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A ditadura militar brasileira revisitada pela comissão nacional da verdade

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ÉDINA FISCHER DE LIMA

A DITADURA MILITAR BRASILEIRA REVISITADA PELA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

Ijuí, 2014

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ÉDINA FISCHER DE LIMA

A DITADURA MILITAR BRASILEIRA REVISITADA PELA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí.

Orientador: João Afonso Frantz

Ijuí, 2014

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 4

2 CAPÍTULO I – AS DITADURAS MILITARES NA AMÉRICA LATINA... 6

2.1 A ditadura militar na Argentina... 8

2.1.1 O golpe de 1976... 8

2.1.2 O regime militar... 9

2.2 A ditadura militar no Chile... 10

2.2.1 O golpe de 1973... 11

2.2.2 O regime militar... 11

2.3 A ditadura militar no Brasil... 14

2.3.1 O golpe de 1964 e o regime militar... 16

3 CAPÍTULO II – AS COMISSÕES NACIONAIS DA VERDADE NA AMÉRICA LATINA... 20

3.1 Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP)... 20

3.2 Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação – Comissão Rettig... 23

3.3 Comissão Nacional da Verdade do Brasil... 25

4 CAPÍTULO III – A COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE DO BRASIL NO PANORAMA POLÍTICO DEMOCRÁTICO DA AMÉRICA LATINA... 35

4.1 Entre a memória e o esquecimento... 35

4.2 O panorama político democrático da América Latina e as Comissões Nacionais da Verdade... 39

4.2.1 A Comissão Nacional da Verdade na Argentina... 39

4.2.2 A Comissão Nacional da Verdade no Chile... 41

4.3 Caminhos da Comissão Nacional da Verdade no Brasil... 43

5 CONCLUSÃO... 48

6 LISTA DE SIGLAS... 50

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INTRODUÇÃO

Considerando o importante papel da Comissão Nacional da Verdade, incumbida de investigar as diferentes violações contra os direitos humanos praticados pelos agentes do Estado durante o período militar, propõem-se através deste trabalho a abordagem da CNV como uma revisita a ditadura militar, para elucidar os casos de desconsideração dos direitos humanos, muito comum nos períodos autoritários na América Latina.

A sequência das discussões revela os dados e situações das comissões da verdade no contexto da América Latina e, principalmente, no Brasil que é o foco principal da análise. É uma forma inédita de elucidar as ações da ditadura militar, sendo objeto de análise e rediscussões, num período posterior, mas ainda fazendo parte da história do tempo presente.

Para que este trabalho seja possível, pretende-se o estudo das ditaduras militares na América Latina, observando aquelas que implantaram Comissões da Verdade, atendo-se aos processos que culminaram nas diferentes ditaduras.

A partir disto, conhecer as comissões nacionais da verdade na América Latina proporciona uma investigação dos motivos que levaram à promulgação de leis que instituíram estas comissões, compreendendo desta forma as diferenças e semelhanças entre as diferentes ditaduras existentes.

Desta forma, a construção deste trabalho passará por três momentos distintos, com o intuito de organizar uma ordem de pensamento para compreender o papel da Comissão Nacional da Verdade quando da revisita a ditadura militar brasileira. Assim sendo, a organização do trabalho será feita em três capítulos, cujos temas somam-se na busca de um entendimento maior.

No primeiro capítulo, propõe-se o estudo das ditaduras militares na América Latina, considerando para análise a ditadura militar na Argentina, Chile e Brasil, pois foram países que instituíram Comissões Nacionais da Verdade.

No segundo capítulo, o ponto de análise se baseia no estudo das Comissões Nacionais da Verdade na América Latina, atendo-se a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP) da Argentina, a Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação no Chile, e a Comissão Nacional da Verdade no Brasil.

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Finalmente, o terceiro e último capítulo trata da revisita a ditadura militar brasileira pela CNV, com foco de análise voltado ao resgate histórico de um passado recente. Para isto, considera-se a construção de identidades aliadas a questões relacionadas à memória e esquecimento, muito presente em períodos de ditadura militar.

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CAPÍTULO I

AS DITADURAS MILITARES NA AMÉRICA LATINA

As ditaduras militares na América Latina eram de modo geral semelhantes. Porém, as estratégias jurídicas empregadas por elas, diante dos opositores e dissidentes, apresentavam diferenças marcantes. Ou seja, as ditaduras variavam no grau em que sua legalidade autoritária rompia com as formas jurídicas pré-autoritárias, e também no grau em que o tratamento dado aos prisioneiros era regulamentado por lei.

Segundo Pereira (2010)1, todas as ditaduras do Cone Sul, num determinado momento, praticaram terrorismo de Estado, usando sistematicamente de vigilância, detenções, torturas, assassinato e, às vezes, desaparecimento de seus próprios cidadãos. Tudo isso ocorreu com o consentimento e frequente cumplicidade do governo dos Estados Unidos.

Além disto, os líderes dos governos militares do Brasil e do Cone Sul preocupavam-se com a legalidade de seus regimes ditatoriais. Pois, em todos esses regimes houve, por um lado, uma esfera de terror estatal extrajudicial e, por outro, uma esfera de legalidade rotineira e bem estabelecida.

Soma-se a isto, outra tática usada na luta para legalizar a repressão, a chamada ‘justiça política’, ou processos movidos em tribunais contra os opositores do regime acusados de crimes contra a segurança nacional. A justiça política incluía-se entre os esforços lançados por esses regimes com o objetivo de conferir legalidade à parte da repressão praticada por eles.

Deste modo, a justiça política também foi uma tentativa de remodelar a sociedade para que ela se enquadrasse na visão dos líderes do regime sobre o que a cidadania deveria ser, processando cidadãos por crimes tais como distribuição de propaganda subversiva, filiação a organização proscritas, crimes contra a autoridade e não conformismo sociopolítico.

Cabe ainda ressaltar, que a legalidade autoritária fez parte de padrões sofisticados de repressão, onde

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PEREIRA, Antony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e na

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(...) a repressão teve influência sobre o papel que podia ser desempenhado na justiça política pelos vários atores: prisioneiros políticos, advogados de defesa, policiais e militares, promotores, juízes, autoridades judiciárias, alto comando militar e organizações da sociedade civil. (PEREIRA, 2010; p.55)

A partir disto, pode-se dizer que a abordagem brasileira à questão da legalidade foi marcada por uma cooperação entre as forças armadas e o Judiciário e por uma maior preocupação com a legalidade formal no trato com os adversários políticos, considerando aqui os que faziam parte da elite política. No Chile, os militares tinha a tendência de usurpar o poder ou a assumir a autoridade judicial. E, na Argentina, era comum o desrespeito frontal ao poder Judiciário pelos militares, com a subsequente ratificação judicial das consequências concretas do arbítrio militar.

Segundo Pereira, os regimes militares do Brasil e dos países do Cone Sul chegaram ao poder por meios inconstitucionais, depondo um presidente legitimamente eleito. A partir disto, os líderes do golpe assumiram para si a tarefa de declarar a extensão e a duração da situação de emergência, limitando drasticamente as competências dos demais poderes e escalões do governo.

Os regimes ampliavam continuamente o prazo de seus poderes de exceção e, por fim, nenhum deles retornou à Constituição anterior. Esses regimes, portanto, eram semelhantes em termos constitucionais: todos consistiam num ‘direito do Estado’, e não num ‘estado de direito’, significando que o governante supremo podia isentar-se de toda e qualquer regra e exercer o poder por intermédio da força direta. (PEREIRA, 2010; p.286)

É possível então entender que as estratégias usadas para a disseminação do medo como forma de domínio político das populações, durante as ditaduras militares da América Latina, basearam-se em métodos refinados de terror físico, ideológico e psicológico, assimilados de outras experiências e do desenvolvimento de doutrinas regionais próprias.

