• Nenhum resultado encontrado

A produção de cuidados no cotidiano de um serviço de atenção à saúde do homem

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A produção de cuidados no cotidiano de um serviço de atenção à saúde do homem"

Copied!
167
0
0

Texto

(1)

TÚLIO ROMÉRIO LOPES QUIRINO

A PRODUÇÃO DE CUIDADOS NO

COTIDIANO DE UM SERVIÇO DE ATENÇÃO

À SAÚDE DO HOMEM

RECIFE/PE 2012

(2)

A PRODUÇÃO DE CUIDADOS NO COTIDIANO DE

UM SERVIÇO DE ATENÇÃO À SAÚDE DO HOMEM

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Psicologia.

Orientador: Prof. Dr. Benedito Medrado

RECIFE/PE 2012

(3)

Catalogação na fonte

Bibliotecária Divonete Tenório Ferraz |Gominho.CRB-4 985

Q8g Quirino,Túlio Romério Lopes.

A produção de cuidados no cotidiano de um serviço de atenção à saúde do homem / Túlio Romério Lopes Quirino. – Recife: O autor, 2012. 165 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Benedito Medrado.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2012.

Inclui bibliografia e apêndices.

1. Psicologia social. 2. Homem - Saúde. Produção – Cuidados médicos. I. Medrado, Benedito. (Orientador). II. Título.

(4)
(5)

À minha mãe e à vida... ...pela possibilidade de existir!

(6)

Eu queria ser poeta, pra dizer tudo o que quero com rimas, palavras bonitas e harmoniosas... Queria ser compositor, para escrever musicas e inscrever acordes, pensar em encadeamentos melódicos e tecer palavras que ressoassem pelos ouvidos... Queria ter o poder de brincar com as palavras, de dedilhar entre as letras e fazer surgir sílabas que minimamente expressem os meus sentimentos quando escrevo esta dissertação, e especificamente esta seção que a compõe...

Com os olhos marejados vou lembrando passo a passo das (milhares de) coisas que me aconteceram nestes últimos dois anos, e até mesmo antes deles, quando decidi ingressar num programa de mestrado... Eis que chega o momento de dizer “Obrigado” àquelas pessoas especiais que estiveram presentes, de uma maneira ou de outra, me apoiando e possibilitando que a minha vida (tenha sido) e seja mais bonita...

Agradeço à minha mãe, a responsável por eu estar aqui hoje... Minha amiga, meu porto seguro, aquela que sempre acreditou em mim, e sempre me bancou! Sim! Ela foi meu banco e minha banca! Quem apostou e me fez acreditar que é persistindo que a gente alcança... Obrigado mãe! Amo você!

Ao meu irmão Thiago, meu mano, meu amigão! (BOM DIA!) Parece que te ouço sempre dizer isso quando acordo, e é engraçado te ouvir repetir sempre que nos falamos... Embora às vezes eu perca a paciência em meio a tanta repetição. Obrigado por me apoiar mano! Saudades sempre de você! Também à minha família, àqueles que tem confiado e me incentivado a buscar sempre mais...

A Bene e Jorge, este primeiro por ser mais que um orientador, um mentor para a vida. Uma pessoa que admiro bastante e com quem aprendi muito durante estes poucos dois anos de proximidade. A este último pelas palavras e conselhos, pelo afeto e acolhimento, por mostrar-se sempre disponível a conversar e a compartilhar.

À minha eterna orientadora Molije, a grande responsável pelo despertar do meu incessante desejo em fazer pesquisa. Juízo! A Aléssia por ser o exemplo de profissional que um dia almejo ser. A Bárbara (Pró Babinha...) por ser sempre uma referência para mim de profissionalismo e afeto. Amo o modo como você lida com a vida e a leveza com que conduz o seu trabalho. Te admiro bastante!

À galera do GEMA pelo acolhimento desde os primeiros dias em que cheguei em Recife. Foi importante reconhecer em vocês pontos de apoio que me possibilitassem “crescer”

(7)

Obrigado por se dispor a me ajudar! Obrigado por se interessar pelo meu tema e obrigado por, em muitos aspectos, iluminar este momento! Agradeço também às minhas flores, Alanna, Ludmila e Symone, três pessoinhas que eu adorei conhecer e principalmente compartilhar ótimos momentos... a gente bota pra quebrar! WOOOOOW! A Márcio pelos constantes devaneios teóricos e também pelas inúmeras conversas mundanas. A Jéssica por desenvolver comigo ótimas reflexões sobre a temática que escolhi estudar. A Tiago, Dara, Luisa, Celestino, Clarissa, Fernanda, Aida, Camila, Laís... estar com vocês neste período também foi uma oportunidade única de aprendizado, não apenas teórico, mas humano! Não sei se já disse o quanto me orgulho de vocês...

À Prof. Dra Mary Jane Spink e ao Prof. Dr. Aécio Matos pelas ricas contribuições ao meu projeto de pesquisa durante a banca de qualificação. Também ao Prof. Dr. Felipe Rios pelas inquietações provocadas na banca de defesa dessa dissertação.

Às minhas queridas e inesquecíveis Rose, Leide, Luanna e Mona. Minha equipecão, família de cartoon, “ralé juazeirense”. Também a Bruninha, Jayce, Lady, Gabi, Vanessa, Ju, Bruno, Joana, Pitty, Flora, Ilka, Fran... Enfim, aos/às meus/minhas amigos/as de graduação na UNIVASF, de quem tenho tanta saudade. Pessoas com quem compartilhei muitos momentos hilários e gostosos, mas também grandes desafios e verdadeiras provações. Muito do que conquistei nestes processos formativos devo a vocês, nas nossas constantes discussões (e reclamações!)... Fomos pioneiros na (A)diversidade e, uma vez assim, carregamos as marcas dos inúmeros obstáculos enfrentados. Às vezes me pego pensando no quão bons foram os anos que (con)vivemos e, por isso, tão forte é o desejo de nos reencontrarmos... Adoro a todos vocês!

Aos profissionais do Instituto PAPAI, Mariana, Ricardo, Sirley, Hemerson, Thiago... pelos momentos que pudemos conversar e trocar idéias, pela oportunidade de conhecer novas visões de mundo...

Às jóias raras que o mestrado me deu: Paloma, Karine e Rhutinha. Quem diria, quem diria? Entre uma série de compromissos, conseguimos ser o melhor grupo dentre os melhores grupos dos melhores mestrados de todos os tempos do mundo... UFA! Amo vocês!

Também a Joyce, Fernanda, Patrícia, Vivian, Pedro Paulo, Halline, Isabela, Júlia, Selma, Creuza, Igor, Flávio, Érica... enfim, toda a minha turma do mestrado. Gente foi tão bom conhecer vocês e poder compartilhar um pouquinho das delícias e angústias de ser mestrando. Sabemos como é gostoso e também sofrido esse processo, e acredito que pudemos

(8)

discordância. Foi bom conhecer um pouquinho de vocês nestes dois anos.

À galera da ABRAPSO-PE, principalmente Raíssa, Adele, Mariana, Marília, Juliana, Domitila, Patrícia e Mayara, pelos diálogos políticos, pelas risadas e preocupações, pelas redes que construímos e pelas tantas outras que fortalecemos...

À família que encontrei em Recife e que passou, nestes dois anos, por algumas (trans)formações... Renata, Patrícia Carvalho, Ana Patrícia... Principalmente a Leilane, minha irmã, minha amiga, a pessoa com quem divido a maior parte das alegrias e tristezas do cotidiano... Obrigado por estar sempre aqui e por compartilhar comigo um “lar”!

