• Nenhum resultado encontrado

Artes visuais e seu ensino: a dimensão do feminino como conhecimento escolar

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Artes visuais e seu ensino: a dimensão do feminino como conhecimento escolar"

Copied!
59
0
0

Texto

(1)

UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO - DHE CURSO DE ARTES VISUAIS

LICENCIATURA

LUCIANE KALKMANN MARTINS

ARTES VISUAIS E SEU ENSINO: A DIMENSÃO DO FEMININO COMO

CONHECIMENDO ESCOLAR

Ijuí, RS,

(2)

LUCIANE KALKMANN MARTINS

ARTES VISUAIS E SEU ENSINO: A DIMENSÃO DO FEMININO COMO CONHECIMENDO ESCOLAR

Monografia apresentada ao Curso de Artes Visuais, Licenciatura, da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciatura em Artes Visuais.

Orientador: Maria Regina Johann

(3)

Dedico esse trabalho aos meus pais, Gabriel e Cristina, dos quais tenho uma imensurável admiração e, que sempre acreditaram e deram força para continuar a seguir em frente e nunca desistir.

(4)

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus que iluminou o meu caminho durante esta caminhada.

Aos meus pais: Gabriel e Cristina Martins, ao apoio, carinho e incentivo que recebi, pela preocupação e dedicação que tiveram de ensinar o certo e para que estivesse sempre andando pelo caminho correto.

A minha irmã, que sempre esteve presente, ainda que à distância.

A minha Orientadora: Profª Maria Regina Johann que com muita paciência, dedicou seu tempo para me orientar em cada passo deste trabalho.

Aos demais professores, que fizeram parte da minha trajetória acadêmica, por suas contribuições no meu desenvolvimento e aprendizagem.

(5)

RESUMO

Este trabalho tem como base o estudo da arte contemporânea, bem como a biografia e as produções de artistas femininas ao longo de suas trajetórias, como Beth Moysés e Nazareth Pacheco, com o objetivo de aprofundamento do estudo sobre suas temáticas, estéticas, materialidades, conceitos e sentido de suas produções. Buscou-se também estudar a condição da artista feminina nos contextos do ensino e aprendizagem, e no âmbito social.

Palavras chaves: Arte Contemporânea. Produções femininas e sua presença no contexto escolar.

(6)

ABSTRACT

This work is based on the study of contemporary art as well as a biography and the female artists productions throughout their trajectories, as Beth Moysés and Nazareth Pacheco, with the aim of deepening the study on their aesthetic themes, concepts and material elements characteristic to their productions. It also sought to study the condition of the female artist in the contexts of teaching and learning, and in the social area.

(7)

LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Pablo Picasso - Improviso - Obra “Guitarra” de 1913, colagem feita com

materiais do cotidiano... 14 Figura 02: Marcel Duchamp "Fontaine". Ready-made: urinol de porcelana; 23,5 X 18 cm, 60 cm de altura; 1917. Milão; Coleção Particular de Arturo Schwarz... 14 Figura 03: Pacheco, Nazareth Sem título, 1998. Material: Miçanga, lâmina de barbear, acrílico e aço 140 x 80 x 55 cm Pinacoteca Municipal/Centro Cultural São Paulo (SP) Registro fotográfico Romulo Fialdini... 21 Figura 04: Pacheco, Nazareth. Sem título, 1997. Material: Cristal, miçanga, lâmina de barbear. 200 x 18 x 4 cm. ... 21 Figura 05: Pacheco, Nazareth. Sem Título, 2003. Materiais: Cristal, miçanga, lâminas de barbear, aço inox e acrílico. Instalação, 15 m2, Galeria: Brito Camino, São Paulo... 23 Figura 06: Pacheco, Nazareth. Sem Título, 1998. Material: Cristais, miçangas, canutilhos, anzóis e acrílico... 23

Figura 07: Pacheco, Nazareth Sem título, 1998 Material: acrílico, cristal e metal cm ... 26 Figura 08: Pacheco, Nazareth Sem título , 2000 acrílico, cristais e agulhas 34 x 34 x 4 cm Registro fotográfico autoria desconhecida ... 26 Figura 09: Nazareth Pacheco. Sem Título, 2001. Material: acrílico e aço inox . acrílico: 10 x 70 x 22 cm; corrente: 120 cm ... 28 Figura 10: Pacheco, Nazareth Sem Título, 1999. – 7x50x24 cm. Materiais: Acrílico e agulhas... 28 Figura 11: Pacheco, Nazareth. Sem Título, 1997. – 130x40x4. Materiais: cristal, miçanga, e lâminas de barbear. Acervo MAM-SP ... 29 Figura 12: Pacheco, Nazareth Sem título , 2004 acrílico 16 x 39 x 5 cm... 30

(8)

Figura 13: Maria.Vestido de noiva esticado no chassis e véu de noiva 43,5 x 110 cm 1995. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés. Pg. 90... 33 Figura 14: Obra: “Rosangela, Eugenia, Izabel”.Materiais: Vestido de noiva esticado no chassis. Dimensões: 165 x 125 cm. Ano: 1995... 34 Figura 15: Obra: Forro de sonhos pálidos. Materiais: 30 vestidos de noiva forrando o teto da capela do Morumbi. Dimensões: 250 x 50 cm – Ano: 1996... 35 Figura 16: Obra: Sobre pérolas. Dimensões: 30 vestidos de noiva forrando o chão 100 x 80 cm. 1998 - Galeria Thomas Cohn... 36 Figura 17: Luta. Luva de Boxe forrada de pedaços de vestido de noiva 45 x 45 x 30 cm 1998. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés. Pg. 96 (ver anteriores)... 37 Figura 18: “Mulheres Divididas”. Beth Moysés... 39 Figura 19: Fotos da série Noivas no Carandiru. 70 x 40 cm. 2000. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés. Pg. 100... 40 Figura 20: Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés. Pg. 101... 41 Figura 21: Rainha. Rainha 163 x 62 cm. Tabuleiro 400 x 400 cm. 2001. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés. Pg. 102 (ver normas)... 42 Figura 22: Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés. Pg. 109 (ver normas)... 43 Figura 23: Memória do afeto – São Paulo. 150 mulheres. Avenida Paulista. 2000. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés Pg. 106... 43

(9)

Figura 24: Memória do afeto – São Paulo. 150 mulheres. Avenida Paulista. 2000. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés Pg. 110... 45 Figura 25: Memória do afeto – Madri. 200 mulheres participantes. Paseo do Prado/ Fonte de Cibeles a Neptuno. 2002. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Pg. 114... 46 Figura 26: Memória do afeto – Madri. 200 mulheres participantes. Paseo do Prado/ Fonte de Cibeles a Neptuno. 2002. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Pg. 116... 47

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1 ARTE CONTEMPORÂNEA: RUPTURAS, RECONTEXTUALIZAÇÃO E HIBRIDISMO... 13

2 A DIMENSÃO DO FEMININO NAS OBRAS DE NAZARETH PACHECO E BETH MOYSÉS... 20 2.1 Nazareth Pacheco e Silva ... 20 2.2 Elisabeth de Melo Camargo Moysés ... 31

3 EDUCAÇÃO EM ARTES VISUAIS: COMPREENSÃO ATRAVÉS DE PRODUÇÕES FEMININAS ... 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 57

(11)

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa trata sobre a arte contemporânea, com ênfase para as obras das artistas Nazareth Pacheco e Beth Moysés, também, aborda sobre a relevância dessas obras no ensino das artes visuais, refletindo sobre aspectos como: artistas mulheres, universo feminino, gênero, assim como, conhecimentos e conteúdos sobre arte contemporânea na linguagem visual.

O trabalho está estruturado em quatro capítulos, sendo que o primeiro trata da contextualização da arte contemporânea, seus aspectos históricos e conceituais, mostrando novas linguagens artísticas e estéticas por artistas, juntamente com a possibilidade de agregação de novos materiais e recursos nas produções.

O segundo capítulo, apresenta a biografia e obra das artistas Nazareth Pacheco e Beth Moysés. A artista Nazareth em suas obras irá enfatizar aspectos do feminino através da materializade do objeto, se apropriando de objetos cortantes e agressivos, compondo com outros materiais; alguns deles, brilhantes e sedutores. Assim, causando certa ambiguidade a quem presencia sua obra. Já Beth Moysés expõe as condições em que muitas mulheres são tratadas na sociedade, e as agressões praticadas contra as mesmas. Sua produção é composta por objetos que tem conotação no universo feminino, que trazem em si possibilidades de complexos sentidos sobre a condição feminina.

