P´
os-Keynesiano de Simula¸
c˜
ao com
Progresso T´
ecnico End´
ogeno
Jos´
e Lu´ıs Oreiro
a, Breno Pascualote Lemos
ba,bDepartamento de Economia, Universidade Federal do Paran´a
(UFPR), Brasil
Resumo
Este artigo apresenta a estrutura e as simula¸c˜oes computacionais de um modelo macrodinˆamico multi-setorial bastante simples – com um setor produtivo e outro financeiro – que incorpora alguns elementos do enfoque te´orico p´os-keynesiano. Os elementos incorporados no modelo aqui apresentado s˜ao os seguintes: (i) determina¸c˜ao do n´ıvel de produ¸c˜ao pela demanda efetiva, (ii) existˆencia de propens˜oes a poupar diferenciadas com base na classe de rendimentos, (iii) fixa¸c˜ao de pre¸cos com base num mark-upsobre os custos diretos unit´arios de produ¸c˜ao, (iv) determina¸c˜ao do investimento com base na “teoria dos dois pre¸cos” de Minsky, (v) influˆencia da estrutura de capital das empresas, em especial o seu n´ıvel de endividamento, sobre a decis˜ao de investimento e de fixa¸c˜ao de pre¸cos, (vi) determina¸c˜ao da taxa de infla¸c˜ao com base no conflito distributivo entre capitalistas e trabalhadores, (vii) endogeneidade da oferta de moeda, e (viii) progresso t´ecnico end´ogeno. As simula¸c˜oes computacionais do modelo revelam algumas propriedades importantes da dinˆamica capitalista tais como a ocorrˆencia “crescimento c´ıclico”, ou seja, flutua¸c˜oes irregulares e n˜ao-explosivas da taxa de crescimento do produto real; a estabilidade da taxa de lucro e da distribui¸c˜ao funcional da renda ao longo do tempo; a manuten¸c˜ao de uma certa capacidade de produ¸c˜ao excedente no “longo-prazo”; a ocorrˆencia de um ´unico epis´odio de queda acentuada do n´ıvel de atividade econˆomica ao longo de todo o intervalo de tempo da simula¸c˜ao, o que esta em consonˆancia com o car´ater raro das “grandes crises” na hist´oria do capitalismo. Al´em disso, as simula¸c˜oes computacionais mostram que uma redu¸c˜ao muito acentuada da infla¸c˜ao num curto per´ıodo de tempo tende a ser acompanhada por uma grande fragiliza¸cao das posi¸c˜oes
financeiras das empresas, a qual, mais cedo ou mais tarde, culmina numa “grande depress˜ao”. Como corol´ario desse resultado segue-se que o Banco Central deve conduzir a pol´ıtica monet´aria de forma `a jamais engendrar quedas muito acentuadas da taxa de infla¸c˜ao.
Abstract
The objective of this article is to present the structure and the first computational simulations of a two sector macrodynamic model that embed some elements of the post-keynesian theoretical framework. The theoretical elements embed in the model are: i) determination of the level of output by the principle of effective demand; (ii) differentiated savings propensities of capitalists and workers; iii) mark-up pricing; iv) investment decision based on Minsky’s two price theory; v) importance of firmss capital structure over the level of aggregate investment; (vi) inflation based on distributive conflict between capitalists and workers; (vii) endogenous money and (ix) endogenous technical progress. The computational simulations of the model reproduce some important features of capitalist dynamics as “cyclical growt” – i.e; irregular but bounded fluctuations of the growth rate of real GDP –; the occurrence of a single Great Depression over the entire simulation period, what resembles the “rar” nature of great crises in the history of capitalism. The computational simulation also shows that a big reduction in inflation rate in a short period spam will be accompanied by a great financial fragility of productive firms, which, sooner or latter, will generate a great depression. As a corollary of these results follows that the Central Bank should conduct monetary policy in a way to avoid very rapid reduction in inflation rate.
Palavras-Chave: Economia P´os-Keynesiana, Crescimento Econˆomico e Flutua¸c˜oes
Classifica¸c˜ao JEL:O41, O11, E12
⋆ Os autores agradecem aos coment´arios de Luiz Carlos Bresser-Pereira, Yoshiaki Nakano, M´ario
Possas, Joaquim Andrade, Ram´on Garcia Fernandez, Luiz Antonio Esteves e de um parecerista anˆonimo da Revista Economia. Eventuais falhas remanescentes s˜ao, contudo, de nossa inteira responsabilidade. O suporte financeiro do CNPq tamb´em ´e reconhecido.
1 Introdu¸c˜ao
A principal caracter´ıstica da dinˆamica capitalista ´e a ocorrˆencia de
crescimento com flutua¸c˜oes, ou seja, a ocorrˆencia de flutua¸c˜oes no n´ıvel
de atividade econˆomica em torno de uma “tendˆencia” de crescimento do
produto real no longo-prazo. Essas flutua¸c˜oes s˜ao, via de regra, irregulares,
mas n˜ao-explosivas, isto ´e, n˜ao se observa em nenhuma economia capitalista
uma tendˆencia ao aumento da amplitude das flutua¸c˜oes do n´ıvel de
atividade em torno da “tendˆencia” de longo-prazo.
A literatura heterodoxa usualmente trata o “problema da dinˆamica
capitalista” por interm´edio de modelos de equa¸c˜oes diferenciais ou em
diferen¸cas finitas lineares e n˜ao-lineares que possuem solu¸c˜ao anal´ıtica
fechada. Os modelos dinˆamicos lineares – como, por exemplo, os modelos
de Samuelson (1939) e Kalecki (1954) – s´o s˜ao capazes de gerar flutua¸c˜oes
constantes1 do n´ıvel de atividade econˆomica, em torno de uma tendˆencia de
crescimento ex´ogenamente determinada, para um conjunto extremamente
restrito de valores dos parˆametros das equa¸c˜oes dinˆamicas. Al´em disso,
essa classe de modelos s´o e capaz de produzir flutua¸c˜oes regulares (com
periodicidade e amplitude constantes) do n´ıvel de produto.
Entretanto, as flutua¸c˜oes do n´ıvel de atividade que s˜ao observadas no
mundo real s˜ao eminentemente irregulares, ou seja, possuem periodicidade
e amplitude vari´aveis. Quanto aos modelos dinˆamicos n˜ao-lineares que
admitem solu¸c˜ao anal´ıtica fechada – como, por exemplo, os modelos de
Hicks (1950) e Goodwin (1967) –, ou se baseiam em “tetos” e “pisos”
de natureza arbitr´aria para gerar flutua¸c˜oes n˜ao-explosivas do n´ıvel de
atividade econˆomica, ou admitem solu¸c˜oes do tipo “ciclo-limite” que
n˜ao reproduzem o car´ater irregular das flutua¸c˜oes do produto que s˜ao
observadas no mundo real.
Em fun¸c˜ao das limita¸c˜oes dos modelos dinˆamicos com solu¸c˜ao anal´ıtica
fechada, tem se observado nos meios heterodoxos um movimento crescente
em prol da ado¸c˜ao de modelos dinˆamicos de simula¸c˜ao. Tais modelos
possuem, em geral, uma estrutura n˜ao-linear, mas o numero de equa¸c˜oes e
a complexidade das rela¸c˜oes entre as vari´aveis end´ogenas torna imposs´ıvel
a obten¸c˜ao de uma solu¸c˜ao anal´ıtica fechada para os mesmos. Tais modelos
admitem apenas solu¸c˜oes por interm´edio de simula¸c˜ao computacional, ou
seja, a obten¸c˜ao de trajet´orias no tempo para as vari´aveis end´ogenas
atrav´es da solu¸c˜ao num´erica do modelo. Essa solu¸c˜ao num´erica ´e obtida
em computador ao se atribuir valores economicamente plaus´ıveis para os
parˆametros das equa¸c˜oes dinˆamicas e para as condi¸c˜oes iniciais do modelo.
Um exemplo recente de modelo nessa tradi¸c˜ao ´e Possas et alii (2004).2
Esses autores constru´ıram um modelo dinˆamico multi-setorial que faz
uma integra¸c˜ao micro-macroeconˆomica a partir de um enfoque te´orico
Keynesiano e Kaleckiano. Os resultados obtidos com as primeiras
simula¸c˜oes computacionais do modelo reproduzem alguns tra¸cos gerais
da dinˆamica capitalista como, por exemplo, a ocorrˆencia de flutua¸c˜oes
irregulares e n˜ao-explosivas do n´ıvel de atividade econˆomica e o papel
predominante do investimento em capital fixo na determina¸c˜ao das
flutua¸c˜oes do n´ıvel de produ¸c˜ao.
Apesar dos bons resultados iniciais obtidos com as simula¸c˜oes
computacionais do modelo supra-referido, o mesmo apresenta algumas
insuficiˆencias no que tange a incorpora¸c˜ao de elementos da matriz te´orica
keynesiana e kaleckiana.
Em primeiro lugar, a fun¸c˜ao investimento postulada pelos autores considera
que o investimento desejado pelas firmas depende unicamente da expans˜ao
prevista das vendas. Embora o “princ´ıpio da acelera¸c˜ao” seja certamente
um elemento importante de qualquer teoria a respeito da decis˜ao de
investimento, n˜ao se pode desconsiderar o fato elementar que os empres´arios
s´o ir˜ao aumentar a sua capacidade produtiva se a expans˜ao da mesma for
lucrativa. Isso significa que a decis˜ao de investimento deve ser analisada no
contexto mais geral da teoria da aplica¸c˜ao do capital, tal como o faz Keynes
no capitulo 17 da sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.3
Sendo assim, a decis˜ao de investimento deve levar em conta a compara¸c˜ao da
rentabilidade da aplica¸c˜ao na expans˜ao da capacidade produtiva existente
com a rentabilidade das aplica¸c˜oes financeiras. Dessa forma, uma fun¸c˜ao
investimento mais pr´oxima `a “teoria dos dois pre¸cos” de Minsky (1975),
2 O qual ´e baseado em Possas (1984).
3 A respeito da rela¸c˜ao da decis˜ao de investimento em capital fixo e a decis˜ao de composi¸c˜ao de porfolio ver Carvalho (1992), cap.5.
seria mais adequada para um modelo que pretende explicar a dinˆamica capitalista.
