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Da doença ao sofrimento psíquico: sentidos da "loucura" na clínica da atenção psicossocial

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Academic year: 2021

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DA DOENÇA AO SOFRIMENTO PSÍQUICO: SENTIDOS DA “LOUCURA” NA CLÍNICA DA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Doutora em Ciências Humanas. Orientadora: Profª Drª Marta Verdi. Coorientadora: Profª Drª Daniela Ribeiro Schneider.

Florianópolis 2018

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária

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À minha mãe Anilda [in memoriam], que sem perder a dignidade e a amorosidade, lutou batalhas injustas; Ao meu pai Nilson, pela força e determinação,

Ao meu irmão Leandro e sua família, Aos meus avôs e avós [in memoriam], e à vó Vilma,

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À orientadora Marta Inez Verdi e coorientadora Daniela Ribeiro Schneider, pela parceria, confiança e incentivo, e a tranquilidade em me dar asas.

Ao professor Mário Cardano que me possibilitou a Itália.

A todos os lugares que me receberam para esta pesquisa, os CAPS e Itália, a todas pessoas que confiaram a mim suas percepções e conhecimentos, trabalhadores e usuários, e aos afetos que esta pesquisa me permitiu, dos quais ainda me sinto preenchida.

A Paulo Cesar por me acompanhar amorosamente nesta caminhada.

Aos meus amigos e amigas que me permitem sofrer, angustiar, e escutar o que ainda não é claro, o que está confuso e que virá a ser....

Às minhas acolhedoras em Florianópolis em diferentes momentos, Ana Lima e Ana Baiana.

Às acolhedoras(o) da itinerência desta pesquisa em diferentes cidades. Carla, Camila, Danilo, Marta Janelli, Leo Jaime e Judete.

Aos Doutorandos Anônimos, Claudia, Erica e Fernando, obrigada pelas experiências de desabafo e acolher meus desesperos e o exercício de reflexões.

Aos colegas do grupo de pesquisa NUPEBISC, que sempre me acolheram com carinho.

Aos colegas e professores do Programa de Pós-Graduação interdisciplinar em Ciências Humanas que permitiu a experiência da diversidade, eu sei que foi o lugar certo para mim.

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“Tutti i dolori sono sopportabili se li si fa entrare in una storia, e se si puó raccontare una storia su di essi” [Todas as dores são suportáveis se elas entram em uma história, e se é possível contá-las] (Karen Blixen).

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O processo de transformação da atenção em saúde mental no Brasil se deu partir de críticas e denúncias que envolveram diferentes atores e permitiu o movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, postulando uma política de atenção psicossocial de base comunitária, a ser realizada pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), relegando a estes a tarefa da construção de modos de atenção que possam construir uma sociedade sem manicômios. Esta tarefa exige desinstitucionalizar diferentes racionalidades sobre o pensar e efetivar planos de cuidados, atravessados pela estigmatização e pelo modo asilar de prestar cuidados as pessoas com sofrimentos psíquicos. O Brasil tem instituído gradualmente uma rede alternativa de cuidados a saúde mental, através dos CAPS, e que tem na perspectiva da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) a tarefa de ampliar os cuidado para a rede intersetorial. Isso exige transformações objetivas e subjetivas, que são as dimensões epistemológicas-filosóficas sobre as quais se compreende o cuidado, os sofrimentos, os sujeitos e outros. Esta pesquisa fez uma imersão em campo, através da cartografia, buscando compreender esse processo de transformação. Para tal, foram cartografados processos de trabalho sobre os cuidados em saúde mental realizados pela equipe do CAPS com a RAPS, com o objetivo geral de analisar as bases de compreensão do sofrimento psíquico e de sujeito visando os fundamentos para uma clínica ampliada da atenção psicossocial. Além disto, compõem esta pesquisa experiências dos Ouvidores de Vozes e o Diálogo Aberto conhecidas durante o Programa Doutorado Sanduiche (PDSE) na Itália. As atividades reconhecidas e cartografadas foram descritas a partir de três grandes blocos: ações de atenção dentro CAPS, ações de desenvolvimento da RAPS e experiências de despatologização. Estas foram descritas a partir de elementos objetivos extrínsecos, e analisados os elementos subjetivos intrínsecos, buscando entender as racionalidades sobre o sofrimento psíquico e sujeito/subjetividade subjacentes aos modos de fazer. É possível afirmar que há um importante processo de transformação dos modos de atenção em saúde mental em curso, não é uniforme e ao mesmo tempo não é linear, com muitos híbridos. Os processos de trabalho dentro dos CAPS, estão ainda fortemente centrados numa perspectiva biomédica, com olhar biologizante da psiquiatria clássica sobre sinais e sintomas. Ao passo que as ações de construção da RAPS, através do apoio matricial e a construção de Planos Terapêuticos Singulares (PTS) em rede, mostra um redirecionamento nos modos de compreender os sofrimentos, e os sujeitos. As queixas passam a ser relacionados com as relações, história

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de vida, contexto e condições de vida e existência dos sujeitos. Portanto, a racionalidade que sustenta as escolhas terapêuticas adquire uma dimensão ampliada, e se direcionam e estas dimensões. As experiências de despatologização dão um passo além, no sentido de que partem outras racionalidades para compreender os sofrimentos psíquico. Sustentam suas estratégias de cuidados em abordagens que consideram a dimensão simbólica, relacional da experiência do sofrimento, a assumem uma posição crítica a psiquiatria biológica. Verifica-se que é fundamental que o movimento de transformação da atenção em saúde mental, através dos CAPS, aprofunde críticas as racionalidades dos modos biologizantes e biomédicos de compreender os sofrimentos psíquicos e sujeitos/subjetividade, reconheça as relações entre a produção das práticas e as perspectivas filosóficas que as fundamentam, e sejam capazes de discussões dos problemas a partir de referenciais da psicopatologia crítica.

Palavras-chave: Clínica da Atenção Psicossocial; Reforma psiquiátrica brasileira; sofrimento psíquico.

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The transformation process of the mental health attention taken by Brazil started from the criticism, complaints which involved several different actors, allowed to the movement of the Brazilian Psychiatric Reform, postulating a policy of a community based psychosocial attention, to be accomplished by the Psychosocial Attention Centres (CAPS), relegating to them the task of building attention means which could build a society without insane asylums. This task requires deinstitutionalize different rationalities about the thinking and put into effect care plans, crossed by stigmatization and by the asylum way of pay care to people with psychic suffering. Brazil has been gradually instituting an alternative web for mental health care, working through CAPS, which has the perspective from Psychosocial Attention Web (RAPS) the task of increasing the cabe for the intersectoral web. This requires objective and subjective transformations, which are the epistemological-philosophical dimensions about which comprehend the care, the suffering and the subjects, among others. This research made a field immersion, using Cartography, searching to comprehend this transformation process. To accomplish it, work processes in mental health caring were mapped, about the CAPS with the RAPS nursing, with the general objective of analysing the base of psychic suffering comprehension and the subjects, aiming at the fundaments for a clinic with increased psychosocial attention. Besides, take part in this research the experiences from the Voice Listeners and the Open Dialog who I have met during the Sandwich Doctorate Program (PDSE) in Italy. The activities acknowledged and mapped were described from three blocks: attention actions inside CAPS, development actions from RAPS and depathologization experiences. These were described from extrinsic objective elements, and analysed the intrinsic subjective elements, seeking for understanding the rationalities about the psychic suffering and subject/subjectivity to the means of doing. It is possible to affirm that there is an important transformation process of the mental health attention means in course, it is not uniform and at the same time, it is not linear, with many hybrids. The working processes inside CAPS are still strongly centred in a biomedical perspective, with a biologist look of the classical psychiatry about signs and symptoms. At the step that the RAPS’s building actions, through the matrix support and the building of Singular Therapeutic Plans (PTS) in a web, it shows a redirecting in the means to comprehend the suffering and the subjects. The complaints start to be related to the relationships, life history, context and life conditions and the subjects’ existence. Therefore, the rationality that supports the

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therapeutic choices gains an increased dimension and direct to these dimensions. The depathologization experiences are a step forward, in the meaning that they help to understand the psychic suffering. They support their strategy of care in approaches that are considered a symbolic dimension, relating to the suffering experience and take a critical position in relation to the biological psychiatry. Therefore, it is verified that is central that the transformation movement of the mental health attention, through CAPS, deepen criticism over rationalities of the biologist and biomedical means of comprehending the psychic suffering and the subjects/subjectivity to recognize the relations between the producing of the practice and its phylosophical perspectives that base themselves and be capable of discussing problems from references of critical pshychopatology.