A maioria das práticas que compunham as estratégias de implantação do terror era comum em todas as ditaduras. As práticas mais comuns entre elas foram o sequestro como forma de detenção, a realização do interrogatório e da tradição inquisitorial das práticas policiais, a presença das torturas físicas e psicológicas, a censura e a desinformação, e a prática do desaparecimento forçado de pessoas. Sendo esta última prática, a que caracterizou especificadamente esses regimes. Pois,

O desaparecimento foi o método repressivo mais sofisticado das estratégias de implantação do terror das ditaduras civil-militares de segurança nacional latino-americanas. Empregada em todos os países do Cone Sul, foi considerada uma

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prática perfeita, porque na sua lógica desumana não deixava vítimas, tampouco culpados e delitos. (BAUER, 2012; p.82)

Deste modo, os traumas produzidos pela implantação das estratégias do terror durante as ditaduras militares ocasionaram a formação de uma “cultura do medo”. Diante disso, esses traumas não podem ser considerados somente como individuais, pois fizeram parte de uma vivência coletiva.

Assim sendo, não há dúvidas que todas as ditaduras militares da América Latina cometeram violações aos direitos humanos, e que os meios repressivos que culminaram nestas violações foram muito bem elaborados e justificados. Deste modo, conhecer as ditaduras militares do Cone Sul – em especial da Argentina, Brasil e Chile – ajuda-nos a entender como estas violações ocorreram.

2.1 A ditadura militar na Argentina

A ditadura militar da Argentina foi a mais violenta de todas as ditaduras da América Latina. Isto se deve a uma quebra radical com a legalidade anteriormente vigente e um ataque em grande medida extrajudicial aos oponentes do regime. Deste modo, a estratégia usada pelos militares argentinos foi à rejeição e anulação por completo da autoridade judiciária do país.

Segundo Pereira (2010), a violência política argentina nasceu numa sociedade polarizada entre os partidários e os opositores do ex-presidente Juan Domingo Perón, e cresceu, de modo gradual, após o golpe militar de 1955, que o depôs. Uma esquerda armada surgiu no país em inícios da década de 1960, e o golpe de 1966 levou ao poder um novo regime militar. Em fins da década de 1960, as ações armadas dirigidas contra pessoal militar por forças de guerrilha, como os Monteneros e o Ejército Revolucionário del Pueblo (ERP), converteram-se numa preocupação central do governo.

2.1.1 O golpe de 1976

O golpe militar de 24 de março de 1976, que depôs a presidente Maria Estela Martinez de Perón conhecida como Isabelita Perón, baseou-se na retomada do poder pelos militares

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com força redobrada – fato decorrente do “breve” período militar de 1966 a 1973, que depôs o presidente civil Arturo Illia – “inaugurando um ‘processo de reorganização nacional’, que incluía uma guerra suja contra civis, deixando dezenas de milhares de desaparecidos e mortos quando o regime enfim caiu, em 1983.” (PEREIRA, 2010; p. 52-53)

Logo após o golpe militar argentino, a repressão foi intensa e concentrou-se especialmente na capital Buenos Aires, onde também ocorreu metade dos desaparecidos. Porém, a estratégia militar de descentralizar a repressão argentina em outras cidades ou territórios argentinos, como Córdoba, La Plata e Mendonza, através dos diferentes setores das forças armadas, fez com que o potencial repressivo atingisse níveis de brutalidade incomparáveis com os demais regimes da América Latina. “Algumas unidades de segurança eram seletivas e operavam com base em informações, enquanto outras se permitiam torturas arbitrárias, assassinatos e saques frequentes, baseados mais em capricho do que indícios concretos.” (PEREIRA, 2010; p. 62)

2.1.2 O regime militar

As juntas militares criadas quando do golpe militar engajaram-se numa guerra total e implacável contra os supostos agentes da subversão. As práticas repressivas iam de sequestros a desaparecimentos. Neste meio tempo, aconteciam interrogatórios somados as torturas, que culminavam na morte do preso, seja esta causada pela tortura ou por métodos bárbaros como os “voos da morte”.

Os “voos da morte” consistiam em jogar prisioneiros dopados (devido a medicamentos injetados) no mar, ou até mesmo no Rio da Prata, como os pés e as mãos amarrados junto a blocos de concreto para que seus corpos não emergissem.

Tamanha violência, justifica o surgimento das “Madres de la Plaza da Mayo” que juntavam-se para manifestar e ao mesmo tempo buscar informações sobre o desaparecimentos de seus, filhos, netos e demais familiares.

Após uma grave recessão econômica e da derrota na Guerra das Malvinas, em 1982, o regime militar argentino chega ao fim com a convocação de eleições e a vitória do candidato do Partido Radical Raúl Alfonsín, em outubro de 1983.

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Dois meses após sua posse como presidente da Argentina, o presidente Raúl Alfonsín criou uma comissão da verdade, intitulada Comisión Nacional sobre La Desaparición de Personas, também conhecida como CONADEP. O objetivo central da comissão foi de investigar as graves violações aos direitos humanos durante o Terrorismo de Estado entre 1976 e 1983, pois nesse período a ditadura cometeu seus mais violentos atos no conhecido Processo de Reorganização Nacional.

A Comissão da Verdade na Argentina foi instituída não com a finalidade de julgar, mas, sobretudo para investigar sobre os desaparecidos políticos naquele país nesse período investigado. Os trabalhos foram realizados num prazo de aproximadamente 180 dias. Nesse período foram recebidos milhares de declarações e testemunhas quando se pôde verificar a existência de centros clandestinos de detenção em praticamente todo o país. Foi um panorama exaustivo de torturas e mortes.

2.2 A ditadura militar no Chile

A ditadura militar no Chile pode ser caracterizada como um regime militar onde a repressão política baseou-se em uma justiça militar autônoma e punitiva em grau elevado. Isto se deve ao fato, de o regime militar chileno ter abolido a Constituição, declarando estado de sítio e executando centenas de pessoas sem julgamento. A tortura era comum e a maioria dos processos ocorreu em tribunais militares “de tempos de guerra” que, durante os cinco primeiros anos do regime, funcionaram segregados do Judiciário civil. Os acusados enfrentavam veredictos e sentenças rápidas, inclusive a pena de morte.

Os militares nos anos entreguerras, tiveram uma associação pouco próxima com um projeto político civil-militar, pois a justiça militar de primeira instância era estritamente desvinculado dos tribunais civis. Assim sendo, os militares intervinham em arenas locais em épocas de conflito, usurpavam temporariamente a autoridade judicial em vez de trabalhar dentro de instituições civil-militares estabelecidas em termos consensuais.

Por meio disto, a legalidade do regime Pinochet foi mais radical e militarizada mesmo após a adoção de tribunais militares de “tempos de paz”, em 1978, e a ratificação da Constituição de 1980. Os militares chilenos tendiam a usurpar a autoridade judiciária.

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2.2.1 O golpe de 1973

O golpe militar de 1973 pode ser considerado como sangrento, pois para a tomada do poder, o palácio presidencial do presidente socialista Salvador Allende fora bombardeado, onde milhares de supostos partidários do presidente foram executados. Além disto, os militares chilenos fecharam o Congresso e inauguram um regime repressivo, liderado pelo General Augusto Pinochet, que durou até 1990.

Os acontecimentos que desencadearam o golpe militar chileno apontam para uma polarização política ocorrida ainda durante o governo Allende, a qual provocou uma grande separação entre os poderes Judiciário e Executivo, fato que afetou também as forças armadas do país.

