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Morte assistida: possibilidade jurídica à luz da filosofia de John Stuart Mill e Immanuel Kant

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - PPGD PROGRAMA DE MESTRADO

PATRÍCIA ROSA PASA DEBIAZI

MORTE ASSISTIDA: POSSIBILIDADE JURÍDICA À LUZ DA FILOSOFIA DE JOHN STUART MILL E IMMANUEL KANT

FLORIANÓPOLIS/SC 2020

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Patrícia Rosa Pasa Debiazi

MORTE ASSISTIDA: POSSIBILIDADE JURÍDICA À LUZ DA FILOSOFIA DE JOHN STUART MILL E IMMANUEL KANT

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do grau de Mestre em Direito, área de concentração Direito Internacional e Sustentabilidade, linha de pesquisa Bioética e Direitos Humanos.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Quintanilha Veras Neto

Florianópolis/SC 2020

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Patrícia Rosa Pasa Debiazi

MORTE ASSISTIDA: POSSIBILIDADE JURÍDICA À LUZ DA FILOSOFIA DE JOHN STUART MILL E IMMANUEL KANT

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Luiz Henrique Cademartori Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Dr. Darlei Dall’Agnol Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Dr. Caetano Dias Corrêa Universidade Federal de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado para a obtenção de título de mestre em Direito.

____________________________________ Prof. Dr. Francisco Quintanilha Veras Neto

____________________________________ Coordenação do Programa de Pós-Graduação

Florianópolis, 2020. Documento assinado digitalmente Francisco Quintanilha Veras Neto Data: 13/05/2020 11:47:48-0300 CPF: 888.328.139-04

Documento assinado digitalmente Norma Sueli Padilha

Data: 14/05/2020 15:22:13-0300 CPF: 050.840.658-71

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Este trabalho é dedicado aos meus amados pais, cuja presença em tudo o que faço vai muito além do sobrenome.

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AGRADECIMENTOS

Sempre me alertarem sobre as dificuldades da escrita científica e eu seguia incrédula até este momento. A música intitulada The scientist, da banda Coldplay, sinaliza o que é um trabalho científico: “Nobody said it was easy, no one ever said it would be this hard” (Ninguém disse que era fácil, ninguém jamais disse que seria tão difícil assim).

Durante a redação do texto que agora apresento, vivi isso na pele. De fato, escrever uma dissertação é algo tão difícil que raramente se pode fazer isso sozinha. Por isso, agradeço aqui a todas as pessoas que me ajudaram, cada uma à sua maneira, na elaboração deste trabalho acadêmico. Aos que mais ajudaram, menções especiais:

À minha mãe Ema Maria Debiazi, que sempre torceu por mim, plantou em mim a sede de conhecimento, incentivou-me desde criança à leitura e ao estudo. Ao meu pai Darcy Debiazi, que me transmitiu os mais nobres princípios de retidão de caráter e empatia.

Ao professor e orientador Paulo Roney Ávila Fagundez, por ter acreditado no meu potencial, por ter me orientado do início do mestrado à qualificação, apesar das intempéries e das suas limitações de saúde. Ao professor e orientador Francisco Quintanilha Veras Neto, por ter me acolhido na fase final da pesquisa, pelas conversas enriquecedoras e pelos ensinamentos. Ao professor Darlei Dall’Agnoll e à professora Jeanine Nicolazzi Philippi, pelas contribuições e correções do projeto de pesquisa na banca de qualificação.

Aos meus professores da graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí, que, além de me ensinarem sobre o Direito, ensinaram-me a ser uma jurista. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pelo conhecimento compartilhado e por me tornarem uma pesquisadora (crítica) em Direito.

Ao Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSC, pelo estimulante ambiente acadêmico, e aos colegas de mestrado, que demonstraram solidariedade e companheirismo.

Aos professores de Filosofia da UFSC, que, em algum momento da minha graduação, despertaram em mim o interesse pela Ética e às questões profundas da humanidade.

Por circunstâncias contingenciais, devo também agradecer aos muitos amigos, familiares e profissionais que me ajudaram a manter a serenidade nas horas difíceis que coincidiram com a escrita da minha dissertação. Agradeço profundamente aos meus amigos mais próximos e a todos os meus familiares, meus irmãos, cunhados e sobrinhos. À Bianca Anelise Debiazi Fagundes, irmã e amiga, pela escuta e pelo incentivo, nos bons e maus momentos da jornada. Às amigas Marisane Formighieri, Piscilla Cemin e Solange Ribeiro,

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pelo apoio e amizade. Ao amigo Nilton Cesar da Silva, por ser a voz da razão que me escapa, otimismo que me ilumina, especialmente pelo apoio na entrevista do processo seletivo e pelas conversas edificantes sobre direito, filosofia, política e religião. À Rosana da Silva Lopes, que sempre acreditou em mim e na minha capacidade intelectual.

Aos meus gatos Nietzsche e Schopenhauer (Tutu), seres sencientes com os quais a vida me presenteou e que me ensinam todos os dias sobre o amor incondicional.

Por fim, agradeço àqueles estudantes idealistas do mundo inteiro que, como eu, ainda buscam uma formação acadêmica com a esperança de mudar o mundo.

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Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma maneira bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratularmo-nos ou para pedir perdão, aliás, há quem diga que é isto a imortalidade de que tanto se fala.

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RESUMO

A morte assistida emerge no mundo como sendo um dos temas mais relevantes no tocante à Bioética e aos Direitos Humanos. A partir da permissibilidade legal da morte assistida na Holanda, em 2001, iniciou-se uma discussão no mundo todo acerca da possibilidade jurídica da abreviação da vida, sendo uma prática permitida, depois, em outros países, inclusive na América Latina. A evolução do pensamento e desse direito segue a passos largos na esfera global, com exceção do Brasil, que manteve a criminalização da instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio, o que se verifica pela publicação da Lei nº 13.968 em 26 de dezembro de 2019. Nesse cenário, o direito comparado e os princípios da Constituição de 1988 oferecem argumentos para embasar o processo de reconhecimento da morte assistida como um direito no Brasil. Nesse sentido, pretendeu-se, com esta dissertação, analisar o processo de reconhecimento da morte assistida como um direito no país, verificando o potencial normativo do Brasil no tocante à adoção de normas de permissibilidade da morte assistida. Procurou-se também, a partir de uma fundamentação filosófica ― considerando-se que a morte assistida é um problema ético ―, por meio da filosofia de John Stuart Mill e de Immanuel Kant, dizer sobre esse direito, para então discorrer sobre a possibilidade jurídica da morte assistida no Brasil. Por fim, analisou-se o que é direito à vida na Constituição Federal de 1988 para descobrir se uma nova legislação sobre a morte assistida no Brasil pode integrar a norma jurídica em vigor e assim transformar-se em direito. Ao final, com a análise do direito comparado, a pesquisa mostrou que, a partir da adoção de nova legislação, Holanda, Suíça e Estados Unidos promoveram um expressivo progresso nos campos das liberdades individuais e das políticas públicas, apontando a morte assistida como um efetivo direito, digno de proteção estatal.