A João, secretário do programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFPE, por toda a atenção, orientação e colaboração, principalmente, nos momentos de aperreio para o cumprimento dos protocolos.

Aos profissionais e usuários do serviço de saúde com quem tive contato na realização deste trabalho, sem vocês, finalizar esta etapa da minha formação seria impossível...

À CAPES por possibilitar que esta importante etapa na minha vida acontecesse. Enfim, a todos/as vocês... MUITO OBRIGADO!

(9)

Quanto ao motivo que me impulsionou foi muito simples. Para alguns, espero, esse motivo poderá ser suficiente por ele mesmo. É a curiosidade – em todo caso, a única espécie de curiosidade que vale a pena ser praticada com um pouco de obstinação: não aquela que procura assimilar o que convém conhecer, mas a que permite separar-se de si mesmo. De que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir. Talvez me digam que esses jogos consigo mesmo têm que permanecer nos bastidores; e que no máximo eles fazem parte desses trabalhos de preparação que desaparecem por si sós no momento em que produzem seus efeitos. Mas o que é filosofar hoje em dia - quero dizer, a atividade filosófica - senão o trabalho crítico do pensamento sobre o próprio pensamento?

(10)

Figura 1. Quantidade de Municípios com ESF implantadas (de 1994 a agosto de

2011)...

Pág.

42

Figura 2. Quantitativos de ESF e ACS e cobertura populacional no Brasil (de 2001 a

agosto de 2011) ... 43

Figura 3. Disposição Espacial da Unidade de Saúde Pesquisada ... 77

Quadro 1. Taxa de Incidência de óbitos por todas as causas na faixa etária de 15-59

anos da população masculina (2005)... 49

Quadro 2. Homens/usuários entrevistados no cotidiano do serviço de saúde

pesquisado... 83

Quadro 3. Trabalhadores de saúde entrevistados na unidade básica de saúde

pesquisada. ... 84

Quadro 4. Modelo do Quadro de Análise 1, elaborado para organizar as informações

produzidas com os interlocutores da pesquisa a partir das entrevistas. ... 90

Quadro 5. Modelo do Quadro de Análise 2, elaborado para organizar as informações

(11)

ABS – Atenção Básica à Saúde

ACS – Agentes Comunitários de Saúde

AVEPSO – Associação Venezuelana de Psicologia Social BVS – Biblioteca Virtual em Saúde

CISAM – Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros DAB – Departamento da Atenção Básica

DGGT – Diretoria Geral de Gestão do Trabalho ESF – Estratégia Saúde da Família

FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz

GEMA – Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFF – Instituto Fernandes Figueira

MS – Ministério da Saúde

NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família ONG – Organização Não-Governamental

PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde

PAPAI – Programa de Apoio ao Pai (atualmente Instituto Papai) PNAB – Política Nacional da Atenção Básica

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNAISH – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem PSA – Antígeno Prostático Efetivo

PSF – Programa Saúde da Família

PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SBU – Sociedade Brasileira de Urologia

(12)

UBS – Unidade Básica de Saúde

UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

UNIVASF – Universidade Federal do Vale do São Francisco UPA – Unidade de Pronto Atendimento

(13)

PRIMEIRAS PALAVRAS... 14

Alguns Pontos de Partida... 15

A Constituição de um Campo: Limites e Possibilidades... 17

A Aproximação com o Objeto... 19

Esboçando um Processo de Pesquisa... 23

Finalizando este começo... 24

CAPÍTULO I Saúde do Homem: A Produção de um Campo e um Sujeito 27 Homens, Gênero e Políticas Públicas de Saúde... 27

A Construção/Delimitação de Modos de Ser Homem e Cuidados à Saúde... 32

Sobre a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem... 35

A Organização da Atenção Básica à Saúde: Conceitos Fundamentais e Lógica de Funcionamento... 41

Homens e Acesso aos Serviços de Atenção Básica à Saúde... 44

Números como Dispositivo de Criação de um Sujeito-Alvo das Políticas Públicas... 48

CAPÍTULO II Entre Reflexões Teóricas: A Produção da Pesquisa a partir de uma Postura Construcionista 53 Pressupostos Construcionistas... 54

A Perspectiva Construcionista... 56

Trabalhando com a Produção de Sentidos: O Estudo das Práticas Discursivas em seus Usos e Efeitos... 62

CAPÍTULO III Produzindo Caminhos: Trajetos, Linhas e Circuitos no Cotidiano de um Serviço Público da Atenção Básica à Saúde 68 Entre Objetos e Questões... 68

O Cotidiano da Pesquisa e a Pesquisa no Cotidiano: Aportes iniciais... 71

(14)

Unidade Básica de Saúde... 75

Construindo Compreensões sobre o Cotidiano: Instrumentos e Métodos para a Produção de Informações... 77

Interlocutores... 82

Considerações Éticas... 85

CAPÍTULO IV Quem disse que homem não se cuida? A Produção de Cuidados à Saúde do Homem no Cotidiano de Usuários e Trabalhadores da Atenção Básica 87 Conhecendo a Unidade Básica de Saúde: Algumas Notas sobre o Funcionamento do Serviço e as Práticas de Saúde voltadas ao Homem... 91

Práticas Discursivas sobre Saúde e Cuidado... 93

Conversando com Homens sobre Saúde e Cuidado... 94

Conversando com Trabalhadores sobre Saúde e Cuidado... 97

Produção de Cuidados à Saúde com Homens/Usuários... 101

Como os homens operam o cuidado à própria saúde e a de outros homens?... 102

Como os homens acessam e percebem os serviços de saúde da Atenção Básica?... 111

Produção de Cuidados à Saúde com Trabalhadores de Saúde... 117

Como os trabalhadores de saúde percebem a presença de homens no interior da unidade básica de saúde?... 118

Como os trabalhadores de saúde operam a produção de cuidados à saúde dos homens no cotidiano do serviço?... 127

Outras Questões Relacionadas às Práticas de Cuidado... 141

CAPÍTULO FINAL: Algumas considerações... 147

Entre Controvérsias... 148

Retomando Alguns Nós... 150

REFERÊNCIAS 154

(15)

Esta pesquisa se insere no campo de debates sobre gênero e produção de cuidados à saúde dos homens, alinhando-se às discussões que vem orientando estudos em psicologia social sobre práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano (SPINK, 2004), a partir de uma perspectiva construcionista. Dialogando com usuários de um serviço de saúde voltado para os homens e com trabalhadores/as deste serviço, buscou-se compreender como se constrói a produção de cuidados em saúde neste contexto de implantação de uma política recente. O campo de investigação escolhido compreendeu uma unidade básica de saúde que desenvolve ações de cuidado à Saúde do Homem, em um distrito sanitário da região metropolitana de Recife-PE. As informações produzidas neste trabalho resultam de entrevistas realizadas com doze homens, seis profissionais e cinco agentes comunitários de saúde que interatuavam no serviço pesquisado. Tais entrevistas foram audiogravadas e transcritas para análise. O trabalho analítico desenvolveu-se a partir de questões-eixo que contemplavam os modos como usuários do serviço e trabalhadores/as operavam a saúde do homem em seu dia-a-dia. Em linhas gerais, as análises produzidas indicam que o cuidado à saúde do homem é permeado por uma complexa rede de relações que, inegavelmente, produz-se em regimes de verdade e jogos de poder. As falas dos/as trabalhadores/as acabam (de)marcando os corpos dos homens e limitando suas possibilidades de existir ou de desenvolver práticas de cuidado. Algumas falas indicam como as questões de gênero se implicam nos modos de cuidar e nas relações dos sujeitos com os seus corpos. Observaram-se práticas discursivas marcadas pela negação:

homem não se cuida, não acessa o serviço de saúde, não é como a mulher, não participa etc.