O terceiro e útimo capítulo aborda sobre a docência em Artes Visuais, como se encontra o ensino das artes hoje, visando problematizar a ausência da produçao feminina como conteúdo no cenário escolar, bem com, apresenta elementos para empoderar o professor a trabalhar essas temáticas em sala de aula.

Contudo, ao passearmos pela história da arte e da arte/educação percebemos a ausência da produção de artistas femininas em sala de aula como referência para o estudo em artes, o que é um caso muito comum que abrangia as escolas antigamente. O fazer artístico feminino era limitado ao longo da história, devido à mulher ser vista pela sociedade apenas com o papel de dona de casa e mãe, e ser dado somente ao homem visibilidade e prestígio como artista e produtor de arte. Sendo a escola instituição fundamental para o aprendizado do indivíduo, é necessário então, que se reavaliem o sistema educacional, e também, os projetos

(12)

pedagógicos dos quais elegem os conteúdos necessários a serem trabalhados para que o indivíduo consiga constituir-se, na vida adulta, um cidadão consciente e capaz de compreender conteúdos e linguagens que lhe são oferecidas a todo o momento. A partir do momento que existe uma transformação na História da Arte que a apresentar as diversas formas artísticas e, também as linguagens, é necessário que chegue até este aluno um professor que acompanhe tal processo e que esteja apto a tematizar e mediar sobre a especificidade da arte e seu sentido no mundo humano.

(13)

1 ARTE CONTEMPORÂNEA: RUPTURAS, RECONTEXTUALIZAÇÃO

E HIBRIDISMO

Para compreender a Arte contemporânea é necessário conhecer o contexto histórico e as rupturas que ocorreram ao longo da História da Arte, principalmente aquelas que dizem respeito às Vanguardas Artísticas europeias desenvolvidas no fervor da modernidade. Uma das principais características da modernidade eram a aposta nos sistemas de fabricação (inclusive as vanguardas com seus “ismos”) e a crise do homem pós-guerra que absolutizou a ciência e criou categorias para enquadrar sua dinâmica de vida: bem e o mal, esquerda e direita, crente ou ateu, e assim por diante. A crise do homem moderno se deu em todas as esferas e o artista não ficou de fora.

A Modernidade também passa a se transformar pelo processo de modernização industrial, tendo assim, modificado suas relações sociais, culturais e humanas. Com esse rompimento nasce o pós-modernismo, os artistas passam a substituir o uso de materiais artísticos convencionais por suportes inusitados, tendo novas atitudes diante da criação, possibilitando também a participação e interferência do espectador na obra.

A Arte Moderna que iniciou a partir do século XIX perdurando durante quase todo século XX, abandona suas raízes passadas do referencial de beleza clássico e tem a criação de movimentos como cubismo, o futurismo, o construtivismo, o dadaísmo, o surrealismo, o suprematismo, o neoplasticismo, o minimalismo, ou seja, as chamadas vanguardas artísticas que se empenharam em romper com os cânones da arte acadêmica. Essa ruptura deixa para trás categorias como pintura e escultura que abrangiam as produções artísticas daquela época. A base desses movimentos visava o novo, o original. Os artistas modernos, principalmente os que se identificaram com o espírito das vanguardas, acreditavam na possibilidade de uma criação original, que desconsiderasse a história, a tradição, o passado. Essa pretensão se mostrou frágil e o Dadaísmo é o marco dessa tomada de consciência, pois é quando o artista percebe que sem passado não há presente e, que desse modo, se devesse negar a tudo, isso significava negar a si próprio também. Foi nesse espírito que Marcel Duchamp inaugurou os objetos como proposição artística e como negação ao modo como até então a arte se apresentava ao mundo humano. Conforme Kátia Canton (2000, p. 31),

(14)

A arte foi definida, não por seus aspectos estruturais ou pela negação de valores estabelecidos pela tradição acadêmica, características que marcam a vanguarda moderna do século 20, mas sim por sua capacidade estratégica de explicar algum tipo de posicionamento diante do mundo.

Quando Picasso1 e Braque2 incorporam fragmentos de objetos do cotidiano em suas pinturas, já acenam para a relação entre arte e cotidiano, entre representação e realidade. Assim, criam trocadilhos visuais e apontam para o que mais tarde Marcel Duchamp enfatiza, ou seja, a inter-relação entre arte e cotidiano, entre objeto e ideia, entre conceito e forma, problematizando o universo artístico que valora a obra e cria suas categorias.

Figura 01: Pablo Picasso - Improviso - Obra “Guitarra” de 1913, colagem feita com materiais do cotidiano http://www.istoe.com.br/reportagens/129068_o+choque+do+novo acessado em: 04/09/2012.

1 PICASSO, Pablo (1881-1973). Pintor, escultor, artista gráfico, ceramista e designer espanhol, o artista mais famoso, versátil e prolífico do século XX. Sua personalidade dominou o desenvolvimento das artes visuais ao longo da maior parte da primeira metade do século, e ele foi o grande incentivador das maiores mudanças revolucionárias ocorridas nesse período. (CHILVEERS, 2001, p.408).

2 BRAQUE, Georges (1882-1963). Pintor francês; foi, com Picasso*, um dos criadores do cubismo*. (CHILVEERS, 2001, p.78).

(15)

Figura 02: Marcel Duchamp "Fontaine". Ready-made: urinol de porcelana; 23,5 X 18 cm, 60 cm de altura;

1917. Milão; Coleção Particular de Arturo Schwarz.

http://cms-oliveira.sites.uol.com.br/duchamp01.html Acessado em 04-09-2012

Desta forma é pertinente mencionar a atitude duchampiana que questiona o que é arte, quem é o artista e quando algo é arte, pois ela alargou as possibilidades de criação das gerações futuras. É inegável que a partir dos ready-mades3 de Duchamp a arte se expandiu. Podemos encontrar argumentos dessa natureza no texto “Obras e sobras: rupturas na arte contemporânea” da artista plástica Élida Tessler (1997, p.18) momento em que tematiza essas questões argumentando que:

Quando falamos em rupturas na arte contemporânea, pensamos logo em movimentos de vanguarda. Lembramos do início do século XX, com os construtivistas russos transgredindo os limites da pintura e da escultura com suas proposições. Imediatamente Marcel Duchamp (1887 1968), artista francês com amplo trânsito entre Paris e Nova Iorque, também nos vem à mente, pois ninguém mais do que ele traduz um momento de quebra de parâmetros nos caminhos da arte. Veremos o famoso exemplo de um urinol declarado obra de arte quando retirado de seu uso banal, se assim podemos dizer, e deslocado para o espaço do museu.

Diante da atitude duchampiana foi necessário refletir sobre o que significava para a Arte o objeto em vez de sua representação (desenho, gravura, pintura ou escultura). Tessler (1997, p.21) menciona que “O que nos chama atenção, em primeiro lugar, é a necessidade de criação de um nome para denominar uma produção que se utiliza de materiais não convencionais e que tenta romper com as demarcações precisas entre os diversos gêneros artísticos,” pois algo novo se apresentava ao mundo da arte e necessitava ser pensado. Uma das brechas deixadas pelo artista foi a possibilidade de incorporar diferentes materiais, ou melhor, podemos dizer inclusive que tudo pode ser transformado em obra, que o que vale muito nesse contexto pós-moderno é a ideia, o conceito com o qual o artista opera em sua obra.

Tudo é criação, e a arte só depende da maneira como os fragmentos deste “tudo” são sublinhados. Existe algo mais exigente do que um olhar atento, desejoso de extrair do

3 Ready-made. Nome dado por Marcel Duchamp* a um tipo de obra que inventou, consistindo em um artigo produzido em massa selecionado ao acaso e exposto como obra de arte. Seu primeiro ready-made (1912) foi uma roda de bicicleta montada sobre um banquinho. (CHILVEERS, 2001, p.438).

(16)

mundo seus aspectos sensíveis, humanos, estéticos? Como tornar visível o sensível, sem banalizar a experiência artística? (TESSLER, 1997, p.21)

Diante disso, Tessler aponta que o que importa é se perguntar quando algo é arte, quem é o artista e porque é arte o que ele faz. Afirma que “em primeiro lugar justamente o nome, a palavra define, o conceito. Uma nomeação. Dizer arte indica um determinado tipo de objeto ou manifestação. Mas como uma palavra pode dar conta de tantas e tantas produções. Dizer arte não é o mesmo do que a alguns anos ou séculos atrás,” (TESSLER, 1997, p.20) explica a autora, pois a concepção de arte de hoje já não se iguala a do século passado.