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ABSTRACT

Assisted death emerges in the world as being one of the most relevant themes with regard to Bioethics and Human Rights. From the legal permissibility of assisted death in the Netherlands, in 2001, a discussion started around the world about the legal possibility of abbreviating life, a practice that was later allowed in other countries, including Latin America. The evolution of thought and this right continues at a large pace in the global sphere, with the exception of Brazil, which maintained the criminalization of instigation, inducement or aid to suicide, which is verified by the publication of Law No. 13,968 on December 26, 2019. In this scenario, comparative law and the principles of the 1988 Constitution offer arguments to support the process of recognizing assisted death as a right in Brazil. In this sense, it was intended, with this dissertation, to analyze the process of recognition of assisted death as a right in the country, verifying the normative potential of Brazil with regard to the adoption of rules of permissibility of assisted death. It was also sought, from a philosophical basis - considering that assisted death is an ethical problem -, through the philosophy of John Stuart Mill and Immanuel Kant, to say about this right, to then discuss the legal possibility of assisted death in Brazil. Finally, it was analyzed what is the right to life in the Federal Constitution of 1988 to find out if a new legislation on assisted death in Brazil can integrate the legal rule in force and thus become a law. In the end, with the analysis of comparative law, the research showed that, with the adoption of new legislation, Netherlands, Switzerland and the United States promoted an expressive progress in the fields of individual freedoms and public policies, pointing out assisted death as an effective worthy of state protection. Keywords: Assisted death; legal possibility; freedom; autonomy of the will.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1 MORTE ASSISTIDA DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ... 16

1.1 Morte assistida e um estudo de caso-paradigma ... 16

1.2 Por que usar o termo morte assistida e não suicídio ou suicídio assistido?... 17

1.3Legislação brasileira e a morte assistida ... 20

1.4 Conceito de morte assistida na doutrina penal ... 24

1.5Jurisprudência no Tribunal de Justiça de Santa Catarina ... 28

2 TEMAS BIOÉTICOS ... 31 2.1 Eutanásia ... 33 2.2Distanásia ... 35 2.3Ortotanásia ... 37 2.4Suicídio ... 39 2.5 Suicídio assistido ... 40

3 MORTE ASSISTIDA NO DIREITO COMPARADO ... 42

3.1 Países Baixos ... 42 3.2Suíça ... 47 3.3Bélgica... 50 3.4Alemanha ... 53 3.5Estados Unidos ... 54 3.6Canadá ... 55 3.7Colômbia ... 58 3.8Uruguai ... 60

4 MORTE ASSISTIDA À LUZ DA FILOSOFIA DE JOHN STUART MILL E DE IMMANUEL KANT ... 62

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4.1.2. “Sobre a liberdade” ... 63

4.1.2.1. “Da liberdade civil e os limites do poder da sociedade” ... 63

4.1.2.2 “Sobre a liberdade de pensamento e de debate” ... 69

4.1.2.3. “Da individualidade, como um dos elementos do bem-estar” ... 70

4.1.2.4 “Dos limites da autoridade da sociedade sobre o indivíduo” ... 73

4.2Immanuel Kant ... 75

4.2.1 “Fundamentos da metafísica dos costumes” ... 76

4.3Caso-paradigma à luz do debate teórico entre Mill e Kant ... 83

5 DO RECONHECIMENTO DA MORTE ASSISTIDA COMO UM DIREITO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 88

5.2Possibilidade jurídica ... 88

5.3Direito à vida na Constituição Federal de 1988 ... 88

5.4Morte assistida, possibilidade jurídica e sua integração no ordenamento jurídico brasileiro ... 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 95

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INTRODUÇÃO

O ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1988, José Saramago (1995), com genialidade, descreveu, no livro Ensaio sobre a cegueira, a agonia de viver num mundo em que as pessoas começaram a ficar cegas repentinamente e sem conhecimento da causa da moléstia. A princípio foi um homem no trânsito e, depois, a cegueira se espalhou para todos os bairros e por toda a cidades. A única pessoa que ainda podia ver era a mulher do médico, que passou a responsabilizar-se por guiar o grupo, que vivia em condições precárias, levando-os à liberdade.

Nessa alegoria, o autor português explica como as pessoas se sentem dependendo de uma única pessoa para serem guiadas e sobreviverem. A perda de um dos cinco sentidos, no caso a visão, implica dependência automática de todos os seres humanos da cidade a uma única pessoa que ainda pode ver.

Igualmente, a perda da fala ou da capacidade de expressar-se por palavras, gestos e sinais, em razão de uma grave enfermidade ou de um acidente, pode relegar a pessoa ao mesmo destino daquelas do romance, no qual um dos personagens, na página final do livro, diz: “Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem” (SARAMAGO, 1995, p. 310).

Esse trecho traz embutida a ideia de que, mesmo podendo ver, comunicar-se e expressar-se, muitas pessoas preferem viver cegas e sem voz, dependentes. É como se estivessem, de repente, presas e atreladas, pelos sentidos que não possuem, a alguém ou algo que as guia e diz o que podem ou não fazer com seu nosso próprio corpo, com sua vida. Esse alguém pode ser um médico, a lei, a moral, a sociedade, as instituições, as religiões ou o Estado. Eis aqui o encontro da autonomia e da liberdade com a obra do escritor português e o tema desta dissertação.

Reside aqui a importância desta dissertação, que versa sobre a morte assistida e a sua possibilidade jurídica no Brasil, à luz da filosofia de John Stuart Mill e Immanuel Kant. Nela, veremos o que a autonomia e a liberdade representam no pressuposto do direito à morte assistida e que a nossa autonomia de vontade e a nossa liberdade são condicionadas a uma lei universal que a elas impõe um limite.

A morte assistida tem sido permitida em vários países do mundo, considerando-se a vontade livre das pessoas. Nesse sentido, investigar a possibilidade jurídica da morte assistida no Brasil, à luz da filosofia de John Stuart Mill e Immanuel Kant, constituiu o objetivo geral

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de nossa pesquisa. A partir dele, definimos três objetivos específicos. O primeiro consistiu em analisar se possuímos olhos ou se devemos ser guiados quando o tema é morte assistida, buscando respostas às seguintes perguntas. Podemos exercer esse direito livremente? Se sim, em que condições, sob quais requisitos? Pode ser o direito à morte assistida reconhecido no Brasil? Há necessidade de uma legislação sobre o tema?

O segundo objetivo específico foi realizar um estudo minudente sobre as razões de podermos ou não reconhecer a morte assistida como um direito no Brasil. Quais são as proibições legais para isso? Há a incompatibilidade legal entre o suposto direito e a norma legal vigente?

O terceiro consistiu em explicitar o pensamento dos filósofos John Stuart Mill e Immanuel Kant sobre o tema. Enfim, a título de estudo paradigmático, objetivamos analisar a perspectiva estatal encabeçada pela Holanda no tocante à morte assistida, no intuito de demonstrar os possíveis resultados, a partir do direito comparado, que poderão ser obtidos no Brasil caso seja instituída uma legislação favorável à morte assistida.

A hipótese que compreendeu toda a linha investigativa partiu das seguintes afirmações: no direito comparado, o direito à morte assistida demonstrou resultados satisfatórios àqueles que utilizaram esse direito, sendo que o seu reconhecimento em outros países do mundo pode influir positivamente no reconhecimento desse direito no Brasil. Outra hipótese que compreendeu este trabalho é a de que, por tratar-se de um problema ético, a filosofia de Mill e/ou a de Kant pode fornecer resposta para questões acerca da possibilidade jurídica do direito à morte assistida no Brasil.