A partir disto, entende-se o fato do exército chileno ter reivindicado, ainda durante o governo da Unidade Popular de Allende, a aprovação de uma lei de controle de armas que lhes permitia prender e instaurar processos contra pessoas suspeitas a pertencer à esquerda armada. Deste modo, essa lei acabou convertendo-se na base para acusações levantadas contra prisioneiros políticos após o golpe.

Quando os militares tomaram o poder no golpe de 1973, eles declararam estado de guerra e impuseram tribunais militares de tempo de guerra aos seguidores do governo de Unidade Popular de Allende. Os tribunais militares haviam sido usados para processar civis durante a Guerra do Pacífico (1879-1883) e nas disputas trabalhistas posteriores. (PEREIRA, 2010; p. 96)

A repressão chilena foi maciça e intensa. Pois, a junta militar declarou estado de sítio em todo o país, que foi dividido em zonas diretamente controladas pelos comandantes militares, com o Exército assumindo o controle da maior parte do território. A intenção era observar e controlar pessoas suspeitas de apoio ao governo Allende e membros dos partidos socialista e comunista.

2.2.2 O regime militar

O regime militar chileno, durante os cinco primeiros anos, funcionou com um baixo grau de preocupação com os limites da legalidade. Segundo Pereira (2010), nos primeiros meses após o golpe, o número das pessoas sumariamente executadas pelo Exército ou pela

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polícia (Carabineiros), assim conhecidos no Chile, era superior ao das que receberam algum tipo de tratamento judicial. Aqueles que chegaram a ser processados foram levados a tribunais militares formados unicamente por oficiais das forças armadas, que agiam como se o país estivesse em guerra. Os julgamentos eram rápidos e as sentenças em boa parte do tempo eram severas. Não havia direito a recurso para os réus, porque a Suprema Corte se recusava a rever os veredictos dos julgamentos realizados em tribunais militares. Quando os tribunais militares chilenos emitiam uma sentença de morte, a pena era de fato aplicada.

Diferente do golpe militar brasileiro de 1964, o golpe chileno foi ofensivo e não preventivo. Pois, “o primeiro bando (édito)2, justificando a intervenção militar, dava forte ênfase às supostas violações do estado de direito cometidas pelo governo de Unidade Popular.”(PEREIRA, 2010; p. 157)

Deste modo, nos dias que se seguiram ao golpe, os bandos editados pelo novo governo militar refletiam as alegações de que o governo Allende havia repetidamente violado a Constituição e as leis. A partir disto,

Os bandos dos primeiros dias do regime decretaram estado de sítio, impuseram toque de recolher, intimaram indivíduos a comparecer ao Ministério da Defesa, proibiram assembleias públicas, autorizaram a execução sumária de pessoas apanhadas praticando resistência armada e fecharam o Congresso nacional. (PEREIRA, 2010; p. 158)

Somam-se aos bandos a busca pelos militares por instrumentos legais para alterar a legislação anterior ao golpe, legitimando desta forma o regime militar imposto. Um destes instrumentos legais foi,

O Decreto Lei n. 5, de 22 de setembro de 1973, foi o primeiro instrumento que alterou o código da justiça militar de forma a permitir aos militares o uso de força letal no caso de qualquer tipo de ataque às forças armadas, modificando também a Lei de Controle de Armas (Lei n. 17.798) e a Lei de Segurança Estatal aumentando as penas para diversos crimes e introduzindo a pena de morte para determinadas infrações cometidas em tempo de guerra (...). A inovação mais importante foi a transparência dos crimes que implicavam violações das duas leis antes citadas dos tribunais militares de tempo de paz para os tribunais militares do tempo de guerra. (PEREIRA, 2010; p. 159)

A urgência em adquirir poder total para a junta militar foi o motivo pelo qual a missão militar conhecida como Caravana da Morte fora instaurada logo após o golpe de 1973. Esta missão militar revelou o radicalismo do regime Pinochet frente às reivindicações de retorno ao poder civil. De forma deliberada e sob o comando do primeiro escalão do governo militar,

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a caravana “violou a legalidade do próprio regime, exercendo força bruta contra vítimas que não representavam nenhuma ameaça às autoridades.” (PEREIRA, 2010; p. 160).

Prevendo uma possível transição política do período militar para o democrático, o regime militar chileno institucionalizou a Lei da Anistia em 1978, abrangendo a maior parte dos incidentes de violência autoritária. Além disto, a Constituição de 1980, criada ainda durante o período militar, forneceu os meios para a transição, estando em vigor até os dias atuais.

Sendo assim, a transição chilena foi provocada quando o presidente militar Pinochet não conseguiu assegurar um novo mandato de oito anos, após um plebiscito realizado em 1988. A eleição que se seguiu em 1989, foi ganha por Patricio Aylwin Azócar, candidato da coalizão multipartidária conhecida como Concertación.

Mesmo após a transição democrática, a justiça militar,

preservou sua ampla jurisdição, e civis ainda podiam ser, como de fato eram, processados em tribunais militares, o que não acontecia antes do golpe militar. No entanto, após a transição, os crimes políticos passaram para a alçada dos tribunais civis. (PEREIRA, 2010; p.248)

Dentre as conquistas do governo de Patricio Aylwin Azócar no que diz respeito a justiça transicional, foi a criação da Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación (Comissão Nacional sobre a Verdade e Reconciliação), conhecida como Comisión Rettig, por ser presidida pelo ex-senador Raúl Rettig.

A Comissão Rettig foi criada em 1990, mediante o Decreto Supremo nº 325 de 25 de abril do mesmo ano, no início do mandato do presidente Azócar, seis semanas após sua posse. Seu relatório, publicado em fevereiro de 1991, foi uma acusação documentada contra a sistemática violação dos direitos humanos no governo Pinochet.

“Esse documento, contudo, não recebeu a mesma publicidade que o Nunca Más argentino, talvez em razão da natureza altamente restritiva da transição chilena, e também devido ao assassinato de um dos arquitetos da Constituição do regime militar, Jaime Guzmán, poucas semanas após a publicação do relatório.” (PEREIRA, 2010; p.249)

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2.3 A ditadura militar no Brasil

A ditadura militar brasileira foi a mais longa de todas as ditaduras da América latina. Teve início com o golpe em 1964, permanecendo vigente até 1985. Pode ser considerada como a ditadura militar que apresentou o maior grau possível de cooperação entre civis e militares.

Isto se deve ao fato do regime militar brasileiro ter usado os tribunais militares de tempos de paz para processar dissidentes e opositores políticos, sem abolir a Constituição. A tortura era generalizada, embora os desaparecimentos fossem menores se comparados às demais ditaduras da América Latina, e os julgamentos em tribunais militares tinham a participação de juízes e advogados civis, abrindo espaço para a defesa dos acusados.

Segundo Bauer (2012), todas as práticas repressivas da ditadura militar brasileira evidenciaram a promoção do terror como forma de dominação política. Pois despertavam o medo do desconhecido e do inesperado, bem como contribuíam para garantir a impunidade dos que praticavam os atos de violência. Dessa forma, estas práticas davam poderes quase ilimitados aos órgãos de inteligência e informação.

As práticas repressivas eram comuns às demais ditaduras da América Latina. Porém, possuíam características próprias, dadas as adaptações feitas pelos militares. Dentre as práticas estavam os interrogatórios seguidos de sessões de tortura e os desaparecimentos, que no Brasil ocorreram em menor número.

Os interrogatórios legais ou clandestinos utilizados ao longo da ditadura brasileira foram marcados pela tortura física e psicológica, as quais foram aplicadas de maneira científica, institucional e sistemática durante toda a duração do período militar, embora em grau de intensidade menor durante o período de transição política.

Durante os interrogatórios e nas sessões de tortura havia geralmente a presença de um médico que auxiliava na indicação dos limites físicos e psicológicos dos prisioneiros ou no processo de reanimação, caso fosse necessário.

