeiro lugar, eles não formulam uma questão em termos de um problema de programação dinâmica ou controle ótimo. O uso corrente dessas técnicas, embora estas não estejam descartadas por teóricos dessa vertente, tem orientação claramente neoclássica. Modelos pós-keynesianos sobre qualquer assunto geralmente não são problemas de otimização.

Programação dinâmica ou controle ótimo constitui a forma correta de construções teóricas com microfundamentos neoclássicos, já que o procedimento de maximização padrão neoclássico, quando transferido para um contexto dinâmico, se insere numa família particular de problemas de otimização aos quais essas técnicas se dedicam14. Condições de agregação, mais simples para as funções de produção e mais complicadas

11

Ver Goodfriend e King (1997). Outra denominação é “novo consenso”.

12

Nesses modelos, com a força de certas circunstâncias, não é necessário focalizar sobre o produto, porque são rigidezes de preços que o afastam do seu nível natural sob competição monopolística.

13

Ver Woodford (2003, cap. 1 e 8).

14

Uma descrição rigorosa do problema geral de controle ótimo e de como este toma a forma de um problema variacional é encontrada em Leitão (2001, cap. 2). O que se chama aqui de problema padrão neoclássico num ambiente dinâmico é o problema de otimização que dá forma ao modelo de crescimento neoclássico nas suas várias versões (modelos do tipo Ramsey-Cass-Koopmans).

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para funções de utilidade, geram o par de agentes representativos relevante, igualando a análise micro à análise macro.

Kydland e Prescott não criticam o uso da técnica para o caso padrão neoclássico, mas sim sua aplicação aos casos em que expectativas racionais tornam o problema de otimização dinâmica temporalmente inconsistente, como acontece com o planejamento econômico empreendido pelas autoridades de política. Ao contrário, Kydland e Prescott (1982) fazem parte do grupo pioneiro de autores que transladaram o problema padrão neoclássico para um contexto dinâmico estocástico, o que originou a teoria dos ciclos reais de negócios, a segunda geração de modelos novos-clássicos15. Esta seqüência na evolução do pensamento, teoria do consumidor e da firma, crescimento neoclássico, ciclos reais de negócios, é condizente com o desenrolar da técnica entre economistas, otimização, otimização dinâmica, otimização dinâmica estocástica, e soa como natural. Parecia natural então utilizar a técnica de otimização dinâmica para representar o comportamento de todos os agentes, inclusive o governo em suas ações de política, mas Kydland e Prescott mostraram que isso não era tão direto, se se desejava aceitar a hipótese sobre expectativas de Muth, que, como exposto no capítulo 3, cumprira um papel importante na resolução do problema da instabilidade em modelos de crescimento monetário.

Em segundo lugar, algo mais importante: admitindo os princípios de funcionamento de uma economia monetária de acordo com a visão de Keynes, pós-keynesianos fornecem uma conotação obviamente bastante diferente para o argumento da ineficácia da política monetária.

Nos capítulos 13, 15, 17, 19 e 22 de sua Teoria Geral, Keynes (1983) expõe ressalvas quanto à eficácia da política monetária. Uma política monetária expansionista pode não reduzir a taxa de juros se a preferência por liquidez aumentar proporcionalmente mais que a quantidade de moeda. Ainda assim houvesse uma queda na taxa de juros, esta poderia não ser suficiente para incentivar novos investimentos, já que sua influência só se manifesta relativamente ao nível da eficiência marginal do capital, que pode cair mais que a taxa de juros. Além disso, outros fatores limitam a atuação da autoridade monetária: ela

15

Não é verdade, portanto, que, para Kydland e Prescott (1977), “a teoria do controle ótimo não pode ser aplicada ao estudo dos sistemas sociais”, como afirma Modenesi (2005, p. 164).

(20)

opera no extremo inferior do range da curva de rendimentos e tem dificuldade em baixar a taxa de juros de longo prazo, ainda mais se a política expansionista é moderada16. Por outro lado, uma expansão muito forte aumenta a incerteza quanto ao futuro da própria política, e o motivo precaução faz aumentar a preferência pela liquidez. O resultado é um movimento inadequado da taxa de juros: uma queda tênue ou mesmo um aumento. Numa situação de armadilha da liquidez, a autoridade monetária também terá dificuldades em baixar a taxa de juros. Relacionado a isso, vale dizer que importa não só a disposição pública geral em possuir estoques de ativos de determinada liquidez, mas, principalmente, essa mesma disposição por parte do sistema bancário, como ressaltado por Keynes em artigos posteriores à Teoria Geral. Essa disposição do sistema bancário e o seu papel como agente financiador são fundamentais para a endogeneidade da moeda: uma variação nos gastos gera ou requer variação nos meios de pagamento se esse for o desejo dos bancos17. A concepção de uma relação estável entre base monetária e demais agregados monetários é prejudicada quando a moeda é endógena.