Do ponto de vista metodológico, a investigação seguiu o método qualitativo e, como técnicas, utilizamos a análise documental e o estudo de fontes secundárias, tais como doutrinas dos principais juristas, filósofos e outros especialistas dedicados à análise dos distintos alcances dos temas investigados, legislação internacional e seus diversos valores jurídicos, explorando também a opinião de juristas e órgãos internacionais sobre o tema, além de jurisprudência de tribunais internacionais, selecionadas com base na sua relevância. Ademais, pela especial natureza da investigação, usamos também documentos originários da imprensa escrita dos órgãos governamentais, informações de organizações não governamentais e de outros atores nacionais e estrangeiros.

Quanto ao âmbito dos estudos, a abordagem foi feita desde o ponto de vista do direito comparado, por meio do qual analisamos essencialmente as dimensões jurídica e social do

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reconhecimento da morte assistida como um direito no Brasil, demonstrando o impacto e o alcance desse posicionamento.

Embora a disciplina jurídica tenha guiado a produção desta dissertação, é importante registrar que, por sua especial natureza, o tema em estudo não é uma questão cuja análise deve ser considerada somente desde uma perspectiva jurídica de direito comparado, sendo imprescindível, para atingirmos os objetivos propostos, contar com o auxílio de outras disciplinas. A filosofia, a história, a sociologia, a medicina, a política, são essenciais para compreendermos a morte assistida como um direito e apontarmos a sua possibilidade jurídica e sua inserção na legislação brasileira. Assim, durante a leitura, será possível encontrar referências a tais disciplinas, conformando a investigação em um trabalho de enfoque multidisciplinar, próprio da Bioética.

No primeiro capítulo, apresentaremos o relato de um caso para situar o tema investigado e o enfoque da dissertação. Tal caso constitui o norte de toda a pesquisa, delimitando o estudo e servindo como sinônimo de morte assistida. Dessa forma, esse caso será utilizado para respondermos às questões propostas com referência ao direito brasileiro em comparação ao direito alienígena e aos posicionamentos filosóficos. Ainda neste capítulo, descreveremos como a legislação atual brasileira trata o caso-paradigma proposto.

No capítulo seguinte, traremos as diferentes conceituações e nomenclaturas referentes às condutas relativas à morte, antecipada ou não, assistida ou não, informando sobre o que é eutanásia, suicídio e outros termos para que se possa compreendê-los e diferenciá-los da morte assistida. Tal descrição é importante para esclarecer o tema deste estudo, diferenciando-o das demais abdiferenciando-ordagens da Bidiferenciando-oética, senddiferenciando-o que, para melhdiferenciando-or entendimentdiferenciando-o, apresentaremdiferenciando-os casos para cada termo estudado.

No terceiro capítulo, abordaremos o direito comparado aplicável ao caso estudado e ao tema da pesquisa, registrando, assim, o importante avanço da legislação pelo mundo quanto à morte assistida.

No capítulo subsequente, traremos a filosofia de Mill e Kant acerca de questões éticas concernentes ao suicídio. Portanto, analisaremos o pensamento de dois dos mais influentes filósofos da história da humanidade. Uma vez que o caso e o tema apresentados dizem respeito a um problema ético, reuniremos argumentos a favor e contrários à morte assistida, com base neste ramo da filosofia: a Ética. Também analisaremos o caso-paradigma a partir do pensamento desses dois filósofos.

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No último capítulo, condensaremos os principais objetivos deste trabalho. Nele, traremos o conceito, na legislação brasileira, de possibilidade jurídica, esmiuçaremos o que é o direito à vida e de que forma o direito à vida está estabelecido na Constituição Federal (CF) de 1988. Sobretudo, diremos sobre a morte assistida e sua possibilidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, responderemos se é cabível alteração da legislação brasileira para que, assim como nos países em que o direito comparado mostrou resultados, possa a morte assistida integrar a norma jurídica em vigor e transformar-se em um direito.

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1 MORTE ASSISTIDA DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Para discorrermos sobre a pesquisa realizada, inicialmente se faz necessário situar a temática desta investigação. Para tanto, utilizaremos um caso que servirá como norte deste estudo. O caso proposto será examinado sob vários aspectos jurídicos e filosóficos para, assim, responder às perguntas propostas. Aqui, dissertaremos sobre uma situação real, ocorrida com uma brasileira que, diante da debilidade da sua saúde, intencionou ter o direito à morte assistida garantido, mas para isso necessitaria viajar até a Suíça.

Antes de ingressarmos em nosso ordenamento, falaremos sobre o motivo de adotarmos o termo “morte assistida” ao invés de usarmos a expressão “suicídio assistido” para informar sobre as diferenças entre um termo e outro, apenas como recurso epistemológico e metodológico.

Em seguida, discorreremos sobre como a atual legislação brasileira responderia à pretensão da brasileira mencionada no caso estudado, ou seja, se proposta essa situação ao Poder Judiciário, qual seria a resposta dada à solicitante e como as instituições judiciárias tratariam o fato jurídico, caso ela obtivesse a ajuda solicitada para morrer no Brasil.

Traremos jurisprudências de casos similares julgados e o entendimento de doutrinadores para que possamos visualizar como as normas são aplicadas no país, caso alguém tenha a pretensão deferida da morte assistida, ou seja, que seja auxiliada por outrem à antecipação de sua morte.

1.1 Morte assistida e um estudo de caso-paradigma

Como já dito anteriormente, descreveremos o caso-paradigmático para estudá-lo e verificar como a legislação brasileira abordaria o caso, se de fato houvesse a interpelação judicial no país e/ou a prática de morte assistida à brasileira.

O caso envolve uma médica brasileira diagnosticada com uma doença rara, crônica, degenerativa e autoimune, chamada síndrome Asia1.

1 Próteses de silicone e algumas vacinas estão sendo apontadas como fatores desencadeantes de uma nova

doença autoimune que provoca inflamações graves nas articulações e dores crônicas. Batizada de síndrome Asia, a doença é rara e se manifesta predominantemente em pessoas com predisposição genética a enfermidades autoimunes, como psoríase e lúpus. Primeiro a descrever a doença na literatura científica e associá-la aos fatores desencadeantes, o médico israelense Yehuda Shoenfeld explicou ao jornal ‘O Estado de S. Paulo’ que tanto o silicone quanto algumas substâncias presentes em vacinas, quando em contato com as células humanas, podem provocar uma reação anormal do sistema imunológico” (DINIZ, 2014).

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Em 31 de março de 2018, com a finalidade de acabar com a dor e ter um fim digno (como declarou), a médica fez um comunicado em seu perfil na rede social do Facebook, anunciando a decisão de antecipar a sua morte. Em decorrência da doença, viajaria à Suíça para submeter-se a procedimento numa clínica de morte assistida e doaria seu corpo para a ciência. Durante os nove anos que antecederam à decisão, a mulher sofreu cinco infartos e chegou a ser internada 35 vezes na UTI em decorrência da doença. A mulher enfrentava dificuldades para respirar e necessitava de morfina para conseguir descansar. Todavia, após divulgar sua decisão na rede de computadores, um ex-namorado a procurou e pediu para revê-la. Após o reencontro, o casal retomou o relacionamento e casou no civil. Ela, então, desistiu da morte assistida devido à felicidade afetiva. Depois, passou por cirurgia para retirada das próteses mamárias que lhe ocasionaram a doença. Apresentou ligeira melhora, mas teve um choque hipovolêmico, sofreu três paradas cardíacas e pouco a pouco a doença retornou. Solicitou ajuda na internet, no sítio eletrônico Vakinha on line, pois não tinha condições de pagar o tratamento que é caríssimo. Voltou a trabalhar. Aos 37 anos ainda vive, mas precisa passar por cirurgia para introdução de bomba de morfina para que possa ter melhor qualidade de vida e o alívio das dores. Segue ainda sem recursos financeiros para custear o tratamento (LEMOS, 2018; CABRAL, 2019).