Keywords: Psychosocial attention clinic; Brazilian psychiatric reform; psychic suffering.

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Quadro 1 - Elaboração a partir da leitura de Foucault (1987) e Amarante

(2006)... 59

Quadro 2 - Elaboração a partir de Pessotti (2006) e Pereira (2000). ... 64

Quadro 3 - As comunidades terapêuticas. Elaboração a partir de Amarante (2006) e Balvedi (2013). ... 70

Quadro 4 - Trabalho e psiquiatria. ... 74

Quadro 5 - A psiquiatria preventiva comunitária. ... 81

Quadro 6 - Ações e prioridades da psiquiatria preventiva. ... 82

Quadro 7 - Psiquiatria democrática x psiquiatria clássica. Elaborado a partir de Amarante (2006) e Passos (2000). ... 88

Quadro 8 - O modelo de atenção proposto por Basaglia. ... 89

Quadro 9 - O movimento dos trabalhadores da saúde mental e as críticas ao hospital (1978-1991). ... 90

Quadro 10 - Implantação da rede extra-hospitalar e regulação dos hospitais (1992-2001). ... 95

Quadro 11 - A reforma após a Lei Federal 10.216 (2001-20..). ... 95

Quadro 12 - Síntese dos movimentos de crítica. ... 97

Quadro 13 - Redes de Saúde, de acordo com a Portaria nº 4.279/2010 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde. ... 105

Quadro 14 - Concepções de 'objeto' e 'meios' de trabalho dos modos asilar e psicossocial. ... 108

Quadro 15 - Formas de organização institucional. ... 109

Quadro 16 - Relacionamento com a clientela. ... 110

Quadro 17 - As terapêuticas e a ética. ... 110

Quadro 18 - Modelos explicativos das doenças, conforme Camargo Junior e Favoreto (1997). ... 120

Quadro 19 - Procedimentos da clínica psicológica. ... 123

Quadro 20 - A complexidade do sofrer. ... 138

Quadro 21 - O CAPS Portas Abertas ... 155

Quadro 22 - Acolhimento ... 159

Quadro 23 - Abordagem transdisciplinar a partir do Protocolo Transdisciplinar e Estratificação de Risco (PNH) ... 162

Quadro 24 - Grupo de acolhimento. ... 166

Quadro 25 - Os Planos Terapêuticos Singulares (PTS). ... 168

Quadro 26 - O diálogo das equipes. ... 175

Quadro 27 - Aproximação CAPS-AB. ... 183

Quadro 28 - Referenciamento entre CAPS-AB. ... 185

Quadro 29 - O apoio matricial... 187

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Quadro 31 - DIálogos CAPS e Rede. ... 193

Quadro 32 - Os CAPS e os estigmas da loucura... 202

Quadro 33 - Saúde mental no tempo micro e macro. ... 208

Quadro 34 - Eixos de sustentação da política de saúde mental. ... 212

Quadro 35 - A rede de atenção à saúde mental. ... 215

Quadro 36 - Serviço itinerante de embelezamento. ... 217

Quadro 37 - Protagonismo e auto-gestão do usuário. ... 219

Quadro 38 - Vida fora da doença. ... 221

Quadro 39 - Sujeito do projeto. ... 223

Quadro 40 - As relações usuários-técnicos. ... 227

Quadro 41 - O terapêutico. ... 230

Quadro 42 - Microáreas de ativação de um grupo, com base em Contini (2017). ... 247

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AB ABP

Atenção Básica

Associação Brasileira de Psiquiatria

EACS Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde CAPS

CNSM CNS CONASP

Centro de Atenção Psicossocial Conferência Nacional de Saúde Mental Conselho Nacional de Saúde

Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária

DINSAM Divisão de Saúde Mental do Ministério da Saúde DSM Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças

Mentais

ESF Estratégia de Saúde da Família MEC

ME

Ministério da Educação e Cultura Ministério da Educação

MS Ministério da Saúde

MTSM Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental NASF Núcleo de Apoio a Saúde da Família

PET-Saúde

Programa de Educação para o Trabalho em Saúde

PRÓ-Saúde PNH

PRH

Programa de Reorientação da Formação dos Cursos na Área da Saúde

Política Nacional de Humanização da Atenção à Saúde

Programa de Reorientação Hospitalar PTS(s) Plano(s) Terapêutico(s) Singular(es)

RAIA

RAPS RAS SRT SUAS

Rede de Atendimento à Infância e Adolescência de Chapecó/SC

Rede de Atenção Psicossocial Redes de Atenção à Saúde Serviço Residencial Terapêutico Sistema Único de Assistência Social SUS

OMS

Sistema Único de Saúde Organização Mundial da Saúde

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1 INTRODUÇÃO ... 27

2 TRAJETÓRIA DA PESQUISA ... 35

2.1 A composição teórico-metodológica – cartografia ... 35

2.1.1 A cartografia e a análise institucional ... 36

2.1.2 Escolha dos locais de inserção... 40

2.1.3 A imersão no campo ... 41

2.1.4 A composição das análises ... 46

2.1.5 Análise de implicação ... 51

3 AS TERAPÊUTICAS E O SOFRIMENTO PSÍQUICO EM DIFERENTES MOMENTOS ... 57

3.1 O nascimento e a expansão da psiquiatria ... 57

3.1.1 A psiquiatria como dispositivo biopolítico ... 65

3.2 Movimentos de críticas e reformas da atenção psiquiátrica ... 68

3.2.1 As comunidades terapêuticas ... 69

3.2.2 Psicoterapia institucional ... 72

3.2.3 A psiquiatria de setor ... 76

3.2.4 A psiquiatria preventiva ou comunitária ... 78

3.2.5 A antipsiquiatria: desconstrução do saber médico sobre a loucura 83 3.2.6 A psiquiatria democrática italiana (tradição basagliana) ... 86

3.2.7 A reforma psiquiátrica brasileira ... 89

4 A ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL: A CONSTRUÇÃO DO PLANO DA CLÍNICA ... 101

4.1 Os CAPS e a produção das transformações da atenção em saúde mental 101 4.2 A Atenção Psicossocial e as clínicas ... 107

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4.2.1 A transformação institucional: modo psicossocial e asilar .... 107 4.2.2 Reabilitação psicossocial, clínicas e subjetividade ... 111 4.2.3 A clínica biomédica e o método clínico ... 119 4.2.4 A clínica como discurso ... 126 4.2.5 Clínica ampliada, acolhimento e escuta ... 129 4.2.6 Por uma Clínica Ampliada da Atenção Psicossocial ... 132 5 O SOFRIMENTO PSÍQUICO ... 133

5.1 A complexidade do sofrimento psíquico ... 133 5.2 A psicopatologia fenomenológica ... 139 5.3 A antipsiquiatria... 143 5.4 Os sintomas como produção de linguagem: Wilfred Bion .... 147

6 A CONSTRUÇÃO DAS TRANSFORMAÇÕES

TEÓRICO-PRÁTICAS NA ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL... 154

6.1 Os CAPS na construção da Clínica da Atenção Psicossocial: experiências de organização interna ... 155 6.1.1 Serviços Portas Abertas ... 155 6.1.2 O acolhimento e escuta ... 157 6.1.3 Os Planos Terapêuticos Singulares (PTS) ... 168 6.1.4 O diálogo das equipes e a integração das ações: forças e limites

172

6.1.5 As transformações em curso ... 178 6.2 Os CAPS na construção da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) 181