Além disto, obter informações ou a confissão de culpa do prisioneiro era uma das finalidades das torturas físicas e psicológicas. Estas confissões eram conseguidas através de uma série de métodos e técnicas e tinham como objetivo a quebra da resistência da vítima com a finalidade de produzir mudanças na conduta da pessoa torturada.

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Segundo Bauer, a tortura era uma dinâmica extremamente científica e racional, e era composta por três fases: a primeira tinha como meta o aniquilamento do indivíduo, a destruição de seus valores e convicções. A segunda baseava-se em uma experiência de limite extremo de desorganização da relação do sujeito consigo mesmo e com o mundo, conhecida também como demolição do indivíduo. E a terceira era a resolução dessa experiência limite onde se produzia a organização de uma conduta substituta.

A tortura física mais usada pelos agentes de segurança brasileiros foi o choque elétrico. O choque elétrico foi aplicado juntamente com o pau de arara e a cadeira de dragão, nomes pelos quais ficaram conhecidos.

Os choques eram aplicados em várias partes do corpo da vítima, preferencialmente nas mais sensíveis, como a língua, órgãos genitais e ouvidos. O choque provocava queimaduras na pele e poderia levar a desmaios e convulsões. Seus efeitos em curto e longo prazo variavam desde a necrose da região que estava em contato com a corrente elétrica, até micro hemorragias cerebrais, que podiam ocasionar distúrbios de memória, diminuição da capacidade cognitiva e até mesmo a morte. (BAUER, 2012; p.73)

Quando ao “pau de arara”, pode-se dizer que

Era utilizado desde os tempos da escravidão africana. Consistia em amarrar punhos e pés da vítima despida, forçando-a a dobrar os joelhos e a envolvê-los com os braços. Em seguida, passava-se uma barra de ferro de lado a lado, perpendicularmente ao eixo longitudinal do corpo, por um estreito vão formado entre os joelhos flexionados e as dobras do cotovelo. A barra era suspensa e apoiada em dois cavaletes, ficando o preso pendurado. E a posição provocava fortes e crescentes dores em todo o corpo, especialmente nos braços, pernas, costas e pescoço, ao mesmo tempo em que dificulta a circulação sanguínea. (...) A aplicação do ‘pau de arara’ era acompanhada de choques, e também de afogamentos, queimaduras com cigarros e pancadas generalizadas. Esse tipo de tortura resultava na deformação da coluna vertebral, dos joelhos, das pernas, das mãos e dos pés, além de provocar problemas ósseos, musculares e neurológicos. (BAUER, 2012; p. 73)

Quanto a “cadeira de dragão”, pode-se dizer que

Assemelhava-se a uma cadeira elétrica com assento, braços e espaldar de metal, onde o interrogado era colocado nu, amarrado aos pulsos por cintas de couro e às pernas com uma barra de madeira. A cadeira possuía um terminal elétrico onde se conectava um dínamo que gerava energia, manualmente, com uma manivela. (...) Geralmente, o corpo da vítima era molhado para que se ampliasse a potência do choque. (BAUER, 2012; p. 74).

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Durante a vigência do regime ditatorial no Brasil, a prática da tortura foi negada pelo Estado. As denúncias dos presos políticos não chegavam ao conhecimento do grande público, devido à censura, permanecendo restrita aos familiares, às organizações de Direitos Humanos e às redes de solidariedade no exterior.

Porém, as notícias sobre as torturas tornaram-se públicas a partir do processo de abertura política, no final da década de 1970, por meio de algumas medidas como a maior liberdade às publicações com o abrandamento da censura, além dos lançamentos de livros “memorialísticos” de exilados e ex-presos políticos.

2.3.1 O golpe de 1964 e o regime militar

Em 31 de março de 1964, os militares brasileiros deram início a uma autodenominada revolução que depôs o presidente eleito João Goulart. Já nos primeiros dias da tomada do governo pelos militares, o novo governo decretou um ato institucional, o AI-1, que passou por cima da Constituição, expurgando o aparato estatal dos partidários do governo anterior, organizando a perseguição a supostos comunistas, instaurando uma ditadura que elevaria os níveis de repressão nos cinco anos que se seguiram.

O AI-1, de 9 de abril de 1964, transfere o poder político aos militares, suspende por dez anos os direitos políticos de centenas de pessoas, entre elas os ex-presidentes João Goulart e Jânio Quadros, governadores, parlamentares, líderes sindicais e estudantis, intelectuais e funcionários públicos. As cassações de mandatos alteram a composição do Congresso e intimidam os parlamentares. (BARBIAN, 2009, p.63)

Por meio do AI-1, o governo em cooperação com a polícia passou a instaurar Inquéritos Policial-Militares (IPMs) a fim de investigar e erradicar os comunistas e simpatizantes do serviço público, das universidades, das empresas estatais e dos sindicatos.

Qualquer pessoa associada ao governo Goulart ou a sua base popular corria o risco de ser atingida pelos IPMs, que foram mais frequentes nos três estados mais populosos do país – Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo –, com Pernambuco e Rio Grande do Sul figurando como dois outros polos importantes da repressão. (PEREIRA, 2010; p. 117-118)

Segundo Pereira (2010), a repressão brasileira veio em duas ondas distintas. À época do golpe militar de 1964, as polícias militar e civil procuravam pessoas suspeitas de pertencerem ao Partido Comunista Brasileiro e conhecidos partidários do governo anterior, de João Goulart. Os militares criaram uma agência federal de inteligência, o Serviço Nacional de

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Informações (SNI), para coordenar a repressão, contando com a forte participação das polícias políticas estaduais, os Departamentos Estaduais de Ordem Política e Social (Deops). Nessa fase, houve pouca violência letal e a resistência ao golpe foi mínima. A repressão concentrou-se em particular no triângulo Rio de Janeiro – São Paulo – Belo Horizonte, a região mais densamente povoada do país.

Já na segunda onda de repressão que ocorreu em fins da década de 1960, com o surgimento de uma esquerda armada, a repressão foi mais brutal, mais generalizada e mais centralizada que a onda anterior, embora tenha sido ainda bastante seletiva, uma vez que a esquerda armada era pequena e desprovida de apoio de massa. O regime criou as temidas unidades especiais policial-militares, os Departamentos de Operações Internas – Comando Operacional de Defesa Interna (DOI–Codi), para erradicar a subversão nos estados e trocar informações sobre a esquerda armada com outros órgãos. Nessa fase, houve considerável competição entre os órgãos responsáveis pela repressão, inclusive a polícia política e os serviços de inteligência de cada uma das forças armadas.

Durante todo o regime militar brasileiro os militares buscaram preservar os elementos simbólicos da democracia, inclusive o funcionamento de um Congresso cerceado e a realização de eleições bipartidárias controladas em todo o país.

O sistema bipartidário foi instituído no país através do ato complementar nº4, complemento ao AI 2, de 24 de novembro de 1965. A partir de este ato complementar,

(...) é criada a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), de apoio ao governo, reunindo integrantes da antiga UDN e do PSD. O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) integra oposicionistas de diversos matizes, entre os que sobraram dos processos de repressão pós-golpe. Como único espaço consentido de oposição, aos poucos adquire o caráter de uma grande frente política. (BARBIAN, 2009, p.66)

O AI-2 foi institucionalizado em outubro de 1965, criando a estrutura básica da repressão, que foi mantida até a liberalização de fins da década de 1970. A partir do AI-2, o presidente da República tinha a permissão para decretar estado de sítio a fim de reprimir a subversão e, ao contrário do AI-1, não colocava limites ao período de vigência das punições por crimes políticos. Além disto, o AI-2 dissolveu os partidos políticos e conferiu ao Executivo poder de cassar mandatos políticos e decretar estado de sítio sem prévia autorização do Congresso.