Esses são os principais fatos do caso-paradigma que constitui nosso objeto de estudo. Apesar do seu desejo, a médica não poderia realizar o procedimento no Brasil. Esclareceremos isso nos próximos itens deste capítulo.

1.2 Por que usar o termo morte assistida e não suicídio ou suicídio assistido?

Para dar prosseguimento à exposição do estudo é salutar, inicialmente, informarmos o motivo de não optarmos pelos termos suicídio e/ou suicídio assistido para nos referirmos ao tema proposto e ao direito a ser possivelmente incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro.

Como o título da dissertação sugere, optamos pelo termo morte assistida. Tal escolha se deve a razões jurídicas e epistemológicas. Não é apropriado, juridicamente, em relação ao direito buscado e estudado a partir do caso-paradigma, falar que se trata de suicídio ou

suicídio assistido.

O suicídio é um ato unilateral que corresponde à “ação de acabar com a própria vida,

de se matar” ― em sentido figurado, é sinônimo de “infelicidade; desgraça ocasionada por uma atitude, um comportamento, pela falta de senso ou de percepção” (DICIO, 2020).

Conforme Nina Fidelis (2016), com origem no latim -sui (si mesmo) e caederes (ação de matar), o termo suicídio foi usado pela primeira vez como vocábulo pelo escritor inglês Sir

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Thomas Browne, no livro Religio Medici (Religião do Médico), em 1643, porém, foi o abade francês Desfontaines quem definiu o termo em 1737.

Portanto, os termos suicídio e suicídio assistido se referem ao ato de matar-se, extinguir a própria vida, com ou sem auxílio. Assim, não é adequado, juridicamente, escolher tais termos, uma vez que eles não constituem um direito específico. O ato de suicidar independe de autorização legislativa, do Poder Judiciário e/ou do Estado. Simplesmente ocorre, por escolha da pessoa, à revelia da permissão que o ordenamento jurídico possa lhe dar.

A matriz jurídica brasileira corresponde a uma matriz liberal e, por consequência, está alicerçada no liberalismo. Assim, haverá sempre uma condição de liberdade, pois podemos decidir sobre nossas vidas e ninguém pode nos julgar sobre isso e sobre a nossa decisão do que fazer acerca da nossa própria vida. Tal é verdade que veremos, em seguida, que a legislação, no que se refere ao tema suicídio, protege a vida em relação a atos de terceiros e atua quando somos impedidos de exercê-la livremente por ato de outrem.

Tais prerrogativas de liberdade e autonomia podem ser verificadas pela leitura do artigo 5º, incisos II e XXXIX da CF/88:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

[...] XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; (BRASIL, 1988).

Também os artigos 1º e 107 do Código Civil Brasileiro (CC) estabelecem, respectivamente, que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” e que “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir” (BRASIL, 2002). Já o artigo 1º do Código Penal (CP) brasileiro determina que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 1940).

Tal argumento da liberdade e autonomia é verdadeiro, tanto que, por exemplo, no Brasil, segundo Patrícia Figueiredo (2019), na contramão das estatísticas mundiais, a partir de dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a taxa de suicídio aumentou 7% no Brasil em seis anos, enquanto a taxa mundial caiu 9,8 pontos percentuais. Isso significa que,

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independentemente de haver inscrição legal positivando o ato ou permissão de Deus, dos outros ou do Estado, as pessoas no mundo e no Brasil continuam suicidando.

Não existe direito ao suicídio ou ao suicídio assistido ― são fatos que ocorrem involuntariamente à vontade alheia ou ao consentimento da legislação. Dessa forma, ao Direito, caberá unicamente responder sobre a possibilidade jurídica ou não do direito à morte

assistida ― termo apropriado nesse caso, já que o suicídio é um ato de vontade do sujeito.

Esse raciocínio jurídico fica mais evidente quando analisamos a tentativa do crime de suicídio descrito no artigo 122 do CP, que criminaliza a ação de “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça”, determinando, como pena, “reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave” (BRASIL, 1940). Sobre isso, Cleber Masson (2019a) salienta que se trata de crime condicionado, com punibilidade sujeita à produção de qualquer dos resultados legalmente exigidos.

Dessa forma, a pessoa que tenta suicídio não é punida e quem porventura a auxilie só responderá se causar algum dano, ou seja, a legislação brasileira visa punir ato de terceiro que efetivamente implique oposição ao direito à vida e à integridade física. Portanto, “‘sem que a vítima se mate ou tente se matar, não pode haver tipificação do art. 122’ (TJSP RT 531/326)” (MACHADO; COPELLI, 2007, p. 198).

Cleber Masson (2019a) entende que a consumação ocorre com a morte da vítima ou com a produção da lesão corporal de natureza grave (expressão que abrange a lesão grave e a lesão gravíssima – CP, art. 129, §§ 1º e 2º). Argumenta que é irrelevante o intervalo temporal entre a conduta criminosa e o suicídio da vítima e que só a partir da morte da vítima é que terá início o curso da prescrição (art. 111, I do CP)2.

Com base nessas considerações, ressaltamos que esta dissertação se refere ao direito à

morte assistida, adequando-se, assim, o termo ao direito proposto neste trabalho, ainda que a

doutrina e o direito comparado utilizem outras expressões. Mais adiante, no segundo capítulo, trataremos de cada um dos termos, inclusive da morte assistida. Passemos assim, para a verificação da legislação brasileira atual quanto ao caso-paradigma descrito no início deste capítulo.

2Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: I- do dia em que o crime se consumou;” (BRASIL, 1940).

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1.3 Legislação brasileira e a morte assistida

Neste tópico, discorreremos sobre como a legislação brasileira responderia ao caso- paradigma proposto no início do capítulo, caso a médica recorresse ao Poder Judiciário a fim de obter autorização para sua pretensão de morte assistida e, se assim fizesse, como as instituições judiciárias, policiais, administrativas e órgãos de classe reagiriam se a médica fosse assistida por alguém ou por um profissional da medicina para realizar a sua vontade.

Há que se destacar, preliminarmente, que não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, lei específica quanto à morte assistida. Contudo, havia um projeto de lei, de nº 267 de 2018, proposto pelo senador Paulo Rocha, do Partido dos Trabalhadores (PT) do Pará, que tratava da autonomia do paciente sobre as diretivas antecipadas de vontade acerca de cuidados médicos de pacientes com doenças terminais, doenças crônicas e ou neurodegenerativas em fase avançada e em estado vegetativo persistente (ROCHA, 2018). O projeto de lei estava em análise nas Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania e de Assuntos Sociais do Senado, porém, o próprio autor, em 8 de agosto de 2018, solicitou a retirada do projeto.

Sobre o caso-paradigma descrito, quanto à conduta, na hipótese de a médica solicitar auxílio para morrer, ela não sofreria qualquer sanção penal, pois a legislação brasileira não pune tentativa de suicídio. Também não constitui qualquer impeditivo legal ou crime solicitar, ao Poder Judiciário, permissão para esse ato.