6.2.1 A integração com a Atenção Básica ... 182 6.2.1.1 Aproximações e reconhecimento do trabalho entre equipes e profissionais... 182 6.2.1.2 Referenciamento ... 184 6.2.1.3 Apoio Matricial e desenvolvimento de coletivos ... 186

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6.2.2.1 Atenção em Rede: a experiência CAPS-RAPS ... 192 6.2.3 Os coletivos e a experiência do impensável ... 200 6.2.4 A desinstitucionalização do imaginário social sobre a loucura

202

6.2.5 As potências da RAPS ... 203 7 EXPERIÊNCIAS DE DESPATOLOGIZAÇÃO ... 206

7.1 A Van Maluco Beleza ... 206 7.1.1 Contextualização histórica do projeto ... 206 7.1.2 Elucidando a Van Maluco Beleza ... 213 7.1.2.1 A oferta de um serviço de embelezamento a comunidades rurais

216

7.1.2.2 Protagonismo e autogestão ... 218 7.1.2.3 Cenários de potência e vida: uma estética das relações ... 220 7.1.2.4 As relações usuários-técnicos ... 226 7.1.2.5 Deslocamentos na definição de terapêuticas ... 229 7.1.3 A Van Maluco Beleza: uma síntese ... 232 7.2 Experiências de Atenção em Saúde Mental na Itália ... 235 7.2.1 Rete Italiana Sentire le voci: despatologização de ouvir vozes

236

7.2.1.1 A facilitação do grupo Sentire Le Voci... 244 7.2.2 Diálogo Aberto: um redirecionamento nas relações de poder 249 7.3 Por que experiências de despatologização ... 256

8 SAÚDE MENTAL COMO OBJETO COMPLEXO: AS

TRANSFORMAÇÕES DA ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL . 259 8.1 O objeto da atenção da Saúde Mental: diferentes pontos de partida 259

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8.2 Os sujeitos e os mundos ... 264 8.3 A organização do processo de trabalho ... 269 8.4 A crise na atenção à crise ... 272 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 279 REFERÊNCIAS ... 283

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1 INTRODUÇÃO

As reflexões que seguem são fruto do Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas/USFC, e foram provocadas em anos de atividades profissional, de ensino1, extensão e pesquisa e da atuação com psicologia clínica. As possibilidades de refletir, de fazer questões e procurar alternativas está emaranhada/hibridizada com minha trajetória pessoal profissional, que se faz aprendendo com a experiência, em me sentir mundana, inquieta, implicada, confundida, atravessada por muitos mundos e, com isso, desafiada a buscar e a ampliar.

A atuação na formação de psicólogos e enfermeiros, possibilitou discussões sobre as transformações curriculares dos cursos das áreas da saúde, para uma formação alinhada com as necessidades do SUS, através dos Programa de Reorientação da Formação dos Cursos na Área da Saúde (PRÓ-Saúde), e Programa de Educação para o Trabalho em Saúde (PET-Saúde)2. São propostas de uma parceria Ministério da Saúde (MS) e Ministério da Educação (ME)

Soma-se a inserção no movimento de discussão da Rede de Atendimento à Infância e Adolescência de Chapecó/SC (RAIA), em 2006. Uma proposta para desenvolver e articular pessoas/profissionais em torno dos problemas relacionados a infância e juventude, através da constituição de grupos de trabalhos e seminários municipais. Em 2008, esta ação integrou o PRÓ-Saúde e PET-Saúde, ampliando a reflexão3

1 Principalmente na disciplina de Estágio Acompanhado em Psicologia Clínica, com experiências realizadas na AB junto com equipes de ESF e nos Serviços de Saúde Mental.

2 Projetos fomentados pelo MS para a construção da reorientação da formação na saúde.

3 Referente à RAIA, foram publicados dois artigos. O primeiro deles: [BIASI, Ana Soraia Haddad; KEITEL, Liane; PIAZZA, Vânia Augusta Cella. O sistema de garantia de direitos da infância e juventude de Chapecó: desafios e perspectivas na atuação em rede. Revista Jurídica, Florianópolis, v. 7, n. 17, p. 107-130, jul/dez. 2010.]. O segundo texto discute as pautas conectivas, que ligam serviços e profissionais da rede de atendimento, pelos problemas concretos e através das qualidades intersubjetivas que se estabelecem entre profissionais e serviços. Estas pautas conectivas criam formas de encontros nos grupos de trabalho, que ora podem avançar para criação, e ora podem estagnar e reproduzir práticas hegemônicas e reducionistas. Este trabalho compõe a obra “Experiência em Saúde”, organizada pelo programa Pró-Ensino, da Pós-Graduação em

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sobre os desafios pedagógicos e teórico-metodológicos da graduação para avançar na multiprofissionalidade, atenção integral, atenção em rede, clínica ampliada, e perspectivas complexas dos processos de saúde e doença.

Estas experiências foram elucidando desafios no cotidiano de trabalho, quanto aos pressupostos teóricos que sustentam as práticas e as ‘ferramentas disponíveis’ aos profissionais/serviços. As formas reducionistas e deterministas de compreender os processos de saúde/doença e os sujeitos atravessa a invenção, o avanço na construção de alternativas às situações com a construção de trabalhos inter e transdisciplinar, e a atenção integral.

A pobreza e falta de acesso, somados a adoecimentos, conflitos sociais e familiares, afligem as equipes, que se mostram frágeis em recursos técnicos e pessoais frente a estas situações. As relações entre equipes e serviços da rede são, ainda, marcadas por dificuldades na comunicação e descontinuidade. As práticas são reféns, muitas vezes, de concepções ideológicas repressivas e adaptativas, ancoradas no modelo biomédico, cujo tratamento centra-se na medicação e prescrição de comportamentos4, pautado na ideia de sujeito ideal e normativo, que necessita ser tutelado em detrimento ao protagonismo e autonomia.

Em trabalhos que analisaram processos de trabalho da RAIA, percebeu-se dificuldades de vínculo e responsabilização, que geram encaminhamentos com expectativa de que hajam espaços/serviços que resolvam os problemas, que geralmente são lugares de poder-saber das especialidades médicas e outras. Há dificuldades em atuar com a responsabilidade compartilhada e a formulação coletiva de planos terapêuticos singulares (PTS), prevalecendo concepções deterministas e reducionistas que definem locais/espaços/situações como etiologia para problemas complexos, coletivos, políticos, culturais, econômicos e de compreensão e, portanto, paradigmáticos (BIASI; KEITEL; PIAZZA, 2010).

Estas experiências permitiram a discussão de diferentes âmbitos da formação, quanto aos seus pressupostos teóricos, campos de práticas e didáticas, para fazer avançar na construção de perfis profissionais alinhados com as necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). De forma sintética poderia dizer: como fazer uma formação em saúde que

Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, em parceria com a Unochapecó e a Universidade Federal do Maranhão.

4 Aparece fortemente no discurso a palavra “orientação”, como uma prescrição de ações sugeridas ao outro.

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transcenda o modelo biomédico centrado na doença e práticas medicalizadoras e seja capaz da atenção integral aos problemas de saúde, considerando estes como complexos, inter e/ou transdisciplinares? E como fazer o desdobramento desta questão para formação e atuação no campo da saúde mental?

A atenção em saúde mental sustenta-se no desenvolvimento da atenção psicossocial, e clínica ampliada, no entanto apesar das diretrizes para transformação terem nascido a partir das críticas à loucura como doença e ao modo manicomial de cuidados, o processo de desinstitucionalização têm tido dificuldades, ao ponto dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) serem chamados por críticos como CAPSicômios. Portanto, começam a fazer sentido as seguintes questões mobilizadoras:

 Como as equipes de saúde mental têm organizado suas práticas de atenção e como têm construído seu objeto de atenção?  Quais são os elementos que sustentam diferentes formas de

cuidados?

 Em que dimensões os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) estão sendo capazes de produzir rupturas no modelo de atenção? E quais elementos criam diferenças?