Em segundo lugar, a excessiva complexidade introduzida no modelo –
complexidade que ´e aparentemente desnecess´aria e dispens´avel, pois n˜ao
gera nenhum resultado de simula¸c˜ao que n˜ao possa ser obtido com
um modelo mais simples – impede a considera¸c˜ao de outros elementos
importantes na dinˆamica capitalista como, por exemplo, a existˆencia de
propens˜oes a poupar diferenciadas com base na classe de rendimentos;4
o papel do conflito distributivo da determina¸c˜ao da taxa de infla¸c˜ao; e a
influˆencia da taxa de juros na determina¸c˜ao do investimento em capital
fixo.
Isto posto, acreditamos que ´e desej´avel a elabora¸c˜ao de um novo modelo
macrodinˆamico que, por um lado, incorpore mais elementos do enfoque
te´orico p´os-keynesiano do que aqueles incorporados no modelo de Possas
et alii (2004) e; por outro lado, n˜ao possua uma estrutura muito complexa,
a qual consideramos desnecess´aria e contra-producente, na medida em que
eleva a tal ponto a complexidade do modelo de simula¸c˜ao que pode impedir
a incorpora¸c˜ao de elementos mais relevantes para a explica¸c˜ao da dinˆamica
capitalista.
Neste sentido, o presente artigo tem por objetivo apresentar a estrutura e
as simula¸c˜oes computacionais de um modelo macrodinˆamico uni-setorial
de filia¸c˜ao te´orica p´os-keynesiana. Os elementos do enfoque te´orico
p´os-keynesiano incorporados no modelo aqui apresentado s˜ao:
(1) Determina¸c˜ao do n´ıvel de produ¸c˜ao pela demanda efetiva;
(2) Existˆencia de propens˜oes a poupar diferenciadas com base na classe
de rendimentos;
(3) Fixa¸c˜ao de pre¸cos com base num mark-up sobre os custos diretos
unit´arios de produ¸c˜ao;
4 Com efeito, a “fun¸c˜ao consumo” apresentada pelos autores admite apenas a existˆencia de propens˜oes a consumir diferenciadas com base na faixa de rendimentos. Dessa forma, um importante elemento do enfoque te´orico keynesiano/kaleckiano (pos-keynesiano) ´e desconsiderado pelos autores.
(4) Determina¸c˜ao do investimento com base na “teoria dos dois pre¸cos” de Minsky;
(5) Influˆencia da estrutura de capital das empresas, em especial o seu
n´ıvel de endividamento, sobre a decis˜ao de investimento e de fixa¸c˜ao
de pre¸cos;
(6) Determina¸c˜ao da taxa de infla¸c˜ao com base no conflito distributivo
entre capitalistas e trabalhadores, (7) Endogenidade da oferta de moeda; e
(8) Progresso t´ecnico end´ogeno a la Kaldor (1957).
O modelo aqui apresentado ´e uma vers˜ao modificada do modelo
originalmente desenvolvido por Oreiro e Ono (2005) [doravante modelo
OO]. As modifica¸c˜oes feitas referem-se fundamentalmente a especifica¸c˜ao da
fun¸c˜ao investimento, bem como a endogeniza¸c˜ao do progresso tecnol´ogico
e do animal spirits. A nova especifica¸c˜ao da fun¸c˜ao investimento coloca
o investimento desejado pelos capitalistas como sendo a diferen¸ca entre o
estoque de capital desejado no per´ıodo corrente, KtD, e o estoque de capital
do per´ıodo anterior, Kt−1. Na vers˜ao original OO, o estoque de capital
desejado n˜ao era considerado na especifica¸c˜ao da fun¸c˜ao investimento. O
estoque de capital desejado, por sua vez, ´e fun¸c˜ao do animal spirits, α0, do
custo de oportunidade do projeto de investimento5 e do n´ıvel de produ¸c˜ao
m´aximo poss´ıvel no per´ıodo anterior.
Uma outra mudan¸ca com respeito ao modelo original refere-se ao
tratamento dado ao animal spirits. Na vers˜ao OO, essa vari´avel era tratada
como uma constante ex´ogena. A modifica¸c˜ao feita no tratamento da vari´avel
animal spirits serve para incluir um pouco mais de realismo no modelo. Os capitalistas, imersos em um ambiente de incerteza, agem pelo impulso e
“erraticamente”. Assim, n˜ao h´a como manter fixa uma vari´avel que lida
com o lado psicol´ogico do capitalista. Dessa forma, optamos por tratar o
animal spirits como uma vari´avel aleat´oria com uma distribui¸c˜ao binomial
de probabilidades.
5 A id´eia de custo de oportunidade exposta ´e uma pr´oxima ao conceito de eficiˆencia marginal do capital e do q de Tobin , na qual a viabilidade, ou melhor, a expectativa de lucratividade de um projeto de investimento ´e testada atrav´es da compara¸c˜ao do valor presente dos ativos envolvidos relativamente ao pre¸co corrente destes.
Deve-se observar que essa forma de tratamento do animal spirits n˜ao vai
de encontro ao axioma p´os-keynesiano da incerteza n˜ao probabil´ıstica;
uma vez que a incerteza considerada pelos autores p´os-keynesianos ´e
de natureza epistemol´ogica, n˜ao necessariamente ontol´ogica. Em outras
palavras, a incerteza n˜ao probabil´ıstica ´e uma propriedade do conhecimento
que os agentes tem do mundo no qual vivem, mas n˜ao ´e necessariamente
uma propriedade imanente desse mundo. Dessa forma, n˜ao h´a nenhuma
contradi¸c˜ao em supor incerteza n˜ao-probabil´ıstica `a n´ıvel das decis˜oes dos
agentes, e incerteza probabil´ıstica `a n´ıvel dos processos que determinam os
resultados das decis˜oes tomadas por esses mesmos agentes.
Por fim, a inclus˜ao de uma fun¸c˜ao geradora de progresso tecnol´ogico ´e
a principal mudan¸ca feita com respeito ao modelo original OO, o qual considerava uma economia desprovida de progresso t´ecnico. A fun¸c˜ao de
progresso tecnol´ogico adotada neste artigo segue a influˆencia das id´eias de
Kaldor (1957). O autor pondera que qualquer tipo de progresso tecnol´ogico,
seja ele poupador de capital ou poupador de m˜ao-de-obra, no sentido de ou
gerar mudan¸ca da tecnologia adotada ou mudan¸ca na t´ecnica utilizada, ao
fim e ao cabo, s´o se viabiliza por interm´edio de um aumento do estoque de
capital. Por isso mesmo, o ritmo de progresso tecnol´ogico de uma economia
´e, em larga medida, determinado pelo ritmo de acumula¸c˜ao de capital.6
As simula¸c˜oes computacionais evidenciam algumas propriedades
importantes da dinˆamica capitalista tais como a ocorrˆencia “crescimento
c´ıclico”, ou seja, a ocorrˆencia de flutua¸c˜oes irregulares e n˜ao-explosivas
da taxa de crescimento do produto real; a estabilidade da taxa de lucro’,
e da distribui¸c˜ao funcional da renda para longos per´ıodos; a manuten¸c˜ao
de capacidade de produ¸c˜ao excedente no “longo-prazo”; a ocorrˆencia de
um ´unico epis´odio de queda acentuada do n´ıvel de atividade econˆomica, o
que est´a em conformidade com o car´ater raro das grandes depress˜oes na
hist´oria do capitalismo.
6 Nas palavras de Kaldor:
“A society where technical change and adaptation proceed slowly, where producers are reluctant to abandon traditional methods and adopt new techniques is necessarily one where the rate of capital accumulation is small. The converse of this proposition is also true: the rate at which a society can absorb and exploit new techniques is limited by its ability to accumulate capital”
Um outro resultado interessante ´e que as simula¸c˜oes computacionais
mostram que uma redu¸c˜ao muito acentuada da infla¸c˜ao num curto per´ıodo
de tempo tende a ser acompanhada por uma grande fragiliza¸c˜ao das
posi¸c˜oes financeiras das empresas, a qual, mais cedo ou mais tarde, culmina
numa “grande depress˜ao”. Como corol´ario desse resultado segue-se que
o Banco Central deve conduzir a pol´ıtica monet´aria de forma `a jamais
engendrar quedas muito acentuadas da taxa de infla¸c˜ao
Isso posto, o presente artigo est´a estruturado em cinco se¸c˜oes, incluindo-se
a presente introdu¸c˜ao. Na se¸c˜ao 2 apresentamos a estrutura b´asica e as
equa¸c˜oes do modelo de simula¸c˜ao. Na se¸c˜ao 3 discutimos a metodologia de
simula¸c˜ao computacional. A se¸c˜ao 4 apresenta os resultados das primeiras
simula¸c˜oes e a se¸c˜ao 5 faz um resumo das conclus˜oes obtidas ao longo do
artigo.