Com relação a isso, a Constituição de 1988 é bem clara ao prever, no inciso XXXV do artigo 5º, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” (BRASIL, 1988). E o artigo 4º da Lei de introdução às normas de direito brasileiro enfatiza que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (BRASIL, 1942).

Contudo, se a médica fosse auxiliada por algum profissional ou qualquer outra pessoa, este/esta responderia pelo crime de suicídio previsto no artigo 122 do Código Penal brasileiro, alterado pela Lei nº 13.968, de 26 de dezembro de 2019:

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

§ 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código:

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Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 3º A pena é duplicada:

I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil;

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real.

§ 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual.

§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código.

§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código (BRASIL, 2019a).

O Projeto de lei nº 6.389/2019 do Senado Federal, que alterou o Código Penal Brasileiro, incluindo modificações no artigo 122, é de autoria da Câmara dos Deputados, que acatou proposta apresentada pelo deputado federal Ciro Nogueira, do Partido Progressista (PP) do Piauí, com a seguinte ementa: “Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar o crime de incitação ao suicídio e incluir as condutas de induzir ou instigar a automutilação, bem como a de prestar auxílio a quem a pratique” (BRASIL, 2019b). Frisamos que tal projeto não teve qualquer justificativa, constando apenas a seguinte explicação da ementa:

Tipifica as condutas de induzir, instigar ou prestar auxílio material à prática de automutilação; agrava as penas na hipótese de o crime ser praticado por meio da internet ou rede social ou ser transmitido em tempo real, bem como no caso de o agente ser líder ou coordenador de grupo ou rede virtual; e dispõe sobre a tipificação do crime no caso de haver sido cometido contra menor de 14 anos ou pessoa que não tem o necessário discernimento para a prática do ato ou que não pode oferecer resistência (BRASIL, 2019b).

Um projeto de lei similar, mas menos repressor, apresentado pelo deputado Guilherme Derrite, do Partido Progressista do Pará, tinha como justificativa que,

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ao prever um sancionamento mais rigoroso para as condutas em tela, o Estado, indubitavelmente, passará a atuar mais eficazmente perante a prevenção da ocorrência de mortes desnecessárias e, por vezes, evitáveis, que é um dos maiores males que a sociedade brasileira enfrenta hodiernamente (DERRITE, 2019).

O que se constata é que a atual bancada parlamentar brasileira, sem qualquer justificativa ou análise de dados, optou por aumentar o espectro da criminalização do suicídio, incluindo a classificação, nesse crime, quando dessa tentativa resultar mutilação. Ressaltamos que não havia uma lacuna legal, pois, em caso de lesão corporal, há previsão de punição pelo artigo 129 do CP3.

3 “Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano.

Lesão corporal de natureza grave § 1º Se resulta:

I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - perigo de vida;

III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto:

Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 2° Se resulta:

I - Incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável;

III perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente;

V - aborto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos. Lesão corporal seguida de morte

§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Diminuição de pena

§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Substituição da pena

§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:

I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior; II - se as lesões são recíprocas.

Lesão corporal culposa

§ 6° Se a lesão é culposa: Pena - detenção, de dois meses a um ano. Aumento de pena

§ 7o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4o e 6o do art. 121 deste Código. § 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.

Violência Doméstica

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).

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As alterações se devem ao pânico social gerado pelo jogo virtual de nome Baleia Azul, que, por um período, fez vítimas no mundo todo. Em 2017, a Polícia Civil do município de Pará de Minas descartou a ocorrência do jogo, após investigações feitas na cidade (HOJE EM DIA, 2017). Igualmente, Carlos Orsi (2017) afirma que vários casos de suicídio e tentativas de suicídio registrados no Brasil não apontaram qualquer relação com o jogo Baleia Azul, apesar das investigações terem sido conduzidas nesse sentido, por clamor popular.

Considerando-se o caso-paradigma proposto, caso a médica brasileira tivesse solicitado auxílio para alguém ou algum médico para que praticasse a morte assistida, tal ato seria enquadrado no delito de conduta de auxílio ao suicídio, cuja pena prevista é de reclusão de seis meses a dois anos.

Quanto ao médico que praticar a morte assistida no Brasil, além de incidir na conduta atípica prevista no artigo 122 do CP, também infringirá o Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina (CFM, 2019).

O capítulo I da Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, que institui o Código de Ética Médica, estabelece os princípios fundamentais e o capítulo V trata da relação do médico com paciente, determinando que:

II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional;

[...] VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício, mesmo depois da morte. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativas contra sua dignidade e integridade;

VII - O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente;

[...] É vedado ao médico:

[...] Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal; (CFM, 2019, 15 e 28).

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.

§ 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços” (BRASIL, 1940).

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Dessa forma, constitui ato contra a ética médica brasileira auxiliar na morte de paciente ou abreviar a sua vida, ainda que este seja seu desejo. A ética médica também prevê a objeção de consciência do médico, que poderá recusar-se a realizar procedimento contrário aos ditames de sua consciência, uma vez que deverá sempre exercer a sua profissão com autonomia.

Isso posto, ficou esclarecido como a legislação brasileira trataria o caso-paradigma apresentado no início deste capítulo. Além de praticar o delito de suicídio, caso ministrasse medicamento para assistir à morte daquela mulher, o médico também desrespeitaria o seu código de ética.

Passemos agora ao esclarecimento dos doutrinadores sobre a legislação atual relativa ao caso.

1.4 Conceito de morte assistida na doutrina penal

Neste tópico discorreremos acerca da legislação atual sobre a conduta da morte assistida referida no caso-paradigma. Como já dito, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, legislação específica a favor ou contra a morte assistida. Contudo, a prática de assistir à morte de alguém que deseja abreviar a própria vida constitui delito de induzimento, instigação e auxílio ao suicídio, previsto no artigo 122 do CP4, já exposto no tópico anterior e

que será objeto de análise neste tópico.

Para o promotor público e doutrinador Fernando Capez (2019), suicídio é a deliberada destruição da própria vida. Ele assevera que o Direito somente considera como suicida aquele que busca direta e voluntariamente a própria morte. Considera que, embora não constitua crime, o suicídio é um fato antijurídico, “dado que a vida é um bem jurídico indisponível, sendo certo que o art. 146, Art. 143, § 3, II, do Código Penal prevê a possibilidade de se exercer coação contra quem tenta suicidar-se, justamente pelo fato de que a ninguém é dado o direito de dispor da própria vida” (CAPEZ, 2019, p. 160).5

4Salientamos que as alterações feitas no art. 122 pela Lei nº 13.968/2019 entraram em vigor em 26 de dezembro de 2019. Nos livros acadêmicos de 2019 ainda consta a legislação antiga e as edições de 2020, até o encerramento desta pesquisa, ainda não estavam disponíveis para a compra nas livrarias. Contudo, como a principal palavra da pesquisa ― “auxílio” ― permanece inalterada, o estudo e a compreensão do tema não foram prejudicados.

5 Discordamos do autor nesse ponto. A legislação penal brasileira, sob o argumento de salvaguarda de garantia constitucional indisponível, qual seja, do direito à vida, organizou toda a sua legislação no intuito de evitar que terceiros venham a impedir que a pessoa disponha de seu direito maior ― a vida. Se não fosse dado a ninguém o direito de extirpar a própria vida, como diz o penalista, não ocorreriam em média 14 mil suicídios por ano no Brasil, como informado por Felix Paula (2019). Ademais, se tal premissa fosse verdadeira, a própria legislação

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Complementa o autor que a não criminalização do suicídio resulta de uma questão política-criminal e que “o ordenamento jurídico brasileiro veda qualquer forma de auxílio à eliminação da vida humana, ainda que esteja presente o consentimento do ofendido” (CAPEZ, 2019, p. 160).