Também, temos em Anne Cauquelin (2005, p.28) o argumento de que “o que encontramos atualmente no domínio da arte seria muito mais uma mistura de diversos elementos; os valores da arte moderna e os da arte que nós chamamos de contemporânea, sem estarem em conflito aberto, estão lado a lado, trocam suas fórmulas, constituindo então dispositivos complexos, instáveis, maleáveis, sempre em transformação”.

Considerando esse contexto, Agnaldo Farias 4 destaca “a relação entre a arte contemporânea e o público, apontando que ela gera inquietude em quem não a compreende e, por isso, é muitas vezes difamada e rejeitada. Ao contrário disso, porém, a arte contemporânea deve ser respeitada e desejada por desestabilizar as certezas, impulsionando-nos rumo ao conhecimento e ao crescimento. A arte apura os sentidos dos homens e os dignifica e, por isso, deve ocupar lugar central em nossa formação.” (http://www.veracruz.edu.br/paginas.php?id=720&unidade=2 - acessado em 04/09/2012).

Também, em entrevista a Revista Cult, Agnaldo Farias afirma que “As artes plásticas viraram lugar de livre experimentação. Então há trabalhos sonoros, olfativos, aromáticos, trabalhos para ser vistos, para ser escutados.” (http://revistacult.uol.com.br/home/2010/09/so-a-arte-salva/- Acessado em 04/09/2012)

Já, os movimentos como Arte Pop e Minimalismo influenciaram as obras em que os artistas passaram a relacionar temas do dia a dia com universo artístico, nesse caso, ligados principalmente à sociedade de consumo e a crise do indivíduo pós-moderno. Nesse contexto, teremos as colagens, as serigrafias, a reprodução com tecnologias, como Xerox e fotografia, por exemplo, como recursos amplamente utilizados pelos artistas. Diante disso,é plausível

4 Palestra proferida para alunos do terceiro ano do ensino médio para preparação para a viagem de estudos que realizarão ao Instituto Inhotim, em Minas Gerais, que é considerado no Brasil e fora dele, uma importante referência da arte contemporânea.

(17)

afirmar que o pós-modernismo irá buscar o diálogo com o tempo e a história. Reforçando a ideia Pereira (2005, p.2) retrata o movimento dos anos 60 como:

[...] movimento cultural de efeito poderoso como o de um tufão que veio destelhando o que encontrava pela frente”, que culminaram no emblemático ano de 68, com um desejo de quebra de paradigmas estampado à flor da pele, injetado pelo rock’in roll, pela pílula anticoncepcional, pelos primeiros efeitos da revolução feminina, e pelo anúncio, no campo das ciências esotéricas, da chamada Era de Aquário, por Alice Blay, em 1972, para o início do III milênio.

Enquanto o modernismo visava romper com o passado, o pós-modernismo e o tradicionalismo caminharam juntos, numa miscigenação de elementos e linguagens. Tendências do pós-modernismo, como Pop Arte (década de 60), será representada por objetos e imagens retirados do meio consumista, irão comunicar-se diretamente com o público através de signos e símbolos retirados do cotidiano popular, serão publicidades, histórias em quadrinhos, imagens da mídia que constituirão o objetivo da Arte Pop que se recusa a distinção entre arte e vida, seguindo modelo da anti –arte dos dadaístas e surrealistas. É o uso, de materiais industrializados e descartáveis, a apropriação de imagens vinculadas nas mídias e de novas tecnologias, com produtos de uma sociedade com consumo desenfreado.

Durante o século XIX, houve um momento em que, com a criação da fotografia, pode-se cumprir a função de registrar momentos e representar pessoas, paisagens em sua real essência, possibilitando ao artista mais uma ferramenta para criar e experimentar. Na Minimal Art, o artista irá interferir no objeto artístico retirando traços estéticos, como a forma e cor, e reduzindo a estruturas primárias. Na Arte Conceitual (década de 70), o que importa é a atitude mental, a ideia de criação, o conceito é o que interessa. A arte passa a ser desmaterializada, e o importante é o plano, o projeto que irá ter ênfase, a execução da obra fica em segundo plano, e não obrigatoriamente tem que ser construída pelo próprio artista.

A partir dos anos 80, sente-se a necessidade de uma modificação no conceito de arte, que sofre desgastes e tem o afastamento do público, sendo necessário reinventar-se para sua sobrevivência. A arte lança um novo olhar sobre o objeto, mostrando que sua função pode ir além da rotulada pela sociedade, criando novas possibilidades, provocando, instigando, perturbando e estimulando nossos sentidos. Na contemporaneidade, a arte irá refletir o espírito do tempo, com visão, pensamento e o sentimento das pessoas em seus momentos. É a era da multiplicidade nas expressões artísticas, tendo base um vasto repertório de matérias,

(18)

técnicas e processos disponíveis para a criação, construção do sentido impactante da arte contemporânea.

Nessa perspectiva, (ALBUQUERQUE, 2005, p.12), cita Mônica Zielinsky5 para destacar que:

Desde os anos 60, com o surgimento de tendências como a pop arte, o minimalismo, a performance e a arte conceitual, a produção artística tomou rumos variados. As novas propostas denunciavam o esgotamento da arte moderna – e sua incessante investigação sobre a natureza das categorias artísticas – e traziam à tona o questionamento da própria noção de obra.

Uma das características que marca a arte contemporânea são a utilização de diversas linguagens e tipos de materiais. Em Bienais deparamo-nos com exposições com temas definidos por seus curadores, e cada obra que é exposta, é apresentada com uma diferente linguagem artística, esta de acordo com o trabalho que o artista realiza, e todas abordando o mesmo tema definido. No momento atual a pluralidade fará significativa parte do cotidiano, e isto fará com que existam inúmeros caminhos a seguir. Tendo como referência DANTO nos apresenta sua compreensão em torno desta questão:

O contemporâneo é, de determinada perspectiva, um período de desordem informativa, uma condição de perfeita entropia estética. Mas é também um período de impecável liberdade estética. Hoje não há mais qualquer limite histórico. Tudo é permitido. Mas isso torna mais impositivo tentar compreender a transição histórica da arte moderna para a pós-histórica (DANTO, 2006. p.14)

A contemporaneidade se trata entre a fusão da arte e a vida, onde a atenção estará voltada para o artista e os materiais que ele utiliza. A multiplicidade de expressões artísticas possibilitará ao artista infinitas formas de expressões para a construção e materialização do sentido em seu trabalho, procurando impactar ao expectador.

A arte contemporânea é avessa à ideia de uniformidade. Mas essa não é uma particularidade da produção artística. A multiplicidade é marca dos tempos atuais, seja na ciência, na filosofia, na gastronomia, na televisão. É o famoso ‘de tudo um pouco’, que caracteriza quase todos os campos da cultura e permite que artistas e pensadores deem vazão a múltiplas experiências, propostas e reflexões (ALBUQUERQUE, 2005, p. 12).

(19)

Dessa maneira, ressalta-se de que hoje o artista não se identifica mais com um único estilo. O artista torna-se um receptor de inúmeras possibilidades e propostas que são oferecidas no âmbito da arte. A diversidade será uma das características mais marcantes da arte contemporânea, onde será possível a escolha tanto de materiais, suportes e linguagens artísticas.

Ao lado de vídeos e instalações, convivem democraticamente fotografias, objetos, performances, intervenções e até mesmo pinturas. E não se está falando em uma diversidade de categorias. Até porque hoje em dia é complicado delimitá-las. (ALBUQUERQUE, 2005, p.12).

Para os artistas no século XX, os materiais utilizados eram aqueles básicos, os quais dificilmente eram misturados. Na arte, a pintura era somente tinta e tela, e nela não se aplicava nenhum outro tipo de material como colagens. Era-se mantida a tradição para a pintura, sendo que ela tinha um limite para o artista. E com os movimentos de vanguarda, deu-se o início a ruptura que ocasionou a quebra com o formal e os limites na arte.

(20)

2 A DIMENSÃO DO FEMININO NAS OBRAS DE NAZARETH

PACHECO E BETH MOYSÉS

2.1 Nazareth Pacheco e Silva

A artista brasileira Nazareth Pacheco e Silva nasceu em 1961 na cidade de São Paulo. Inicia suas experiências com ready-made. Torna-se conhecida principalmente nos anos 1990, por confeccionar objetos de arte a partir de materiais cortantes e agressivos, os misturando com outros materiais, estes brilhantes e sedutores. Assim causando certa ambiguidade ao olhar de quem presencia sua obra.