2 A Estrutura B´asica do Modelo de Simula¸c˜ao
O presente modelo ´e composto por 5 m´odulos interdependentes entre si,
quais sejam: (i) m´odulo 1 - componentes da demanda efetiva; (ii) m´odulo 2
- determina¸c˜ao do n´ıvel de produ¸c˜ao, renda e crescimento da produtividade;
(iii) m´odulo 3 – determina¸c˜ao da distribui¸c˜ao funcional de renda; (iv)
m´odulo 4 – infla¸c˜ao e pol´ıtica monet´aria; e (v) m´odulo 5 – sistema financeiro
e d´eficit fiscal. A estrutura do modelo ´e tal que o mesmo admite solu¸c˜ao
recursiva, ou seja, os valores das vari´aveis dependentes no per´ıodo t do
tempo podem ser todos expressos em termos dos valores dessas mesmas vari´aveis no per´ıodo t − 1. Sendo assim, uma vez determinados os valores
dos parˆametros das equa¸c˜oes dinˆamicas e os valores iniciais das vari´aveis
dependentes podemos computar as trajet´orias no tempo para todas as
vari´aveis dependentes do modelo.7 Deve-se ressaltar que as trajet´orias
assim determinadas n˜ao possuem atratores ou tendˆencia pr´e-determinada,
ou seja, o modelo n˜ao pressup˜oe a existˆencia de nenhum tipo de equil´ıbrio,
entendido como o “estado terminal” ou “posi¸c˜ao assint´otica” do sistema
econˆomico.
7 Nas simula¸c˜oes do modelo aqui apresentadas iremos utilizar a planilha Excel para o calculo das trajet´orias temporais das vari´aveis end´ogenas do modelo.
2.1 M´odulo 1: Demanda efetiva
Neste m´odulo s˜ao definidos os componentes e as rela¸c˜oes funcionais da
demanda efetiva. Deve-se ressaltar que estaremos trabalhando com uma economia fechada, mas com governo, de forma que a demanda efetiva
´e constitu´ıda pela soma dos gastos de consumo, investimento p´ublico e
privado e gastos do governo.
Inicialmente, iremos assumir que os gastos do governo com investimento
em capital fixo aumentam a uma taxa ex´ogena (hI) por per´ıodo, ou seja,
que os mesmos s˜ao autˆonomos com respeito ao n´ıvel corrente de atividade
econˆomica. Dessa forma, podemos escrever a seguinte equa¸c˜ao:8
GIt = 1 + hI GI
t−1 (1)
em que GI
T ´e o investimento p´ublico realizado no per´ıodo t.
O governo tamb´em realiza gastos de consumo, os quais est˜ao relacionados
fundamentalmente com o pagamento do funcionalismo p´ublico e
transferˆencias de renda para o setor privado. Iremos assumir que os gastos
de consumo do governo s˜ao pr´o-ciclicos, ou seja, variam na mesma dire¸c˜ao
do n´ıvel de atividade econˆomica. Sendo assim, temos que:
GCt = hCYt−1 (2)
em que hC representa o fator de indu¸c˜ao das varia¸c˜oes do n´ıvel de atividade
econˆomica do per´ıodo t − 1 sobre os gastos de consumo do governo no
per´ıodo t. Por hip´otese: 1 > hC >0.
O investimento privado na amplia¸c˜ao da capacidade produtiva existente
´e determinado por um processo de dois est´agios. No primeiro est´agio,
determina-se o investimento que os empres´arios desejam realizar dadas
8 Uma hip´otese similar a esta ´e adotada por Hicks (1950). O aumento ex´ogeno do investimento p´ublico em conjunto com o crescimento da parcela autˆonoma do investimento privado s˜ao os elementos determinantes da tendˆencia de crescimento do n´ıvel de atividade econˆomica no longo-prazo.
as suas expectativas quanto aos rendimentos futuros do equipamento de capital, o seu estado de confian¸ca e a sua “preferˆencia pela liquidez” que
se manifestam na determina¸c˜ao do fator de desconto aplicado `a s´erie de
rendimentos futuros esperados do novo equipamento de capital. No segundo
est´agio, os empres´arios confrontam o investimento desejado com a restri¸c˜ao
financeira ao investimento, expressa pelo n´ıvel m´aximo de endividamento
que a firma pode tolerar. Se o investimento desejado for superior ao
“investimento poss´ıvel”, dada a restri¸c˜ao financeira da firma, ent˜ao a firma
s´o poder´a investir at´e o m´aximo permitido pelo seu n´ıvel de endividamento.
Por outro lado, se o investimento desejado for inferior ao “investimento
poss´ıvel” ent˜ao a firma poder´a executar a totalidade das suas decis˜oes de
investimento.
O investimento desejado ´e a diferen¸ca entre o estoque de capital desejado no per´ıodo corrente menos o estoque de capital observado no per´ıodo anterior. O estoque de capital observado no per´ıodo corrente, por sua
vez, possui um componente autˆonomo que capta o “otimismo espontˆaneo”
ou o “animal spirits” dos investidores. Iremos supor que este componente
autˆonomo ´e uma fra¸c˜ao constante (α0) do estoque de capital das empresas
do per´ıodo anterior. Al´em desse componente autˆonomo, o estoque de capital
desejado depende da raz˜ao entre o valor presente dos rendimentos esperados
do equipamento de capital ao longo de sua vida ´util (PD
t ) e o custo de
reposi¸c˜ao do capital (PS
t ). Esse segundo componente visa inserir a decis˜ao
de investimento no contexto mais geral da teoria da aplica¸c˜ao do capital,
onde a compra de bens de capital ´e vista apenas como uma das formas
poss´ıveis de acumula¸c˜ao de riqueza ao longo do tempo, cuja atratividade
depende da sua rentabilidade vis-`a-vis a rentabilidade das demais formas de
acumula¸c˜ao de riqueza. Dessa forma, as fun¸coes de investimento desejado
e de estoque de capital desejado podem ser expressas por:
ItD = KtD−Kt−1 (3) KtD = a0Kt−1+ α1 PD t PS t −1; se PtD > PtS
α0Kt−1 caso contr´ario
(4)
A vari´avel α0 ´e o valor esperado de uma distribui¸c˜ao binomial. A
distribui¸c˜ao binomial ´e utilizada porque, uma vez definido estado de
confian¸ca dos agentes; ou eles se frustam, ou eles confirmam suas previs˜oes. Foram supostas seis possibilidades para o estado de confian¸ca, cada qual
com uma probabilidade, n´umero de ocorrˆencias de cada cen´ario esperado
pela m´edia dos agentes, e valor arbitrariamente definidos. Assim, α0 ´e a
esperan¸ca desta t´abua de probabilidades.
O valor presente dos rendimentos esperados do equipamento de capital, o qual podemos denominar de pre¸co de demanda do equipamento de capital, pode ser calculado ao se assumir um “comportamento convencional” de
forma¸c˜ao de expectativas, ou seja, ao se assumir que os lucros futuros ser˜ao
iguais aos lucros obtidos no per´ıodo imediatamente anterior ao da tomada
da decis˜ao de investimento.9 Dessa forma, temos que:
PtD = (1 − τ ) mt−1Pt−1Yt−1
dt
(5)
em que τ ´e a al´ıquota do imposto sobre os rendimentos n˜ao-sal´ario , mt − 1
´e a participa¸c˜ao dos lucros na renda no per´ıodo t − 1, Pt−1 ´e o n´ıvel geral
de pre¸cos do per´ıodo t − 1, Yt−1 ´e a renda real do per´ıodo t − 1 e dt ´e a
taxa de desconto aplicada aos rendimentos esperados do equipamento de capital.
O custo de reposi¸c˜ao do equipamento de capital, o qual podemos
denominar de pre¸co de oferta do referido equipamento, nada mais ´e do que o valor do estoque de capital avaliado aos pre¸cos correntes desse
equipamento.10 Dada a estrutura uni-setorial do modelo aqui apresentado,
o pre¸co corrente do equipamento de capital ´e igual ao n´ıvel geral de pre¸cos prevalecente no per´ıodo. Sendo assim, temos que:
PtS = Pt−1Kt−1 (5a)
9 Sobre a racionalidade desse padr˜ao de expectativas ver Possas (1993).
10 Para manter o car´ater recursivo do modelo aqui exposto, iremos avaliar o custo de reposi¸c˜ao do equipamento de capital com base nos pre¸cos e no estoque de capital prevalecente ao final do per´ıodo t − 1.
Iremos assumir que a taxa de desconto aplicada aos rendimentos esperados do equipamento de capital depende de dois elementos, a saber: a taxa de
juros banc´aria (it−1) e o risco do tomador,11 o qual ´e uma m´edia ponderada
do risco de solvˆencia (δt−1) e do risco de refinanciamento ou liquidez (ft−1).
Sendo assim, temos que:
dt= it−1+ θ Lt−1 Pt−1Kt−1 + (1 − θ) (it−1+ γ)Lt−1 mt−1Pt−1Yt−1 = it−1+ θδt−1+ (1 − θ) ft−1 (6)
em que Lt´e o total de empr´estimos concedidos pelos bancos `as firmas, θ ´e
o fator de pondera¸c˜ao entre os riscos de solvˆencia e de liquidez (esse fator
reflete o grau de avers˜ao das firmas ao risco de insolvˆencia vis-`a-vis o risco
de liquidez), γ ´e o coeficiente de amortiza¸c˜ao das d´ıvidas das empresas,
δt−1 ´e o endividamento total das empresas como propor¸c˜ao do estoque
de capital (o qual determina o risco de solvˆencia), e ft ´e a raz˜ao entre
os compromissos financeiros das empresas (equivalente `a soma dos juros
devidos com a amortiza¸c˜ao do principal) e o lucro operacional da empresa
(essa raz˜ao determina o risco de liquidez da firma, ou seja, o grau no
qual a firma est´a exposta `a situa¸c˜ao de n˜ao ser capaz de honrar os seus
compromissos contratuais).
Uma vez determinado o investimento desejado, as firmas devem avaliar
a real possibilidade de implementa¸c˜ao de suas decis˜oes de investimento.