Utilizando o mesmo conceito apresentado por Fernando Capez, o promotor público Cleber Masson (2019a) esclarece que, logicamente, o Estado não poderia punir o suicida, pois com a morte estaria extinta a punibilidade, e que o Direito Penal só está autorizado a punir comportamentos que transcendem a figura do seu autor, por observância ao princípio da alteridade, que, segundo Capez (2018, p. 32),

proíbe a incriminação de atitude meramente interna, subjetiva do agente e que, por essa razão, revela-se incapaz de lesionar o bem jurídico. O fato típico pressupõe um comportamento que transcenda a esfera individual [...] e seja capaz de atingir o interesse do outro [...] Ninguém pode ser punido por ter feito mal a si mesmo. Não há lógica em punir o suicida frustrado ou a pessoa que se açoita, na lúgubre solidão de seu quarto. Se a conduta se esgota na esfera do próprio autor, não há fato típico.

Cleber Masson (2019b) observa que são crimes o induzimento, a instigação e o auxílio ou a participação em suicídio, sendo irrelevante o consentimento ou não da vítima, em face da indisponibilidade do bem jurídico plenamente tutelado.

Anote-se, ainda, um requisito fundamental para a configuração do suicídio: a destruição da vida humana por seu titular deve ser voluntária. Logo, se alguém elimina sua própria vida, inconscientemente, por ter sido manipulado por outra pessoa (fraude), ou em decorrência de violência ou grave ameaça, estará tipificado o crime de homicídio (MASSON, 2019b, p. 78-79).

Ao mencionar o pensamento do professor Edgard Magalhães Noronha, Capez (2019) destaca:

penal proibiria o ato e puniria aqueles que tentam o suicídio, mas falham. Veremos, mais adiante, as justificativas dadas para essa “opção” legislativa. O próprio autor reconhece que o suicídio não constitui crime. Cremos que a opção pela excludente do artigo 146 do CP é mais no sentido de objeção de consciência aos profissionais da saúde e da segurança pública, familiares e outras pessoas; porém, não tem qualquer efeito coercitivo ou prático sobre aqueles que, sem qualquer aviso ou vigilância de terceiros, tentam abreviar a própria vida.

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Não é crime uma pessoa matar-se (morte física), mas é crime um indivíduo auxiliá-la; não é delito uma pessoa prostituir-se (morte moral), porém é delito um indivíduo favorecê-la. Razões de sobejo existem para a incriminação do induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. Do mesmo modo que na eutanásia, o auxiliador viola a lei do respeito à vida humana e infringe interesses da vida comunitária, de natureza moral, religiosa e demográfica. O direito vê no suicídio um fato imoral e socialmente danoso, o qual cessa a ser penalmente indiferente, quando a causá-lo concorre, junto com a atividade do sujeito principal, uma outra força individual estranha. Este concurso de energia, destinado a produzir um dano moral e social, como o suicídio, constitui exatamente aquela relação entre pessoas que determina a intervenção preventivo-repressiva do direito contra terceiro estranho, do qual exclusivamente provém o elemento que faz sair o fato individual da esfera íntima do suicida. Consigne-se também que a piedade, que sempre cerca o suicida, não se compreenderia no auxílio, quase invariavelmente inspirado, em interesses inconfessáveis. De qualquer modo, como escreve [o jurista italiano Giuseppe] Maggiore, “a consciência ético-jurídica não admite que um terceiro se levante como juiz de direito de outrem à vida e se torne cúmplice ou auxiliador de sua morte” (CAPEZ, 2019, p. 163).

Quanto ao objeto jurídico, Capez (2019) diz que o Direito Penal tutela o direito à vida e sua preservação e que, mesmo que haja o consentimento, a ninguém é dado o direito de ser cúmplice na morte de outrem. Isso porque, como lembra Masson (2019b), a vida humana é um direito fundamental constitucionalmente consagrado, de acordo com o artigo 5º da CF/88.6

Segundo o promotor de justiça Rogério Sanches Cunha (2019), no Brasil, a exemplo da maioria das nações modernas, a incriminação aqui estudada não pune o fato de uma pessoa matar-se (ou a sua tentativa), mas sim a conduta do terceiro que participa do evento, instigando ou auxiliando aquela a eliminar a própria vida. O autor ressalta que só a vida alheia é criminalmente protegida.

Outros autores, como Júlio Fabbrini Mirabete e Renato Fabbrini (2019), André Estefam (2019) e Rogério Greco (2019), contribuem para reforçar esse argumento ao entenderem que o bem juridicamente protegido pelo artigo 122 do Código Penal é a vida humana, considerada bem indispensável. Cezar Roberto Bitencout (2018) sustenta que o direito de morrer não existe, uma vez que não há um direito de dispor legalmente sobre a própria vida. Assim, não é atribuído crime a quem comete suicídio, mas sim a quem induz, instiga ou auxilia esse ato.

6 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, 1988).

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Com referência aos verbos nucleares do tipo penal descrito no artigo 122 do CP ― induzir, instigar e auxiliar ― Capez (2019) esclarece que, independentemente de o agente realizar todas as condutas descritas, responde uma única vez pelo crime. Ele explica que

induzir significa suscitar a ideia, sugerir o suicídio, quando a ideia de autodestruição é

inserida na mente do suicida, que não havia desenvolvido o pensamento por si só. O verbo

instigar é sinônimo de reforçar, estimular, encorajar um desejo já existente, e auxiliar consiste

na prestação de ajuda material que tem caráter meramente secundário ― o auxílio pode ser concedido antes ou durante o suicídio. O promotor usa as palavras do penalista Nélson Hungria para expor que,

“se há cooperação direta no ato executivo do suicídio, o crime passa a ser de homicídio. Homicida foi Eprafodito, ao impelir a mão trêmula de Nero, enquanto este lamentava que o mundo perdesse um grande artista [...]. O auxílio é eminentemente acessório, pelo qual limita-se o agente, in exemplis, a fornecer meios (a arma, o veneno etc), a ministrar instruções sobre o modo de empregá-los, a criar condições de viabilidade do suicídio, a frustrar a vigilância de terceiros, a impedir ou dificultar o imediato socorro” (HUNGRIA apud CAPEZ, 2019, p. 166).

Capez (2019) prossegue sua argumentação, dizendo que a possibilidade de prestar auxílio ao suicídio por meio de uma conduta omissiva é tema bastante controvertido na doutrina e na jurisprudência. Cita, como exemplo, a conduta comissiva de emprestar uma arma ao suicida. Segundo o autor, alguns doutrinadores entendem que o agente tem o dever de impedir o resultado e a sua omissão acaba sendo causa para a produção do evento. Novamente ele recorre a Magalhães Noronha para enfatizar que, “diante da teoria da equivalência dos antecedentes, abraçada por nosso Código no art. 13, é inadmissível outra opinião: desde que ocorram o dever jurídico de obstar o resultado e o elemento subjetivo, a omissão é causal, pouco importando que a ela se junte outra causa” (NORONHA apud CAPEZ, 2019, p. 167).