Nazareth Pacheco é uma artista da geração de 80, com uma linha de trabalho bastante característica, normalmente relacionado à feminilidade, beleza, e intimidade. Trabalha individualmente e em suas obras retrata fatos de sua biografia. Devido a uma má formação congênita, Nazareth teve de passar por inúmeras cirurgias em seu corpo para fazer correções estéticas, e através destas experiências ela se utiliza para fazer arte e transpassar suas reações, utilizando de materiais cortantes, como lâminas e materiais pontiagudos diversos. São materiais que remetem a sua trajetória de vida, abordando questões em torno do sofrimento, da existência e da dor. (Site Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/Enc_Artistas/artistas_imp.cfm?c d_verbete=2855&imp=N&cd_idioma=28555 Acessado em: 05/09/2012

Na obra da artista nos deparamos com um paradoxo existencial materializado em obras que, ao mesmo tempo em que lembra ou evoca a dor, a violência ou martírio físico, também sugere leveza, contraste, delicadeza e percepção matérica, pois a lâmina cortante desliza como se fosse um véu ou um manto, por exemplo.

Seu trabalho todo toca e comove de um jeito único e intenso. Nazareth trata a questão da dor de forma pungente e forte. Ela expõe objetos relacionados ao seu corpo, mas seu corpo é o de todas as mulheres. Através da história construída através das várias cirurgias pelas quais passou, Nazareth acaba expondo os paradoxos do desejo no mundo. É da fala de Louise Bourgeois, com quem estudou, que ela inicia seu trabalho: “O tema da dor é meu campo de batalha, dar significado

(21)

e forma à frustração e ao sofrimento. A dor é o preço pago pela libertação do formalismo”6.

Figura 03: Pacheco, Nazareth Sem título, 1998. Material: Miçanga, lâmina de barbear, acrílico e aço 140 x 80 x 55 cm Pinacoteca Municipal/Centro Cultural São Paulo (SP) Registro fotográfico Romulo Fialdini.

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_obras&acao=mais&i nicio=1&cont_acao=1&cd_verbete=2855 Acessado em: 14-09-2012.

Figura 04: Pacheco, Nazareth. Sem título, 1997. Material: Cristal, miçanga, lâmina de barbear. 200 x 18 x 4 cm.

A obra da artista se estende por diferentes referenciais femininos que vão desde um colar, um vestido, um adorno ao objeto cirúrgico, instrumento de trabalho. Essa amplitude de produção gera um serie de relações entre o universo feminino e o cotidiano pessoal.

6 Fonte retirada do site http://www.revistab.com.br/index.php/2012/03/descortinando-a-arte/- acesso em 11.09.2012.

(22)

Nazareth produz uma imersão e, ao mesmo tempo, a impossibilidade de penetrar: colares e vestidos impossíveis de tocar, tatear, vestir. O corpo de quem observa fica à margem da cortina, está preso na impossibilidade de desvendar tudo. Tocamos com os olhos a dor que, de longe, podemos apenas tatear. Sente-se na pele o que o corpo não pode alcançar7.

São obras que contempladas de longe chamam atenção pela sua diversidade e brilho da materialidade causando a vontade de chegar perto e tocar, porém, a aproximação perturba e causa impacto, pois nos deparamos com materiais pontiagudos e cortantes que normalmente sugerem a sensação de causarem dor e aflição. Perante isto, o público, ao observar, sente-se agredido procurando se afastar, ou deixando de olhar. Outro fator que inquieta diz respeito à impossibilidade do tato já que são objetos afiados, que facilmente podem penetrar e dilacerar a pele e assim ferir quem os quiser tocar/manipular.

Esse encontro produz um misto de sensações que se alternam: proximidade e distância, estranho e familiar, possibilidade e impossibilidade. E é no corpo que experimentamos a obra de Nazareth Pacheco. Tomados pela vertigem de um mundo que estraçalha e esparrama vísceras entre a dor e o êxtase, o corpo fica desnudado diante de tantos objetos cortantes e agudos.8

Esse embate, entre experiência pessoal e criação artística, é comentado por Lisette Lagnado :

A produção de Nazareth Pacheco corresponde a um processo de individualização: assimilar questões próprias, relacionadas a operações a que se submetera para efetuar correções estéticas devido a malformações congênitas. Não é difícil imaginar que, a partir dessa reflexão autobiográfica, o questionamento se tenha estendido a uma dimensão sociológica: a manipulação do corpo, do da mulher em particular, na sociedade contemporânea. (...) Ornatos para o corpo constituem, a princípio, símbolos de identidade cultural que remetem a práticas e costumes do calendário das festividades. Sendo os colares de Nazareth de uso não recomendado para a integridade do corpo, os dados biológicos de seu sujeito se impõem à interpretação. Percebe-se nesse gesto uma marca essencial para estudar a identidade artística contemporânea: a dissolução de fronteiras entre experiências interior e rituais coletivos, entre natureza e cultura.

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=a rtistas_criticas&cd_verbete=2855&cd_item=15&cd_idioma=28555 acessado em 14-09-2012 7 http://www.revistab.com.br/index.php/2012/03/descortinando-a-arte/ 8 http://www.revistab.com.br/index.php/2012/03/descortinando-a-arte/

(23)

Lisette Lagnado 9 menciona, também, que o trabalho de Nazareth Pacheco transcende a mera confissão ao tangenciar a análise antropológica. Sua necessidade de arquivar uma trajetória pessoal passou a incorporar um duplo sentido. Arquivar: 1. memorizar acontecimentos; 2. suspender o inquérito sobre o presente.

Sabemos que os arquivos têm o poder de conservar documentos históricos, mas 'arquivar' é também retirar de circulação. Apresentados de forma museológica, unificados e 'classificados' dentro da assepsia proporcionada por pequenas caixas de acrílico, tais enfeites parecem vestígios de uma cultura distante. As vitrines exercem a função de domesticar o contato entre nosso olhar e a obra, projetando-a para uma comunidade que teria pertencido a uma história longínqua, de latitudes desconhecidas e, consequentemente, irracionais. Afinal, como compreender a lógica da dor dentro do adorno?

Figura 05: Pacheco, Nazareth. Sem Título, 2003. Materiais: Cristal, miçanga, lâminas de barbear, aço inox e acrílico. Instalação, 15 m2, Galeria: Brito Camino, São Paulo.

Figura 06: Pacheco, Nazareth. Sem Título, 1998. Material: Cristais, miçangas, canutilhos, anzóis e acrílico.

9 http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_criticas&cd_verbet e=2855&cd_item=15&cd_idioma=28555 acessado em 14-09-2012.

(24)

Ao destacar a pretensão de apreender a memória, ou suspender o tempo a artista constrói um jogo que vela e desvela, através dos objetos, a historicidade dos objetos do cotidiano assim como, sugere o significado da experiência com eles. Mostra e aprisiona aquilo que vemos como se estivesse a provocar a sensação sobre o que não é possível.

Seus trabalhos apresentados em caixas de acrílico os famosos colares, são denominados pela própria artista como ‘Objetos de Desejo’. Estas são obras expostas em 1998, na XXIV Bienal Internacional de São Paulo foram comentadas por Lagnado: “[...] reunidos na sintaxe do colecionismo, os adornos acabam formando um sistema, graças a um trabalho de perlaboração que os permitiram passar do registro privado à dimensão pública. Além disso, porém, a dor foi o depósito compulsório para um ajuste com a volta mítica às origens". Dessa maneira, a autora quer dizer que através destes trabalhos a artista expõe sua vida privada ao público, expondo sua coleção de memórias vividas em torno destes materiais ‘objetos de desejo’ que fazem parte de sua história.

Em entrevista Tadeu Chiarelli pede para a artista falar sobre seus primeiros trabalhos, que transmitem memórias de sua biografia em torno das cirurgias que foi submetida para as reparações estéticas e, Nazareth relata:

Eu dividiria esse processo em duas partes: nas cirurgias de reparação de um problema congênito, em que me submeti à correção do lábio leporino, transplante de córnea, cirurgia nas mãos, pés, nariz e boca. Já a segunda parte, seria o registro de tratamentos chamados "de beleza": tratamento da pele do rosto, aparelho dos dentes, depilação, limpeza de pele, entre outros. Essas duas partes do processo se deram, na verdade, desde quando eu nasci. A partir dos anos 80, deixei de fazer as cirurgias corretivas e o enfoque passou a ser dirigido apenas à questão estética. http://www.muvi.advant.com.br/artistas/n/nazareth_pacheco/nazareth_pacheco.htm acessado em: 14-09/2012.