Os/as interlocutores/as citam uma série de argumentos desfavoráveis à disponibilização de ações voltadas à população masculina no serviço e, em consequência, algumas justificativas para a menor presença dos homens se mantém, tais como a associação do hábito de cuidar ao âmbito feminino e as diferenças de horário entre trabalho e funcionamento dos serviços. Além disso, há uma noção de saúde marcada pela prevenção de agravos, medicalização e normatização das práticas de cuidado. Entre os homens e trabalhadores/as esta produção discursiva parece se alinhar, os quais apresentam uma noção de cuidado que algumas vezes extrapola o processo saúde-doença, mas que acabam reproduzindo práticas orientadas por um amplo tecnicismo médico centrado. Compreende-se que as atividades desenvolvidas no serviço pesquisado têm efeitos positivos nas ações de cuidado dos homens, no entanto, estas ainda apresentam tensões. Iniciativas têm sido feitas, embora elas ainda careçam de reflexões e amadurecimento para tornarem-se mais efetivas e abrangentes, pois, desafios continuam a surgir. Por fim, acredita-se que é necessário relativizar os modos como o cuidado à saúde do homem se produz, bem como os saberes e as práticas que o norteiam. Ao mesmo tempo, é necessária reflexão crítica sobre um dos princípios que sustentam a Política Nacional de Atenção Integral aos Homens na Saúde, a saber, o pressuposto de que a demanda de serviços de saúde por parte dos homens seria necessariamente um indicador de cuidado.

Palavras-chave: Saúde do Homem, Produção de Cuidados, Atenção Básica, Práticas

(16)

This research is situated within debates about gender and the production of men’s health care, it is also in line with discussions that have guided social psychology studies about discursive practices and the production of meaning in every day life (SPINK, 2004) from a constructionist perspective. In dialogue with users of health services designed specifically for men and with service providers, we sought to understand how the provision of health care was constructed in the context of the recent implementation of a health policy. The chosen research area comprised a basic health service unit that develops men’s health care initiatives in a public health district within the metropolitan region of Recife-Pernambuco. The information produced in this work is the result of conversations/interviews with twelve men, six professionals, and five community health agencies that were involved in the services under consideration. These interviews were audio recorded and transcribed for subsequent analysis. The analysis was developed from a series of questions about the ways in which service users and providers operationalize men’s health on a daily basis. In general, the analysis indicates that men’s health care is permeated by a complex network of relationships, that are unquestionably produced in terms of regimes of truth and power dynamics. Health workers’ statements marked men’s bodies and (de)limited their possibilities of existence or their ability to develop care practices. Some of their statements reveal how gender issues are implicated in the care of individuals and in the subjects’ relationships with their bodies. Discursive practices of denial were observed: men do not take care of themselves, they do not

access health services, they are not like women, they do not participate, etc. Speakers cited a

series of unfavorable conditions to the provision of services targeted to men and, therefore, some justifications for men’s higher rates of absence, such as the association of the habit of care with women and the differences between men’s work schedules and the hours of operation of health service providers, for example. Moreover, there is a notion of health marked by the prevention of disease, medicalization, and the standardization of care. Among men and health professionals, this discursive formulation seems to be aligned. It represents a notion of care that sometimes stems from the health-disease process, but that ends up reproducing practices guided by a broad medical-technical focus. It is evident that the activities undertaken in the services surveyed have a positive effect on men’s health behavior. However, tensions remain. While initiatives have been undertaken, they require further reflection and development to make them more effective and far-reaching, since new challenges continue to arise. Finally, we believe it is necessary to relativize the ways in which men’s health care is produced, as well as the knowledge and practices that guide them. At the same time, critical reflection is needed on the principles that underpin national policy on men’s health, namely the presumption that men’s demand for health services would necessarily be an indicator of care.

Key words: Men’s health, Production of care, Basic medical care, Discursive Practices, Care

(17)

PRIMEIRAS PALAVRAS...

Gostaria de começar de maneira diferente esta dissertação. Não é que queira ser subversivo, nem tenha a pretensão de conceder a ela um caráter de ineditismo, até mesmo porque não acho que seja este o caso. Apenas não gostaria de conceder ao meu trabalho uma dureza em sua construção, por preferir e considerar que os textos são mais agradáveis quando fluidos e são mais palatáveis quando se constroem na simplicidade.

Preferi escrever este trabalho como se estivesse contando uma história. Uma história de como um empreendimento imediato se estendeu por quase dois anos e resultou num trabalho, por assim dizer, integral (ou parcialmente acabado). Os capítulos que escrevo ao longo desta dissertação cumprem o papel definido a priori de situar, fundamentar, orientar e direcionar o meu olhar sobre determinado objeto a que outrora decidi me dedicar, a saber: a produção de cuidados à saúde do homem. Cumprindo minha posição de cientista, ou seja, de pesquisador em constante formação, não fujo do dever de descrever e defender teórica e metodologicamente minhas reflexões, mas ao mesmo tempo, busco tornar o fio condutor dessa dissertação mais tênue e levemente embaçado, buscando me fazer presente ao longo do texto... Implicação! É disto que estou falando! Ou, nas palavras de Donna Haraway (1995), conhecimento situado.

De início, prefiro contar como parti de uma ideia inicial a um produto final, ou ainda inicial, tendo em vista que a atividade científica nunca para, pelo contrário, é constantemente alimentada pelas respostas que encontramos às perguntas de que partimos, as quais por sua vez orientam outras questões que conduzirão a novas respostas... Ademais, outras respostas às mesmas perguntas poderiam ser encontradas por outros em contextos distintos, ou por mim mesmo, em momentos diversos.

(18)

Nesta primeira seção da dissertação, a qual encaro como um capítulo introdutório, apresentarei de onde estou partindo (ou o ponto que escolhi como tal), ao propor o meu estudo, e para onde pretendo ir com ele. Como eu formulei minha questão de pesquisa, e mais ainda como escolhi fazer para buscar respondê-la. Enfim, começo aqui a relatar o caminho trilhado desde que entrei no curso do mestrado até o momento em que, afinal, tento chegar à sua conclusão. Esta dissertação retrata bem isso: é o produto de um empreendimento dinâmico e inconstante!

Antes de começar este relato, é importante fazer uma consideração: como não poderia deixar de ser, o trabalho que apresento aqui é fruto de muitas reflexões e motivações pessoais, no entanto, sua realização só foi possível graças a um incessante processo de produção coletiva e negociada. Neste sentido, refiro-me a todas as pessoas que aqui se fazem presentes, nomeadas ou não, que podem ser reconhecidas como co-construtoras das reflexões que aqui estão escritas e inscritas. Cito desde meus/minhas companheiros/as de pesquisa, integrantes do núcleo de estudos do qual faço parte, inclusive o meu orientador, até as pessoas que construíram comigo informações relativas à temática que busquei investigar no cotidiano do serviço assistencial escolhido, do qual falarei mais tarde. Assim sendo, embora esteja escrevendo, em algumas vezes, na primeira pessoa do singular (presentificando-me e posicionando-me ao longo do texto), estarei sempre remetendo as considerações que faço a um contexto maior, em que tais pessoas também merecem e devem ser reconhecidas. Ao mesmo tempo, quando estiver escrevendo na primeira pessoa do plural também estarei considerando estas reflexões.

Alguns Pontos de Partida...