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Nos anos seguintes ao AI-2, foram instituídos mais dois atos institucionais, sendo eles o AI-3 e o AI-4. Através do AI-3, instituído em 5 de fevereiro de 1966, as eleições para governadores passaram a ser indiretas. O AI-4, de 7 de dezembro de 1966, deu poderes constituintes ao Congresso para que aprovasse um novo projeto constitucional, na busca da aprovação de uma nova Constituição.

A Constituição Brasileira de 1967 foi outorgada em 24 de janeiro de 1967 e entrou em vigor em 15 de março do mesmo ano. A nova constituição buscou institucionalizar e legalizar o regime militar, incorporando as decisões estabelecidas pelos atos institucionais, aumentando a influência do Poder Executivo sobre o Legislativo e Judiciário, criando desta forma uma hierarquia constitucional centralizadora. As emendas constitucionais que eram atribuições do Poder Legislativo, com o aval do Poder Executivo e Judiciário, passaram a ser iniciativas únicas e exclusivas dos que exerciam o Poder Executivo. Soma-se a isto, a redução dos poderes e prerrogativas do Congresso, bem como a institucionalização de uma nova Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional.

Dentre os atos institucionais criados durante a ditadura militar brasileira, o AI-5 pode ser considerado o mais radical deles. Institucionalizado em 13 de dezembro de 1968,

O AI-5, mais uma vez mudou as regras do jogo, em particular por meio da suspensão do habeas corpus para crimes contra a segurança nacional, institucionalizando assim o uso de confissões extraídas sob tortura como base para a repressão e para a instauração de processos contra opositores e dissidentes. (PEREIRA, 2010; p. 122)

Após o AI-5, foram criados mais 14 atos institucionais. Destes atos, 12 foram criados pelo governo Costa e Silva, e os outros dois foram criados pela Junta Militar, composta pelos ministros da Marinha, Augusto Rademaker, do Exército, Lyra Tavares, e da Aeronáutica, Márcio de Sousa e Mello – que assumiu o governo após a morte de Costa e Silva.

A Junta militar governou por apenas dois meses, no período de 31 de agosto até 30 de outubro de 1969, onde tomou várias medidas, dentre as quais estão o AI-14 que instituía a prisão perpétua e a pena de morte em casos de guerra revolucionária e subversiva e a reforma da Constituição de 1967 impondo uma nova Lei de segurança Nacional.

Com a eleição do general Emílio Garrastazu Médici, em 25 de outubro de 1969, inicia-se o período mais repressivo de todo o regime militar brasileiro. Tanto é que este período –

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que vai até o final do governo Médici em 1974 – ficou conhecido como os “anos de chumbo”, dada à intensidade dos meios repressivos no combate aos movimentos contra a ditadura.

O movimento estudantil, sindical e as oposições foram contidos e silenciados pela repressão policial. O fechamento dos canais de participação política levou uma parcela da esquerda a optar pela luta armada e pela guerrilha urbana. O governo respondeu com mais repressão. Lançou também uma ampla campanha publicitária com o slogan ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’. O endurecimento político é respaldado pelo chamado ‘milagre econômico’: crescimento do PIB, diversificação das atividades produtivas, concentração de renda e o surgimento de uma nova classe média com alto poder aquisitivo. (BARBIAN, 2009, p.70-71)

A partir do governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), a repressão diminui consideravelmente, pois as dificuldades econômicas herdadas do “milagre econômico”, decorrente do governo Médici, ameaçaram o regime militar. Deste modo, Geisel propôs um projeto de abertura política lenta e gradual, que somada às medidas do governo do general João Batista Figueiredo (1979-1985), culminaram no fim da ditadura militar brasileira.

Salienta-se ainda sobre este período de transição política, a criação em 28 de agosto de 1979 da Lei da Anistia, “(...) que protegia todos os membros das forças de segurança de processos por violação de direitos humanos e que, ao mesmo tempo, libertava todos os presos políticos e permitia o retorno dos exilados.” (PEREIRA, 2010; p.240).

Mesmo com a eleição de um governo democrático em 1985,

(...) medidas significativas na área da justiça transicional só vieram a ocorrer no Brasil após a posse do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1995. Fernando Henrique foi o primeiro presidente eleito após o fim do regime militar que havia feito oposição genuína à ditadura. Sob sua liderança, o Congresso brasileiro autorizou a criação de uma comissão incumbida de examinar as acusações de mortes e desaparecimentos cometidos pelo Estado no período da ditadura. (...) No entanto, os resultados do trabalho da comissão jamais foram publicados oficialmente pelo governo. (PEREIRA, 2010; p.242)

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CAPÍTULO II

AS COMISSÕES NACIONAIS DA VERDADE NA AMÉRICA LATINA

3.1 Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP)

Na Argentina, foi criada em 1983, a Comisión Nacional sobre La Desaparición de Personas. Também conhecida como CONADEP, foi instituída pelo presidente Raúl Alfonsin pelo decreto 187/83 no dia 15 de dezembro do mesmo ano. O objetivo central da comissão foi de investigar as graves violações aos direitos humanos durante o Terrorismo de Estado entre 1976 e 1983, pois nesse período a ditadura cometeu seus mais violentos atos no conhecido Processo de Reorganização Nacional. A Comissão da Verdade na Argentina foi instituída não com a finalidade de julgar, mas, sobretudo para investigar sobre os desaparecidos políticos naquele país nesse período investigado. Os trabalhos foram realizados num prazo de aproximadamente 180 dias. Nesse período foram recebidos milhares de declarações e testemunhas quando se pôde verificar a existência de centros clandestinos de detenção em praticamente todo o país. Foi um panorama exaustivo de torturas e mortes.

A CONADEP teve como meta principal investigar os crimes e esclarecer os fatos relacionados com o desaparecimento de pessoas ocorrido na Argentina. Para alavancar esse processo, o presidente Raúl Alfonsin tomou essa medida cinco dias após assumir o seu cargo, decretando o julgamento das Juntas Militares e das organizações guerrilheiras. Na perspectiva de uma reforma geral e implementar as investigações, criou vários projetos a fim de reestruturar a Justiça Militar e, principalmente com a instituição da CONADEP, caberia a esta a investigação e organização de provas que seriam apresentadas ao Estado. A comissão tinha como funções específicas as seguintes ações:

1 – Coletar denúncias e provas sobre aqueles fatos e remetê-las imediatamente à Justiça, observando se estivessem relacionados com o pressuposto cometimento de delitos;

2 – Investigar o destino e paradeiro das pessoas desaparecidas, bem como as circunstâncias relacionadas à sua localização;

3 – Investigar a situação de crianças subtraídas da tutela de seus pais ou responsáveis, pelas ações empreendidas como o motivo alegado de reprimir o terrorismo, e dar intervenção em seu caso a organismos e tribunais de proteção a menores;

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4 – Denunciar à Justiça qualquer intenção de ocultamento, subtração ou destruição de elementos probatórios relacionados com os fatos que se pretende esclarecer;

5 – Elaborar um informe final, com uma explicação detalhada dos fatos investigados num prazo de 180 dias a partir de sua constituição.

O papel principal da comissão foi o de levantar dados e fazer um relatório final, portanto, não poderia emitir juízos sobre os fatos e circunstâncias que constituíssem matéria exclusiva do Poder Judiciário. A comissão teve toda a liberdade para requerer dos funcionários do Poder Executivo Nacional e de seus organismos, das entidades autárquicas e das forças armadas e de segurança todos os documentos e informações, bem como o livre acesso a todos esses lugares para investigações. Todas as informações que a comissão solicitasse aos funcionários públicos, incluídos os membros das forças armadas e de segurança, deveriam ser feitos por escrito; no caso específico dos funcionários particulares, estes não eram obrigados a prestar declarações à comissão.