Para tanto, elas devem determinar o montante de empr´estimos que
elas podem contrair junto ao setor banc´ario, tendo em vista o grau
m´aximo de endividamento que as mesmas est˜ao dispostas a aceitar; bem
como o montante de recursos pr´oprios efetivamente dispon´ıveis para o
financiamento de suas decis˜oes de investimento. Em outras palavras, a
restri¸c˜ao financeira ao investimento ´e igual ao acr´escimo no n´ıvel de
endividamento junto aos bancos comerciais que as firmas est˜ao dispostas a
11 Keynes define o risco do tomador da seguinte forma:
“The first is the entrepreneur’s or borrower’s risk and arises out of doubts in his own mind as to the probability of his actually earning the prospective yield for which he hopes”
(1936, p.144). As d´uvidas quanto `a efetiva obten¸c˜ao dos rendimentos esperados devem se traduzir, portanto, numa taxa de desconto sobre esses rendimentos que ´e mais alta do que a taxa de juros efetivamente paga pelos empr´estimos obtidos junto aos bancos.
aceitar mais o lucro operacional liquido n˜ao-distribu´ıdo aos acionistas.12
Sendo assim, o investimento que a firma pode realizar no per´ıodo t ´e determinado por:
Ft= δmaxPt−1Kt−1−Lt−1+ sc(1 − τ )
[Pt−1Yt−1−wt−1Nt−1−(it−1+ γ) Lt−1] (7)
O primeiro termo do lado direito na express˜ao (6) representa o montante
m´aximo de endividamento que as empresas est˜ao dispostas a contrair junto
aos bancos comerciais no per´ıodo t. Ao subtrairmos desse termo o total de empr´estimos contra´ıdos ate o per´ıodo t − 1, obtemos o acr´escimo m´aximo
do endividamento que as empresas est˜ao dispostas a aceitar no per´ıodo
t. O termo em colchetes na express˜ao (6) representa o lucro operacional,
ou seja, o lucro bruto (igual `a receita operacional das firmas menos o
custo operacional que, por hip´otese, ´e igual `a folha de sal´arios) menos o
pagamento dos encargos financeiros devidos aos bancos comerciais (juros +
amortiza¸c˜oes). Sobre esse montante incide o imposto de renda cuja al´ıquota
´e suposta ser igual a τ . Uma vez deduzido o pagamento do imposto de renda,
obtemos o lucro operacional l´ıquido. Uma parte desse lucro ser´a distribu´ıda
para os acionistas na forma de dividendos e bonifica¸c˜oes. Nesse contexto,
se os capitalistas n˜ao forem apenas os propriet´arios das empresas, como
tamb´em os seus efetivos administradores; ent˜ao poderemos supor que o
coeficiente de reten¸c˜ao de lucros ´e, na verdade, igual `a propens˜ao a poupar
a partir do lucro operacional l´ıquido.13 Ou seja, poderemos supor que os
lucros retidos s˜ao iguais `a poupan¸ca dos capitalistas.14
O investimento efetivamente realizado no per´ıodo t ´e dado por:
It= min ItD, Ft
(8)
12 Com base em Securato (2002), p.71, define-se o lucro operacional como sendo igual ao lucro bruto menos o pagamento dos encargos financeiros da empresa (juros + amortiza¸c˜oes do principal). O lucro operacional l´ıquido ´e igual ao lucro operacional deduzido do pagamento (previsto) de imposto de renda. O lucro retido ser´a, portanto, igual ao lucro operacional l´ıquido menos o pagamento de dividendos e bonifica¸c˜oes para os acionistas.
13 Em outros termos: estamos assumindo que n˜ao existe nenhuma diferen¸ca entre a “poupan¸ca pessoal dos capitalistas” e a “poupan¸ca das corpora¸c˜oes”, ou seja, os capitalistas s˜ao as corpora¸c˜oes.
No que se refere aos gastos de consumo, iremos assumir a existˆencia de
propens˜oes a consumir diferenciadas sobre sal´arios e lucros, tal como Kaldor
(1956) e Pasinetti (1962). Mais especificamente, iremos assumir que “os trabalhadores gastam tudo o que ganham”, ou seja, que a propens˜ao a
poupar dos trabalhadores ´e igual a zero.15 Por outro lado, iremos assumir
que os capitalistas produtivos (ou seja, os propriet´arios das empresas
n˜ao-financeiras da economia) tˆem uma propens˜ao a poupar sobre o lucro
operacional l´ıquido igual `a sc; ao passo que os capitalistas financeiros (ou
seja, os propriet´arios dos bancos) tˆem uma propens˜ao a poupar sobre a
receita liquida das opera¸c˜oes de intermedia¸c˜ao financeira igual `a sf. Deste
modo, os gastos nominais de consumo no per´ıodo t s˜ao determinados pela
seguinte express˜ao:
PtCt= wt−1Nt−1+ (1 − sc) (1 − τ )
[Pt−1Yt−1−wt−1Nt−1−(it−1+ γ) Lt−1]
+ (1 − sf) (1 − τ ) it−1Lt−1 (9)
Dividindo-se a equa¸c˜ao (8) por Pt, e ap´os algumas manipula¸c˜oes alg´ebricas,
temos: Ct= 1 (1 + πt) [Vt−1Nt−1+ (1 − sc)(1 − τ )(Yt−1−Vt−1Nt−1 −(it−1+ γ)δt−1Kt−1+ (1 − sf)(1 − τ )it−1δt−1Kt−1] (10)
Por fim, a demanda efetiva no perodo t ´e determinada pela seguinte
express˜ao:
Zt= Ct+ It+ GCt + Gt (11)
15 Dessa forma, os trabalhadores n˜ao poupam e, portanto, n˜ao podem acumular riqueza na forma de direitos de propriedade sobre o estoque de capital existente. Sendo assim, a “emenda” de Pasinetti `a fun¸c˜ao consumo de Kaldor n˜ao se aplica ao modelo aqui apresentado.
2.2 M´odulo 2: Produ¸c˜ao, Renda e Progresso Tecnol´ogico
De acordo com o princ´ıpio da demanda efetiva, o n´ıvel de produ¸c˜ao ´e determinado pela demanda efetiva por bens e servi¸cos (cf. Pasinetti (1997),
p.99). O ´unico pressuposto te´orico para a validade deste princ´ıpio ´e a
existˆencia de capacidade de produ¸c˜ao ociosa.16 Nesse contexto, as firmas
ir˜ao atender a qualquer varia¸c˜ao da demanda por interm´edio de varia¸c˜oes
do n´ıvel corrente de produ¸c˜ao.17
O limite de validade do referido principio ´e dado, portanto, pelo n´ıvel
potencial de produ¸c˜ao da economia, o qual ´e definido como a quantidade
m´axima de bens e servi¸cos que a economia pode produzir, num dado
per´ıodo, com o estoque de m´aquinas e de trabalhadores dispon´ıveis. A
determina¸c˜ao do produto potencial envolve, no entanto, limita¸c˜oes de duas
naturezas distintas, a saber: as limita¸c˜oes quanto `a disponibilidade da for¸ca
de trabalho e as limita¸c˜oes quanto `a intensidade do uso da capacidade de
produ¸c˜ao existente.
No que se refere `as limita¸c˜oes da disponibilidade da for¸ca de trabalho,
devemos atentar para o fato de que existe um n´ıvel m´ınimo abaixo
do qual a taxa de desemprego n˜ao pode cair.18 Essa taxa m´ınima de
desemprego pode ser considerada como o “pleno-emprego” da for¸ca de
trabalho. Denominando essa taxa m´ınima de desemprego por Umin, temos
que a produ¸c˜ao m´axima de bens e servi¸cos possibilitada pelo pleno-emprego
da for¸ca de trabalho ´e dada por:
16 Deve-se ressaltar que a existˆencia de pre¸cos fixos n˜ao ´e condi¸c˜ao necess´aria para a validade do princ´ıpio da demanda efetiva. No modelo aqui apresentado, os pre¸cos s˜ao determinados no in´ıcio do per´ıodo e permanecem constantes ate o final do mesmo. Contudo, os pre¸cos s˜ao flex´ıveis ao longo de uma seq¨uˆencia de per´ıodos. De fato, os pre¸cos podem variar ao longo do tempo tanto em fun¸c˜ao de varia¸c˜oes do n´ıvel de sal´ario nominal como em fun¸c˜ao de varia¸c˜oes da taxa de mark-up.
17 Nas palavras de Pasinetti:
“The productive capacity and labor force are whatever they are: in the short run they cannot be changed. But they only represent potential production. Actual production will be realized only for that amount for which demand is expected. Actual production will thus turn out to be whatever expected demand is expected to be. In this sense, effective demand generates production”
(Ibid, p.99).
Ytmax,l= Nt qt
(1 − Umin) (12)
em que qt ´e o requisito unit´ario de m˜ao-de-obra, ou seja, a quantidade
de trabalhadores que ´e tecnicamente necess´aria para a produ¸c˜ao de uma
unidade de produto.
qtpode ser escrita como uma fun¸c˜ao de progresso t´ecnico, an´aloga a Kaldor
(1957), da seguinte maneira: qt= qt−1−ρ0 (1 − ψ)Kt−1+ It+ Gt (1 − ψ)Kt−2+ It−1+ Gt −1 (13)
A equa¸c˜ao (13) nos diz que a produtividade do trabalho aumenta na
medida em que aumenta o estoque de capital e o investimento, tanto
p´ublico como privado, da economia. Isso porque, tal como afirma Kaldor
(1957), a introdu¸c˜ao de inova¸c˜oes tecnol´ogicas que permitem o aumento da
produtividade do trabalho s´o ´e poss´ıvel, via de regra, pela utiliza¸c˜ao de um
volume maior de equipamento de capital.
Por outro lado, tamb´em existe um limite superior ao grau de utiliza¸c˜ao da
capacidade instalada. Tal como enfatizado por Steindl (1952), as firmas desejam operar com uma certa capacidade excedente no longo-prazo.