A artista explica que inicialmente as cirurgias eram destinadas apenas a correção das deformidades, e após, passou a fazer cirurgias para a questão estética, e a partir desse momento deparou-se com a grande ênfase voltada para esta questão de atingir a estética de representação ideal do corpo. Com tudo isso, Nazareth utilizou suas experiências, identidade e memória para expor estas vivências, as realizando com a manipulação estética de devidos materiais fora do comum, assim os transformando em “objetos de arte”.

(25)

A materialidade das obras de Nazareth Pacheco é propositalmente escolhida para causarem certo impacto para quem as contempla. A artista põe explicito a dor do material cortante e a delicadeza das miçangas e cristais. Suas obras são criadas a partir de materiais que contém dor, são lâminas de barbear, giletes que mutilam o corpo, em meio aos objetos brilhantes, quem os observa é que se sente inquieto e penetrando em sua pele. São objetos que remetem a diversos métodos de tortura e dor. Como menciona Miriam Chnaiderman (2003, p.01):

É em nosso corpo que experimenta a obra de Nazareth Pacheco: somos tomados pela vertigem de um mundo que nos estraçalha, esparramando vísceras em orgasmos bizarros entre a dor e o êxtase. Contrariamente ao artista que expõe seu corpo como objeto artístico, é o nosso corpo que fica desnudado diante dos objetos agudos e cortantes. Penetrar os cortinados feitos de lâminas de barbear e miçangas, no seu brilho sedutor, fascinante, faz com que os rasgos aconteçam e esmigalhem imagens corporais, dilacerando qualquer identidade possível.

Nazareth explica que escolha dos materiais cortantes e perfurantes utilizados, são diretamente ligados aos objetos usados nas cirurgias que durante toda infância e adolescência foi submetida, os quais sempre causaram medo e pânico na artista. E juntamente com estes objetos cirúrgicos, agulhas e lâminas, ela utiliza as pérolas e cristais, que são objetos sedutores, que causam desejo pelo meio de sua forma e brilho, é a sedução de atingir o belo, que a fez se submeter a cortes e perfurações revela a artista à entrevista com Tadeu Chiarelli (Apud CHNAIDERMAN, 2003, p. 04).

A ausência do corpo costurado, remontado (contrariamente a Orlan10, que filma suas cirurgias) faz com que nosso corpo fique pesadamente presente em nossas sensações. São os nossos corpos que são retalhados em estranhas plásticas e cicatrizes costuradas. O invisível corpo torna-se um corpo carregado de órgãos e vísceras com ruídos e odores.

Suas obras acabam transpassando uma perversidade que está presente nestes vestidos, colares e saias produzidos com estes materiais cortantes. É o desejo e a sedução explícitos pelo brilho que ofusca e atraí, mas que por outro lado carregam consigo o perigo

10 ORLAN: Artista plástica francesa, nascida em 1947, realiza trabalhos em vídeos, fotografias, performances e instalações, explorando o seu próprio corpo como uma superfície de transformação e de criação. Criadora do "manifesto da arte carnal", auto-retrato clássico passeando entre desfiguração e figuração. O seu trabalho tão radical procura realizar questionamentos sobre o status do corpo na sociedade. http://omeuadorno.blogspot.com.br/2010/09/quem-e-orlan.html Acessado em: 28/09/2012

(26)

escondido de ferir quem quiser se aproximar e manipulá-los. O corpo da artista não se faz presente na obra, não vemos seus cortes, nem suas cicatrizes, é o nosso corpo que estará vestindo e sendo atravessado pelos objetos em sua carne ao experimentar as vestes confeccionadas com de lâminas. Nesse sentido, Chnaiderman (2003, p. 06) completa: “Hoje, são nossos corpos que são estrangulados por requintados apetrechos de tortura, disfarçados em adornos que brilham como nobres rubis de coroas reais.”

Figura 07: Pacheco, Nazareth Sem título, 1998 Material: acrílico, cristal e metal 280 x 40 x 30 cm

http://www.mercedesviegas.com.br/nazarethpacheco2.htm Acessado em: 14-09-2012.

Figura 08: Pacheco, Nazareth Sem título , 2000. Material: acrílico, cristais e agulhas 34 x 34 x 4 cm Registro fotográfico autoria desconhecida

http://www.mercedesviegas.com.br/nazarethpacheco1.htm Acessado em: 14-09-2012.

As obras de Nazareth Pacheco atraem o olhar para sua beleza e sensação inquietante que transmitem. O brilho dos cristais e até mesmo dos metais, ofuscam e nos ameaçam, ao olharmos passa a impressão de se cortar ou de ferir. São objetos dilacerantes, transpassando o vazio ali presente. No conjunto de suas obras podemos também observar, por exemplo, os vestidos e colares construídos a partir de materiais cortantes, e é quase impossível não sentir um estranho incômodo diante deles, principalmente pela impossibilidade do tato. Ao observá-los sentimo-nos ameaçados, repulsa e, ao mesmo tempo, somos seduzidos e levados à reflexão, entre a presença e a ausência que se faz visível na obra,

(27)

pois remetem a objetos e adornos que são voltados para o uso corporal, e por serem elaborados com materiais pontiagudos, representam o contrário, uma ameaça ao corpo.

Os Objetos Sedutores 11 de Nazareth Pacheco criações das quais existe uma proximidade entre as sensações de prazer e a dor dos quais Chnaiderman 12 destaca a dimensão da invisibilidade: “a matéria plástica de Nazareth Pacheco é o invisível, o mundo das sensações. Em seu trabalho, vai manipulando nossas sensações e nos propondo novos mundos. Mundos descobertos através de cortinados doloridos, mundos descobertos no informe da dor. Sensação radicalizada, animalizante”.

(http://egp.dreamhosters.com/encontros/mundial_rj/download/4b_Chnaiderm_121151003_po rt.pdf Acessado em: 14-09-2012.)

Nas obras de Nazareth Pacheco, percebemos a presença dos materiais agressivos que causam prazer e dor ao observá-los, porém não nos deparamos com a ausência, ou invisibilidade do corpo na obra. A artista trabalha com o invisível, com a ausência do corpo, que ali na obra, se fará presente através do corpo de quem o contempla.

Miriam Chnaiderman explica que a artista usa o corpo como forma de afirmação de vida em seus trabalhos, transpassando através deles sensações, sejam estas de dor ou prazer: “(...) a matéria plástica de Nazareth é o invisível, o mundo das sensações. Em seu trabalho, vai manipulando nossas sensações e nos propondo novos mundos. Mundos descobertos através de cortinados doloridos, mundos descobertos no informe da dor. Sensação radicalizada, animalizante.” (...) Transparência sugerindo um invisível presente em nosso mundo moldado para ocultar aquilo que permanentemente nos fere”, ou seja, o corpo, a carne humana que é perfurada pelos adornos. Completando Hiáscara Alves Pereira13 cita:

[...] suas obras refletem diversas questões representativas da contemporaneidade: Violência, medo, dor, culto ao corpo, etc. Assim, inferindo sobre as circunstâncias que impulsionaram a artista a criar vestes e adornos, chegou-se à conclusão de que o “corpo” seria a peça chave dessa rede de ações intricadas, pois ele aparece

11 Objetos Sedutores nome dado por Nazareth Pacheco à sua dissertação de Mestrado em poéticas visuais defendida em 2002, na Escola de Comunicações e Artes da Universidades de São Paulo, no ano de 2002, sob a orientação de Carlos Fajardo.

12 Miriam Chnaiderman: É psicanalista, ensaísta e diretora de curta-metragens, realizadora do filme "Artesãos da Morte", entre outros. Fonte: http://www.cpflcultura.com.br/palestrante/miriam-chnaiderman/

Acessado em: 25-09-2012

13 Hiáscara Alves Pereira: Memórias de Nazareth Pacheco: do Corpo à Obra. Congresso Internacional da

Associação de Pesquisadores em Crítica Genética, X Edição, 2012.

(28)

permeando toda sua produção e interligando o contexto social, o cultural, a tendência artística e a história pessoal da artista.

Figura 09: Nazareth Pacheco. Sem Título, 2001. Material: acrílico e aço inox. Acrílico: 10 x 70 x 22 cm; corrente: 120 cm;

http://www.casatriangulo.com/pt/artista/20/trabalhos/1/ Acessado em 14-09-2012.

Nazareth utiliza muitos materiais como acrílico e cristal, na sua obra acima, ela retrata uma caixa de acrílico onde nela está presa uma corrente, que sobressai, passando a impressão de que qualquer um pode ficar ali aprisionado a aquela caixa. O material, com sua transparência, também remete a sensação de estar querendo revelar algo, da fragilidade de um vidro que quebra, do feminino que é sensível, e da corrente, metal forte e frio, que machuca, fere e aprisiona.