Um processo de transformação como a reforma psiquiátrica, segundo Venturini (2006) é feito de elementos “extrínsecos-objetivos”, que acompanham o crescimento, e elementos “intrínsecos-subjetivos”, que definem a propriedade de um processo de crescimento. A problemática desta pesquisa se circunscreve na discussão das concepções sobre o fenômeno do sofrimento psíquico e subjetividade inerentes as práticas de cuidados, delimitando estes para análise dos elementos subjetivos-intrínsecos. Compreender as dimensões filosóficas epistemológicas que sustentam os modos de fazer é elucidar as relações entre estas dimensões, o que significa também, complexificar o cenário de produção dos cuidados em saúde mental.

Tesser e Luz (2008) entendem que a compreensão complexa de um campo é dependente da interdisciplinaridade, do movimento de integração de conhecimentos das diferentes profissões. Segundo eles, a integração dos conhecimentos não é algo que se dá sem um modelo que permita compreender a interligações, é um exercício praticamente inviável a partir dos pressupostos científicos da ciência moderna, em que as partes são consideradas independentes e formam um todo. Portanto, a biomedicina não é uma perspectiva epistemológica que facilita

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compreender o fenômeno do adoecimento e sujeito numa dimensão integral. O que muitas vezes fazemos e chamamos de atenção integral, é oferecer uma cesta ampliada de produtos/terapêuticas ao usuário, produzindo uma medicalização do social. Em que a integralidade possível se direciona ao consumo de procedimentos especializados que devem suprir necessidades de saúde-doença do cidadão, fazendo uma ampliação da clínica.

Para chegar a uma clínica ampliada, é preciso ir mais longe, são necessários discursos que possam dar sentido as partes, em que uma lista de sinais e sintomas, seja recolocada em uma totalidade.

Martinez-Hernáez (2012) coloca que os movimentos de reforma dos modelos assistenciais em saúde mental ainda não conseguiram romper com as bases de compreensão do fenômeno de adoecimento mental. É necessário produzir vozes capazes de romper com o modelo da psicopatologia clássica de compreender “a loucura”, e construir alternativas que possam produzir uma clínica produtora de lugares para a loucura, para o sofrimento mental, trazendo à cena diferentes sentidos e linguagens presentes e hibridizadas de doença mental.

O trabalho dos profissionais das equipes tem em comum o cuidado ao sofrimento psíquico. Quando estes têm uma compreensão frágil sobre a complexidade sobre os sofrimentos, e os pressupostos e compromissos éticos políticos da prerrogativa “por uma sociedade sem manicômio”, que a luta da reforma pautou em 1987 afirmando uma rede alternativa de atendimento; estas acabam, muitas vezes reforçando no fazer cotidiano perspectivas hegemônicas instituídas.

Esta redução, muitas vezes, circunscreve a direção do cuidado ao sofrimento, a partir da psicopatologia e/ou psiquiatria biologizante, que é tomada como uma perspectiva totalizante de verdade, por trabalhadores da saúde e no imaginário social. Assumo a crítica ao saber da psiquiatria biologizante, e aos processos de psiquiatrização, tendo como compromisso ético-político buscar vozes que possam fazer frente ao instituído, e que necessitam ser visibilizados.

A partir destas colocações proponho como tema de estudos: abordagens do fenômeno do sofrimento psíquico e sujeito como objeto clínica ampliada da atenção psicossocial. A temática objetiva aprofundar as bases teóricas de compreensão do sofrimento psíquico, e analisar os fazeres da saúde mental buscando entender se esta tem conseguido fazer reorientações conceituais e epistemológicas quanto ao seu objeto de atenção, no sentido de compreendê-lo por racionalidades que transcendam a psicopatologia clássica/descritiva.

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Para nortear a proposta de uma pesquisa empírica desta temática, se propõe como questão de pesquisa: as práticas de atenção dos CAPS têm sido efetivas na produção de racionalidades sobre o sofrimento psíquico e sujeito/subjetividade que permitam a construção de uma clínica ampliada na atenção psicossocial?

São desdobramentos da questão de pesquisa:

 Como as equipes dos CAPS entendem o seu objeto de cuidados?  A compreensão do fenômeno do sofrimento psíquico acontece a

partir de sinais e sintomas, ou pela busca de um sujeito contextualizado?

 Que perspectivas de subjetividade acompanham o fazer da clínica da atenção psicossocial nos CAPS?

 Diante da elaboração de estratégias terapêuticas, que dimensões do sujeito são levadas em consideração?

 Que modelos de compreensão do sofrimento psíquico ancoram o fazer da clínica ampliada da atenção psicossocial?

 Sendo o CAPS o modelo de substituição dos manicômios, este dispositivo tem sido efetivo em produzir mudanças de racionalidades quanto a compreensão dos sofrimentos psíquicos?

Esta questão de pesquisa se articula com a seguinte tese: a incipiente discussão teórica conceitual acerca dos modelos sobre os quais se compreende o sofrimento psíquico, e a subjetividade dos usuários que sustentam os modos de fazer da clínica da atenção psicossocial, têm sido elemento importante de fragilização dos processos de transformação das práticas de desinstitucionalização de atenção em saúde mental proposto pela reforma psiquiátrica.

Para especificar e orientar a trajetória de pesquisa, se formulou como objetivo geral: analisar as bases de compreensão do sofrimento psíquico e sujeito em práticas de atenção dos CAPS, visando fundamentos para uma clínica ampliada da atenção psicossocial.

São objetivos específicos:

 Aprofundar os estudos sobre a perspectiva de compreensão do sofrimento psíquico, e entender elementos que contribuem para considerar o mesmo como objeto complexo;

 Cartografar processos de trabalho na clínica da saúde mental;  Estudar formas de acolhimento e de construção de planos

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 Mapear estratégias terapêuticas desenvolvidas por equipes de saúde mental;

 Compreender como usuários e familiares em atendimento definem sua situação de adoecimento;

 Descrever como a compreensão do fenômeno do sofrimento psíquico e sujeito impacta a construção dos planos terapêuticos singulares;

 Procurar pistas sobre processos de construção de novas racionalidades sobre a compreensão do sofrimento psíquico. A seguir se apresenta a trajetória desta pesquisa. O plano vivido de forma alguma se constitui na linearidade que aparentemente acompanha o decorrer deste texto. Para esta apresentação, foram feitas escolhas didáticas, influenciadas por um jeito professora de fazer planos de ensino, em constituir sequências que permitam ao leitor acompanhar a construção dos conceitos que fazem parte deste trabalho. Peço desculpas para o leitor, que muitas vezes, as questões que foram mobilizadoras de buscas através de perguntas, não estão no texto. O texto é uma tentativa de montar um resultado disso. Os negritos que marcam no decorrer do texto são indicações, que são ênfase a determinados elementos.

Após esta introdução o texto segue com um capítulo que discute a escolha metodológica da cartografia, como guia para a construção desta pesquisa.

O capítulo 3 traz uma direção histórica que marca o contexto da trajetória desta pesquisa. O ponto 3.1 aborda a constituição do objeto da psiquiatria, até a radicalização da psiquiatria biológica, e sua generalização para definir as questões de saúde mental utilizando a díade normal e desvio, em que os desvios são a dimensão patológica da saúde mental, definidos como transtornos. Esta forma de categorização permite que a psiquiatria biologizante se exima da responsabilidade em definir a etiologia das doenças, o que, ao mesmo tempo, possibilitou ampliar o número de transtornos mentais a cada revisão dos manuais de classificação.

Seguindo esta linha histórica, o ponto 3.2 relata movimentos de crítica ao modo asilar de cuidados em saúde mental, e as reformas inspiradas nestas críticas, as comunidades terapêuticas, psicoterapia institucional, psiquiatria de setor, psiquiatria preventiva e/ou comunitária, antipsiquiatria, psiquiatria democrática italiana, e reforma psiquiátrica brasileira.

O capítulo 4 continua a construção teórica dos capítulos e define o marco conceitual deste trabalho. Mudo a estratégia da escrita, pois o

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texto busca amarrar o problema, alicerçando conceitos para compreender a Atenção Psicossocial e as Clínicas, e controvérsias na produção destes modos de fazer como protagonista da transformação dos cuidados na saúde mental. Esse momento foi se construindo por leituras cartográficas, buscando pistas para entender os temas que foram se colocando. Segue com discussões sobre diferentes abordagens sobre o sofrimento psíquico, trazendo perspectivas e autores que permitem elementos que se contrapõem a redução do sofrimento a transtorno, e possibilitem a compreensão dos sofrimentos como fenômeno complexo.