Isso devido `a ocorrˆencia de indivisibilidades na decis˜ao de investimento
em capital fixo, indivisibilidades essas que fazem com que a capacidade instalada cres¸ca obrigatoriamente na frente da demanda, gerando uma
certa ociosidade na utiliza¸c˜ao da capacidade instalada. Denominando o
grau maximo de utiliza¸c˜ao da capacidade produtiva por umax, temos que a
produ¸c˜ao m´axima de bens e servi¸cos compat´ıvel com esse n´ıvel de utiliza¸c˜ao
da capacidade instalada ´e dada por:
Ytmax,c= umaxY¯t−1 (14)
em que ¯Yt−1 ´e o n´ıvel de produ¸c˜ao m´aximo que poderia ser obtido no
Esse n´ıvel m´aximo de produ¸c˜ao ´e determinado pela seguinte express˜ao:
¯
Yt−1= σkt−1 (15)
em que σ ´e a “produtividade social do capital”;19 ou seja, uma vari´avel de
natureza t´ecnica que indica a quantidade de produto que pode ser obtida
por interm´edio da utiliza¸c˜ao de uma unidade de “capital”.
Ytmax= min [qtNt(1 − Umin) ; umaxσKt−1] (16)
Nesse contexto, o produto potencial no per´ıodo t ´e menor valor entre (12) e (14). Temos, portanto, que:
Yt= min [Zt, Ytmax] (17)
No entanto, devemos tamb´em levar em conta a existˆencia de um limite
ao ritmo no qual a produ¸c˜ao pode aumentar entre per´ıodos. Isso porque
as firmas se defrontam com um custo n˜ao-desprez´ıvel para aumentar a
produ¸c˜ao entre um per´ıodo e outro, custo esse dado pelas despesas que
as mesmas tem que incorrer na sele¸c˜ao, contrata¸c˜ao e treinamento dos
novos trabalhadores. Sendo assim, iremos assumir a existˆencia de uma taxa
m´axima de crescimento do produto real entre per´ıodos, a qual ´e determinada
pelo custo maximo de ajuste do n´ıvel de produto inter-periodos que as
firmas est˜ao dispostas a aceitar. Denominando essa taxa por gmax, segue-se
que o produto real no per´ıodo t tem que obedecer a seguinte restri¸c˜ao:
Yt≤(1 + gmax) Yt−1 (18)
Desse razoado se segue que o n´ıvel de produ¸c˜ao no per´ıodo t ´e determinado
pela seguinte express˜ao:
Yt= min [Zt, Ytmax,(1 + gmax) Yt−1] (19)
Por fim, o estoque de capital no per´ıodo t ´e dado por:
Kt= (1 − ψ) Kt−1+ It+ Gt (20)
em que ψ ´e a taxa de deprecia¸c˜ao do estoque de capital.
2.3 M´odulo 3: Distribui¸c˜ao de renda
Numa economia industrial, tal como a que est´a sendo suposta pelo modelo
aqui considerado, a renda deve ser concebida como a riqueza expressa em termos materiais (produtos) e criada ao longo de um determinado per´ıodo.
Sendo assim, h´a somente duas modalidades de renda numa economia
industrial, a saber: sal´arios e lucros brutos. O governo e o setor financeiro
n˜ao criam riqueza, eles apenas se apropriam de uma parte dos lucros gerados
no processo produtivo, sob a forma de impostos e juros. Dessa forma, os
impostos e os juros n˜ao afetam o montante de lucros e, portanto, de renda
criada na economia ao longo de um determinado per´ıodo.20
Com base nessas id´eias, a renda avaliada em termos nominais e gerada ao
longo do per´ıodo t ´e igual a soma da massa de sal´arios e dos lucros brutos.
Temos, ent˜ao, que:
PtYt= wtNt+ rtPtKt (21)
em que rt´e a taxa de lucro.
20 Sendo assim, est´a impl´ıcito que a taxa de juros n˜ao afeta a distribui¸c˜ao de renda entre sal´arios e lucros, mas causa apenas uma redistribui¸c˜ao dos lucros totais gerados ao longo do processo produtivo entre os capitalistas produtivos (empres´arios) e os capitalistas financeiros (banqueiros). Essa id´eia remonta aos economistas cl´assicos e a Marx. Com efeito, Marx (1988) considera no capitulo 21 do livro 3 de “O Capital”, intitulado “O Capital como portador de juros”, que os juros s˜ao uma parte da mais-valia criada pelos trabalhadores produtivos, sendo assim uma dedu¸c˜ao dos lucros apropriados pelos capitalistas industriais.
Dividindo-se (21) por PtYt, obtemos, ap´os as manipula¸c˜oes necess´arias, que:
1 = Vtqt+
rt
σut
(22)
em que Vt= wPtt ´e o sal´ario real; qt ´e o requisito unit´ario de m˜ao-de-obra.
A taxa de lucro rt pode ser expressa como o produto entre a participa¸c˜ao
dos lucros na renda (mt), o grau de utiliza¸c˜ao da capacidade produtiva (ut)
e a “produtividade social do capital” (σ). Sendo assim, a express˜ao (22) pode ser reescrita como:
m1 = 1 − Vtqt (23)
A express˜ao (23) mostra que, dada a “produtividade do trabalho”, existe
uma rela¸c˜ao inversa entre o sal´ario real e a participa¸c˜ao dos lucros na renda.
2.4 M´odulo 4: Infla¸c˜ao e pol´ıtica monet´aria
Na economia aqui considerada se sup˜oe a existˆencia de uma estrutura
de mercado oligopolizada de forma que as empresas tˆem poder de fixa¸c˜ao de
pre¸cos. Estes s˜ao fixados com base na imposi¸c˜ao de uma taxa de mark-up
sobre os custos diretos unit´arios de produ¸c˜ao. Dessa forma, temos que:
Pt=
1 + ztfwtqt (24)
em que ztf ´e a taxa de mark-up fixada pelas empresas do setor produtivo.
Nesse contexto, os pre¸cos fixados pelas empresas do setor produtivo podem
variar entre per´ıodos em fun¸c˜ao da ocorrˆencia de (i) uma varia¸c˜ao dos
sal´arios entre per´ıodos;21 e (ii) uma varia¸c˜ao da taxa de mark-up entre
per´ıodos e (iii) de uma varia¸c˜ao do requisito unit´ario de m˜ao-de-obra entre
per´ıodos.22 Sendo assim, a taxa de infla¸c˜ao no per´ıodo t, definida como a
varia¸c˜ao de pre¸cos entre o per´ıodo t e o per´ıodo t − 1, ´e dada por:
(1 + πt) = Pt Pt−1 = " (1 + zft) (1 + zt−1f ) # wt wt−1 qt qt−1 (25)
em que πt ´e a taxa de infla¸c˜ao no per´ıodo t.
O primeiro passo para a determina¸c˜ao da taxa de infla¸c˜ao no per´ıodo t
´e, portanto, a determina¸c˜ao da infla¸c˜ao salarial, ou seja, a determina¸c˜ao
da taxa de varia¸c˜ao dos sal´arios nominais entre o per´ıodo t e o per´ıodo
t −1. Para tanto, iremos supor que os sal´arios nominais s˜ao objeto de
barganha entre as firmas e os sindicatos. No processo de negocia¸c˜ao salarial, os sindicatos demandam reajustes salariais que sejam suficientes para (a)
cobrir a infla¸c˜ao do per´ıodo anterior e (b) aumentar o n´ıvel de sal´ario real
at´e um certo patamar desejado pelos mesmos, o qual ´e influenciado pelas
condi¸c˜oes vigentes no mercado de trabalho. Quanto maior for o poder de
barganha dos sindicatos maior ser´a a importˆancia deste ´ultimo elemento
na determina¸c˜ao da taxa de reajuste dos sal´arios nominais. Dessa forma, a
equa¸c˜ao de reajuste salarial ´e dada por:23
wt−wt−1 wt−1 = Pt−1−P t −2 Pt−2 + ϕ ¯Vt−Vt−1 (26)
em que ¯Vt´e o sal´ario real desejado pelos trabalhadores no per´ıodo t.
Iremos supor que o sal´ario real desejado ´e uma fun¸c˜ao inversa da taxa de
desemprego (Ut), ou seja:
22 Ao contr´ario dos modelos Kaleckianos tradicionais, estamos supondo que a taxa de mark-up pode variar ao longo do tempo como resultado do aumento do poder de mercado das empresas ou em fun¸c˜ao de uma maior necessidade de gera¸c˜ao de fundos pr´oprios para o financiamento das decis˜oes de investimento. Ao longo de um dado per´ıodo, no entanto, a taxa de mark-up permanece constante.