É evidente que essas ressalvas se inserem num arcabouço mais geral cuja construção ou discernimento original é atribuível a Keynes. De uma maneira bastante resumida, esse arcabouço pode ser representado pela convicção de que a moeda não é neutra no curto ou longo prazos, sendo uma economia monetária de produção definida como aquela em que a moeda tem esse efeito18. As mesmas características que conferem um valor relativamente estável da moeda para seu uso como unidade de conta de contratos futuros, baixas elasticidades de produção e substituição, fazem emergir a não-neutralidade. Durante o funcionamento dessa economia, se o desejo dos possuidores de riqueza se desloca para ativos cujo atributo de liquidez é elevado, notadamente a moeda, fatores de produção não poderão ser empregados em sua produção, que deve ser limitada. Além disso, quando ocorre esse deslocamento e o “preço” da moeda e de outros ativos líquidos é

16

Essa questão é típica na literatura tradicional sobre operacionalização da política monetária. Ver, por exemplo, Walsh (2003, cap. 9).

17

Wray (2001) e outros distinguem a preferência por liquidez da demanda por moeda. Seu argumento é que uma demanda por moeda crescente geralmente faz com que a oferta monetária se expanda, e o aumento da preferência por liquidez não, porque ela é o desejo de manter moeda.

18

Às vezes, a não-neutralidade é associada à endogeneidade da moeda, como faz Davidson (2005, p. 459), mas isso não é necessário mesmo dentro da economia pós-keynesiana. Fora dela, é útil lembrar que moeda endógena é também uma característica dos modelos de ciclos reais quando se introduz moeda, mas, nestes, ela é neutra. É evidente, porém, que a endogeneidade tem características distintas nessas abordagens.

(21)

aumentado, ninguém os substitui por ativos que empregam mão-de-obra. Um resultado aquém do pleno emprego é certo, e não há como fugir dessa determinação monetária. O modo próprio de funcionamento dessa economia, em que a decisão de alocar riqueza é logicamente primária19, faz com que contratos em moeda, especialmente contratos de trabalho, sejam ubíquos: nas suas negociações, donos das decisões de produzir e aumentar a capacidade de produzir recorrem ao meio de pagamento cujo curso forçado habilita-os a lidar com a incerteza inerente ao cumprimento de seus compromissos, e, assim sendo, possuir tal meio é uma sábia resolução quando eles sofrem vacilantes com expectativas sombrias, falta de confiança ou ignorância20.

Esse mecanismo gerador de não-neutralidade em qualquer espaço de tempo é de importância fundamental para uma diferenciação em relação às opiniões sobre o sistema de metas de inflação, porque ele não coincide com qualquer estrutura motivadora de não-neutralidade do novo consenso e seu resultado não é apenas sensível no curto prazo. Relacionado a isso, se não há qualquer espaço para a noção de taxa natural de desemprego, como acontece dentro de uma economia monetária, que também inclui a idéia de que a barganha salarial não é capaz de determinar o salário real de equilíbrio21, a concepção de algo como uma curva de Phillips que incorpora essa taxa natural é fortemente prejudicada. Parece ser esse o sentido da afirmação de Davidson (2006) de que, se não há taxa natural, o desejo de sujeitar a política monetária para alcançar uma taxa de inflação colapsa22. Noções próximas à taxa natural do produto, como a de taxa natural de juros wickselliana, que hoje se associa intrinsecamente ao empenho novo-keynesiano de construir seu arcabouço para a política monetária, sofrem da mesma crítica. As “marcas de referência” da nova síntese neoclássica não existem para pós-keynesianos. Além disso, um julgamento semelhante

19

O que é fundamental para o princípio da demanda efetiva numa formulação geral. Ver Possas (1987, p. 47-59) e Possas e Baltar (1981).

20

Um resumo semelhante a este é encontrado em várias passagens na literatura pós-keynesiana. Ver, por exemplo, Wray (2001) e Carvalho (1989).

21

Para Keynes, trabalhadores lutam por salários reais relativos e a barganha salarial é conduzida em termos nominais. Trabalhadores de um setor resistem à queda de seus salários nominais quando isso significa redução de seus salários reais frente a trabalhadores de outro setor, mas geralmente não resistem à queda de seus salários reais quando o nível geral de preços aumenta. Além disso, a redução de salários nominais influencia o nível agregado de emprego somente através de seus efeitos sobre os componentes da demanda efetiva e implica aumento do emprego apenas sob certas circunstâncias. Ver Keynes (1983, caps. 2 e 19). Uma crítica a Keynes é feita por Simonsen (1983).