Os capítulos 6 e 7 descrevem trabalhos cartografados, partir de “elementos objetivos-extrínsecos”, sobre os quais analiso as dimensões de sofrimento psíquico e sujeito, como “elementos subjetivo- intrínsecos”. O capitulo 6 enfatiza os cuidados a saúde mental realizados pelas equipes dos CAPS. Por considerar que há diferenciação significativa quanto a produção das equipes, quanto ao recorte desta pesquisa, no trabalho dentro dos CAPS, das atividades das equipes em ações integradas com a rede e/ou atenção básica, este capítulo se subdivide em “6.1. Os CAPS e a construção da Clínica da Atenção Psicossocial: experiências de organização interna”, e “6.2. Os CAPS na construção da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)”.

Enquanto que o capítulo 7 aborda experiências que segundo a linha de análise deste trabalho, rompem os modos clássicos de compreender o sofrimento e o sujeito, e operam o cuidado a partir de distintas matrizes filosóficas epistemológicas, foram agrupadas no capítulo como “Experiências de Despatologização”.

O capítulo 8 se centra em discussões sobre diferenciações nas práticas de trabalho cartografadas, e a força de desinstitucionalização produzida quando estas se sustentam em perspectivas filosóficas epistemológicas diferenciadas quanto a sofrimento e subjetividade, ressaltando movimentos que conseguem se contrapor a psiquiatrização das práticas de cuidados em saúde mental.

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2 TRAJETÓRIA DA PESQUISA

2.1 A composição teórico-metodológica – cartografia

Esta pesquisa se desafiou a experienciar a cartográfico no sentido que Barros e Kastrup (2009) e Rolnik (1989) partidários do pensamento de Gilles Deleuze e Felix Guatarri, o apresentam. Em que “cartografar é acompanhar processos” (Barros e Kastrup, p. 58). “A prática do cartógrafo diz respeito, fundamentalmente, às estratégias de formação do desejo no campo social” (ROLNICK, 2011), para isso se serve das mais variadas fontes;

[...] o que ele quer é se colocar, sempre que possível, na adjacência das mutações das cartografias... [...] o que quer é apreender o movimento que surge da tensão fecunda entre fluxo e representação: fluxo de intensidades escapando do plano de organização de territórios, desorientando suas cartografias, desestabilizando suas representações e, por sua vez, representações estancando o fluxo, canalizando intensidades, dando-lhes sentido [...]” (ROLNIK, 1989, p. 68-69).

Esta escolha dialoga com a minha experiência de anos como psicoterapeuta e na condução de grupos de supervisão em psicologia clínica e envolvimento na criação de projetos de reorientação da formação da saúde (Pró-Saúde e PET-Saúde), como inserção da saúde mental na atenção básica, construção da atenção em rede e outros.

Em todos estes espaços, a vida convidou a navegar entre possibilidades em meio a (im)possibilidades, a perceber caminhos não demarcados, e potências muitas vezes em terrenos devastados. Os terrenos sem esperança e estagnação remetem a encontros com ânimos de equipes, grupos de trabalho muitas vezes resignados em amargura, fechados em círculos de impotência, e endurecidos pelos sofrimentos do campo, advindo do trabalho com os sujeitos e suas vidas. Um campo em que são frágeis as iniciativas de diálogos que permitam as equipes refletir seu cotidiano e criar estratégias de produção potente do próprio cotidiano.

Optar pela cartografia é no sentido de buscar ferramentas que possam constituir, a partir desta trajetória, recursos que permitam a indissociabilidade entre reflexão e intervenção. Que ambas se retroalimentem integrando a trajetória desta pesquisa com a trajetória

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anterior, do plano da intervenção, com as experiências citadas acima. Soma-se a expectativa de avançar com os conceitos de autoanálise e cogestão como ferramenta de pesquisa, bem como de organização e desenvolvimento de coletivos singulares.

2.1.1 A cartografia e a análise institucional

A cartografia, segundo Baremblitt (2005), se sustenta nas diferentes abordagens da análise institucional, que têm em comum algumas assertivas. A primeira é a crítica a supremacia/hegemonia do “[...] pensamento racional científico e suas diversas especificidades, defendendo a fertilidade de todos os saberes [...]” (p. 57), questionando as [...] ideais de produção, operacionalização, neutralidade, objetividade, exatidão, e a utilidade, [...] e a capacidade de empregar de imediato seus conhecimentos” (p. 18). Pensar institucionalmente é compreender que sempre se está imerso no funcionamento e distribuição de poder e riqueza da nossa civilização. Produtores e aplicadores dos conhecimentos provavelmente estão a serviço de forças, privadas ou do estado. (BAREMBLITT, 2005, p. 18)

Todas elas “são contrárias as formas de exploração, dominação, mistificação, distorção e apropriação do saber. [...] e compartem uma Utopia Ativa que exige a liberdade, solidariedade e igualdade” (p. 57). Essa questão define a produção do conhecimento na perspectiva de pesquisa intervenção. As perspectivas Institucionalistas “são partidárias de Democracia Direta, através da participação, autoanálise e cogestão” (p. 57). Isso reflete na produção do conhecimento, para que esta não aconteça por interpretações feitas à distância e de fora.

A participação se dá pelo envolvimento do pesquisador e pesquisado num processo de construção coletiva de pesquisa. Um plano comum de produção do conhecimento em territórios, singularidades, distintos atores e protagonismos, em que a participação é eixo fundante, “[...] ser ação de ‘estar com’ ou de transversalidade em um plano comum” (KRASTRUP e PASSOS, 2015, p. 27), de confiança e interesses comuns. A pesquisa não é neutra, mas implicada. “Pesquisar COM” define “protagonismo do objeto que comparece como ‘informante’ ou ‘fonte de dados’”. A relação é de “transversalidade que desestabiliza a verticalidade que distingue e separa quem conhece do que é conhecido” (KASTRUP; PASSOS, 2015, p. 29-31). E neste sentido o processo de imersão no campo se deu através de observação participante, do envolvimento intenso com os cenários da pesquisa, acompanhando, dialogando, participando, e fazendo rodas de conversas.

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A atenção em saúde mental no Brasil, contexto desta pesquisa, com a reforma psiquiátrica assume a construção do modelo de atenção psicossocial como um instituinte, a tarefa de construir linhas de fuga, a partir da centralidade dos CAPS, no sentido de transformar o modelo de atenção5. A proposta de reorientação da assistência, confronta-se com uma forma hegemônica e instituída de operar os cuidados em saúde mental, o modo asilar, que opera pela reclusão/exclusão social dos sujeitos doentes, através da internação hospital. Há um processo de institucionalização no qual emergem novas formas de operar uma realidade em meio às velhas. A inserção realizada nesta pesquisa considerou o CAPS como uma Instituição e suas práticas adquirem uma dimensão instituinte, em que diferentes jogos de forças se colocam em cena com a tarefa de produzir novas perspectivas de compreender a atenção ao sofrimento psíquico, em um cenário instituído de fazeres e saberes sobre o cuidado em saúde mental.

O instituinte, o instituído e o processo de institucionalização, são três vertentes de processos e resultados dos jogos de forças.

Os grandes momentos institucionais, que são resultados de forças que tendem a instaurar ou transformar as instituições, se denomina instituinte. [...] um grande momento inicial e sua continuação é o processo constante de formação, [...], tem um produto, gera um resultado, e isto é o instituído. O instituído é o efeito da atividade instituinte, e o movimento contínuo, segundo o qual o instituinte vai criando e modificando uma instituição. Se denomina processo de institucionalização. Em consequência é possível dizer que: o instituinte é uma força ou uma potência produtora de instituições, o instituído é um resultado do trabalho dessa força, e o processo de institucionalização e o movimento segundo o qual o instituinte gera e transforma o instituído (BAREMBLIT, 2005, p. 37- 30).