A seguir, descrevo algumas linhas de uma complexa rede, a partir das quais busco apresentar o objeto de pesquisa dessa dissertação, construído ao longo do meu processo de formação acadêmica. Tenho bacharelado em Psicologia pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), tendo concluído o curso em dezembro de 2009, na ênfase “Desenvolvimento em Saúde”. Desde meu ingresso na universidade/graduação, demonstrei grande interesse pela Saúde Pública/Coletiva, em especial, à Atenção Básica à Saúde (ABS) e à Estratégia Saúde da Família (ESF). No que diz respeito à minha formação específica, tenho particular interesse na Psicologia Social, e nos seus modos de produção do saber e de construção coletiva.

(19)

Diante das possibilidades formativas oferecidas pela universidade da qual fiz parte, busquei ao longo dos anos enveredar por produções acadêmicas teóricas e práticas problematizando a produção social cotidiana da saúde. Assim sendo, desde o primeiro ano da graduação venho desenvolvendo projetos de pesquisa e extensão, bem como estágios curriculares, interessado em compreender os sentidos e significados produzidos pelas pessoas/atores sociais em seus processos de subjetivação, em diferentes contextos.

Sempre acreditei que a Psicologia pode contribuir bastante à Saúde Pública/Coletiva, oferecendo a possibilidade de repensar os processos de trabalho, com a reflexão e problematização constante dos modos de intervir, apresentando uma postura crítica, criativa e mais consoante às realidades locais. A Psicologia também pode auxiliar na potencialização de espaços dialógicos, voltados à troca de saberes interdisciplinares, com a promoção de relações mais horizontais e coletivas, numa perspectiva transdisciplinar. Desse modo, é possível citar a articulação de processos interventivos diferenciados, com o desenvolvimento de trabalhos integrados, intersetoriais e coletivos lançando outros modos de compreender e lidar com o processo saúde-doença-cuidado.

Um dos temas que aparece como bastante caro nas discussões da Psicologia em diálogo com a Saúde Pública é a questão do sujeito das/nas práticas em saúde e a produção de subjetividades. Para Mary Jane Spink (2010), a Psicologia pode colaborar com os estudos sobre a problemática do sujeito nas práticas em saúde, desde que mantenha um posicionamento crítico frente às tendências universalizantes e biologizantes que historicamente marcaram a Saúde Pública. Segundo esta autora, é a partir da crítica aos saberes médicos tradicionais que a Psicologia foi/é convocada a estabelecer um diálogo constante com a Saúde Coletiva.

No entanto, a autora salienta a presença de diversos desafios, não apenas dentro da Psicologia, mas também em outros campos profissionais, na proposição de práticas que estejam de acordo com as demandas do SUS. Paradoxalmente, a noção de sujeito que permeia a produção das práticas psicológicas, uma das maiores contribuições da Psicologia para o campo da saúde, aparece também como um dos seus principais desafios. Nas palavras de Spink: “se a questão que nos mobiliza é a introdução de novas formas de atuação compatíveis com os princípios do SUS, torna-se necessário romper com aquilo que foi historicamente construído” (SPINK, 2010, p. 27).

Trabalhando com conceitos foucaultianos, Spink argumenta que as ciências humanas, dentre elas a Psicologia, “são produtos da estruturação da sociedade disciplinar. Funcionam como estratégias auxiliares de disciplina de corpos e almas” (2010, p. 33). Neste sentido, é

(20)

sobre o saber-poder disciplinador das teorias e práticas psicológicas que está se discutindo aqui. Ao constituir certa noção de sujeito, a Psicologia apresenta uma função normativa e higienizadora, que precisa ser subvertida. Ao situar a Psicologia no campo da saúde, o que se enfatiza é a compreensão dos processos de subjetivação que são forjados em cada contexto de produção da saúde, segundo determinantes sócio-históricos e culturais, e não a partir de práticas individualizantes que colocam sobre o sujeito prescrições normativas.

A Constituição de um Campo: Limites e Possibilidades

Zeidi Trindade e Ângela Andrade (2003), na introdução do livro “Psicologia e Saúde: Um campo em construção”, fazem uma breve revisão histórica da área de estudos que nomeiam como “Psicologia e Saúde”. Segundo estas autoras, esta área estabeleceu-se formalmente em 1978, como uma parte da Psicologia que compartilhava de contribuições teóricas advindas de diversos campos, tais como a Medicina, a Antropologia, a Epidemiologia, a Sociologia, entre outros. No Brasil, desde a década de 80 observou-se um grande crescimento nas produções científicas em saúde advindas da Psicologia, as quais se voltavam principalmente à investigação e produção de maneiras de se lidar com as questões de saúde. Ao mesmo tempo, também se foi observando paulatinamente uma crescente inserção dos psicólogos em instituições e serviços de saúde públicos e privados, o que possibilitou o desenvolvimento e consolidação da saúde como um promissor campo de trabalho na Psicologia.

Para Magda Dimenstein (1998), esta inserção da Psicologia na saúde, em específico na saúde pública, foi possível graças a um determinado contexto sócio-político-econômico que favoreceu o reconhecimento cultural da profissão e sua importância para a sociedade. Neste movimento, ela destaca quatro fatores que foram essenciais à entrada dos psicólogos nas instituições de saúde:

1) O contexto das políticas públicas de saúde do final dos anos 70 e da década de 80, em que se observava uma série de transformações nos modelos assistenciais bem como nas próprias formas de se compreender e se lidar com a saúde, fruto das reflexões proporcionadas pela redefinição e ampliação do conceito de saúde;

2) A crise econômica e social que o país enfrentou na década de 80, que fez com que os profissionais de Psicologia, até então fortemente concentrados nos consultórios

(21)

particulares, vissem as classes média e alta, suas consumidoras, reduzirem suas despesas com os atendimentos psicológicos;

3) Diante disto, observou-se um movimento de redefinição da categoria, que envolveu um processo de valorização do profissional de Psicologia no meio social e sua migração cada vez mais frequente dos consultórios privados para os serviços públicos, sendo as instituições de saúde (hospitais psiquiátricos, maternidades, postos de saúde etc.) suas maiores receptoras, e;

4) A psicologização da sociedade, ou seja, a criação de uma cultura psicológica no país, fortemente associada à difusão e fortalecimento da psicanálise no Brasil. Isto proporcionou um aumento na busca pelas faculdades e cursos de Psicologia, na oferta e disposição dos serviços, além da expansão do campo de atuação do psicólogo.

Atualmente, observa-se um grande número de publicações da Psicologia articuladas ao campo da saúde, a qual se apresenta como uma área consolidada. Uma simples busca nas principais bases de dados e indexadores virtuais, tais como Scielo (Scientific Electronic

Library Online) e BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), por exemplo, é capaz de revelar uma

grande variedade de temáticas que tem sido alvo de reflexões pela Psicologia. No entanto, como afirmam Trindade e Andrade (2003), há ainda um descompasso entre as demandas apresentadas pelo setor saúde e as respostas dadas pela Psicologia, tendo em vista os processos formativos dos profissionais para atuar na área e a complexidade de questões que surgem neste setor, as quais solicitam constante reflexão crítica e inspiração por parte dos psicólogos em sua atuação.

Assim, como dizem estas autoras, mesmo notando-se este grande crescimento nas últimas décadas, a produção em Psicologia e Saúde ainda aparece bastante difusa em termos de sistematização de conhecimentos, fazendo com que os profissionais e pesquisadores da Psicologia tenham grande dificuldade em se inserir e desenvolver trabalhos neste campo. Assim, apesar de promissora a área “Psicologia e Saúde” apresenta grandes desafios para seu fortalecimento, principalmente se considerarmos os diálogos necessários de serem estabelecidos entre o campo das práticas fortemente marcadas por modelos tradicionais de fazer e conceber a saúde, bem como pelas incessantes reflexões impulsionadas pela complexidade das demandas apresentadas no cotidiano dos serviços.