22

Um ou outro aspecto pode ser mais ou menos acentuado numa crítica pós-keynesiana à nova síntese. Mesmo a relação IS pode ser atacada (ver Kriesler e Lavoie (2007)). A investida de Davidson (2006) contra a taxa natural é fundamental.

(22)

pode se aplicar sobre o uso da hipótese de expectativas racionais, ou seja, se agentes não formam expectativas racionais, o problema da ineficácia da política monetária tem que ser colocado em outros termos, porque, tal como formulado por Kydland e Prescott (1977), esse problema de inconsistência temporal depende da hipótese de expectativas racionais23. A concepção de economia monetária é, portanto, o marco mais notável que distancia pós-keynesianos dos termos em que geralmente se questiona sobre a eficácia da política monetária24.

Para pós-keynesianos, as ressalvas de Keynes não significam que a autoridade monetária deve se abster do uso do seu instrumento de política. Ao contrário, a atuação do banco central deve ser consistente com a idéia de economia monetária, na qual crises e fugas para a liquidez consubstanciam-se. Suas funções primárias estão, portanto, relacionadas ao provimento de liquidez. Como controlador do sistema bancário, o banco central deve encorajá-lo a tornar o crédito tão barato quanto possível enquanto a economia tem significantes recursos ociosos; como emprestador de última instância, ele deve assegurar a estabilidade e a regularidade nos mercados financeiros25. Controle da inflação não é uma função da autoridade monetária para pós-keynesianos, pelo menos não uma função primária.

Como inserir, então, um sistema de metas de inflação num arcabouço pós-keynesiano? Para encaminhar uma resposta a essa pergunta, deve-se primeiro considerar como se explica a inflação dentro desse arcabouço. Neste, há um esforço para uma explicação para o sistema de preços diferente do enfoque tradicional.

23

A natureza externa desse tipo de crítica é a mesma entre grande parte de pós-keynesianos e do próprio Keynes, que a expressou, por exemplo, na famosa passagem da Teoria Geral sobre a geometria euclidiana num mundo não euclidiano. No capítulo seguinte, uma das principais críticas é interna.

24

A incorporação de outros elementos pós-keynesianos, como a diferenciação entre circulação financeira e circulação industrial, e outros específicos a países, como a dificuldade para a existência de uma curva de rendimentos no Brasil, trazem contribuição adicional ao debate. Ver Carvalho (2005). Mas o argumento aqui é bastante simples e guarda coerência com os modelos desenvolvidos nos capítulos mais à frente. Ele também é suficientemente geral para incorporar esses elementos.

25

(23)

2.2 INFLAÇÃO DE DEMANDA E INFLAÇÃO DE CUSTOS

Freqüentemente, pós-keynesianos acusam a mainstream economics de identificar apenas a inflação de demanda26. Inflação de demanda e inflação de custos são certamente expressões equívocas. Talvez o significado mais difundido seja aquele que associa a inflação de demanda a deslocamentos da curva de demanda agregada de bens e serviços finais e a inflação de custos ao aumento independente do custo unitário de produção. No primeiro caso, a expansão do produto real só pode coexistir com a inflação enquanto não se atinge o pleno emprego, a partir do qual só há inflação. No segundo, como a oferta agregada cai com o aumento dos custos, deve haver estagflação. Essa acepção surge associada ao keynesianismo da síntese neoclássica prévio à incorporação da Curva de Phillips. Mas certa confusão na utilização dos termos, que já existia antes do início da síntese neoclássica, ressurgiu com a curva de Phillips, e a causa dela parece localizar-se nos ajustes simultâneos dos mercados de bens e fatores.

De fato, dentro do arcabouço de modelos de equilíbrio agregativo simples com suposições tradicionais (neoclássicas) sobre a produção de bens e a oferta de mão-de-obra, custos, notadamente custos salariais, perdem importância na explicação do processo inflacionário quando são endogenamente determinados pelos mercados de fatores e, ao mesmo tempo, quando a situação em análise é sempre de equilíbrio nesses mercados. Esse é o caso, por exemplo, do modelo clássico, que o próprio Keynes compendiou27, ou do modelo da síntese neoclássica prévio à incorporação da curva de Phillips. No primeiro, a inflação é corriqueiramente puro problema monetário; no segundo, além da moeda, gastos públicos e investimentos podem gerar um aumento da demanda nominal de bens e serviços num passo superior ao da oferta agregada real. Em ambos os casos, a taxa de salário real

26

Como fazem, por exemplo, Davidson (1994, p. 161), Smithin (2003) e Setterfield (2006). Para Mollo (2004), dentro de um critério mais amplo que propõe para demarcar uma fronteira entre ortodoxia e heterodoxia monetárias, a neutralidade da moeda, uma inflação que é “sempre de demanda” pertence à primeira visão, enquanto que uma inflação de custos faz parte das explicações pós-keynesianas para o problema.