A composição da comissão foi feita levando em consideração a relevância social dos membros, sob a presidência de Ernesto Sabato, reconhecido escritor e físico progressista. O que chamou a atenção dos membros da comissão foi à diversidade de suas atuações, não sendo formada apenas por juristas, mas por escritores, advogados, médicos, filósofos, religiosos, jornalistas e deputados. A comissão elaborou o seu próprio regulamento interno, cabendo ao seu presidente à nomeação dos secretários e técnicos. A comissão teve duração de nove meses, atuando do dia 15 de dezembro de 1983 a 20 de setembro de 1984, sediando no Centro Cultural San Martin na cidade de Buenos Aires. Coube à comissão a publicação de um informe final, concluído no último dia de regência da mesma.

A Comissão teve como tarefa percorrer o país em busca de testemunhos de sobreviventes, de familiares, de repressores e dos edifícios utilizados como centros de detenção. O trabalhou consistiu em realizar um verdadeiro inventário de todos os desaparecidos denunciados e de todos os centros clandestinos, enfatizando os relatos com a arquitetura dos edifícios, tarefa essa muitas vezes realizada com a presença dos sobreviventes. Com todas as informações coletadas foi possível confeccionar mapas, classificação de relatos e, ao final, efetuar uma análise a fim de reconstruir o modo como operava o terrorismo de Estado.

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As ações da comissão para coletar informações e dados históricos foram as mais variadas possíveis, indo desde o reconhecimento in situ de centros clandestinos de detenção com a concordância dos libertadores de tais campos, até visitas aos necrotérios para obter informações sobre os corpos irregulares. Foram efetuadas diligências em lugares de trabalho para determinar a situação dos centros clandestinos de detenção e investigar como realizavam os sequestros de pessoas; recolhimento de declarações de pessoas testemunhas em atividades ou em retiro das forças armadas e de segurança; trabalhos de revisão de registros carcerários e também dos registros policiais; e investigações de delitos cometidos sobre os bens dos desaparecidos políticos.

Os resultados finais da comissão foram apresentados num relatório no dia 20 de setembro de 1984, ao presidente Alfonsin, com um discurso do presidente da comissão, Ernesto Sabato. O relatório final foi um volumoso informe com várias pastas e mais de 50 mil páginas, nele constando o registro da existência de 8.961 desaparecidos e localização de 380 centros clandestinos de detenção. Esse relatório final foi publicado em forma de livro com o nome de Nunca Más, tendo grande importância política, pois o mesmo conseguiu instaurar uma nova verdade pública sobre a dimensão que alcançaram os desaparecidos políticos na Argentina. O relatório e o posterior livro, Nunca Más, permitiram a construção de uma memória coletiva sobre os desaparecimentos que, deste modo, se transformaria em um objeto de lutas políticas de um passado recente do país. O livro é conhecido fora da Argentina como um exemplo de esclarecimento, para a sociedade, do papel do Estado.

A Comissão da Verdade na Argentina investigou um dos períodos de maior repressão do Estado, um verdadeiro terrorismo implementado no interior do mesmo, com a morte e desaparecimento de pessoas que ousavam criticar qualquer tipo de ação do estado. Os centros de tortura foram localizados em praticamente todo o país e foi levantada a maior parte das vítimas do sistema. A comissão conseguiu realizar um trabalho de investigação extremamente importante para a recuperação da memória dos desaparecidos. O relatório final resultou numa publicação conhecida no país e fora dele que recuperou a memória de todos os atingidos pela ditadura e é um verdadeiro registro contemporâneo de uma história ainda recente.

Todas as informações coletadas pela CONADEP estão disponíveis ao público através do site do país, www.argentina.gob.ar, onde o relatório final Nunca Más pode ser acessado por qualquer pessoa que deseje adquirir informações sobre o mesmo.

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De certa forma, a iniciativa da Argentina em expor este relatório coloca-a em um panorama de construção democrática que não atende ou alcança somente a sociedade argentina, mas toda e qualquer pessoa do mundo, especialmente aos latinos americanos que passaram por períodos de controle e coerção militar.

3.2 Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação – Comissão Rettig

No Chile, a Comissão da Verdade foi instituída no ano de 1990, pelo presidente Patricio Aylwin Azócar mediante o decreto-lei nº 344 de 25 de abril do referido ano. Com a denominação de Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación, tinha como objetivo central prestar esclarecimentos sobre a desconsideração dos direitos humanos no período compreendido entre 1973 a 1990.

A comissão foi coordenada por Raúl Rettig e tinha como objetivo central contribuir para o esclarecimento global da verdade sobre casos graves de violações aos direitos humanos. O período de investigação da comissão foi de entre 11 de setembro de 1973 a 11 de março de 1990. Os trabalhos de recuperação de dados foram realizados no Chile e nos países estrangeiros os quais tivessem relação com este Estado ou com a vida política nacional das pessoas envolvidas nas investigações. Uma das metas centrais da comissão foi a de colaborar com a reconciliação de todos os chilenos, desde que para isso não utilizassem mecanismos que pudessem prejudicar os procedimentos judiciais implicados nesse processo de investigação e construção da verdade histórica no país.

No final dos trabalhos da Comissão, foi feito um relatório com os dados de todo o trabalho realizado pela equipe, que apontou cerca de 3.550 denúncias de violação aos direitos humanos. O relatório é bem esclarecedor, arrolando os nomes das vítimas com seus dados pessoais, sendo um exemplo de trabalho que visou recuperar a memória e a identidade de todas as pessoas que sofreram a violação de seus direitos.

O decreto que instituiu a comissão deliberou que o mesmo tinha como missão investigar todos os graves casos de violações aos direitos humanos, como também as situações de presos desaparecidos, os executados e torturados com resultado de morte. Todos os casos investigados teriam que estar comprometidos com a responsabilidade moral do Estado por seus atos e de seus agentes ou de pessoas a seu serviço, bem como todos os sequestros e atentados contra a vida de pessoas, cometidos por particulares com pretextos

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políticos. Neste sentido, o Estado procurou se reconciliar com a sociedade pelo cometimento de seus atos autoritários, procurando às responsabilidades pelos atos de violação de direitos. A comissão tinha funções específicas, dentre as quais podemos destacar:

1 – Estabelecer um panorama completo sobre os graves fatos referidos, seus antecedentes e suas circunstâncias;

2 – Coletar antecedentes que permitam individualizar suas vítimas e estabelecer o seu paradeiro;

3 – Indicar as medidas de reparação e reivindicação que necessitarem de justiça; 4 – Indicar as medidas legais e administrativas que a seu juízo devem adaptar-se para impedir ou prevenir a comissão dos fatos a que este artigo se refere.

A comissão não teve o papel de assumir funções jurisdicionais próprias dos Tribunais de Justiça, nem a mesma poderia interferir em processos pendentes. A comissão teve um regulamento interno, o qual teve a função de regular seu funcionamento, bem como determinar as atitudes que a comissão poderia delegar a um ou mais de seus membros, ou mesmo aos secretários desta. Todas as atividades da comissão deveriam ser realizadas de forma reservada, para não vazar informações confidenciais. Neste sentido, foi estabelecido que a comissão deveria tomar medidas para guardar a identidade dos que lhe fornecessem informações, ou mesmo dos colaboradores na execução das distintas tarefas estabelecidas pela comissão. Todas as autoridades e serviços da administração do Estado deveriam prestar à comissão a colaboração que esta solicitasse, colocando à disposição documentos que lhes fossem requeridos ou facilitar o seu acesso.