Oportunamente, quanto à ação nuclear de induzimento, cabe transcrever sentença do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP):

Induzimento ou instigação ao suicídio. Delito não caracterizado, sequer em tese. Indivíduo acusado do mesmo por haver rompido o namoro com a vítima, embora conhecendo o seu estado passional. O simples rompimento de um namoro não pode jamais ser havido, de per si, como ato tendente a induzir ou instigar o parceiro a cometer suicídio (TJSP – RT 410/88) (NINNO; DIAS, 2001, p. 2576).

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Quanto ao sujeito ativo, a participação em suicídio é crime comum e pode ser cometido por qualquer pessoa. O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa que possua um mínimo de capacidade de resistência e de discernimento quanto à conduta criminosa, pois, se a vítima apresentar resistência nula, o crime será de homicídio. Já em relação ao elemento subjetivo, este corresponde a dolo, direito ou eventual, não havendo a modalidade culposa (MASSON, 2019b).

1.5 Jurisprudência no Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Pesquisa por nós realizada no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) acerca do crime capitulado no artigo 122 do CP, usando “suicídio” como palavra-chave de consulta, obtivemos 502 respostas de julgamentos, grande parte referente a pedidos de indenização contra o Estado por suicídio de presos e/ou acautelados sob sua guarda. Mas a maioria dos resultados se relaciona a ações de responsabilidade civil contra seguradoras, quando da existência de contratação de seguro de vida. Também foi expressivo o número de julgados relativos a responsabilização a shoppings, clínicas de tratamento e hospitais por culpa in vigilando7 atribuída a pessoas diversas terem realizado o ato em suas dependências.

Desse conjunto, selecionamos 49 ações criminais, sendo a maioria referente a tentativa de desclassificação de homicídios para suicídio. Alguns casos correspondem a outros crimes que ocasionaram a tentativa de ou efetivo suicídio da vítima. Apenas um se relaciona ao crime de instigação ao suicídio, tendo como vítima uma mulher residente no município de Concórdia que, durante anos, sofreu violência e maus tratos praticados por seu companheiro.

Narram os autos que o denunciado, há cerca de nove anos, vinha ameaçando e maltratando a vítima, além de seus filhos, de forma tão grotesca, que chegava ao ponto de trancar a despensa da residência à chave, para que ninguém pudesse comer, inclusive impedindo que a vítima dormisse dento de casa, ficando muitas noites trancada do lado de fora. A vítima, há tempos, apresentava problemas psicológicos, ficando inclusive internada e, constantemente, era ouvida, afirmando que se suicidaria (TJSC – RCCR 189279 SC 1999.018927-9) (TJSC, 2019).

7 A culpa in vigilando “é a oriunda de falta de fiscalização por parte do empregador, quer com respeito aos empregados, quer com respeito à própria coisa, como, por exemplo, o proprietário de uma empresa de transporte que não fiscaliza convenientemente a atuação de seus motoristas ou permite o trânsito de veículos imprestáveis e que, por isso, ocasiona acidentes. [...] A culpa in vigilando é que justifica, também, a responsabilidade dos pais por danos causados por filhos menores” (ENCICLOPÉDIA JURÍDICA, 2019).

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O recurso criminal foi aforado no município de Concórdia por representante do Ministério Público contra decisão que não recebeu denúncia em primeira instância. A tese de defesa do agente foi a de que não era cabível o dolo eventual no crime descrito no art. 122 do CP. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina determinou o recebimento de denúncia por instigação ao suicídio:

Recurso em sentido estrito contra despacho que não recebeu denúncia. Instigação ao suicídio. Agente que, reiteradamente, seviciava a esposa, a qual, após várias advertências, culminou por se matar. Indícios suficientes nos autos de inquérito sobre a materialidade e autoria do delito. Dolo eventual admissível na hipótese. Recurso ministerial provido. Demonstrando os autos de inquérito cabalmente a materialidade do crime, dando sérios indícios da sua autoria, o recebimento da denúncia é medida que se impõe. É perfeitamente admissível a hipótese de dolo eventual no crime de instigação ao suicídio, quando ocorrente devido a sevícias reiteradas sofridas pela vítima, que, há muito, ameaçava matar-se (TJSC, RCCR 1999.018927-9) (TJSC, 2019).

Nos fundamentos da decisão, o colegiado anexou o seguinte entendimento doutrinário:

Também induzimento a suicídio são os maus tratos reiteradamente infligidos a alguém, vindo este a matar-se de desespero, uma vez que haja dolo, direto ou eventual, específico do crime, isto é, a intenção ou aceitação do risco de que a vítima se suicide” (HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, 4ª ed., vol. V, p. 234). No mesmo sentido: Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, Editora Saraiva, 1999, p. 386; E. Magalhães Noronha, Direito Penal, Ed. Saraiva, 21ª ed., vol 2, p. 37; Júlio Fabbrini Mirabete, Código Penal Interpretado, Ed. Atlas, 1999, p. 680 (TJSC – RCCR 189279 SC 1999.018927-9) (TJSC, 2019).

E ainda apresentou o seguinte julgado:

Suicídio. Induzimento. Conhecimento dos propósitos suicidas. Risco assumido. Comete o crime de induzimento a suicídio quem, ciente dos propósitos da vítima, em virtude de maus tratos, continua, não obstante, a lhe infligir atrozes sofrimentos físicos e morais, aceitando, assim, o risco de que a mesma vítima se suicide (TJERGS, Revista Forense, vol. 161, p. 414) (TJSC, 2019).

Eis aqui um exemplo de como a maior Corte de Santa Catarina tem decidido as situações de crimes descritos no artigo 122 do CP. O que nos surpreende é a baixa frequência de julgamentos desse tipo de crime no estado, apesar do alto índice de suicídios registrados.

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De acordo com Viviane Bevilacqua (2018), Santa Catarina apresenta a segunda maior taxa de suicídios no país, sendo que um estudo do Ministério da Saúde, realizado no período de 2011 a 2016, mostrou um aumento das tentativas de suicídio de mais de 200%, a maioria na faixa etária de 10 a 39 anos nas regiões Sudeste e Sul do país. As maiores taxas de óbitos por suicídio foram registradas nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

O Perfil epidemiológico das tentativas e de óbitos por suicídio no estado de Santa

Catarina (SANTA CATARINA, 2019) aponta que, apesar de concentrar apenas 14% da

população do país, o estado concentra 23% dos registros de suicídio. No período de 2012 a 2017, foram notificados no Sistema de Informação Sobre Mortalidade (SIM), 3.759 óbitos por suicídio. Desse total, 2.897 casos são referentes ao sexo masculino e 862 casos do sexo feminino, caracterizando, nesse cenário, um percentual de óbitos por suicídio de 23% entre as mulheres e 77% nos homens entre nesse período.

A análise das notificações de tentativa de suicídio em mulheres é duas vezes maior se comparado às notificações masculinas. O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) registrou, de janeiro a agosto de 2018, 1.552 casos, sendo 1.050 de mulheres (SANTA CATARINA, 2019).

O suicídio ― palavra tão repetido neste capítulo ― será novamente abordado no próximo capítulo, no qual serão conceituados os diferentes termos usados pela Bioética, incluindo a morte assistida, para que possamos compreender a distinção entre os seus significados.

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2 TEMAS BIOÉTICOS

Neste capítulo nos ocuparemos em explicar as diferentes conceituações e nomenclaturas quanto às condutas relativas à morte, antecipada ou não, assistida ou não, incluindo eutanásia, suicídio e morte assistida. Esse procedimento é importante para clarearmos o tema deste estudo, diferenciando-o das demais abordagens da Bioética. Para melhor entendimento, serão apresentados casos para cada termo estudado.