27

Apesar da crítica direta da Teoria Geral a alguns economistas clássicos, o modelo que Keynes chama de clássico é, de fato, neoclássico, porque ele é principalmente um compêndio de contribuições que aconteceram no âmbito do pensamento econômico tradicional após 1870 e que já utilizavam o método formal marginalista. A década de 1870 marca o nascimento da economia neoclássica (as três obras da revolução marginalista foram publicadas em 1871 e 1874).

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vigente é aquela que equilibra o mercado de trabalho. Porém, ainda se mantendo no âmbito desses modelos, se o mercado de trabalho está “fora” do equilíbrio, ou se há algo mais influenciando as decisões de oferta e demanda de fatores, como, por exemplo, algum almejo de ganho salarial acima de certa recomposição, custos importam para explicar um processo inflacionário continuado.

Desse ponto de vista, mesmo a primeira curva de Phillips e também as suas várias versões posteriores incorporam a inflação de custos. Desde então, parece não ser correto afirmar que o pensamento macroeconômico tradicional a ignora. O que de fato é ignorado é a distinção de tratamento entre inflações de demanda e de custos, porque à última, principalmente a partir da versão aceleracionista da curva de Phillips, aplica-se a mesma prescrição destinada à primeira, que passa necessariamente por uma política monetária apropriada28. Na história da macroeconomia, o ingrediente básico que permite harmonizar ambos os conceitos é fazer a taxa de desemprego influir no processo de formação de salários.

Quando Lipsey (1960) vestiu os achados de Phillips (1958) com um argumento que, retirando considerações acessórias, é tão virtuoso quanto simples, ele também forneceu as bases para o engenho que une inflação de demanda e de custos sem ferir os princípios neoclássicos. O essencial de sua explicação para o trade-off entre inflação e desemprego é que a variação do salário nominal reflete um ajuste frente a excessos de demanda positivos ou negativos no mercado de trabalho29. Nessa explicação, um número de vagas oferecidas pelas firmas superior à fração desempregada da população economicamente ativa significa um excesso de demanda por mão-de-obra. Se o número de vagas é uma função decrescente da taxa de desemprego, esta se torna o indicador da oferta ou da demanda excedente de mão de obra. Tecnicamente, isso nada mais é que uma equação de ajuste parcial. Como o capítulo 3 explica mais a frente, uma equação de ajuste parcial pode ser estável se considerada isoladamente ou se o restante do modelo na qual está inserida permitir. Esse artefato já estava disponível aos economistas da síntese neoclássica, mas foi Lipsey que

28

Essa opinião sobre inflações de demanda e de custos é análoga àquela expressa por Simonsen (1983). Ver principalmente os capítulos 1, 2, 7 e 8. Aqui, o modelo clássico (neoclássico) é aproximadamente seu modelo do capítulo 1; o modelo da síntese neoclássica prévio à incorporação da curva de Phillips, o do capítulo 2.

29

Lipsey ainda trata da obtenção de uma curva de Phillips agregada a partir de dois mercados e da relação entre a variação da taxa de salário e a variação da taxa de desemprego, notada por Phillips (1958).

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primeiro o utilizou, pelo menos de maneira mais enfática, para explicar a dinâmica do mercado de trabalho. Por enquanto, é suficiente considerar que, sem esse artefato dinâmico, inflações de demanda e de custos são ou podem ser distintas. Mas, com ele, surge outra narração.

O leitor deve colocar-se no lugar de um economista que nasce fiel ao velho-keynesianismo (da síntese neoclássica ainda sem a curva de Phillips) e tenta concordar com Lipsey e depois com Friedman e Phelps sem abandonar totalmente seus princípios. Primeiro, esse economista poderia afirmar que preços aumentam porque custos aumentam, já que custos salariais variam caracterizando uma situação “fora” do equilíbrio. A curva de Phillips descreve assim uma inflação de custos, como afirma Simonsen (1983, p. 278-280).