Um processo de institucionalização é composto de forças e tendências de produção/criação, e outras de reprodução e de

5 Isto se dá através de uma sociedade sem manicômios, através da Lei N° 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental a partir de um movimento social de transformação do modelo de atenção.

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antiprodução. “As forças produtivas são instituintes organizantes e [...] são essencialmente transformadoras, revolucionárias”. Elas estão na dimensão de produção do desejo, de potência, a serviço de processos de singularização. As forças reprodutivas tendem a que tudo permaneça como está; são os instituintes organizados. Enquanto as forças antiprodutivas são aquelas “cuja essência consiste em destruir as virtualidades e possibilidades das forças instituintes organizantes, impedindo seu funcionamento”. Forças produtivas, reprodutivas e antiprodutivas se constituem em jogos de força, que atuam umas sobre as outras, “a interpenetração e integração dos instituintes organizados, reprodutivos e antiprodutivos, se denomina atravessamento. Entretanto, as forças instituintes organizantes se interpenetram e operam em conjunto, [...] denominada transversalidade” (BAREMBLITT, 2005, p. 39-40). Para os esquizoanalistas, o instituído e o instituinte, perpassa os conceitos de realidade e realteridade.

A realidade está composta por redes-superfícies, a da realidade propriamente dita, e da realteridade (realidade outra). [...] A realidade [...] é o espaço das entidades identitárias, relativamente fixas, estáveis, e circunscritas, animadas por processos de mudanças previsíveis em curso num tempo cronológico convencional. [...] um modo de produção de subjetividade alienada[...]. A realidade propriamente dita, é agrupável em quatro grandes campos[...]: a natureza, a sociedade (econômica, sociológica e cultural), o parque científico-tecnológico-industrial, e as subjetivações. Nesta superfície predominam os processos de reprodução e de antiprodução, cujo substrato é a reprodução do mesmo, do similar, do análogo e o oposto. Já a realteridade, está constituída por entidades intensivas, pré-energias não especificadas, forças não vetorizadas, pré-materiais, não formadas, [...] em um tempo chamado Aión6, que se pode entender como um

6 O tempo em Aión reclama nossa entrega e rendição, a admissão de nossa finitude. Nele, a duração de nossas vidas é comparada a um vapor, a uma pequenina flor que pela manhã floresce e ao final da tarde voa no vento. Aión exige humildade: agradecer a oportunidade de entrar na existência e encarar a aventura de viver um privilégio, como gota que se alegra em participar do mar. Em Aión, alcançamos a dimensão do eterno, da finalidade da expansão, da justa

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presente que se desdobra incessantemente em passado e futuro. Nesta superfície predomina o processo de pura produção, cujos efeitos se atualizam como novidades absolutas (BAREMBLIT, 2005, p. 67).

As relações entre realidade e realteridade tomam corpo através dos atravessamentos e das transversalidades, e compõem redes intercruzadas. A realidade é formada por conexões de sínteses disjuntivas e excludentes7 enquanto a “realteridade é formada por redes multiplicitárias de elementos singulares que podem ser conectados em infinitas direções […] se conectam por sínteses conectivas inclusas”8 (BAREMBLITT, 2005, p. 67).

E nisso se dá a produção de subjetividade por jogos de forças e processos produtivos, reprodutivos e de antiprodução, que atravessam e/ou transversalizam sujeitos/instituições, através do protagonismo ativo e passivo, individual e coletivo. Da mesma forma a produção do conhecimento se dá nesse jogo de forças, atravessado e transversalizado por diferentes segmentaridades, em que é preciso assumir uma posição política.

Deleuze e Guattari (1996), atentam nas discussões sobre a micropolítica que o vivido é segmentarizado por todos os lados e direções, espacial e socialmente. A segmentação pode ser mais flexível ou dura. E acordo com a fixidez ou flexibilidade de um segmento se produzem as sobrecodificações, como formas de homogeneização dos espaços e das relações. No entanto, a sobrecodificação, que está a serviço da reprodução das relações está sempre lado a lado com as possibilidades da criação de linhas de fuga, na produção do novo, um “[...] fluxo mutante que escapa dos códigos, não sendo, pois, capturado [...]” (p. 91). Um movimento que se evadiu dos códigos – descodificação/desterritorialização -, pode ser

medida imprecisa entre a imanência e a transcendência. Porque este é o "não tempo". E "não tempo" também é tempo. Imensurável. Tempo do para sempre. 7 Lógica clássica binária. O princípio da identidade [A é A], e da não contradição [‘A’ não é ‘não A’].

8 Lógica de quântica, de pertinência simultânea, dialógica ternária. Considera a possibilidade da dialógica de pertinência simultânea, não contraditória, entre A e não A e entre estes e T. Definindo zonas de não resistência, e este é o espaço privilegiado do fenômeno transdisciplinar. Pela pertinência (conceito da matemática difusa) T está em A e não A. “Significa dizer que, em todas as dimensões de realidades representativas de um objeto, existe certa quantidade de matéria comum a todas as dimensões” (SILVA, 2000, p. 82).

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sobrecodificado, e citam como exemplo as cruzadas que foram sobrecodificadas pelo papa.

Seguindo estas prerrogativas, esta pesquisa cartografou práticas de cuidado de atenção em saúde mental, inicialmente dos CAPS, mas, após incorporou experiências de atenção em saúde mental fora dos CAPS. No sentido de entender a capacidade disruptiva destas diferentes práticas quanto a sua capacidade de discussão teórica e conceitual dos modos sobre os quais se compreende o sofrimento psíquico e a subjetividade do usuário. Isso, possibilitou analisar os modos de compreender o sofrimento psíquico e a subjetividade como transversalidade e/ou atravessamentos para construção das práticas da clínica ampliada da atenção psicossocial.

Permitiu também refletir a dimensão epistemológica, que defini no decorrer da pesquisa como elementos “subjetivos-intrínsecos”, e sua relação com os modos de operar cuidados, os elementos “objetivos-extrínsecos”. A análise das relações entre estes elementos permitiu analisar tendências de produção/criação, reprodução e antiprodução, na construção de cuidados ampliados. Analisando ainda a dimensão epistêmica como uma força de institucionalização ou de desinstitucionalização das práticas.

2.1.2 Escolha dos locais de inserção

A definição se deu após um contato prévio, de apresentação institucional do projeto de pesquisa. O primeiro local foi o CAPS I9. Em conversa informal, abordando a pesquisa com a coordenadora do local, houve interesse pela proposta. Na época, a coordenação do CAPS entendeu que ser um locus de pesquisa na perspectiva participante, poderia ser uma oportunidade de reflexão. A partir disto, houve apresentação do projeto à equipe, que foi discutido e reconhecido com entusiasmo. Com isso encaminhou-se a autorização institucional.

Os outros serviços, com os quais foram feitos contatos preliminares por telefone, foram o CAPS II e o CAPS III. Estes serviços foram indicados como diferenciais, em termos de práticas, por profissionais que discutem e pesquisam a construção da reforma psiquiátrica há tempos. A indicação se deu pelos professora Simone Paulon (UFRGS/RS) e Silvio Yasui (UNESP/SP), contatado no Congresso Catarinense de Saúde Mental em Florianópolis em 14 de

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novembro de 2015. Também foram indicados pela psicóloga Sandra Fagundes (GHC/RS), profissional referência no Rio Grande do Sul e Brasil na luta antimanicomial e suporte à implantação da rede substitutiva, em conversa sobre a pesquisa no Congresso da Rede Unida em Campo Grande me março de 2016, pelas mesmas referências colocadas acima.

A partir destas indicações, em 2016, participei de evento no RS da luta antimanicomial. Neste evento, encontrei com profissionais e coordenação do CAPS II e CAPS III, momento em que me apresentei pessoalmente e encaminhei um resumo do meu projeto para discussão local da minha inserção, que passou pelos Comitês Gestores da Saúde Mental dos municípios em questão. Após a autorização institucional dos serviços que foram pesquisados, foram realizados dos encaminhamentos ao Comitê de Ética da UFSC, através do cadastro na Plataforma Brasil. Logo houve a aprovação, e iniciaram as viagens, cerca de 5.500 km.