A comissão foi integrada por destacadas personalidades chilenas, em sua maioria juristas com atuação na Justiça do país num total de nove pessoas, incluindo historiador e cientista político. A duração dos trabalhos da comissão foi de nove meses, um período relativamente curto para apurar todos os casos, mas no final desse período, em 8 de fevereiro de 1991, a comissão conseguiu entregar ao presidente Patricio Aylwin Azócar um relatório final, no qual constam 3.550 denúncias de violações aos direitos humanos, dos quais 2.296 foram inclusive considerados como casos qualificados. A referida comissão propôs ao governo diferentes maneiras para a reparação dos danos causados à sociedade durante a ditadura militar. A comissão recomendou também a reparação do nome das vítimas, um procedimento especial de declaração de morte das pessoas detidas e desaparecidas, ainda o

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restabelecimento dos direitos providenciais das famílias afetadas nos casos em que estes tenham sido perdidos ou deteriorados. Com essa recomendação, foi pedida ainda uma pensão de reparação para as famílias das vítimas.

Ainda como trabalho da comissão, foi elaborado um Informe Final num volume auxiliar onde foram incluídos, em ordem alfabética, os nomes de todas as pessoas que morreram ou desapareceram vítimas da violação dos seus direitos humanos, como também os que faleceram em razão da violência política praticada entre setembro de 1973 a março de 1990. O mesmo volume auxiliar comporta dados biográficos de cada pessoa investigada e que foi possível coletar com as investigações da comissão. Ainda pode-se verificar neste volume auxiliar uma breve referência ao lugar e data dos acontecimentos e um resumo sobre os mesmos.

A Comissão da Verdade no Chile foi também um compromisso do estado democrático em se reconciliar com a sociedade. Foi investigado um número significativo de casos de vítimas da ditadura e divulgados os seus respectivos nomes. O relatório da Comissão Rettig é extremamente ilustrativo, pois foram levantados os processos com dados biográficos das vítimas e sua situação no período da ditadura. O relatório indicou procedimentos para serem efetuados pela Justiça com base em investigações completas dos casos de torturas, mortes e desaparecimentos. A Comissão Rettig foi um modelo de trabalho investigativo apontando medidas a serem tomadas por todos os envolvidos no período da ditadura e servindo com base para representar a memória das vítimas do período autoritário.

O Chile, assim como a Argentina, também teve a iniciativa de expor seu relatório final ao público em geral. O relatório realizado pela Comissão Rettig pode ser acessado através do site www.ddhh.gob.cl/ddhh_rettig.html, o qual contém informações detalhadas sobre os crimes cometidos durante a ditadura militar chilena, inclusive com o número de mortos e desaparecidos e o nome dos mesmos.

3.3 Comissão Nacional da Verdade do Brasil

No Brasil, a Comissão Nacional da Verdade foi criada em 2011, no governo de Dilma Roussef, pelo decreto-lei nº 15.528 de 18 de novembro do mesmo ano. A comissão tem como objetivo central investigar os casos de desconsideração dos direitos humanos e privações de

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liberdades no período de 1946 a 1988, sendo um período relativamente longo para a comissão, embora os trabalhos estejam centrados mais no período da ditadura militar.

A Comissão Nacional da Verdade foi instituída pela lei nº 12.528, na qual constam as atribuições e o papel social da mesma. Para tanto, a equipe nomeada para participar da comissão foi composta por pessoas, comprometidas em esclarecer a verdade sobre esse período histórico e, por isso, o foco das atenções será o período da ditadura militar, por ser um período de maior desrespeito aos direitos humanos, embora o período a ser investigado seja anterior à ditadura. A lei que institui a comissão tem treze artigos nos quais são explicitadas todas as suas atribuições. Além dela, o decreto nº 7.727 de maio de 2012, criado para complementar a lei, institui a comissão por um período de dois anos para os devidos trabalhos e, depois, para a redação de um relatório final. As reuniões realizadas pela Comissão em vários estados do Brasil buscam parceria com as Comissões Estaduais da Verdade e, também, com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na tentativa de recuperar e investigar os casos ocorridos em diferentes regiões.

Os componentes da Comissão Nacional da Verdade foram escolhidos pela sua atuação na defesa dos direitos humanos, considerando-se serviço público relevante, pois o trabalho é de interesse social e contribui para o esclarecimento de dados significativos à recuperação da memória social brasileira. A equipe conta com a colaboração de pessoas, órgãos e entidades de defesa dos direitos humanos com vistas à recuperação de documentos considerados até então sigilosos para futuros estudos. A equipe assume papel relevante na recuperação da memória social que resgate dados significativos para a construção de uma ampla verdade histórica e promova a reconciliação nacional por restituir o papel do Estado como instituição não repressora, mas democrática e representativa. Deste modo, caberia atualmente ao próprio Estado, portanto, recuperar a sua imagem perante a sociedade brasileira, como agente a serviço da população e não um aparelho repressor que vitimava aqueles que manifestassem contra medidas autoritárias.

A comissão conta com subcomissões que terão a função de realizar uma série de ações que visam dar conta de todos os casos levantados nos processos e demais documentação sobre a prática de torturas, mortes e desaparecimentos no período que será investigado. Dada a essa complexidade, o plano de trabalho da Comissão Nacional da Verdade ficou distribuído nas seguintes subcomissões: Primeira – Subcomissão de Pesquisa, Geração e Sistematização de Informações, organizada em grupos temáticos: 1º Antecedentes, contexto e razões do golpe

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militar (responsável: Rosa Cardoso); 2º Mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres, torturas e violência sexual (responsáveis: José Carlos Dias e Cláudio Fonteles); 3º Estruturas da repressão do estado e seus patrocinadores e apoios, internos e externos (responsáveis: Gilson Dipp e José Paulo Cavalcanti); 4º Violação de direitos relacionados à luta pela terra, incluindo populações indígenas, com motivação política (responsável: Maria Rita Lehl); 5º Araguaia (responsáveis: Maria Rita Kehl, Cláudio Fonteles e José Carlos Dias); 6º Violação de direitos de exilados e desaparecidos políticos fora do Brasil (responsável: Paulo Sérgio Pinheiro); 7º Operação Condor (responsável: Rosa Cardoso).

Ainda foram criadas mais duas subcomissões para atender as demandas dos trabalhos e permitir transparência nas ações. A Subcomissão de Relações com a Sociedade Civil e Instituições (responsáveis: Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Cardoso) e a subcomissão de comunicação externa (responsável: Rosa Cardoso) são exemplos. Estas três subcomissões foram subdivididas: a primeira, dividida em sete eixos temáticos representa diferentes tipos de ações a serem desenvolvidas nestes dois anos de trabalho da CNV. Portanto, como se percebe, serão investigados diferentes temas que mostram a complexidade desses períodos históricos, tomando-se como foco principal a Ditadura Militar, visto ter sido considerado um dos mais longos períodos de violação aos direitos humanos, inclusive envolvendo as guerrilhas massacradas pelos militares, um período de muitas mortes e desaparecidos que marcou a história do tempo presente.

A partir disto, as atividades da CNV seguem divididas pelas subcomissões que investigam questões pertinentes ao período proposto e cada uma das subcomissões tem trabalhos específicos que atendem às expectativas de reconhecimento da memória social das pessoas que não tiveram seus direitos respeitados ao longo desses períodos autoritários. A CNV reúne-se semanalmente para organizar as atividades em diferentes frentes, incluindo audiências públicas, investigações de documentação, tomada de depoimentos e reuniões com as comissões estaduais. Ademais, realiza inúmeras reuniões de trabalho com órgãos públicos, tais como Ministério da Defesa e da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e Advocacia Geral da União. As reuniões também são realizadas com a Comissão de Anistia, Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e Arquivo Nacional; neste, encontram-se documentos relativos ao referido período histórico.