Quando se toma a Atenção Básica à Saúde em específico, as questões se ampliam. Segundo Dimenstein (1998) existe uma série de problemas e insucessos relacionados às práticas de psicólogos neste âmbito, o que acaba também se refletindo nas produções teóricas

(22)

originadas da Psicologia sobre este contexto de atuação. Para ela, alguns elementos que podem ser associados a estes desafios são: o relativamente pequeno tempo de inserção do psicólogo nos serviços de atenção básica, o reduzido número de profissionais que ocupam estes espaços, mesmo tendo-se percebido o seu crescimento nos últimos anos1, e o reduzido número de pesquisas e publicações que investem na atuação do psicólogo na atenção básica, ou mesmo que revelam uma preocupação da Psicologia com este campo/contexto de trabalho em particular.

Além disso, se tomarmos os estudos sobre homens e masculinidades no campo da saúde, ainda são incipientes os estudos que partem da Psicologia, principalmente aqueles que buscam problematizar a relação “homens e produção de cuidados à saúde”, a partir de uma perspectiva de gênero, como é o caso do trabalho que desenvolvemos aqui. Cabe ressaltar que reconhecemos a Psicologia como uma das ciências humanas e sociais que mais tem se dedicado aos estudos situados na intersecção gênero e saúde, no entanto, dentre as temáticas mais contempladas pelos seus pesquisadores, a produção de cuidados à saúde voltada à população masculina ainda é algo que carece de maior investimento.

Desse modo, começamos a situar a relevância do estudo para a construção desta dissertação, o qual será mais bem detalhado nos tópicos a seguir.

A Aproximação com o Objeto

Munido das reflexões acima, bem como das experiências acadêmicas que tive, principalmente no último ano de graduação, quando fui me inserindo no contexto da gestão em saúde, comecei a me questionar sobre os modos de produção do cuidado à saúde no cotidiano das Unidades Básicas de Saúde (UBS), a partir do prisma da disponibilização de recursos e organização dos serviços assistenciais. Minha ideia na época situava-se na discussão acerca das disposições políticas que inscreviam as práticas e, mais precisamente, as inscrições práticas possíveis no dia-a-dia dos serviços a partir destas disposições. No meu entender, havia aí uma controvérsia.

Começava a me questionar até que ponto as prescrições gerenciais possibilitavam o cumprimento dos princípios políticos definidos pelo SUS, e ao mesmo tempo como tais prescrições ressoavam no interior das unidades básicas. O que, afinal, produzia-se, a partir do

1

Pode-se citar, por exemplo, a publicação da Portaria nº 154/GM/MS, de 24 de janeiro de 2008, que institui os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), os quais têm a Psicologia como uma das categorias profissionais indicadas para a composição das equipes.

(23)

plano da gestão, neste dia-a-dia? Tais reflexões estiveram presentes em mim por algum tempo, e ao término da graduação, ao decidir ingressar num curso de mestrado, resolvi construir uma proposta de estudo tendo a gestão como foco.

As mobilizações provocadas pelas experiências na graduação começaram a tomar mais forma e força quando participei do II Seminário Nacional de Humanização, promovido pelo Ministério da Saúde, em agosto de 2009, momento em que de maneira mais acurada tive acesso a outras discussões acerca da gestão e da produção de cuidados em saúde, que enfatizavam a construção coletiva e a participação popular.

Ao ingressar no mestrado, estes questionamentos começaram a adquirir outros contornos. Estar no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFPE possibilitou, ao mesmo tempo, a minha inserção e vinculação ao Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (GEMA), que é coordenado pelo professor doutor Benedito Medrado, orientador desta dissertação. A entrada no GEMA atuou como um divisor de águas na minha formação acadêmica e profissional (e também pessoal).

No GEMA acabei participando de diversas ações de pesquisa e extensão, com foco privilegiado na saúde pública e com destaque no contexto do controle social e da atenção básica, além do contato com várias temáticas em estudos sobre violência de gênero, diversidade sexual, paternidade e saúde da população masculina. Neste momento, observei uma reorientação do meu olhar sobre o fazer pesquisa em Psicologia Social por meio da aproximação com o movimento construcionista, bem como pelas discussões a partir de uma perspectiva de gênero. Também tive acesso às discussões sobre homens e masculinidades, as quais não apareciam a priori na minha proposta de pesquisa, e que acabou tornando-se um dos seus eixos estruturantes.

Ao mesmo tempo, estar no GEMA possibilitou também o intercâmbio com outros pesquisadores, de diferentes formações, e seus temas de interesse, proporcionando diálogos que muito reverberaram nas minhas reflexões sobre o objeto que trabalharia. Cito, por exemplo, minha aproximação com o trabalho de Noemi Jéssica Noca (2011) que na época, estava escrevendo a sua dissertação relacionada às produções discursivas sobre homens e masculinidades num serviço de saúde voltado à população masculina, oportunizando-me participar deste momento e ir aos poucos instigando o desejo de trabalhar a relação “homens e saúde”.

As articulações no GEMA me proporcionaram também uma aproximação aos pesquisadores do Instituto PAPAI, Organização Não-Governamental (ONG) localizada em Recife e que trabalha a temática de homens e masculinidades a partir de um enfoque feminista

(24)

e de gênero, contemplando projetos que aliam ensino, pesquisa e extensão. Neste movimento de aproximação com esta organização, tive a oportunidade de participar da pesquisa “Homens

nos Serviços Públicos de Saúde: rompendo barreiras culturais, institucionais e pessoais”, à

qual este trabalho de dissertação acabou estando vinculado como uma de suas ramificações, mantendo, até certo ponto, o mesmo tom reflexivo.

Durante minha participação em atividades desta pesquisa, tive contato com diversas discussões enfocando demandas e necessidades dos homens na saúde pública relacionadas à atenção básica e as dificuldades apresentadas pelos profissionais em recepcionar estes homens e responder a tais demandas. Isto começou a me fazer considerar uma reorientação no meu objeto de pesquisa outrora definido. Ao mesmo tempo, acabei tendo a oportunidade de realizar entrevistas com alguns gestores da saúde publica, nos níveis local e estadual, que me possibilitaram acesso a informações sobre os contextos assistenciais e organização dos serviços locais. Isto foi essencial para definir possíveis direções da pesquisa.

Em agosto de 2010, participei do II Encontro Estadual de Saúde do Homem, o que me possibilitou o acesso ao processo de implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), publicada no ano anterior, 2009. Identifiquei naquele momento que entre dificuldades e êxitos, começava a ocorrer no estado de Pernambuco um movimento de busca e oferta de ações voltadas à população masculina, e isto foi despertando a minha curiosidade sobre como os serviços estavam se organizando para atender este público.

Foram estes eventos, em seu conjunto, que me fizeram optar por estudar a relação homens, gênero e saúde. Ainda não havia, no entanto, um foco específico que definisse por onde trilharia meu caminho e que orientaria a realização do meu estudo. Apenas sabia que gostaria de discutir homens/masculinidades e saúde, a partir do contexto da atenção básica. Como havia o desejo anterior de considerar o plano da gestão, resolvi definir uma questão inicial considerando também estes novos elementos que me apareceram.