No CAPS I, foram imersões quinzenais de dois a três dias, me desloquei seis vezes a cidade, que é distante 180 km de Chapeco/SC, onde vivo. Nos CAPS II e III, foi acordado uma estada de 10-20 dias por serviço de forma contínua, visto que são lugares distantes. O tempo de imersão no CAPS III acabou sendo encurtado, pois entre meios, houve abertura do edital do Programa Doutorado Sanduiche no Exterior (PDSE), lançado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), do qual participei.

2.1.3 A imersão no campo

A Lei Federal 10.216/2001 institui no Brasil um processo de reforma da atenção em saúde mental perspectivando o desenvolvimento de novas formas de cuidados neste campo. A inserção cartográfica deste estudo aconteceu no sentido de reconhecer, através de participação ativa no cotidiano de trabalho de equipes de CAPS, as transformações do modelo de atenção em saúde mental; cartografando processos de trabalho da clínica da saúde mental, através de observações das atividades realizadas, participação de diferentes espaços grupais, com usuários, entre as equipes, momentos formais e informais. Além da realização de entrevistas e rodas de conversas.

A participação ativa na cartografia, de acordo com o exposto por Pinheiro et al (2005, p. 38), “parte do desafio de abordar a história, a cultura e o cotidiano por meio do movimento, encontrando o que há de

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devir nas configurações do real (as práticas), e não o que há de linearidade ou continuidade (vigências/certezas)”.

A participação se deu acompanhando o cotidiano dos serviços, as atividades realizadas pelas equipes, buscando entender os modos da atenção em saúde mental que vem sendo realizados. Para operacionalização de alguns elementos, apesar da pesquisa cartográfica não se configurar pela definição de aprioris, foram considerados:

 Temas de contextualização: foi realizado reconhecimento dos serviços pesquisados, dos processos de trabalho, as atividades oferecidas e o fluxo de atendimentos. Também fazem parte materiais secundários, textos, escritos sobre as experiências, monografias, vídeos e outros;

 Observação participante: aconteceu no cotidiano dos serviços, com participação e acompanhamento das sistemáticas de trabalho, ações realizadas, atendimentos, reuniões equipe, processo de acolhimento, realização de planos terapêuticos, reuniões com AB, e rede;

 Entrevistas com profissionais do CAPS, residentes: foram realizadas entrevistas, individuais e coletivas, com profissionais e residentes. No CAPS II e III, foram realizadas entrevistas com usuários;

 Rodas de conversas: no CAPS I, foram realizadas rodas de conversas, no sentido de criar um plano comum de análise para a pesquisa;

 Conversas informais: foram realizadas conversas informais com profissionais, residentes, usuários, nos mais variados lugares do campo;

 Diários de campo10: as imersões geraram diários de campo, com notas descritivas e analíticas, que são os diferentes tipos de questionamentos que as observações anunciam. Esta diferenciação são um exercício da análise da implicação e no decorrer do processo perceber os atravessamentos do pesquisador. Visto que a proposta é que o pesquisador consiga se inserir produzindo transversalidades e/ou atravessamentos. Pela participação ativa no cotidiano a cartografia é uma pesquisa produzida por sujeitos implicados – portanto, foi se criando um estreito

10 Cerca de 290 páginas de diários de campo.

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vínculo entre produção da pesquisa, ciência vier e o emocionar-se11. A inserção aconteceu com aproximação progressiva, e se utilizou da atenção e o corpo vibrátil (KASTRUP, 2009), com capacidade de habitar territórios existenciais, com imersão nos territórios e seus signos (ALVAREZ; PASSOS, 2009). Para Rolnik (2011), o mergulho no movimento dos afetos, ao mesmo tempo que busca inventar passagens, e trazê-los a linguagens. O pesquisador cartográfico busca sentir os fenômenos que estão à frente, com o corpo inteiro, corpo vibrátil, “do cartógrafo se espera que mergulhe nas intensidades do presente para dar língua para afetos que pedem passagem” (ROLNIK, 20011, p. 23), pautado no fazer-saber, como caminho metodológico.

O exemplo do efeito desta possibilidade na pesquisa, foi a opção em centrar a participação no último CAPS, em apenas um projeto desta rede, considerando o reconhecimento de potência desta ação. Este reconhecimento se deu por uma percepção visual imediata, que foi a de não reconhecer neste projeto “a cara dos usuários do CAPS”. Portanto, no CAPS III a imersão foi no projeto da Van Maluco Beleza. Esta potência se contrapôs aos momentos de desvitalização vividos por mim, em ver usuários sob uso de muita medicação, prostrados e com sintomas extrapiramidais.

A entrevista foi usada nos momentos de pouso, quando a atenção levou a elementos que de alguma forma fazem vibrar, chamam atenção, dialogam com o problema de pesquisa em questão. A mesma pode acontecer de modo informal, formal, individual, ou em grupo, mas não tem o sentido simplesmente de buscar explicações sobre situações vividas, fatos, mas ela se direciona pelas trocas, “pelos modos de compartilhamento de sentidos [...] pela abertura, na experiência de entrevista, a possibilidade de transformação da experiência. Pesquisar e cuidar da experiência tornam-se dimensões inseparáveis” (KASTRUP; PASSOS, 2015, p. 31).

11 A emoção nesta perspectiva não se opõe a razão, mas a coloca como algo que é inerente ao ser humano e de suas ações. Para Maturana (1999, 2002), as emoções são disposições corporais dinâmicas que definem os domínios de ação em que nos movemos. Quando mudamos de emoção, mudamos de domínio de ação. A desvalorização da emoção pela nossa cultura faz com que não consigamos perceber o entrelaçamento entre emoção e razão, e todo sistema racional tem um fundamento na emoção. Ele nos mostra que todo o sistema racional é constituído a partir de operações com premissas previamente aceitas, a partir de uma certa emoção.

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Brazão (2013) destaca a participação ativa nas entrevistas para construção de um plano comum de pesquisa fundamentada em Daniel Stern, para o qual a afetividade ocupa destaque no compartilhar de experiência intersubjetiva, como um plano coletivo constituído inter-relacionalmente. Em que a intersubjetividade se dá por esquemas do vivido-com, como organizador da intersubjetividade. Se aproxima da psicanálise objetal, também denominada vincular (referências a Melanie Klein, Donald Winnicott e Wilfred Bion), uma das vertentes com a qual tenho constituído modos de compreensão/intervenção dos anos de prática em Psicologia Clínica.

O envolvimento no campo teve como prerrogativa a construção de um plano de análise comum, buscando a participação e implicação dos sujeitos a partir da constituição de conversas reflexivas, e entendendo que as perguntas de pesquisa necessitariam criar eco, ser compartilhadas. Fato que marca esta posição se dá em uma das rodas de conversa, em que uma participante, se interroga “então, mas se faço assim, como estou na realidade entendendo o sofrimento?” (CAPS I, notas de diários de campo, fala de profissional A.). A construção de um plano de análise comum, norteada pelo exercício da autoanálise, se deu pela constante preocupação da pesquisadora em construir diálogos reflexivos, através do compartilhar questões, objetivando um processo de construção conjunta, de participação direta, utilizando constantemente a formulação de questões como uma porta de entradas para reflexões.