Por outro lado, se apenas há um aumento “exógeno” de custos salariais, a inflação é somente de custos. Assim, por exemplo, ao se postular que salários nominais se reajustam apenas por uma fração da inflação passada mais um ganho além da produtividade marginal do trabalho, sem influência da taxa de desemprego, mesmo mantidas as demais hipóteses tradicionais sobre as curvas de oferta e demanda agregadas, é possível mostrar que não se pode combater de maneira eficaz a inflação, que, nesse caso, é somente de custos, com a política monetária30.

Tomando o significado simples de que preços aumentam porque custos aumentam, inflação de custos sempre existe – afirmaria aquele economista –, se o mercado de trabalho ainda não está em equilíbrio, ou se há uma espécie de “exogeneidade” dos custos de fatores, ou seja, no caso do mercado de trabalho, se há múltiplas determinações do salário nominal se transmitindo a preços. Ao se deparar com a emenda de Friedman-Phelps, o partidário da explicação acima poderia classificá-la como um caso especial em que as expectativas inflacionárias primeiro deslocam o mercado de trabalho para “fora” do equilíbrio para lentamente depois conduzi-lo de volta. Com isso, fazendo o produto agregado seguir a teoria quantitativa, não há distinção de tratamento entre inflações de demanda e de custos31.

30

Ver Simonsen (1983, p. 284-287).

31

A versão aceleracionista coloca de volta os salários reais na análise. Se trabalhadores são lentos para ajustar suas expectativas de preços quando estes mudam, mudanças nos salários nominais são interpretadas por eles como mudanças nos salários reais. Mas os empregadores conhecem os verdadeiros salários reais.

(26)

Mas a idéia primária de Lipsey de desequilíbrio no mercado de trabalho, que surge de maneira independente de suposições adicionais sobre expectativas e demanda agregada, torna-se subalterna na versão aceleracionista, já que são os erros expectacionais que causam o desequilíbrio32. Então, antes que a inflação possa ser somente de demanda, ela é de outro tipo, que pode ser associado com determinada noção de inflação de custos. Mas a fonte inflacionária original não são aumentos de custos. Antes de tudo, há aumento da quantidade de moeda.

Existe um significado mais elementar para as expressões inflação de demanda e inflação de custos, que associa a primeira a deslocamentos da curva de demanda de um mercado qualquer, notadamente o mercado de trabalho, e a segunda a deslocamentos da curva de oferta desse mercado33. É evidente que, nesse caso, o processo de ajuste que caracteriza a inflação é o mesmo assinalado acima, embora a distinção entre inflação de demanda e de custos seja mais simples ainda. É essa distinção, e não a primeira, que Phillips (1958) tem em mente quando considera seus achados uma evidência em favor de uma inflação “puxada” pela demanda e contra uma inflação “empurrada” pelos custos, como se situações fora do equilíbrio fossem apenas originadas por deslocamentos da curva de demanda de mão-de-obra. Lipsey (1960) corretamente o censura, dedicando boa parte de seu artigo a mostrar que há tanto uma coisa quanto outra. Por fim, embora seja possível argumentar que o desequilíbrio em qualquer mercado possa ser notado porque algum processo de ajuste fora posto em movimento, é fácil alegar que, se não há distinção entre as causas que o originaram, um deslocamento da curva de oferta ou da curva de demanda, é irrelevante discriminar entre inflação de custos e inflação de demanda. Atuar sobre a oferta ou demanda para se retornar ao equilíbrio teria os mesmos efeitos. Com isso, inflação de custos e inflação de demanda se harmonizam como representação do desequilíbrio, e a curva de Phillips adéqua-se bem a ambas as coisas.

Essa segunda acepção pode ainda ser ampliada para dar origem a outra, com um sentido mais nobre. Que preços são formados pela interação entre oferta e demanda

32

É evidente que o modelo de Friedman pode ser pensado como um modelo de desequilíbrio, embora como desenhado originalmente, ele seja formalmente equivalente a um modelo de equilíbrio competitivo ex ante do mercado de trabalho. Ver De Vroey (2001).

33

Nesse caso, o termo inflação não se refere necessariamente ao nível geral de preços, como no uso comum da expressão.

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remonta aos prelúdios de um iniciante. Porém considerar que, muitas vezes, compete ao ofertante estabelecer seu preço torna a construção mais atraente. Assim, o poder de monopólio dos participantes de qualquer mercado, de bens finais ou de fatores de produção, identifica-se com a inflação de custos, e uma explicação semelhante faz também a variação de preços fixados administrativamente pertencer a essa categoria34. Nesse caso, inflação de custos existe por que preços rígidos funcionam como obstáculos no percurso de ajustamento acima. Essas rigidezes podem acontecer em mercados diferentes do mercado de trabalho. A descrição de fenômenos que tornam os preços rígidos em certos mercados é comum na literatura dos anos 1950 e 1960 sobre o tema, que prontamente os determina como fontes da inflação de custos35.