Escrevi então um projeto de pesquisa, o qual foi encaminhado para o exame de qualificação, outro momento fundamental neste processo. Dentre as ponderações feitas pela banca, a qual foi composta pela Prof. Dra. Mary Jane Spink, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e pelo professor Aécio Matos, do mestrado em Psicologia da UFPE, além do meu orientador, o Prof. Dr. Benedito Medrado, destacou-se a necessidade de definição de um foco. De fato, reconheci que algo ainda não me estava claro, e assim ficou durante muito tempo, até que fui aos poucos materializando isto à medida que comecei a desenvolver minhas reflexões sobre o campo-tema (SPINK, P., 2003).

(25)

Foi durante o exame de qualificação que me veio a sugestão de investir na produção de cuidados. Não necessariamente no cuidado, enquanto conceito, mas em como este cuidado se produz ou é produzido no cotidiano de uma unidade básica de saúde, e em específico, para a minha pesquisa, voltado para o homem. Logo, comecei a esboçar questionamentos que considerassem a presença dos homens nas unidades básicas, de que modo estes homens acessavam e utilizavam os serviços da atenção básica, como eram recebidos, como os profissionais os acolhiam e respondiam às suas demandas, dentre muitas outras.

Desde o início foi minha intenção tentar fugir do plano da avaliação dos serviços de saúde. Não era meu objetivo saber se tal prática ocorria ou não, se era benéfica ou não, se era indicada ou não... Pelo contrário, minha ideia era compreender como práticas desenvolvidas pelos atores do serviço, aí incluindo usuários e profissionais, eram produzidas sob “o prisma” do cuidado.

Assim, meu objetivo neste trabalho passou a considerar a compreensão dos modos

como usuários/homens e trabalhadores de saúde produzem o cuidado à saúde do homem no cotidiano da atenção básica. Neste caso, a partir de uma leitura psicossocial, estou me

referindo às produções discursivas destes atores que inscrevem modos de ser e de viver

dentro dos serviços assistenciais. Em específico, também busquei compreender de que modo

estes homens estão presentes no serviço, como chegam, como percebem o serviço, e ao mesmo tempo como os profissionais os percebem no seu dia-a-dia.

Um último evento é ainda necessário de ser mencionado aqui. Em agosto de 2011, fui ao Rio de Janeiro fazer um breve intercâmbio no Programa de Pós Graduação em Saúde da Criança e da Mulher no Instituto Fernandes Figueira (IFF), vinculado à FIOCRUZ, sob orientação do Prof Dr. Romeu Gomes. Estive com ele durante alguns meses e neste tempo tive acesso a diversos temas, textos e pesquisadores/as, além de modos novos de enxergar o meu próprio estudo.

Neste período, trabalhamos na organização, tratamento e análise das informações que produzi no meu dia-a-dia na unidade de saúde, tendo sido, muitas vezes instigado a (re)pensar meus posicionamentos e questionamentos frente àquilo que estava chamando de “produção de cuidados”. Foi então que decidi não investir necessariamente numa discussão sobre o conceito de cuidado.

Desse modo, prefiro, neste momento, considerar a expressão “produção de cuidados”, como uma unidade semântica que diz respeito à disposição, disponibilização e utilização de determinadas práticas, recursos, serviços e ações assistenciais em saúde pública e que tem por objetivo prover a população diante das demandas de saúde que apresentam nos serviços de

(26)

atenção. Assim, não pretendo discutir o conceito de cuidado em específico, mas como este cuidado é produzido, a partir das tramas discursivas destas pessoas. Fazer esta diferenciação aqui é necessário, principalmente para mim, que muitas vezes estive relacionando, de maneira inadvertida, a noção de cuidado às práticas usualmente desenvolvidas no cotidiano dos serviços de saúde, sem considerar os efeitos dessas práticas nas vidas das pessoas às quais elas se direcionam. Logo, meu foco está nas práticas em saúde, nas práticas de cuidado, ou, mais precisamente, nas práticas que “dizem cuidar”, nos usos do cuidado, independentemente do que esse “cuidar” significa.

Esboçando um Processo de Pesquisa

Tentando circunscrever melhor a pesquisa que aqui apresento, este trabalho dissertativo está vinculado à linha de pesquisa “Processos Psicossociais, Poder e Práticas Coletivas” do curso de mestrado em Psicologia da UFPE. Nesta pesquisa, focalizei o contexto de uma unidade básica de saúde que desenvolve ações de cuidado à Saúde do Homem, em um distrito sanitário da região metropolitana de Recife-PE.

Para esta definição, ressalta-se o meu interesse, já mencionado acima, e aproximação nas discussões sobre a relação “Homens e Saúde”, tendo em vista a minha inserção no Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (GEMA/UFPE) e, especificamente, a participação na pesquisa multicêntrica “Homens nos Serviços Públicos de Saúde: rompendo barreiras

culturais, institucionais e pessoais”, a qual a minha pesquisa está vinculada.

A pesquisa Homens nos Serviços Públicos de Saúde: rompendo barreiras culturais,

institucionais e pessoais, coordenada pelos professores Dr. Jorge Lyra e Dr. Benedito

Medrado, teve por objetivo geral promover a inserção dos homens nos serviços de saúde sexual e reprodutiva, oferecidos no nível da atenção básica, através da capacitação de profissionais, elaboração de estratégias de comunicação e avaliação. Esta pesquisa foi desenvolvida em três cidades de diferentes estados brasileiros (Recife-PE, Campinas-SP e Florianópolis-SC). Em Recife, a realização da pesquisa esteve sob responsabilidade do Instituto PAPAI, em parceria com o GEMA/UFPE.

O recorte da pesquisa que apresento nesta dissertação deu-se a partir de algumas considerações importantes, que já foram relatadas no tópico anterior, as quais levaram à formulação do seu tema norteador. Para tanto, foi lançada a questão disparadora a seguir: De

que modo se produz o cuidado à saúde do homem no cotidiano dos serviços da Atenção Básica? E a partir desta, questiona-se, também: Como o homem aparece nas práticas

(27)

discursivas dos trabalhadores de saúde dos serviços da atenção básica, e qual o lugar que se tem construído para ele no cotidiano destes serviços? Como estes homens/usuários chegam ao serviço e de que modo são recebidos/acolhidos? Como os homens/usuários lidam com a própria saúde e se reconhecem em suas práticas de cuidados? Foi a partir deste conjunto de questionamentos que tentei organizar esta dissertação.

Para a realização da pesquisa, optamos por um desenho metodológico que contemplou como contexto os cenários de produção da saúde em nível territorial e como sujeitos trabalhadores/as e homens/usuários da saúde pública, que interatuam em um serviço da rede básica de atenção referenciado ao cuidado à Saúde do Homem. Neste ínterim, definimos uma proposta de estudo que utilizou como procedimentos para a produção de informações em campo, a Observação no Cotidiano, a realização de conversas informais (com inspiração na técnica de produção de entrevistas narrativas) e a construção de diários de bordo2.

Em sua realização, acreditamos que esta pesquisa pode vir a contribuir para o desenvolvimento de estudos e intervenções sobre/nas práticas em vigor e construção de outros saberes em saúde pública, auxiliando na articulação de ações que possam proporcionar melhorias na produção de cuidado à saúde do homem no SUS. Neste sentido, partimos do pressuposto de que o conhecimento das ações dos trabalhadores e usuários da atenção básica pode colaborar no planejamento de estratégias coletivas de atenção à saúde em nível comunitário, bem como ampliar as discussões sobre esta temática.

Com isto, citamos também a possibilidade de que este estudo venha a subsidiar a (co)formação de profissionais de saúde atentos aos desafios e objetivos dos contextos de trabalho em saúde, em específico à saúde do homem, antenados às demandas locais de atenção e com vistas a promover uma maior articulação transdiscipinar, democrática e intersetorial. Por fim, acreditamos que estudar a produção de cuidados à saúde do homem pode possibilitar a construção de práticas coletivas pelos diversos atores, em consonância às atuais recomendações políticas e os princípios éticos que as sustentam.