As sugestões da qualificação, com as quais o projeto de pesquisa foi encaminhado para o Comitê de Ética, foram de centrar as observações na formulação dos PTSs, entendendo que isto permitiria compreender as terapêuticas e as formas de compreender os sofrimentos psíquicos e os sujeitos, bem como uma discussão do sentido de continuidade das opções num plano integrado de ações que tivessem sentido na problemática do usuário/família. No entanto, as primeiras imersões mostraram um vácuo, não era claro um momento em que estes planos eram discutidos e formulados, o que acontecia era o compartilhamento de algumas informações e/ou encaminhamentos, tanto no CAPS I, como o CAPS II. Foi possível verificar uma discussão mais ativa na proposta de estudo de caso com a rede no CAPS I, e nas experiências de apoio matricial com a Residência em Psiquiatria numa experiência com AB no CAPS II. No CAPS III, como a imersão foi especificamente em um projeto, não é possível discutir esta questão. Portanto, no CAPS I os encontros de estudos de casos, com discussão ampliada para formulação de PTS, não fazem parte da reunião semanal de equipe, mas acontece com a rede. Conforme colocação de profissionais e coordenação há conversas

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entre profissionais, que se procuram e se ajudam para definir encaminhamentos, diante de dúvidas, mas não como uma atividade de discussão interdisciplinar de casos, para realização dos PTS nas reuniões de equipes. No CAPS II, há um momento na reunião semanal em que se fala dos casos, mas tem um cunho informativo. Portanto, cartografar processos de trabalho, ações que constituem as ferramentas de produção de uma clínica ampliada da atenção psicossocial, se deu acompanhando o cotidiano, nas diferentes ações, e momentos.

Ao chegar nos serviços, principalmente nos CAPS I e II, comecei uma imersão acompanhando das atividades e construindo vínculos com os trabalhadores. Esta forma de estar no campo foi rica, pois logo as pessoas começaram a me convidar para acompanhar suas atividades. No CAPS III, a inserção aconteceu apenas em um projeto por reconhecer singularidades nesta ação. A vinculação com este também se deu rapidamente. Nesta terceira imersão, no primeiro dia de campo, acompanhei a Van Maluco Beleza em uma saída para um distrito do município. Essa experiência foi tão impactante que este projeto se tornou um pouso.

Estas imersões compuseram a proposta inicial do projeto. Em seguimento, foram organizados os diários de campo, com transcrição de entrevistas. O material das observações e das entrevistas foram organizados, por blocos com ajuda do software Microsoft Excel, e foram constituindo os blocos e a apresentação desta tese.

Junto a isto, fui selecionada para o Programa Doutorado Sanduiche no Exterior (PDSE), no edital 2016, para o cumprimento no ano 2017, que aconteceu de agosto a dezembro de deste ano. Durante o tempo do PDSE em Turim, na Itália, sugiram situações, discussões que me fizeram procurar contatos e conhecer experiências sobre práticas emergentes neste país, que passaram a fazer parte da constituição do capítulo 7. Experiências de Despatologização. Conhecer estas propostas foi essencial para contrastar formas de operar e entender os sentidos destas experiências. Estas experiências defini como Itália I, II e III.

Portanto, num sentido cartográfico, mais pousos integram esta pesquisa. No final de setembro de 2017, participei do Convegno Internazionale – Modelo Sistemico Ed Esordio Psicótico Esperienze e Confronto, em Turim. Encontro sobre atenção a crise numa perspectiva sistêmica, em que houve a discussão da experiência do Diálogo Aberto na Itália e a formação com o grupo finlandês de Jaakko Seikkula.

Busquei informações sobre esta experiência e pude participar de Reunião Nacional da Rete Italiana do Diálogo Aberto, da Avaliação Nacional do Projeto do Diálogo Aberto (Itália I), com participação dos

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operadores italianos envolvidos na experiência financiada pelo Centro Nazionale per la Prevenzione e il Crontrolo dele Malattie dal Ministero della Salute Italiano (CCM), e Azienda Sanitária Locale (I’ASL), coordenado pelo Dipartimento di Prevenzione de Turim, que me direcionou a leituras sobre o tema, participação em eventos e a possibilidade de conhecer o coordenador do projeto na Itália.

Neste percurso contatei a Rete Italiana Sentir le Voci, e conheci Cristina Contini, a presidente, com quem participei de três momentos distintos de formação (Itália II). Um primeiro foi um workshop sobre o trabalho na perspectiva dos Uditori di Voci no Seminário Internacional “The right [and opportunity] do have a [whole] live”, organizado pela WHO Collaborating Centre for Research and Training – Trieste Mental Health Departament, da Itália. Após, participei de dois dias de formação com Cristina Contini e sua equipe da Rede Italiana de Ouvidores de Vozes Sentire la Voci, Reggio Emília/ITA. O primeiro foi sobre grupos de Ouvidores de Vozes e facilitação esperta, e o segundo foi um dia de atividades com familiares e Ouvidores de Vozes.

Além disto, conheci um grupo de mútua ajuda de Ouvidores de Vozes Canto Della Serena, em Turim (Itália III), com quem passei a me comunicar via online, e tive um encontro informal com o grupo. Este grupo não se reúne formalmente, se considera um grupo de estudos, e de mútua ajuda, pois seus participantes podem ser acionados a qualquer momento por qualquer situação.

Também tive a oportunidade de realizar “Alla visita al sistema dei servizi di salute Mental” dipartimentali de Trieste/ITA, como atividade de pré-congresso citado acima. Esta experiência, assim como o encontro com o grupo de Ouvidores de Vozes de Turim, não é referida em um momento específico desta tese, mas compõe um conjunto de experiências que permitem reflexão.

2.1.4 A composição das análises

A trajetória reflexiva deste estudo inicia com 3. As terapêuticas e o sofrimento psíquico em diferentes momentos, onde discuto o nascimento da psiquiatria e a crítica desta enquanto dispositivo biopolítico de controle dos corpos, a partir do qual desenvolvo o movimentos considerados de crítica e reforma da atenção psiquiátrica, e que inspiraram diferentes reformas, como as comunidades terapêuticas, a psicoterapia institucional, a psiquiatria de setor, a psiquiatria preventiva ou comunitária, a antipsiquiatria, a psiquiatria democrática italiana, e o movimento brasileiro.

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A Atenção em Saúde Mental na reforma psiquiátrica no Brasil tem como base a construção de um modelo substitutivo de base comunitária, através dos CAPS, aos quais compete o desenvolvimento da atenção psicossocial. Neste âmbito, enfatizo a Atenção Psicossocial e as Clínicas no sentido de definir, e ir delimitando a construção teórica dos elementos desta pesquisa.

Se parto das críticas ao saber psiquiátrico clássico, a redução organicista dada ao sofrimento, não restaria alternativa a não ser de apresentar dimensões teóricas que permitam pensar o sofrimento psíquico em outras dimensões, buscando elementos que possam ir desenhando o que seria esse giro teórico, e que permitam pensar um sujeito contextualizado em relação com a eminência de sofrimento.

Este trabalho não conta com um estudo de estado da arte sobre a temática, considerando as produções de determinado tempo sobre o assunto, mas seguiu uma busca guiado por pistas para definir conceitualmente os elementos do campo de discussão. Da mesma maneira que não se circunscreve numa abordagem disciplinar, mas a constituição de diálogos entre diferentes perspectivas que contribuem com o problema de pesquisa12 no sentido de amarrar e explicar como foi se constituindo teoricamente. Para tal, discute-se abordagens de compreensão do sofrimento psíquico, a atenção psicossocial e a clínica.

As questões teóricas e as práticas de campo se constituem no espaço de reflexão desta pesquisa, e considerando os objetivos propostos. A construção teórica deste trabalho não se deu anteriormente ao trabalho empírico. A não ser a dimensão histórica da constituição do objeto da psiquiatria, e dos movimentos de críticas que inspiraram movimentos de reformas, que chega ao Brasil.

As discussões sobre a atenção psicossocial e as clínicas, e sobre o sofrimento psíquico, foram criando corpo junto as análises e discussões da parte empírica, mas por uma opção didática os temas vêm numa sequência, não constituem numa narrativa em que a produção teórica se dá junto as análise e discussões, sendo apresentadas como pontos anteriores, apesar de provocadas no processo de reflexão movidas pelo campo.

Os capítulos 6 e 7 apresentam a pesquisa de campo. O capítulo 6. Construção das transformações teórico-práticas na Atenção em Saúde Mental, relata as transformações das práticas em saúde mental.

12 As práticas de atenção dos CAPS têm sido efetivas na produção racionalidades sobre o sofrimento psíquico e sujeito/subjetividade que permitam a construção de uma clínica ampliada na atenção psicossocial?

Referências

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