Embora se assevere que Keynes foi incapaz de se livrar de uma concepção de inflação puxada pela demanda (VERNENGO, 2006, p. 477), alguns daqueles que o interpretam como se referindo a um sistema de salários rígidos para baixo afirmam que ele teve influência no desenvolvimento das teorias de inflação de custo, por acostumar os economistas a pensar os salários nominais como variáveis exógenas36.

Uma conciliação aventada por Samuelson e Solow (1960, p. 189), no artigo responsável pela vulgarização da “curva de Phillips dos preços”, estabelece a conexão definitiva da curva de Phillips com os conceitos da síntese neoclássica, associando a inflação puxada pela demanda a movimentos ao longo da curva e a inflação empurrada por custos a deslocamentos da curva. É imediato verificar que, nessa conciliação, só se associa certo desequilíbrio no mercado de trabalho diretamente à inflação de demanda: uma

34

Hoje, no Brasil, a expressão “preços administrados” ou “preços monitorados” refere-se aos preços que são insensíveis às condições de oferta e de demanda porque são estabelecidos por contrato ou por órgão público (BRASIL, 2008). Esse é o significado do texto acima. Como o leitor pode observar mais adiante, pós-keynesianos dão outro sentido ao termo, classificando a inflação devida ao poder de monopólio como uma inflação administrativa. O leitor também deve lembrar que há uma série de adjetivos associados à inflação nos escritos que registram o debate nacional sobre o tema que se iniciou ainda no final dos anos 1970 e prosseguiu até os anos iniciais do Plano Real. Às vezes, nesse debate, a inflação de custos refere-se apenas a aumentos salariais acima do acréscimo da produtividade do trabalho, e, como fazem os pós-keynesianos, a inflação devida ao poder de monopólio é vista como uma inflação administrativa. Nessa literatura nacional, a inflação também é muitas vezes qualificada como keynesiana, monetarista, estruturalista, oligopolística, inercial, etc. Alguns desses conceitos estão associados àqueles expressos neste trabalho, porém a discussão aqui é mais primária. Ver, por exemplo, Bresser Pereira e Nakano (1984) e Gualda (1982) e Bresser Pereira (1996).

35

Mesmo antes, na literatura monetária pré-guerra, há identificação da inflação de custos com preços rígidos. Sindicatos foram apontados como os principais culpados. Ver Humphrey (1977, 1985).

36

Ver Simonsen (1983, p. 278-287). Contudo, mesmo na Teoria Geral, o assunto é tratado de maneira mais complexa. Ver Santos (2002).

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determinada relação de curto prazo entre desemprego e inflação só existe quando a demanda agregada varia. Então o significado dos termos inflação de custos e inflação de demanda na síntese neoclássica é praticamente o mesmo com ou sem a incorporação da curva de Phillips, mas é diverso dos significados de Phillips (1958) ou Lipsey (1960) e o inverso de determinada acepção: preços aumentando porque custos estão aumentando geralmente não refletem uma inflação de custos, porque custos variam quando a demanda agregada se desloca.

A habilidade de acomodar ambos os tipos de inflação foi um dos motivos da aceitação ampla do “Paradigma de Phillips” até a versão aceleracionista37

, apesar de certo reconhecimento da incapacidade de se observar na prática qualquer distinção entre inflações de custo e demanda. Tal incapacidade foi sugerida por Lipsey (1960), segundo a acepção que as associa diretamente a deslocamentos das curvas de demanda e oferta de trabalho, e assinalada com mais vigor por Samuelson e Solow (1960), de acordo com acepção acima38. Talvez essa falta de distinção prática tenha reforçado a receptividade da curva de Phillips, porque ainda assim ela continuava fornecendo seu melhor atrativo: um menu de escolhas entre emprego e inflação39.

No âmbito da macroeconomia tradicional, a dificuldade que advém da diversidade de acepções sobre a natureza cost-push e demand-pull do processo inflacionário poderia ter se extinguido com a construção de Samuelson e Solow (1960), se a história terminasse na versão aceleracionista, pois o desenvolvimento de Friedman-Phelps lhe pode ser incorporado sem muitos problemas. Mas acontece que esse não é geralmente o caso quando se gera uma relação como a de Phillips sem recorrer ao mercado de trabalho.

Considere-se, por exemplo, o modelo básico novo-keynesiano de Clarida, Galí e Gertler (1999), que, por ser também um modelo RBC, é também o modelo de referência da nova síntese neoclássica. Nele, firmas em concorrência monopolística estabelecem

37

Ver Humphrey (1985).