Finalizando este começo...

Tudo o que escrevemos acima tem o objetivo de traçar o processo que nos levou a partir de uma ideia inicial de pesquisa, a um produto final, inscrito numa trajetória não linear, que refere uma experiência situada. Reiteramos aqui que neste processo alguns marcos foram

2

(28)

importantes para a definição do objeto ao qual nos aproximamos, os quais já foram mencionados anteriormente.

Dessa maneira, esta dissertação está organizada em cinco capítulos, os quais foram construídos de maneira a tornar a compreensão do processo de pesquisa mais fácil. Em cada capítulo situamos rapidamente, desde o seu início, nossa pretensão imediata e desenvolvemos o texto a partir de subtópicos que se referem a temáticas ou discussões conceituais específicas. O primeiro capítulo, que denominamos “Saúde do Homem: A Produção de um Campo

e um Sujeito”, constitui o momento no qual nos dedicamos a apresentar e discutir o tema da

nossa pesquisa, a saber, a produção de cuidados à saúde do homem na atenção básica, a partir de textos (artigos, livros e documentos de políticas públicas) que problematizam e tensionam este campo de estudos. Partimos de alguns autores e pesquisadores que têm se dedicado a este campo, com o intuito de visibilizar o que tem sido abordado pelos mesmos em seus trabalhos, que desafios e limitações tem se observado nas trajetórias particulares que empreendem e também suas contribuições teórico-práticas e reflexivas sobre os campos produtivos da saúde pública, considerando as possíveis ressonâncias de tais produções.

No capítulo seguinte, que intitulamos “Entre Reflexões Teóricas: A Produção da

Pesquisa a partir de uma Postura Construcionista”, fazemos uma apresentação da

perspectiva construcionista em Psicologia Social, base epistemológica e conceitual de que partimos para a realização desta pesquisa. Neste momento da dissertação acreditamos ser essencial elencar e discutir os pressupostos históricos e filosóficos que orientam este movimento teórico, bem como os modos de fazer pesquisa a partir desta perspectiva. No ultimo tópico, apresentamos o trabalho por meio do estudo das Práticas Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano (SPINK, 2004a), menos como um campo teórico fechado e mais como uma tendência ético-política de inspiração construcionista que tem orientado o trabalho de vários grupos de pesquisadores nacionais em Psicologia Social, e que especificamente foi adotada por nós para a produção, análise e reflexão das informações resultantes do nosso processo de pesquisa.

No terceiro capítulo, “Produzindo Caminhos: Trajetos, Linhas e Circuitos no

Cotidiano de um Serviço Público da Atenção Básica à Saúde”, descrevemos de maneira mais

aprofundada os procedimentos, materiais, recursos e instrumentos que utilizamos para a realização do nosso estudo. Ao mesmo tempo indicamos os caminhos percorridos para definir nosso contexto de pesquisa e como nos posicionamos e atuamos em seu cotidiano, como nos relacionamos com os atores e de que modo escolhemos e nos aproximamos daqueles que atuaram como nossos interlocutores. Além disso, apresentamos no início do

(29)

capítulo uma breve reflexão sobre o fazer ciência e retomamos, apresentando alguns elementos novos, a discussão sobre a definição/aproximação do objeto de nossa investigação.

No quarto capítulo, que nomeamos “Quem disse que homem não se cuida? A

Produção de Cuidados à Saúde do Homem no Cotidiano de Usuários e Trabalhadores da Atenção Básica”, dedicamo-nos a apresentar e discutir as informações que produzimos no

nosso campo. Cabe salientar que se trata de um processo situado e posicionado, e que, portanto neste capítulo estão expressos aqueles componentes que nos pareceram mais importantes segundo os recortes que demos a partir das informações produzidas. Além disso, retomamos os objetivos de pesquisa e os autores/interlocutores com quem dialogamos no primeiro capítulo da dissertação, de modo a problematizar e analisar alguns aspectos do nosso objeto.

No capítulo posterior, “Algumas Considerações...”, traçamos nossas últimas reflexões a partir do trabalho que realizamos. Trata-se de uma tentativa de finalizar esta dissertação, embora não tenhamos a pretensão de esgotar nossos questionamentos. Assim, buscamos apontar alguns tensionamentos e visibilizar outras perguntas que possam manter o diálogo fluindo. Boa leitura!

(30)

CAPÍTULO I

Saúde do Homem: A Produção de um Campo e um Sujeito

Neste capítulo pretendemos situar a discussão proposta na presente dissertação em um contexto mais amplo de produção científica. Trata-se do momento de articular teoricamente a temática da “saúde do homem” aos processos de cuidado construídos pelo Sistema Único de Saúde brasileiro a partir de interlocutores privilegiados.

Abaixo construímos uma linha argumentativa que situa o interesse das ciências sociais e da saúde nos estudos sobre homens e masculinidades. Além disso, trazemos uma breve discussão de como o tema “saúde do homem” começa a ganhar destaque, principalmente, nos últimos anos, no debate das políticas públicas no Brasil. Logo, mencionamos a construção de um sujeito homem como alvo de atuação dessas políticas públicas no campo nacional, lançando mão, para isso, de levantamentos epidemiológicos e sócio-demográficos.

Homens, Gênero e Políticas Públicas de Saúde

Para iniciar este tópico, preferimos adotar a iniciativa de Romeu Gomes (2003) no início do seu texto “Sexualidade Masculina e Saúde do Homem: proposta para uma discussão”, quando se pergunta: por que decidimos estudar aqui a masculinidade e a saúde

do homem? Recorrendo a este autor, consideramos importante e necessário visualizar os

sujeitos, homens e mulheres, de maneira singular. Neste caso, estamos considerando a possibilidade de que os modos de construção de si são variados e se realizam segundo processos particulares distintos que dialogam com marcações sociais, econômicas, políticas e culturais.

(31)

Outra possível postura, também mencionada pelo referido autor, diz da adoção de uma perspectiva relacional e, neste caso, refere-se à construção social do gênero. O gênero, para Gomes (2003), aparece como “uma forma de legitimar e construir as relações sociais” (p. 826). Sendo assim, ele menciona que o termo “gênero”, construído no bojo do movimento feminista, teve papel preponderante para se pensar as relações entre homens e mulheres. Esta perspectiva relacional de gênero concedeu deslocamentos importantes no campo dos papéis masculinos, como diz este autor, possibilitando reflexões sobre a construção social das masculinidades e favorecendo problematizações sobre matrizes hegemônicas. Desse modo, seja por causa da desestabilização ou pela necessidade de se rever os papéis sexuais no cenário atual, a discussão sobre masculinidade já é um movimento que vem preenchendo diferentes espaços (GOMES, 1998).

Em linhas gerais, a noção de gênero compreende uma das contribuições das ciências sociais aos estudos na saúde, sendo usada como referência para compreender e problematizar a produção da saúde a partir de uma perspectiva multidimensional, englobando aspectos de ordem social e histórico-cultural. Os estudos considerando a perspectiva de gênero começam a ganhar força a partir da década de 70, com o movimento feminista e a luta contra a histórica subordinação feminina no meio social, herança de uma organização política hegemonizada na instituição patriarcal (FIGUEIREDO, 2008).

Como afirmam Thiago Pinheiro e Márcia Couto (2008), as mulheres organizavam suas críticas sobre as forças políticas dominantes, dentre elas a classe médica, a Igreja e o próprio Estado, que impunham, a partir do modelo biomédico, justificativas para a conformação de seus corpos. Deste modo, questões sociais, como a desigualdade entre homens e mulheres, estavam sustentadas biologicamente, sendo então alvo de questionamentos pelo movimento feminista.