Ressalte-se que a CNV não tem atribuições jurisdicionais. As atividades da comissão destinam-se a colher informações, verificar documentos e realizar diligências com a

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finalidade específica de construção de uma memória e uma possível verdade histórica. Por essa razão, ela tem feito parceria com diferentes órgãos públicos e privados e com algumas universidades que contribuem na pesquisa histórica, além dos estados, visto serem propostos trabalhos em todo o Brasil. Por exemplo, as atividades na capital paulista contam com o apoio do Programa de Memória e Verdade do Centro Internacional de Justiça de Transição e das Comissões da Verdade Estadual e Municipal. Os apoios provenientes do Estado de São Paulo são fundamentais para a CNV, pois neste estado foram localizados vários casos de torturas, mortes e desaparecimentos. A Comissão Estadual e Municipal já havia feito denúncias e investigações envolvendo casos de violação aos direitos humanos, quase todos ocorridos durante a ditadura civil militar, que teve graves repercussões no referido estado.

Outro exemplo é o trabalho realizado em Minas Gerais, pois em Belo Horizonte a parceria é com o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos. Neste estado, os trabalhos da CNV já apresentam resultados: pesquisas realizadas (a exemplo da pesquisa feita pela historiadora Heloisa Starling que assessora a CNV) no Projeto República, alocado na UFMG e que aborda temáticas sobre os aparelhos de repressão, os centros de tortura no período da ditadura, as operações militares e as mortes na Guerrilha do Araguaia. Os resultados do referido projeto podem revelar desdobramentos da repressão devido ao levantamento de registros dos centros de tortura no Brasil; até 2012 já foram identificados oitenta e três centros de tortura espalhados pelas cinco regiões brasileiras, indicando o quão inéditos são tais estudos.

A documentação histórica sobre o período investigado é fundamental para o esclarecimento de situações e questões que possam trazer à tona a possibilidade de uma verdade. Neste sentido, a CNV solicitou ao Ministério Público Federal informações sobre a destruição de documentos. A CNV necessita, para a investigação, de documentos considerados ultrassecretos, secretos, confidenciais e reservados, pois os mesmos podem revelar informações precisas sobre os acontecimentos. Ademais, a CNV fez uma solicitação para a Casa Civil para obter informações sobre as declarações do Exército, Marinha e Aeronáutica, que afirmaram não ter documentos do período em seus acervos por terem sido destruídos com base na legislação da época. Todavia, requer-se dos referidos órgãos informações relativas à justificativa da destruição de tais documentos, pois os mesmos só poderiam ser destruídos com a lavratura de um termo de destruição.

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O Ministério das Relações Exteriores designou um diplomata para atender os pedidos da CNV. Para tanto, firmou-se uma parceria de pesquisa documental com o Itamaraty, no sentido de poder dar andamento aos esclarecimentos sobre o período pesquisado. O então Ministro das Relações Exteriores Antônio Patriota disse aos membros da CNV que o Itamaraty comporta um acervo documental valioso, contendo séries documentais sobre o período da ditadura. Muitos destes documentos foram enviados também ao Arquivo Nacional com um acervo de aproximadamente cento e trinta e duas caixas, comportando quatro toneladas de documentos. Esse acervo vai auxiliar significativamente as pesquisas da CNV, visto alguns órgãos públicos já terem descartado documentos deste período. O Ministro Antônio Patriota colocou à disposição da CNV toda a documentação do Itamaraty, sem restrições, para a pesquisa.

Os trabalhos da CNV são realizados em diferentes locais, na perspectiva de construção de uma memória social que abranja os desdobramentos das práticas autoritárias em todo o Brasil. Neste sentido, num primeiro momento são realizadas audiências tanto com a sociedade civil quanto com as comissões estaduais da verdade. A primeira etapa contemplou audiências em Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Goiás, Rio de Janeiro, Recife e Pará, todas com a finalidade de recuperar informações e acervos documentais importantes para o esclarecimento de questões relacionadas principalmente a torturas, prisões, mortes e desaparecimentos. As audiências também contam com a presença de pessoas que sofreram abusos e familiares de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar. As devidas ações da CNV contam com o apoio das comissões estaduais e municipais da verdade, também das OABs locais e demais conselhos de defesa dos direitos humanos. Muitos locais em que são realizadas as audiências contam com a participação de membros e representantes dos Comitês de Verdade, Memória e Justiça, os quais já se encontram instalados em praticamente todo o Brasil.

A CNV realizou em Brasília um encontro com representantes dos Comitês da Verdade, Memória e Justiça os quais encontramos em todo o Brasil, num total de quarenta organizados e com atividades constantes, sendo comitês estaduais ou municipais formados pela sociedade civil. Os comitês desempenham um papel fundamental de recuperação da memória dos atores sociais das ditaduras civil militar, funcionam com apoio de demais entidades de preservação dos direitos humanos e serão importantíssimos na revelação de uma possível verdade dos fatos investigados pela CNV. As ações da CNV dependem do apoio irrestrito de entidades e da sociedade civil, pois com as audiências e a tomada de depoimentos será possível revelar detalhes e situações que não constam na documentação arquivística,

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lembrando que esta mesma documentação é muito restrita e parcial, pois muitos documentos foram descartados prejudicando as investigações. As pesquisas da CNV serão preservadas porque contêm documentos sigilosos que necessitam se manter conforme determinadas deliberações na forma da lei. No final será apresentado um relatório, em 2014, quando serão divulgados os resultados e suas devidas recomendações.

Os casos de investigações da CNV em São Paulo são extremamente emblemáticos, porque já foram realizadas algumas tarefas das comissões estaduais e municipais na tentativa de esclarecimentos, pela Polícia Federal, dos casos de alguns cemitérios. A CNV solicitou ao Ministério da Justiça que informe sobre o estágio das investigações atuais dos trabalhos de antropologia forense de DNA, realizados pelo Núcleo de Pesquisas em Identificação Humana para Mortos e Desaparecidos Políticos. Os trabalhos de identificação de cadáveres não foram divulgados para os pesquisadores das comissões que buscam esclarecimentos sobre a quantidade de mortos e sua possível identificação. Foram encontradas valas comuns em alguns cemitérios paulistas onde poderiam ser sepultadas várias pessoas sem qualquer identificação, o que abriu mais uma frente de investigação dos casos de desaparecidos políticos. Assim como foi observado em São Paulo, os números de mortos e desaparecidos foram extremamente significativos durante a ditadura militar, casos em que as famílias nunca ficaram sabendo do paradeiro dos desaparecidos.

Os vários encontros que estão sendo realizados pela CNV em todo o Brasil apontam para a necessidade da colaboração da sociedade civil e de entidades representativas dos direitos humanos, pois, sem essa parceria, o trabalho seria quase impossível. Os membros da CNV têm apontado, a partir das várias audiências já realizadas, que grande parte das mortes e torturas na ditadura foi mais que abuso ou excessos, sendo o resultado de uma política estatal. Isso tem sido revelado pelos documentos que agora estão sendo pesquisados. As ações têm sinalizado que o estado foi o responsável pela desconsideração dos direitos humanos, cabendo agora adotar políticas públicas capazes de garantir que todos os cidadãos sejam tratados com igualdade, independente de suas posições ideológicas.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) realiza periodicamente reuniões em diferentes locais para colher depoimentos e analisar documentações que possam esclarecer casos de pessoas que sofreram processos ou foram presas e torturadas nesse período. Instituiu-se que toda a documentação colhida e os depoimentos produzidos Instituiu-serão destinados à guarda do Arquivo Nacional, para integrar o Projeto Memórias Reveladas, constituindo um banco de

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