23Essa equa¸c˜ao de reajuste salarial ´e inspirada em Blanchard
¯
Vt= φ1−φ0Ut−1 (27)
Substituindo (27) em (26), temos ap´os os algebrismos necess´arios que:
wt
wt−1
= (1 + πt−1) + ϕφ1−ϕφ0Ut−ϕVt−1 (28)
No que se refere `a varia¸c˜ao da taxa de mark-up entre per´ıodos, iremos nos
basear nas id´eias de Eichner (1980). Segundo esse autor, a margem de lucro
´e uma vari´avel central na adapta¸c˜ao da firma a conjuntura econˆomica. Num
cen´ario positivo de aumento do grau de utiliza¸c˜ao da capacidade produtiva,
as firmas aumentariam a taxa de mark-up devido ao aumento do seu poder de mercado decorrente do aumento da demanda pelos seus produtos. Por
outro lado, a margem de lucro ´e uma vari´avel importante na determina¸c˜ao
da capacidade interna de financiamento da firma. Dessa forma, num cen´ario
de eleva¸c˜ao da taxa de endividamento, as firmas podem recorrer ao aumento
da taxa de mark-up como parte de uma estrat´egia com vistas ao aumento
dos fundos autogerados.24 Sendo assim, propomos a seguinte equa¸c˜ao para
a determina¸c˜ao do mark-up das firmas do setor produtivo:
ztf = z0+ z1fut−1+ z2fδt−1, zf1 >0, z f
2 >0 (29)
Daqui se segue que a varia¸c˜ao da taxa de mark-up entre per´ıodos ´e
determinada com base na seguinte equa¸c˜ao:
" 1 + zft 1 + zt−1f # = " 1 + z0+ z1fut−1+ z2fδt−1 1 + z0+ z1fut−2+ z2fδt−2 # (30)
24 Vale a pena mencionar que o servi¸co da d´ıvida das empresas (pagamento de juros) n˜ao deve ser inclu´ıdo no custo direto unit´ario de produ¸c˜ao uma vez que os empr´estimos tomados pelas empresas dessa economia destinam-se para o financiamento do investimento em capital fixo, e n˜ao para o financiamento do capital de giro das empresas. Dito de outra forma, os empr´estimos s˜ao usados para a compra de m´aquinas e equipamentos, n˜ao para a compra de mat´erias-primas e insumos. Sendo assim, n˜ao h´a nenhuma conex˜ao direta entre o volume produzido pelas empresas e os servi¸cos financeiros.
Substituindo (30) e (28) em (25), obtemos a express˜ao que determina a
taxa de infla¸c˜ao no per´ıodo t:25
πt= " 1 + z0+ z1fut−1+ zf2δt−1 1 + z0+ z1fut−2+ zf2δt−2 # (πt−1+ 1 + ϕφ1−ϕφ0Ut−1−ϕVt−1) 1 − ρ0 (1 − ψ)Kt−1+ It+ Git (1 − ψ)Kt−2+ It−1+ Gt−1 −1 −1 (31)
O controle da taxa de infla¸c˜ao ´e um dos objetivos primordiais dos bancos
centrais, os quais s˜ao as institui¸c˜oes respons´aveis pela formula¸c˜ao da
pol´ıtica monet´aria. N˜ao h´a, todavia, um consenso sobre qual ´e a melhor
conduta na utiliza¸c˜ao dos instrumentos de pol´ıtica monet´aria. Ainda que
nenhum banco central atualmente busque controlar a taxa de crescimento
dos agregados monet´arios – como defendiam os velhos monetaristas –
n˜ao existe um consenso sobre a primazia das regras sobre as pol´ıticas
discricion´arias ou vice-versa. Blinder (1999), p.58, afirma que os bancos
centrais s˜ao mais propensos a adotar uma regra baseada em resultados
(estabelecendo, por exemplo, metas para a infla¸c˜ao ou para o crescimento
do PIB nominal) do que regras baseadas em instrumentos (como a regra
de Friedman). Isso decorre da constata¸c˜ao de que os bancos centrais n˜ao
tˆem um controle perfeito sobre a taxa de infla¸c˜ao e demais vari´aveis
macroeconˆomicas, mas que podem exercer uma influencia importante sobre
as mesmas por interm´edio de seus instrumentos. Nesse contexto, se firmou um consenso de que o principal instrumento de pol´ıtica monet´aria ´e a taxa de juros.
Isso posto, iremos supor que a pol´ıtica monet´aria ´e conduzida num regime
de metas de infla¸c˜ao26 e que o Banco Central fixa a cada per´ıodo o valor
25 A equa¸c˜ao (31) nada mais ´e do que uma vers˜ao “turbinada” da curva de Phillips expandida pelas expectativas. Observemos a presen¸ca de um claro componente inercial na taxa de infla¸c˜ao, expresso pela dependˆencia da taxa de infla¸c˜ao corrente com respeito `a taxa de infla¸c˜ao do per´ıodo anterior (cf. Bresser-Pereira e Nakano (1984)). Observemos tamb´em que, ceteris paribus, existe uma clara rela¸c˜ao inversa entre a taxa de infla¸c˜ao do per´ıodo t e a taxa de desemprego do per´ıodo t − 1. A novidade introduzida por essa vers˜ao “turbinada” ´e a possibilidade de “deslocamentos” ao longo do tempo da curva de Phillips em fun¸c˜ao do ajuste da taxa de mark-up, o qual ´e motivado pelas varia¸c˜oes no tempo do grau de utiliza¸c˜ao da capacidade produtiva e da taxa de endividamento.
da taxa b´asica de juros por interm´edio de uma regra de Taylor (cf. Taylor
(1993)), tal como a apresentada abaixo:27
I∗
t = (1 − λ) i∗t−1+ λ [β0(πt−1−π∗) + β1(gt−1−η) + β2] (32)
em que i∗ ´e a taxa b´asica de juros definida pelo Banco Central; λ ´e o
fator de in´ercia da taxa de juros;28 os coeficientes β
0 > 0 e β1 > 0
representam, respectivamente, o peso dado, na forma¸c˜ao da taxa b´asica de
juros, a divergˆencia da taxa de infla¸c˜ao do per´ıodo anterior com respeito `a
“meta inflacionaria” (π∗) e a divergˆencia da taxa de crescimento do produto
real no per´ıodo anterior com respeito `a taxa natural de crescimento (η); e
β2 ´e uma constante.
A ´unica restri¸c˜ao `a aplica¸c˜ao da equa¸c˜ao (29) como regra de fixa¸c˜ao da
taxa b´asica de juros pelo Banco Central ´e que a taxa de juros b´asica n˜ao
pode jamais ser negativa. Dessa forma, deve-se estabelecer um “piso” para
a taxa b´asica de juros nessa economia. Denominando esse piso por i∗
min, o
valor da taxa b´asica de juros no per´ıodo t ´e dado por:
i∗
t = maxi∗min; (1 − λ) i∗t−1+ λ [β0(πt−1−π∗) + β1(gt−1−η) + β2]
(33)
2.5 M´odulo 5: Setor financeiro e d´eficit fiscal
Tal como no caso do setor produtivo, iremos supor que a estrutura de
mercado prevalecente no setor banc´ario ´e oligopolista, de forma que os
bancos tˆem poder para fixar a taxa de juros cobrada sobre os empr´estimos que os mesmos realizam para as empresas daquele setor. Desta forma, os
Setterfield (2005).
27 Essa equa¸c˜ao da “regra de Taylor” ´e inspirada na equa¸c˜ao utilizada pelo sistema de metas de infla¸c˜ao implementado pelo Banco Central do Brasil.
28 Segundo Barbosa (2004), os bancos centrais n˜ao realizam mudan¸cas abruptas na taxa de juros de um per´ıodo para o outro, mas tendem a se comportar de forma a realizar uma “suaviza¸c˜ao” dos movimentos da taxa de juros ao longo do tempo. Dessa forma, passa-se a observar um certo comportamento inercial da taxa de juros.
bancos comerciais definem a taxa de juros cobrada pelos seus empr´estimos
(it) por interm´edio da aplica¸c˜ao de um mark-up (ztb) sobre a taxa b´asica de
juros definida pelo Banco Central (cf. Rousseas (1986), pp.51–52). Temos, assim, que: it= 1 + zbt i∗ t (34)
Tal como no caso das firmas do setor produtivo, iremos supor que o
mark-up banc´ario n˜ao ´e fixo, mas pode variar entre per´ıodos em fun¸c˜ao de
mudan¸cas na conjuntura econˆomica e/ou no poder de mercado dos bancos.
Nesse contexto, iremos supor que o mark-up banc´ario ´e contra-c´ıclico,
variando na dire¸c˜ao inversa do grau de utiliza¸c˜ao da capacidade produtiva
(cf. Aronovich (1994). A id´eia ´e que aumentos no grau de utiliza¸c˜ao da
capacidade produtiva est˜ao associados a aumento das vendas e, portanto, a
uma redu¸c˜ao do risco de default por parte das empresas do setor produtivo.
Essa redu¸c˜ao do risco de default permite aos bancos reduzir o spread entre
a taxa de juros dos empr´estimos e a taxa b´asica de juros. Por outro lado,
iremos supor que aumentos da taxa de infla¸c˜ao ir˜ao induzir os bancos
comerciais a aumentar a taxa de mark-up (Ibid.). A intui¸c˜ao aqui ´e que
aumentos da taxa de infla¸c˜ao obrigam o banco central a aumentar a taxa
b´asica de juros na tentativa de impedir uma divergˆencia dos ´ındices de
infla¸c˜ao com respeito `a meta inflacionaria. Isso aumenta a volatilidade da
taxa b´asica de juros, contribuindo para o aumento do “risco de juros” (cf.
Ono et alii (2004)), obrigando os bancos comerciais a aumentar o spread entre a sua taxa e a taxa de juros fixada pelo banco central. Por fim, iremos
supor que o mark-up banc´ario possui um “piso” abaixo do qual ele n˜ao
pode cair, o qual reflete o “grau de monop´olio” dos bancos. Dessa forma, a
equa¸c˜ao de determina¸c˜ao do mark-up banc´ario ´e dada por:
zbt = maxzminb ; z0+ zb1ut−1+ z2bπt−1
; zb1<0; z2b >0 (35)
Uma vez fixada a taxa de juros dos empr´estimos, os bancos comerciais atendem a toda a demanda de empr´estimos das firmas do setor produtivo.