38

Samuelson e Solow (1960) se referem a outras questões importantes. Por exemplo, embora determinados setores possam experimentar excesso de demanda, a fonte da inflação pode estar em outros setores em que há excesso de capacidade e mark-ups e salários rígidos, ou seja, excessos de demanda e inflação de custos podem coexistir. Esse fenômeno é conhecido como demand-shift inflation, embora seja classificado como um tipo de inflação de custo.

39

Rees (1970, p. 227) afirma que a maior razão para a importância do artigo de Phillips (1958) na literatura econômica na década de 1960 é que ele parecia oferecer aos policymakers um menu de escolhas entre emprego e inflação.

(29)

preços de maneira escalonada de acordo com a especificação de Calvo (1983), o que gera uma relação como a curva de Phillips: a inflação é função da inflação futura esperada e da diferença entre o produto efetivo e o produto que prevaleceria na ausência de rigidezes nominais40. Se o termo inflação de custos refere-se ao poder de monopólio e à rigidez de preços, alguém pode argumentar que essa relação semelhante à de Phillips reflete uma inflação desse tipo, embora agora seu mecanismo gerador seja bastante diferente. Esse modelo básico tem a característica indesejável de que não há desemprego, o nível de emprego move-se sempre sobre a curva de oferta de trabalho41. Exime-se aquilo que a distinção da velha síntese utilizava.

Com efeito, mecanismos geradores de uma relação semelhante à de Phillips diferentes daquele ressaltado por Lipsey existem desde o trabalho de Lucas (1972)42. A base da curva de oferta de Lucas é o chamado problema genérico de extração do sinal: uma variável aleatória se decompõe num sinal mais um ruído, e o problema trata de estimar o sinal a partir da observação do sinal mais ruído. Não há espaço para qualquer inflação de custos salariais porque o mercado de trabalho está sempre equilibrado por definição.

Embora não haja desemprego no modelo de Clarida, Galí e Gertler (1999), imperfeições em diversos mercados, não só na produção de bens finais, é uma das características fundamentais da escola novo-keynesiana, estando presente em vários modelos prévios às versões dinâmicas RBC da nova síntese. Nessa linha, há pelo menos três grandes grupos de modelos que expressam o afastamento do mercado de trabalho do equilíbrio competitivo: teorias de salário de eficiência, modelos de contrato e modelos de busca43. Parece haver uma convergência de pesquisa em torno dos modelos de busca, porque construir versões RBC desses modelos exige, do ponto de vista teórico,

40

Claramente, o gap do produto tem uma qualificação diferente, porque há três níveis de produto diferentes: o produto efetivo, o produto que prevaleceria na ausência de rigidezes nominais e o produto que prevaleceria na ausência de rigidezes nominais e poder de monopólio.

41

Duas outras características indesejáveis do modelo de Clarida, Galí e Gertler (1999) é que investimento está ausente e o efeito da taxa real de juros sobre o produto deve-se à suavização do consumo.

42

Outros prefeririam afirmar “desde o trabalho de Friedman”, já que, em seu modelo de equilíbrio competitivo ex ante do mercado de trabalho, a relação de Phillips emana dos erros de previsão dos trabalhadores que se revelam durante a vigência dos contratos. Mas a idéia de desequilíbrio no sentido de Lipsey lhe é facilmente adaptável. Isso não acontece no modelo de pequenos produtores diretos (yeoman

farmers) de Lucas. 43

Outros rótulos para modelos de busca são modelos de matching ou search and matching e modelos DMP, sigla resultante das contribuições fundamentais de Diamond (1982), Mortensen (1982) e Pissarides (1985).

(30)

relativamente pouco em relação às alternativas: não é necessário especificar a natureza dos choques e o processo de formação de expectativas44. Mas, mantendo-se famílias maximizando utilidade e firmas maximizando lucro, permite-se focar sobre o processo de “encaixe” entre trabalhadores à procura de emprego e vagas existentes, uma idéia, aliás, cujo embrião já está manifesto no trabalho de Lipsey. Contudo, nesse programa de convergência em macroeconomia, não se pode ter naturalmente a mesma classificação entre inflações cost-push e demand-pull da velha síntese. Embora alguém possa tentar reabitá-la dentro desse arcabouço, já que ele consegue mesclar uma curva de Phillips em que há desemprego com a curva de Phillips novo-keynesiana, o cenário desses modelos não é simplesmente de ajustes frente a desequilíbrios. Porque se leva tempo para que o trabalhador encontre a vaga de trabalho e para que a firma encontre o trabalhador, ambos, trabalhador e firma, possuem poder de barganha. A introdução da barganha torna o salário e os níveis de emprego e desemprego dependentes dela.