Figura 10: Pacheco, Nazareth Sem Título, 1999. Material: Acrílico e agulhas. – 7x50x24 cm http://egp.dreamhosters.com/encontros/mundial_rj/download/4b_Chnaiderm_121151003_port.pdf

(29)

Em uma de suas obras a artista constrói uma balança, na qual o assento está repleto de agulhas, Nazareth novamente coloca em questão a impossibilidade do uso de um objeto do cotidiano, abrangendo assim questões como da fragilidade do ser humano aos materiais ali expostos, da violência e do ferimento. Nessa perspectiva Chnaiderman14 faz o seguinte comentário:

Os instrumentos de tortura de Nazareth Pacheco, o balanço fixado em corda de cristal, o tampo perfurado de agulhas de costura (agulhas de crochê de sua infância com sua avó) mordaça transparente, algemas em grande cubo de acrílico, tudo isso nos fala de um inumano em direção a uma fusão com a natureza. A violência precisava encarar e converter-se em substância. (CHNAIDERMAN 2003, p. 08)

Ao observarmos uma das obras da artista, de longe nos deparamos com um vestido pendurado, que nos seduz pelo brilho das miçangas e cristais, e até mesmo das lâminas, que até então não causam repulsa por não serem totalmente distinguidas, pois de longe não revelarem o perigo real que trazem ao serem tocadas.

De longe, um belo e sofisticado vestido pendurado sobre um cabide de acrílico. Canutilhos, miçangas e contas de cristais, compondo uma delicada mistura transparente e negra, brilham atraentes no corte simples e reto. O vestido nos chama. De perto, uma surpresa. Entre as contas, brilham lâminas de barbear prontas para ferir a mão que tocar a fascinante roupa.

Figura 11: Pacheco, Nazareth. Sem Título, 1997. – 130x40x4. Materiais: cristal, miçanga, e lâminas de barbear. Acervo MAM-SP

(http://www.artenaescola.org.br/dvdteca/pdf/arq_pdf_19.pdf Acessado em 05/09/2012)

(30)

Esses trabalhos podem ser relacionados há alguns aspectos da arte minimalista15 que ocorre no final dos anos 1950 e início dos 1960, onde existirá a frequente utilização de materiais como vidro, aço e acrílico16, atração e repulsa provocada pela obra.

Nazareth Pacheco é uma artista da geração de 80, com uma linha de trabalho bastante característica, normalmente relacionado à feminilidade, beleza, e intimidade. Nessa obra, Sem Título, 2004, Nazareth cria uma escultura bastante icônica. Representando uma lâmina cortante, torna-se signo da dor, machucado, e sangue, esse último, mesmo que apenas imaginativo, é o ponto de contraste visual com o material da obra: o fluido vital vermelho forte contrapondo-se ao transparente ausente da lâmina17.

Figura 12: Pacheco, Nazareth Sem título, 2004 acrílico 16 x 39 x 5 cm

As obras da artista enfatizam questões autobiográficas, como o sensível, as sensações de perturbação e inquietação em relação ao corpo, repercutindo, assim, envolta da questão estética e da violência que o corpo e o sofrimento. Tema que ela quer passar para o público, através dos objetos e materialidades, para a criação de suas próprias sensações.

15 Minimalismo (minimal art). Termo designado de uma tendência na pintura e, mais especificamente, na escultura, surgida na década de 50, que pregava o uso apenas das formas geométricas mais elementares. (CHILVEERS, 2001, p. 353)

16 http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete =3229

(31)

Nazareth, no início do capítulo “Objetos Aprisionados”, justifica-se através de uma epígrafe de Louise Burgeois que diz “O tema dor é meu campo de batalha. Dar significado e forma à frustração e ao sofrimento. O que acontece com meu corpo tem e recebe uma forma abstrata formal. Então, pode-se dizer que é o preço pago pela libertação do formalismo18”.

Por fim, Miriam Chnaiderman 19 comenta que “são estes seus trabalhos, retratando a condição do ser humano, que sente tudo em sua pele, inúmeras sensações, desde o sofrimento ao ilustre prazer, e através de suas obras a artista levanta estas questões de estéticas, sofrimento e dor, e violência”.

2.2 Elisabeth de Melo Camargo Moysés

Beth Moysés é uma artista contemporânea que retrata e aponta, em suas obras, a condição da mulher em relação à violência cometida contra ela. Sua pesquisa é fundamentada por sua história pessoal e atual da condição da mulher. Sua produção é composta por objetos que tem conotação no universo feminino, que trazem em si impregnado sentidos, memórias e fatos vivenciados, são meias de seda, tules brancos, vestidos de noivas, objetos que envolvem e identificam a feminilidade.

No texto, “O Que as Palavras Não Alcançam: Imagens da Feminilidade20” de Gisele Freyberger, encontramos o seguinte comentário sobre a artista:

Beth Moysés nasceu em 1960, em São Paulo; formou-se em Artes Plásticas em 1983, pela Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP). Trabalhou por cinco anos em agências de publicidade e, em 1988, voltou à arte. Começou com o desenho, passou depois para a pintura e, desta, para o espaço tridimensional da escultura, da instalação e da performance. Desde a década de noventa desenvolve trabalhos utilizando acessórios dotados de uma forte carga simbólica referente ao universo feminino, as questões relativas ao casamento e a violência contra a mulher. Começou criando obras a partir de absorventes internos, em um trabalho que aludia

18 http://egp.dreamhosters.com/encontros/mundial_rj/download/4b_Chnaiderm_121151003_port.pdf Acessado em: 15/09/2012.

19 http://egp.dreamhosters.com/encontros/mundial_rj/download/4b_Chnaiderm_121151003_port.pdf Acessado em: 15/09/2012.

20 Disponível em http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000351311 acessado em 24-10-2012.

(32)

à compulsão de limpeza, purificação e ao pânico de corpos que menstruam. Depois realizou construções com meias de seda rasgadas, pintadas e destruídas que aludiam a clichês da sensualidade feminina.

As experiências vivenciadas durante a infância fizeram com que a artista tomasse esse tema como referência para a criação de suas obras, porém, direcionando-se ao universo feminino às diversas formas de agressões praticadas contra as mulheres. Inicialmente em seus trabalhos, ela manipulava objetos significativos ao universo feminino, tendo seus sentidos voltados à questão do ciclo menstrual, e também objetos que remetiam a sensualidade, e os aplicava nas telas. Segundo Andréa Senra Coutinho21, “nos anos 90 a artista depara-se com a presença da noiva nos brancos das superfícies, e inicia seu trabalho a partir de um elemento de maior conotação no universo feminino: o vestido de noiva”, como se refere Kátia Canton na Palestra Um Olhar sobre o Feminino, promovida pelo Itaú Cultural22:

No início dos anos 90, ela usou buchas e meias de seda para discutir ligações entre sexualidade, sujeira e clichês. A partir de 1994, assumiu o vestido de noiva como instrumento onipresente em suas articulações simbólicas. Apropriou-se diretamente do grande mito da feminilidade e costurou em seu trabalho uma narrativa cheia de tecidos e texturas que marcam uma leitura pessoal de vida.

Em sua dissertação de mestrado a artista declara sua visão em relação ao objeto vestido de noiva: “Esse traje marca um rito de passagem, uma mudança na vida da mulher. Cobrimos nosso corpo com essa fantasia, ela é o invólucro também da nossa alma. É ela que nos une ao desejo e nos protege da dor, do real, do visível, do palpável. O encantamento que a tradição embutiu nessa vestimenta branca é que a torna um mito.” (MOYSES, 2004, p. 19) A artista comenta que todos vestidos utilizados para a construção de seus trabalhos, são usados, pois carregam a memória do afeto, que ficou retido neles no dia do casamento. Ela os fragmenta, descostura e separando cada parte e reutiliza aproveitando em cada uma de suas obras. Os primeiros trabalhos realizados que utilizava os vestidos eram bidimensionais e a artista os esticava em um chassi.

21 http://www.anped.org.br/33encontro/app/webroot/files/file/Trabalhos%20em%20PDF/GT24-6465--Int.pdf

Acessado em: 18-10-2012.

(33)

Figura 13: Maria.Vestido de noiva esticado no chassis e véu de noiva 43,5 x 110 cm 1995. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés. 2004, Pg. 90.

Em suas obras a artista trabalha muito com a relação entre objeto e memória. Ela se apropria da mensagem e do significado que este objeto representa para a mulher, do seu imaginário da fantasia, e a alegria do dia do casamento, e em suas obras, ela o ressignifica o utilizando como uma ferramenta de denuncia contra a violência doméstica.