Isso significa que n˜ao h´a nenhum tipo de restri¸c˜ao de cr´edito, tal como
se observa nos modelos macroeconˆomicos de inspira¸c˜ao novo-keynesiana.
no per´ıodo t ´e inteiramente determinado pela demanda de cr´edito,
em consonˆancia com a hip´otese de endogenidade da oferta de moeda,
apresentada por Kaldor (1982) e Moore (1988).29
Para n˜ao introduzir uma complexidade adicional ao modelo; iremos assumir
que o d´eficit fiscal do governo (DGt) ´e inteiramente financiado por
interm´edio da expans˜ao da base monet´aria (Ht), ou seja:
DGt= Ht−Ht−1 (36)
O d´eficit fiscal do governo ´e a diferen¸ca entre os gastos governamentais com consumo e investimento e os impostos cobrados sobre a receita dos capitalistas e dos rentistas. Temos, assim, que:
DGt= GCt + GIt − τ 1 + π [mt−1Yt−1+ itδt−1Kt−1] (37)
No ˆambito do setor banc´ario, a varia¸c˜ao do estoque de empr´estimos
encontra sua contrapartida na varia¸c˜ao dos dep´ositos a vista (Dt).
Isto significa que a moeda-credito ´e criada por meio da concess˜ao de empr´estimos, ou seja:
Dt−Dt−1= Lt−Lt−1 (38)
Por sua vez, o multiplicador monet´ario, definido com a raz˜ao entre meios
de pagamento e a base monet´aria ´e dado por:
µt= Dt+ Ht Ht = 1 +Dt Ht (39)
29 O argumento b´asico de Moore para justificar a endogenidade da oferta de moeda ´e que, nas condi¸c˜oes prevalecentes nos modernos sistemas monet´arios, caracterizado pela existˆencia conjunta de fiat money e credit money, a base monet´aria ´e end´ogena, ou seja, o banco central acomoda toda e qualquer varia¸c˜ao na demanda por reservas banc´arias com uma varia¸c˜ao da disponibilidade de reservas, mantendo constante a taxa de juros do mercado interbanc´ario.
3 Metodologia de Simula¸c˜ao30
O modelo apresentado na se¸c˜ao anterior, devido ao seu alto grau de
complexidade, n˜ao admite solu¸c˜ao anal´ıtica fechada. Dessa forma, deve-se
proceder `a realiza¸c˜ao de simula¸c˜oes em computador para a obten¸c˜ao
de trajet´orias em aberto, ou seja, fora do equil´ıbrio, para as vari´aveis
end´ogenas.
Nesse contexto, se coloca uma quest˜ao fundamental, a saber: como atribuir
valores num´ericos para os parˆametros e as condi¸c˜oes iniciais do sistema? No
presente artigo optamos pela utiliza¸c˜ao do m´etodo de calibra¸c˜ao, o qual ´e
definido, com base em Hansen e Heckman (1996), p.92, como um processo
de manipula¸c˜ao das vari´aveis independentes – leia-se aqui os parˆametros e
as condi¸c˜oes iniciais – de modo a obter uma combina¸c˜ao plaus´ıvel entre os
dados observados empiricamente e os resultados simulados.
Esse m´etodo encontra respaldo no assim chamado princ´ıpio da correspondˆencia, enunciado por Paul Samuelson em seu livro cl´assico Foundations of Economic Analysis (1947). Segundo Samuelson, durante
a calibra¸c˜ao de um modelo, o pesquisador pode se deparar com a ausˆencia
de dados quantitativos precisos sobre os valores dos parˆametros (e das
condi¸c˜oes iniciais) de um sistema dinˆamico. No entanto, ele precisa inferir
analiticamente o movimento de um sistema complexo. Nessa situa¸c˜ao, o
pesquisador deve fixas os valores dos parˆametros a fim de estabelecer
uma correspondˆencia realista entre as vari´aveis est´aticas (parˆametros) e
as vari´aveis dinˆamicas (vari´aveis dependentes).
Essas considera¸c˜oes nos permitem estabelecer a seguinte metodologia de
calibragem do modelo macrodinˆamico apresentado na se¸c˜ao anterior:
(1) Atribui-se um conjunto inicial de valores para os parˆametros e
condi¸c˜oes iniciais, procurando, na medida do poss´ıvel, utilizar
estimativas empiricamente plaus´ıveis para os mesmos.
(2) Rodar o modelo em computador de forma a obter as trajet´orias
dinˆamicas das vari´aveis end´ogenas.
(3) Verificar se as trajet´orias dinˆamicas assim obtidas replicam algumas propriedades gerais ou “fatos estilizados” observados nas economias capitalistas.
(4) Caso as trajet´orias dinˆamicas geradas pelo conjunto inicial de
parˆametros n˜ao sejam empiricamente plaus´ıveis, ou seja, se as mesmas
n˜ao estiverem em conformidade com os “fatos estilizados” da dinˆamica
capitalista, deve-se escolher um novo conjunto de valores e repetir o experimento.
A metodologia acima definida nos coloca duas quest˜oes fundamentais. A
primeira refere-se ao momento no qual o pesquisador deve encerrar a sua
busca por um conjunto plaus´ıvel de parˆametros. A segunda quest˜ao esta
relacionada com a sele¸c˜ao dos “fatos estilizados” da dinˆamica capitalista,
os quais s˜ao utilizados como padr˜ao de compara¸c˜ao para as trajet´orias
dinˆamicas geradas pelo modelo te´orico.
No que se refere `a primeira quest˜ao, deve-se observar que n˜ao h´a nenhum
crit´erio objetivo com base no qual se possa determinar qual ´e o momento em que o pesquisador deve encerrar a sua busca por um conjunto plaus´ıvel
de parˆametros. Nesse contexto, o pesquisador n˜ao tem outra op¸c˜ao a n˜ao
ser utilizar a “racionalidade limitada” de Simon (1980) e se contentar com
um “bom” conjunto de parˆametros, ainda que possam existir parˆametros
melhores, ou seja, um conjunto de parˆametros que fosse capaz de gerar
trajet´orias dinˆamicas mais aderentes `aquelas que se observam no mundo
real.
Uma cr´ıtica comum ao procedimento exposto acima ´e que a grande
complexidade dos modelos de simula¸c˜ao em conjunto com a existˆencia de
“parˆametros livres”, ou seja, parˆametros cujos valores num´ericos precisos
n˜ao tem embasamento emp´ırico, proporcionam ao construtor do modelo
graus de liberdade quase infinitos na obten¸c˜ao dos resultados desejados.
Em outras palavras, o pesquisador poderia obter virtualmente qualquer
resultado a partir de seu modelo te´orico desde que disponha do tempo
e da paciˆencia necess´arios para testar diversos conjuntos de valores dos
parˆametros at´e obter um conjunto de valores que lhe proporcione o
resultado desejado.
na exposi¸c˜ao da metodologia de simula¸c˜ao apresentada anteriormente, a
obten¸c˜ao de um “bom” conjunto de parˆametros envolve um processo de
tentativa e erro no qual os resultados obtidos a partir de uma determinada
especifica¸c˜ao num´erica do modelo s˜ao contrastados com uma s´erie de “fatos
estilizados”. Contudo, os graus de liberdade do pesquisador podem ser
substancialmente reduzidos se o n´umero de “fatos estilizados” a serem
explicados for suficientemente grande. Nesse contexto, um “modelo ruim”, isto ´e, um modelo que abstrai algum aspecto essencial da realidade
econˆomica, n˜ao ser´a capaz de explicar uma boa quantidade desses “fatos
estilizados”, qualquer que seja o conjunto de valores escolhidos para os
parˆametros e para as condi¸c˜oes iniciais. Dessa forma, a sele¸c˜ao de um
n´umero razoavelmente grande de fatos estilizados sobre a dinˆamica das
economias capitalistas torna-se um elemento essencial n˜ao s´o para a
realiza¸c˜ao de um bom processo de calibragem dos parˆametros do modelo,
como tamb´em um crit´erio de julgamento da relevˆancia e da plausibilidade
do modelo que est´a sendo apresentado.
No que se refere aos fatos estilizados, existe um relativo consenso entre
os economistas a respeito dos tra¸cos gerais da dinˆamica capitalista. Esses
“tra¸cos gerais” s˜ao os seguintes:
• O PIB real apresenta uma inequ´ıvoca tendˆencia de crescimento no
longo-prazo, mas esse crescimento se d´a por interm´edio de flutua¸c˜oes
irregulares, mas n˜ao-explosivas, do PIB real (cf. Blanchard e Fisher
(1989), p.1).
• A distribui¸c˜ao funcional da renda entre sal´arios e lucros ´e relativamente
est´avel no longo-prazo (cf. Kaldor (1957)).
• A taxa de retorno sobre o capital n˜ao apresenta nenhuma tendˆencia clara
a queda ao longo do tempo (cf. Kaldor (1957)).
• As quedas abruptas do n´ıvel de atividade econˆomica, ou seja, aquilo que
se convencionou chamar de depress˜ao, ´e um fenˆomeno relativamente raro
na dinˆamica capitalista. Em outras palavras, depress˜oes s´o ocorrem uma
ou duas vezes ao longo de um s´eculo (cf. Leijonhufvud (1996)).31
31 Com efeito, ao longo do s´eculo XX, as economias capitalistas desenvolvidas s´o experimentaram um ´unico episodio de queda catastr´ofica do n´ıvel de atividade econˆomica, a saber: a grande depress˜ao de 1929.
Com base na metodologia apresentada anteriormente, selecionamos o
seguinte conjunto de valores para os parˆametros das equa¸c˜oes dinˆamicas
do modelo da se¸c˜ao anterior.