Para o constitucionalista Marcelo Novelino (2019), o desenvolvimento de alguns conceitos a respeito dessa temática pode contribuir para solucionar colisões entre a proteção do direito à vida e o respeito à autonomia da vontade e à privacidade. Consideramos também importante abordar a origem do neologismo Bioética e as concepções que o envolvem.

De acordo com José Roberto Goldim (2006, p. 86), a criação do termo bioética costuma ser atribuída ao bioquímico estadunidense Van Rensselaer Potter, que em 1970 publicou um artigo, definindo Bioética como “a ciência da sobrevivência” numa “interface entre as ciências e as humanidades que garantiria a possibilidade do futuro”. Mas a origem dessa palavra é bem anterior. Ela foi utilizada pela primeira vez pelo teólogo alemão Fritz Jahr em um artigo publicado no periódico Kosmos em 1927, no qual ele a caracterizou como “o reconhecimento de obrigações éticas, não apenas com relação ao ser humano, mas para com todos os seres vivos” e propôs um “‘imperativo bioético’: respeita todo ser vivo essencialmente como um fim em si mesmo e trata-o, se possível, como tal” (GOLDIM, 2006, p. 86).

O bioeticista Leo Pessini (2013) aponta como fato histórico o lançamento do livro

Fritz Jahr and the foundations of global bioethics: the future of integrative bioethics (Fritz

Jahr e os fundamentos da bioética global: o futuro da bioética integrativa), editado por Amir Muzur e Hans-Martin Sass (2012) e divulgado no 8o Congresso Internacional de Bioética

Clínica, realizado em São Paulo de 16 a 19 de maio de 2012.

Não sem uma pontinha de ironia, seu folder de divulgação traz a assertiva: Você sabe quem inventou ‘bioética’? Não, não os americanos. Foi Fritz Jahr, um pastor de Halle an der Saale. Em 1927, ele se contrapôs criticamente ao imperativo categórico de Kant com o seu imperativo bioético: ‘respeite todos os seres vivos como um fim em si mesmo e trate-os como tal, se possível’ (PESSINI, 2013, p. 10).

Ao falar sobre Potter, Pessini (2001, p. 151) salienta que ele “pensa a Bioética como uma ponte entre a ciência biológica e a ética. Sua intuição consistiu em pensar que a

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sobrevivência de grande parte da espécie humana, numa civilização decente e sustentável, dependia do desenvolvimento e manutenção de um sistema ético”. Comenta que, na introdução de seu livro Bioethics: bridge to the future (Bioética: ponte para o futuro), Potter diz que “se existem duas culturas que parecem incapazes de dialogar ― as ciências e as humanidades ― e se isto se apresenta como uma razão pela qual o futuro se mostra duvidoso, [...] poderíamos construir uma ponte para o futuro, construindo a Bioética como uma ponte entre as duas culturas”, considerando que “no termo bioética (do grego “bios”, vida, e “ethos”, ética) “bios” representa o conhecimento biológico, a ciência dos sistemas vivos, e “ethos” representa o conhecimento dos valores humanos” (PESINI, 2001, p. 151).

A partir de outro ponto de vista, Franklin Leopoldo e Silva, Marco Segre e Lucilda Selli (2007, p. 57) entendem que a Bioética surgiu “da falência dos critérios universais que poderiam guiar eticamente a conduta, fenômeno constatado na experiência histórica e figurado nos episódios que marcaram o drama do século XX”, associado, principalmente, aos eventos turbulentos “das guerras mundiais, dos autoritarismos e dos efeitos da revolução do conhecimento e da tecnociência aplicados à vida em geral”.

Na opinião de Sergio Rodero (2017, p. 11), a Bioética apareceu como “una reacción [...] a este estado de cosas y para contribuir a la solución de problemas tan urgentes como gravísimos. Se trata, en primer lugar, de una ética secularizada, que busca para sus proposiciones una fundamentación racional y no teológica precisamente”8. O autor

acrescenta:

La Bioética no constituye solamente la aplicación de los principios de esa ética científica al análisis de los problemas morales propios de las ciencias biomédicas, sino que supone, en cierta medida, el desarrollo modélico del caso de la ética científica. Esto tal vez explica el asombroso desarrollo que ha experimentado en los últimos años, hasta el punto de haberse convertido en el cuerpo doctrinal más destacado de la moral civil de los países de capitalismo avanzado (RODERO, 2017, p. 11).9

8 Tradução livre: “uma reação [...] a este estado de coisas e para contribuir para a solução de problemas tão urgentes quanto gravíssimos. Trata-se, em primeiro lugar, de uma ética secularizada, que busca para suas proposições uma fundamentação racional e não teológica precisamente”.

9 Tradução livre: “A Bioética não constitui somente a aplicação dos princípios dessa ética científica à análise dos problemas morais próprios das ciências biomédicas, mas supõe, em certa medida, o desenvolvimento do modelo do caso da ética científica. Isso talvez explique o incrível desenvolvimento que tem experimentado nos últimos anos, a ponto de ter-se convertido no corpo doutrinário mais destacado da moral civil dos países do capitalismo avançado”.

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A Bioética pode ser também compreendida como “o estudo sistemático, de caráter multidisciplinar, da conduta humana na área das ciências da vida e da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais” (FORTES, 1994, p. 129). Todas essas contribuições teóricas são relevantes para introduzir nossa abordagem de alguns termos relacionados à Bioética e que interessam a este estudo. Escolhemos, propositadamente, aqueles que têm relação com a morte e/ou a sua antecipação, bem como os relativos a doenças e tratamentos de saúde, a fim de posicioná-los em confronto com a expressão morte assistida.

2.1 Eutanásia

Etimologicamente, a palavra eutanásia, de origem grega, quer dizer “boa morte”, mas ela “não traduz realmente uma boa morte (se é que pode ser considerada boa), mas morte tranquila, doce, sem sofrimento. [...] Em sentido amplo, sem qualquer especificidade, significa ajuda para morrer” (PACHECO, 1996, p. 17). Para a autora, a eutanásia pode ser classificada como eutanásia ativa, passiva ou ortotanásia e distanásia. A primeira, considerada homicídio, “é aquela em que o médico ou qualquer outra pessoa encarrega-se de exterminar a vida do paciente, mesmo a seu pedido” (PACHECO, 1996, p. 17).

Nathalia Masson (2019, p. 216) define a eutanásia como “a ação médica intencional que abrevia a vida de um paciente terminal que vivencia extremo sofrimento e se encontra em situação incurável ― já que pelos padrões médicos em vigor não será capaz de se recuperar e sobreviver”. Cita como exemplo a injeção letal que induz a morte de um enfermo terminal. Segundo a autora, esse ato resulta em homicídio, ainda que a eutanásia seja considerada, nos termos do artigo 121, § 1º do CP10, como crime comissivo.

O jurista André Ramos Tavares (2019) conceitua a eutanásia como homicídio por piedade (“morte doce”) e direito à morte digna, mas assevera que, “no Brasil, não se tolera a chamada ‘liberdade à própria morte’. Não se pode impedir que alguém disponha de seu direito à vida, suicidando-se, mas a morte não é, por isso, um direito subjetivo do indivíduo, a ponto de poder exigi-la do Poder Público” (TAVARES, 2019, p. 578).

10 “Homicídio simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço” (BRASIL, 1940).

Referências

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