Sua dissertação do mestrado, Moysés o intitula como “Memória do Afeto” e justifica tal escolha ao dizer que:

O título dessa dissertação – “Abrigo da Memória” – provém das lembranças que vamos armazenando no decorrer da vida. Muitas vezes essas recordações são estimuladas quando deparamos com um objeto desencadeador. No meu trabalho, esse objeto é o vestido de noiva, pois é um símbolo forte do imaginário feminino. (MOYSES, 2004, p. 15)

Moysés coletou muitos vestidos de noivas, recebidos de amigas, conhecidos e parentes. E aos recolhê-los, ela ouvia as histórias de seus cedentes, e explica que estes trajes que ficavam guardados, muitas vezes amarelados pelo tempo e estragados devido a traças, continham um sentimento adormecido do passado. Sentimento este, que fora vivido no dia do casamento, e que após, ficava esquecido guardados dentro de uma caixa, e voltava-se a vida real. Esta muitas vezes dura e cruel.

(34)

Figura 14: Obra: “Rosangela, Eugenia, Izabel23”Materiais: Vestido de noiva esticado no chassis. Dimensões: 165 x 125 cm. Ano: 1995.

A artista relata sobre seu trabalho que “em um primeiro momento, o trabalho trata o corpo individualmente, cada obra é uma mulher. Construo um novo corpo, um corpo aberto ao público”. (MOYSÉS, 2004, p. 93)

Dessa maneira, Beth Moysés trabalha esse mito, do real e o imaginário, em relação à condição da mulher na sociedade, debatendo a multiplicidade de sentimentos que estas mulheres passam, sendo estes do sonho e fantasia, do romantismo e amor vivenciados no dia do casamento, e após, os sentimentos de desilusão, fragilidade e violência que ocorrem em muitos lares diariamente. Assim, explica Canton (2004), de que a artista ao tomar este objeto como peça chave para seu trabalho, ela o desmitifica, e retira o encanto atribuído a ele, e o usa como forma de denuncia.

Beth Moysés é uma manipuladora de mitos. Particularmente, mitos que tomam corpo nas palavras bordadas à tapeçaria do universo feminino: casamento, amor, romantismo. Um a um, esses nomes parecem esgarçar, desfiar e ecoar no vazio em cada um de seus trabalhos. Toda a obra da artista é perpassada por uma preocupação desmistificadora.

Após a construção de trabalhos bidimensionais, Moysés passou a criar instalações utilizando os vestidos de noiva. Ela argumenta que inicialmente os trabalhos realizados com os vestidos tratava-se de corpos únicos, aonde cada um deles representava uma mulher e sua história, e a partir de um momento ela sentiu “a necessidade de unir esses corpos que até

23 Imagem disponível em: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés. 2004 Pg. 92

(35)

então tinham sido construídos individualmente, de ver todos esses vestidos juntos, amarrados, costurados e presos, como se todos almejassem a mesma coisa” (MOYSÉS, 2004, p. 93).

Em reportagem à Folha de São Paulo, Fernando Oliva afirma que “Os vestidos não são apenas metáforas de uma feminilidade perdida, mas também uma extensão do corpo – ou, simbolicamente, o próprio corpo24.” Justificando assim, de que na sua obra o corpo está marcado, presente na sua ausência.

Beth Moysés construiu a obra “Forro de sonhos pálidos”, que se trata da união de 25 vestidos de noivas, cada um com as marcas de sua particularidades, sendo de uso, odores do tempo e de guardados, que costurados uns aos outros formavam um grande tapete que forrou o teto da Capela do Morumbi. Ao uni-los, a artista quis reunir em uma só obra os desejos e anseios vivenciado por todas essas mulheres que usaram este traje, e ao se despir, deixaram neles marcados estes sentimentos. Como menciona Kátia Canton25: “Elevados às alturas, pendurados pelas saias e recheados de panos, os anônimos vestidos simulavam nuvens. A metáfora óbvia demais denunciava clichês, compunha uma atmosfera de solidão de promessas mal cumpridas de ilusões rarefeitas”.

Figura 15: Obra: Forro de sonhos pálidos26. Materiais: 30 vestidos de noiva forrando o teto da capela do Morumbi. Dimensões: 250 x 50 cm – Ano: 1996.

24 Fonte: Folha de São Paulo – Ilustrada – 18 de junho de 1998 – São Paulo – Brasil. P. 08. (http://www.bethmoyses.com.br/materias/40.htm) – acesso em 03/09/2012.

25 Fonte: Revista Bravo – Ingresso – Fevereiro 1998 – São Paulo - Brasil. Disponível em http://www.bethmoyses.com.br/materias/41.htm - acesso em 03/09/2012.

26 Imagem disponível em: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés. 2004 Pg. 94 – UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

(36)

Nessa mesma obra, “Forro de sonhos pálidos”, a artista relata que os vestidos foram sofrendo com a ação do tempo e acabaram caindo. “Aqueles corpos vazios desabaram. Vieram de encontro à realidade” (MOYSES, 2004, p. 97). Presos ao teto da capela, eles eram intocáveis, podia somente experimentá-los através do olhar, cada expectador construía sua sensação através da observação, mas ao chão, tornou-se possível o tato, mas já não eram mais os mesmos vestidos. A artista relata que ao estarem lá no alto, eles representavam todos juntos às fantasias de cada pessoa que usou a vestimenta, remetendo “á beleza, ao sonho, ao desejo” e ao desmoronarem no chão, “assumem um novo foco. Desfalecidos, murchos, sem brilho”. (MOYSÉS, 2004, p. 97)

Os vestidos foram expostos na Galeria Thomas Cohn e o público teve acesso ao toque, podiam caminhar sobre os vestidos, sentindo suas particularidades, e ao pisotear “esses corpos ausentes nos possibilitam entender a realidade dessas mulheres” (Moysés, 2004. p. 97)

Figura 16: Obra: Sobre pérolas27. Dimensões: 30 vestidos de noiva forrando o chão 100 x 80 cm. 1998 - Galeria Thomas Cohn

Em uma de suas obras intitulada “Luta”, a artista utilizou um objeto fora do comum, o retirando de seu contexto original, e inserindo-o em um novo ambiente, sendo este doméstico. Através desta obra, a artista relaciona o esporte boxe com a vida real, pois é um esporte no qual duas pessoas disputam aos olhos do público a vitória através de uma luta de braço.

Beth Moysés explica que ao retirar as luvas do contexto original e as trazendo para o ambiente doméstico faz pensar sobre esse esporte e suas implicações sociais: “não

INSTITUTO DE ARTES.

27 Imagem disponível: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés ano, Pg. 98.

(37)

existe plateia, é uma luta que aparentemente não envolve a sociedade, pois acontece no ambiente privado” (MOYSES, 2004, p. 95). A artista salienta que este problema com a violência não é restrito, e não afeta somente as famílias, pessoas que convivem com ela, mas como a sociedade também.

Beth Moysés descreve que “para refletir a respeito dessa disputa que acontece entre quatro paredes, um luta de casais, de companheiros, tento transformar a luva tradicional em uma outra realidade. Como se eu desejasse consertar as relações humanas, as brigas, as agressões, os maus tratos, as dificuldades que vão desgastando a afetividade existente entre o casal.” (MOYSÉS, p. 96).

Moysés utiliza um par de luvas de boxe e as recobre com retalhos de vestidos de noiva, pérolas e rendas. Seria ingênuo pensar, que ela deseja feminizar um equipamento de uma prática esportiva tradicionalmente masculina. A artista vai muito além, deseja alertar espectadores/as sobre a possibilidade do casamento se tornar um ringue, um local de uma luta injusta, desigual e por vezes sanguinária. O afeto de um casal mal orientado pode se transformar em uma violência desumana e deixar sequelas incomensuráveis. (COUTINHO, 2009, p. 85)

Figura 17: Luta. Luva de Boxe forrada de pedaços de vestido de noiva 45 x 45 x 30 cm 1998. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés. Pg. 96 (ver anteriores)

Desta maneira, a artista se apropria do par vermelho de luvas de boxe, manipula o vestido de noiva, o retalha e, forra a luva com pedaços do vestido, bordados com pérolas e

(38)

vidrilhos. A luva áspera e rude representa o masculino, que se contrapõe com o feminino representado pelos bordados, delicadeza e brilho. Com isso, a artista procura emparelhar os lados. Sobre o paradoxo dos elementos presentes na obra da artista Fernando Oliva28 (1998, p. 08) aponta para o lado emblemático das suas relações:

[...] A luva, decorada com bordados e falsas pérolas, estufada com véus, reúne delicadeza e agressividade, embate recorrente no trabalho de Beth Moysés. As obras não apontam saída possível, remetem a um passado que, apesar de ter deixado suas lembranças palpáveis, foi definitivamente enterrado. Não sobra espaço para a nostalgia, e a lembrança é amarga. Nesse sentido, são de uma crueldade rara.