Tabela 1
Parˆametros e condi¸c˜oes iniciais usadas na simula¸c˜ao do modelo
Par˜ametro Valor Parˆametro Valor Vari´avel em t = 0 Valor
σ 0.5 π∗ 0.05 α0 1.12 hI 0.035 η 0.02 C 0 400 hC 0.15 s c 0.2 I0 30 α0 1.12 sf 0.2 GC0 70 α1 0.05 τ 0.2 GI0 10 z0 0.04 zb1 −0.05 zf 0.39 zf 1 0.65 zb2 0.5 K0 2000 zf 2 0.1 ψ 0.03 P0 2.8 θ 0.85 µ 0.3 w0 2.0 γ 0.0 ρ 0.1 N0 600 λ 0.05 φ0 0.3 N max 900 β0 7 φ1 0.73 i∗0 0.1 β1 30 g max 0.1 L0 200 β2 −0.25 Umin 0.02 DG0 0.0 umax 0.9 H0 200 δmax 0.75 D0 180 π0 0.025 Cresc.PIB inic. 0.02
Ao todo s˜ao 29 parˆametros e 18 valores iniciais para o sistema.32 Desses
31 parˆametros, existem estimativas confi´aveis para 9 parˆametros, a saber:
π∗, η, sc, sf, σ, τ, gmax, umax e Umin. Essas estimativas s˜ao fornecidas pela
experiˆencia hist´orica das economias capitalistas avan¸cadas. Por exemplo,
nenhuma economia capitalista desenvolvida experimentou uma taxa de
desemprego menor do que 2% nos ´ultimos 80 anos. Por outro lado, os
bancos centrais de todos os paises desenvolvidos que adotaram o regime de
“metas de infla¸c˜ao” durante a d´ecada de 1990 tˆem como meta inflacion´aria
uma infla¸c˜ao inferior a 5% ao ano (cf. Bernanke et alii (1999)). Por fim, uma
propens˜ao a poupar a partir dos rendimentos n˜ao-salario de 20% n˜ao parece
32 As condi¸c˜oes iniciais d˜ao apenas a “escala” do sistema de forma que a escolha do valor num´erico para as mesmas n˜ao ´e uma quest˜ao particularmente relevante.
ser um n´umero irrealista para as economias capitalistas desenvolvidas,
assim como uma al´ıquota media de impostos na ordem de 20%.33
No que se refere aos demais parˆametros, embora n˜ao tenhamos uma
estimativa precisa a respeito da ordem de grandeza dos mesmos, podemos utilizar os resultados dos estudos emp´ıricos existentes para avaliar o sinal de pelo menos alguns deles. Por exemplo, o estudo de Aronovich (1994) mostrou que, no caso da economia brasileira no per´ıodo
1986-1992, o mark-up banc´ario varia positivamente com a taxa de infla¸c˜ao
e negativamente com o grau de utiliza¸c˜ao da capacidade produtiva,
justificando assim os sinais assumidos para os coeficientes zb
1 e z2b na tabela
1.
4 Resultados da Simula¸c˜ao
O modelo exposto na se¸c˜ao 2 foi rodado em planilha Excel com os valores
assumidos na tabela 1 acima para um horizonte de tempo de 75 per´ıodos.
O primeiro resultado interessante obtido com o modelo foi `a ocorrˆencia de
um crescimento irregular, mas n˜ao explosivo, do PIB real como podemos
visualizar nas figuras 1 e 2 abaixo:
Observa-se claramente na figura 2 que (i) a taxa de crescimento do produto real flutua ao longo do tempo, ou seja, a economia apresenta
“crescimento c´ıclico”; (ii) o padr˜ao de flutua¸c˜ao ´e altamente irregular,
apresentando uma amplitude mais alta nos per´ıodos iniciais, a qual ´e
substancialmente reduzida ap´os o per´ıodo 28; (iii) a economia apresenta
um ´unico epis´odio de depress˜ao ao longo dos 75 per´ıodos de simula¸c˜ao: por
volta do per´ıodo 12, a economia experimenta a maior queda do n´ıvel de
atividade econˆomica da simula¸c˜ao, entorno de 19,1%; entre os per´ıodos 10
e 16, a economia apresenta taxa de crescimento do produto real negativa,
isto ´e, queda do n´ıvel real de produto; (iv) as flutua¸c˜oes observadas na
taxa de crescimento do produto real n˜ao apresentam nenhuma tendˆencia
discern´ıvel a aumentarem ao longo do tempo, ou seja, as flutua¸c˜oes do
33 Com efeito, segundo dados do Banco Mundial (2001), a poupan¸ca domestica como propor¸c˜ao do PIB nos Estados Unidos foi de 18.1% no per´ıodo 1970-1999, ao passo que a arrecada¸c˜ao media de impostos como propor¸c˜ao do PIB foi de 17,5%.
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 59 61 63 65 67 69 71 73 75 nível de produto real
Fig. 1. N´ıvel de produto real
produto real n˜ao s˜ao explosivas.
A “grande depress˜ao” observada nos est´agios iniciais da simula¸c˜ao ´e
precedida por um processo de crescente fragiliza¸c˜ao financeira das empresas
do setor produtivo. Tal como pode ser observado na figura 3 abaixo, o risco de liquidez e a taxa subjetiva de desconto aplicada aos dividendos futuros do equipamento de capital crescem de forma acentuada at´e o per´ıodo 10, ap´os o qual ocorre uma queda pronunciada do PIB real.
A “crise do per´ıodo 12” ´e resultado do violento processo de desinfla¸c˜ao engendrado pelo Banco Central. Com efeito, tal como podemos observar na
figura 4, nos est´agios iniciais da simula¸c˜ao, a taxa efetiva de infla¸c˜ao diverge
progressivamente da meta inflacionaria de 5% p.p, alcan¸cando um patamar de cerca de 29,2% no per´ıodo 11, imediatamente anterior ao per´ıodo de
maior queda na atividade econˆomica. Essa acelera¸c˜ao da infla¸c˜ao – tal como
podemos observar na figura 4 – resulta da divergˆencia entre o sal´ario real
desejado pelos trabalhadores e o sal´ario real efetivo. Em fun¸c˜ao do regime
de metas de infla¸c˜ao prevalecente nessa economia, o Banco Central inicia
um processo de eleva¸c˜ao da taxa b´asica de juros j´a no per´ıodo 2. Entre os
per´ıodos 3 e 10, a taxa b´asica de juros permanece entre 11,3% e 21% por
per´ıodo, produzindo uma fragiliza¸cao crescente das posi¸c˜oes financeiras das
-25,00% -20,00% -15,00% -10,00% -5,00% 0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 59 61 63 65 67 69 71 73 75
Fig. 2. Taxa de crescimento do produto real
0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00 1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 59 61 63 65 67 69 71 73 fragilidade desconto
Fig. 3. Fragilidade financeira e taxa de desconto
A figura 4 mostra ainda uma propriedade interessante da dinˆamica
capitalista, qual seja: a existˆencia de sub-utiliza¸c˜ao da capacidade produtiva
no longo-prazo. Com efeito, ap´os a recupera¸c˜ao da “crise do per´ıodo 13”,
o grau de utiliza¸c˜ao da capacidade produtiva aumenta de forma bastante
acentuada ate o per´ıodo 56, ap´os o qual se estabiliza em torno de 89%.34
34 No final do per´ıodo de simula¸c˜ao, o grau de utiliza¸c˜ao da capacidade produtiva se aproxima do “teto” definido na tabela 1, se igualando ao mesmo durante alguns per´ıodos, mas permanecendo “via-de-regra” abaixo do mesmo.
As simula¸c˜oes do modelo te´orico foram ainda capazes de replicar dois fatos
estilizados da dinˆamica capitalista, a saber: a estabilidade da distribui¸c˜ao
funcional da renda e a estabilidade da taxa de lucro no longo-prazo.
Essa afirma¸c˜ao pode ser facilmente constatada pelas figuras 5 e 6 abaixo.
Observemos na figura 5 que a participa¸c˜ao dos lucros na renda se estabiliza
em torno de 40% do PIB, um valor pr´oximo ao encontrado, por exemplo,
na economia italiana.
A figura 6 nos revela ainda duas outras propriedades interessantes da
dinˆamica da economia em considera¸c˜ao. Em primeiro lugar, constata-se
que, na maior parte do tempo, a taxa de retorno do capital ´e superior a taxa real de juros, a qual ´e definida como a diferen¸ca entre a taxa de
juros dos empr´estimos banc´arios e a taxa de infla¸c˜ao. Essa propriedade foi
enfatizada pelos economistas cl´assicos – Smith, Ricardo e Marx – como
condi¸c˜ao necess´aria para a continuidade da acumula¸c˜ao capitalista. Al´em
disso, trata-se de um fenˆomeno com ampla evidˆencia emp´ırica internacional.
Em segundo lugar, constatamos que a taxa de lucro se estabiliza em torno de 18% p.p, um valor empiricamente plaus´ıvel.
Uma primeira implica¸c˜ao de pol´ıtica econˆomica que pode ser extra´ıda dos
resultados da simula¸c˜ao do modelo aqui apresentado refere-se `a condu¸c˜ao
da pol´ıtica de redu¸c˜ao da taxa de infla¸c˜ao. A “crise do per´ıodo 13” foi
o resultado da tentativa do Banco Central de reduzir a taxa de infla¸c˜ao de 17% p.p para 5% p.p. Apesar do alto coeficiente de “suaviza¸c˜ao” dos
movimentos da taxa de juros assumido pela simula¸c˜ao (vale lembrar que
estamos trabalhando com um valor de λ igual a 0.05), a manuten¸c˜ao da
taxa b´asica de juros em patamares elevados por um longo per´ıodo produziu
uma fragiliza¸c˜ao crescente das posturas financeiras das empresas do setor
produtivo, a qual culminou com uma acentuada queda do n´ıvel de atividade
econˆomica.
Daqui se segue que um princ´ıpio b´asico que o Banco Central deve utilizar
na condu¸c˜ao da pol´ıtica monet´aria ´e o de jamais engendrar quedas muito
acentuadas da taxa de infla¸c˜ao. Isso porque, devido `a presen¸ca de in´ercia
inflacion´aria e aos efeitos da taxa de juros sobre a posi¸c˜ao financeira das
firmas, uma redu¸c˜ao muito acentuada da taxa de infla¸c˜ao ir´a resultar num
grande aumento da fragilidade financeira das empresas e, mais cedo ou mais