Ademais, se alguma noção de inflação de custos está associada aos fenômenos que tornam os preços rígidos em certos mercados, é direta sua associação com modelos novos-keynesianos ou da nova síntese que dão suporte ao sistema de metas de inflação. É exatamente a existência de preços rígidos que justifica nesse arcabouço o sistema de metas. Na obra que consolida grande parte do esforço novo-keynesiano para justificar regras ótimas de política monetária tais como metas de inflação, Woodford (2003, p. 13) afirma que os preços que a política monetária deve ter o objetivo de estabilizar são aqueles que são infreqüentemente ajustados.

Hoje, enveredar-se numa investida que acusa a insignificância da inflação de custos nos modelos mainstream implica fazer alguns reparos e explicações45. A própria distinção confusa entre inflação de custos e inflação de demanda é um impedimento para essa empreitada. A mainstream tem reservado os próprios termos, que desapareceram dos manuais46, a historiadores do pensamento econômico. Na sua história da curva de Phillips, Gordon (2008), por exemplo, identifica essas expressões como familiares à época de

44

Ver o modelo de Ravenna e Walsh (2008).

45

É evidente que alguém pode argumentar que, ao se retirar toda a parafernália novo-keynesiana dos modelos da nova síntese, o que resta é um equilíbrio do nível de preços dependente do comportamento presente e futuro da política monetária, sendo a inflação, antes de mais nada, um fenômeno monetário.

46

(31)

Phillips ou pré-Phillips, mas não aos desenvolvimentos posteriores. Os mecanismos geradores das “modernas” curvas de Phillips, que prescindem do desequilíbrio do mercado de trabalho, motivam esse esquecimento. O único resquício dessa tipologia aparece na literatura sobre o canal de custos da política monetária47.

Por outro lado, pós-keynesianos ressaltam vários aspectos que podem de alguma forma ser contendidos. Por exemplo, às vezes, aceitando uma equação de trocas, eles afirmam que a inflação, provocada por aumentos dos custos, em particular os salários, precede o aumento da quantidade de moeda (WRAY, 2001; MOLLO, 2004). Mas isso pode não ser suficiente para caracterizar uma inflação originalmente empurrada por custos, porque o princípio de tudo pode ser um deslocamento da demanda48. E esta, na maior parte das vezes, é a mãe dos acontecimentos para pós-keynesianos.

2.3 DIFICULDADES EM DUAS EXPLICAÇÕES PÓS-KEYNESIANAS PARA A INFLAÇÃO DE CUSTOS E NA CRÍTICA PÓS-KEYNESIANA DA VISÃO TRADICIONAL DE PLENO EMPREGO DE FATORES

Na literatura pós-keynesiana, há outras tentativas notáveis de demonstrar que a inflação é quase sempre de custos49. Duas delas, embora diversas, encerram aproximadamente o mesmo problema acima. Um desses ensaios é feito por Davidson (1994). Numa obra bastante influente e com expresso objetivo didático, ele dispõe uma explicação para o fenômeno inflacionário que é primeiro feita com base no esquema marshalliano de preços à vista e a termo empregado no Treatise on Money de Keynes. Há

47

Ver, por exemplo, Saavedra-Rivano (1989), Ravenna e Walsh (2006), Chowdhury, Hoffmann e Schabert (2006). Uma versão pós-keynesiana do canal de custos é fornecida em Lima e Setterfield (2010). Há ainda um distúrbio que pode ser introduzido na curva de Phillips novo-keynesiana que é chamado de choque de custo, choque de inflação ou choque de preço. Cada choque de custo desloca a curva de Phillips novo-keynesiana, um resultado semelhante àquele da solução de Samuelson-Solow para encaixar a inflação de custos na síntese neoclássica.

48

Isso significa que moeda endógena é compatível com alguma noção de inflação de demanda. Então uma investigação mais profunda sobre o fenômeno inflacionário deve levar em conta se a moeda é endógena ou exógena. Isso é feito mais explicitamente por Vernengo (2006). Na maior parte da literatura pós-keynesiana, a quantidade de moeda não é uma âncora para o nível de preços.

49

A economia pós-keynesiana tem origens distintas, e o rol de explicações sobre a inflação é certamente amplo. Ao que parece, as mais disseminadas são as apresentadas neste texto. Um resumo sobre as diferentes origens das teorias de preços pós-keynesianas é feito por Downward (2004).

Referências

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