Beth Moysés relata em sua pesquisa de mestrado o que vivenciou dentro da delegacia da mulher de São Paulo durante cinco meses. Ela conta que:

[...] ao chegar pela manhã à delegacia, sempre encontro, sentada no mesmo banco, uma silhueta feminina esperando sua vez. A espera às vezes é longa. São mulheres que, depois de muito perdão, resolvem delatar seu companheiro, mães denunciam o genro por não aguentarem mais presenciar suas filhas em sofrimentos, filhas que acusam o pai, por não suportarem conviver mais com os mesmos conflitos (MOYSÉS, p. 43)

Durante estes encontros na delegacia, Moysés ouve as histórias destas mulheres, e neste mesmo tempo, realiza uma série de desenhos intitulados “Mulheres Divididas” (conforme ilustração abaixo), a artista explica que são mulheres divididas, pois

[...] concentrada na parte inferior do corpo delas, o resultado foram corpos femininos divididos ao meio. Ao meio não só porque escolhi uma parte para observar e traçar, mas também porque estão sempre divididas, entre o amor e a dor. Muitas vezes, ainda o amor pelo parceiro que a violenta; outras vezes amor a Deus que, através da voz do homem, lhes pede paciência e resignação perante o sofrimento”. (MOYSÉS, p.. 44).

28 Disponível em: Folha de São Paulo – Ilustrada – 18 de junho de 1998 – São Paulo – Brasil (http://www.bethmoyses.com.br/materias/40.htm) – 03/09/2012.

(39)

Figura 18: “Mulheres Divididas”. Beth Moysés.

Conhecer o drama dessas mulheres foi fundamental para que a artista encharcasse sua obra de nuances e detalhes trágicos, conforme é possível acompanhar no relato que segue:

Maria Aparecida (44 anos):

Dezesseis anos de casada, tem dois filhos. Seu marido chega todos os dias de madrugada, bêbado. Maria costuma dormir com os filhos, mas nem assim o marido a respeita. Quando ele chega, a acorda com pancadas. –“Eu não aguento mais viver com ele, ele não quer sair de casa. Não consigo dormir e tenho que trabalhar no dia seguinte”. Maria reclama e me conta que é “crente” e aguenta tudo pelo amor do Senhor Deus, pois na Igreja que frequenta, dizem a ela que é preciso ter paciência. – “Ele me maltrata desde o primeiro ano de casada.” Me mostrando a cicatriz no dedo, me disse –“graças a Deus já passou e nem dói mais”. Mostrou uma outra cicatriz ainda mais recente, na orelha, onde levou várias pancadas. Disse que também já estava cicatrizando. Para ela o maior problema é vê-lo espancando os filhos. –“Isso corta meu coração”. Emocionada, me diz: “Preciso de ajuda.” (MOYSÉS, 2004, p. 49)

Em sua obra “Noivas no Carandiru”, Beth Moysés é convidada a participar e registrar através de fotografias um casamento coletivo realizado na Casa de detenção Professor Flamínio Fávero do Complexo Penitenciário do Carandiru. Ela relata que “mulheres livres casam-se com prisioneiros por opção” (MOYSÉS, 2004, p. 99).

(40)

Em seu trabalho de mestrado, a artista conta que não entende “os mistérios da alma feminina” (MOYSÉS, 2004, p. 99), do por que mulheres livres acabam sendo atraídas, se submetendo ao envolvimento e até mesmo casando-se com homens presos. São mulheres estas, que sonham casar-se de noivas, mesmo sendo dentro de um presídio.

Compareci ao presídio quatro horas antes do início da cerimônia. Levei meus vestidos e minha câmara fotográfica. Enquanto as ajudava a se vestir, aos poucos fazia com que essas mulheres contassem suas histórias, seus desejos, suas expectativas. Prontas, eu registrava aquele momento único. Mulheres marcadas pela dor e pelo tempo em busca de suas realizações. (MOYSÉS. 2004, p. 99)

Figura 19: Fotos da série Noivas no Carandiru. 70 x 40 cm. 2000. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés, 2004, p. 100.

São mulheres que ainda acreditam na fantasia e no amor, e “são seduzidas por essa inversão de valores” (MOYSÉS, 2004, p. 101). Pois muitos desses homens que estão presos acabam tento sua postura modificada, tornando-se frágeis, sensíveis e carinhosos, e assim atraem estas mulheres, que estão “longe de ser frágeis, são pobres, trabalhadoras, que lutam diariamente pelo sustento da família” (MOYSÉS. 2004, p. 101), e que se encantam com tal modificação destes homens.

(41)

Figura 20: Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés, 2004, p. 101.

Continuando com suas criações, Beth Moysés em uma de suas obras construiu uma instalação, elegida como “Rainha” a qual era composta por um tabuleiro de xadrez, onde a única peça presente no jogo, a denominada rainha, foi esculpida em tamanho semelhante ao real humano. Ela se apropria destes símbolos e os utiliza como “metáfora para discutir as relações afetivas entre homem e mulher” (MOYSÉS, 2004, p. 103).

Discutindo a relação entre homens e mulheres, Moysés nesta obra traz a mulher como a “rainha”, e nela a imagem do “rei”, no caso, representando o homem, saindo de sua própria superfície. Desta maneira, a artista quer mostrar a união entre estes opostos, e que a obra é como se “almejasse um ideal de mundo, em que o risco do relacionamento não fosse tão ameaçador” (MOYSPES, 2004, p. 103).

A obra passa também a ideia de uma mulher marcada pela passagem do “rei” que fica com sua silhueta desenhada na superfície de seu corpo, neste vazado, o pedaço que falta dela, pode ser relacionado a algo que foi tirado desta mulher, levado de sua memória, “talvez um sonho, uma fantasia, um desejo, um afeto, restando apenas uma grande marca”, como nos descreve Moysés (MOYSÉS, 2004, p. 103).

(42)

Figura 21: Rainha. Rainha 163 x 62 cm. Tabuleiro 400 x 400 cm. 2001. Imagem: Dissertação de Mestrado ABRIGO DA MEMÓRIA – Elizabeth de Melo Camargo Moysés. 2004, p. 102.

Durante sua trajetória, Moysés trabalhou com bidimensionais, instalações e também começou a realizar trabalhos ligados a performances. Andréia Senra Coutinho descreve sobre seus trabalhos como:

São obras que saltam do papel, do chassi, da moldura e invadem a vida cotidiana e o pensamento. São saberes artísticos atravessados por historias de vida, são vidas humanas cercadas pela violência e apropriadas pela arte. É a arte como recurso para a transformação social, defendida pela Beth Moysés. (COUTINHO. 2009, p. 90)

Ao trabalhar com a performance, a artista procurou a interação e o envolvimento do público desta maneira, com a ajuda de mulheres voluntárias, para saírem às ruas trajadas de noiva, procurando mobilizar o povo, como uma forma de protesto contra a violência. Suas diversas performances foram realizadas no Brasil, nas cidades de São Paulo e Brasília, e também realizou uma performance na Espanha, na cidade de Madri.

Referências

Documentos relacionados

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

Focamos nosso estudo no primeiro termo do ensino médio porque suas turmas recebem tanto os alunos egressos do nono ano do ensino fundamental regular, quanto alunos

utilizada, pois no trabalho de Diacenco (2010) foi utilizada a Teoria da Deformação Cisalhante de Alta Order (HSDT) e, neste trabalho utilizou-se a Teoria da

No primeiro livro, o público infantojuvenil é rapidamente cativado pela história de um jovem brux- inho que teve seus pais terrivelmente executados pelo personagem antagonista,

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

Costa (2001) aduz que o Balanced Scorecard pode ser sumariado como um relatório único, contendo medidas de desempenho financeiro e não- financeiro nas quatro perspectivas de

de lôbo-guará (Chrysocyon brachyurus), a partir do cérebro e da glândula submaxilar em face das ino- culações em camundongos, cobaios e coelho e, também, pela presença

Para aprofundar a compreensão de como as mulheres empreendedoras do município de Coxixola-PB adquirem sucesso em seus negócios, aplicou-se uma metodologia de