Neste sentido, Joan Scott (1995), fazendo uma crítica aos históricos usos errôneos de termos gramaticais e linguísticos para definir traços de caráter e traços sexuais, afirma que a palavra “gênero” foi adotada mais seriamente pelas feministas para referir-se à organização social da relação entre os sexos, rejeitando, dessa forma, o determinismo biológico a ela associado.

Inicialmente, a noção de gênero aparece como sinônimo de “mulheres”, apresentando uma função política de busca de legitimidade. Como diz Scott (1995, p. 75) “o uso do termo ‘gênero’ visa sugerir a erudição e a seriedade de um trabalho, pois ‘gênero’ tem uma conotação mais objetiva e neutra do que ‘mulheres’”, o que possibilitaria um maior

(32)

reconhecimento das proposições teórico-analíticas do feminismo, aproximando-o das ciências sociais. Nas palavras de Scott:

O termo gênero, além de um substituto para o termo mulheres, é também utilizado para sugerir que qualquer informação sobre as mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica o estudo do outro. Esta utilização enfatiza o fato de que o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado nesse e por esse mundo masculino (SCOTT, 1995, p. 75).

Scott (1995) toma o gênero como categoria analítica, apresentando um debate a partir do questionamento de como este funciona nas relações sociais humanas e, mais ainda, como possibilita a construção de sentidos à organização e percepção do conhecimento histórico. Assim, para esta autora, o gênero adquire sempre uma perspectiva relacional: designando como se dão as relações entre os sexos, o estudo das mulheres implicaria também considerar as relações estabelecidas com os homens. A definição de gênero adotada por Scott (1995) considera que “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (p. 86).

Para Pinheiro e Couto (2008) a perspectiva de gênero possibilita uma maior visibilidade às condições sociais em que os sexos são construídos, configurando-se como uma forma mais abrangente de se abordar as relações entre homens e mulheres. Desse modo, fazer uma discussão na perspectiva de gênero no campo da saúde aqui é válido por considerarmos relevante lançar um olhar de gênero sobre os modos cotidianos de produção da saúde em nível comunitário, a partir da premissa de que as marcas de gênero, os modos de construção social de homens e mulheres importam para a oferta de serviços e construção de processos de cuidado que considerem as demandas singulares.

Ao partir de uma perspectiva relacional de gênero, acreditamos que os modos de construção social das masculinidades estão intimamente relacionados às maneiras pelas quais os homens lidam com sua própria saúde e cuidam de si e dos outros. Ao mesmo tempo, compartilhamos das ideias de Benedito Medrado e Jorge Lyra (2008) quando situam a Saúde Pública “como um campo de relações interpessoais e institucionais que se organizam em dispositivos e relações de poder e que marcam posições de sujeito e modos de ser, de saber e de fazer” (p. 810). Assim, pensar os homens e as masculinidades na saúde, a partir de uma perspectiva de gênero, implica então, situar como histórica e socialmente homens se formam e são formados em nossa cultura e os efeitos que tais processos (con)formativos tem sobre suas relações consigo mesmo, com outros homens e com as mulheres.

(33)

Tomando uma perspectiva histórica, pode-se citar que o marco dos estudos sobre a temática “homens e saúde” deu-se a partir da segunda metade do século XX, especificamente na década de 70. Estes estudos apresentavam a premissa de que a construção da masculinidade tradicional atuava como produtora de déficits à saúde (SCHRAIBER, GOMES e COUTO, 2005).

Segundo Lilian Schraiber, Romeu Gomes e Márcia Couto (2005), baseados em Couternay (2000), esta perspectiva avançou de maneira mais consistente nos anos 80, observando-se neste período uma mudança em sua nomeação, o que fez com que os estudos dos homens passassem a ser compreendidos como estudos de masculinidades. Com isto, nos anos 90, outras noções passam a ser incorporadas a estes estudos, tais como poder, desigualdade, orientação sexual, classe, etnia, religião, geração etc. No Brasil e na América Latina, os estudos com foco na relação homem-saúde começam a surgir no final da década de 80 e seguem o padrão dos estudos europeus e norte americanos (SCHRAIBER, GOMES e COUTO, 2005).

No final da década de 90, como Benedito Medrado, Jorge Lyra, Karla Galvão e Pedro Nascimento (2000) destacam, alguns pesquisadores de diversos lugares do mundo vinham se dedicando a refletir sobre a construção social das masculinidades no intuito de problematizar de que modo os homens atualizavam, ou não, no seu cotidiano, o modelo hegemônico de masculinidade. Em território nacional, na segunda metade da década de 90, a publicação de teses e dissertações sobre a temática concedeu fôlego a esta discussão, quando se observou também a construção de uma rede de diálogos entre diversos estudiosos e interessados, bem como investimentos por parte das agências de fomento. Na visão destes autores, conhecer as práticas sociais dos homens poderia contribuir para diversos programas e ações de saúde, podendo-se citar a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, o enfrentamento da violência de gênero, e melhorias na saúde das crianças, das mulheres e dos próprios homens.

Medrado et al (2000) enfatizam dois eventos sócio-políticos que podem ser tomados como marcos no investimento e visibilidade no estudo de homens e saúde reprodutiva e sexualidade: a IV Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, ocorrida no Cairo, em 1994, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Beijing, em 1995. Recomendações destes eventos abrangiam a necessidade de uma maior participação masculina na promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, envolvendo os homens em ações relativas à “paternidade responsável” e ao uso de métodos anticoncepcionais.

É nesta direção que queremos situar a construção, nos últimos anos, de uma suposta visibilidade dos homens no campo da saúde. Não estamos partindo de um ponto de

(34)

argumentação que coloca os homens como desfavorecidos no campo dos direitos em saúde, pelo contrário, compreendemos que a construção da “saúde do homem” parte de um movimento que em muito difere do que ocorreu com a “saúde da mulher”, por exemplo, que partiu de uma série de ações afirmativas com vistas ao fortalecimento de seus direitos. Do mesmo modo, não estamos aqui compartilhando da ideia de uma separação necessária entre os gêneros no campo da saúde, nem tampouco, estabelecendo privilégios entre um ou outro. Pressupomos, como já afirmado, que é necessário considerar as demandas singulares e relacionais, identificando as necessidades dos homens no campo da saúde.

Patrícia Bezerra e Itamar Lages (2011) fazem considerações importantes na discussão que se assume entre homens e direitos de saúde. Nas palavras destes autores, quando se fala em direito à saúde, é preferível abordar a acepção da “deliberação dos direitos de cidadania”, concernindo à perspectiva de ultrapassar de uma noção estritamente jurídica (o direito jurídico, de garantia de uma série de processos de cuidado, acolhimento, assistência clínica etc.), para englobar também o “direito do homem a ser sujeito de si” (p. 274-275). Assim, citando Paulo Henrique Martins (2009, p. 59) eles afirmam que “o entendimento contemporâneo da cidadania exige considerar-se que o jurídico é apenas um dos termos constituintes, devendo ser lembradas igualmente a moral e a política”.

Isto fica mais claro quando consideramos o texto da ainda recém-publicada Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem – PNAISH (BRASIL, 2009a) que aborda, desde a sua introdução, a necessidade de “mobilizar a população masculina brasileira pela luta e garantia do direito social à saúde”, constituindo-se esta mobilização um dos seus desafios, com vistas a “tornar os homens protagonistas de demandas que consolidem seus direitos de cidadania” (p. 16). Assim, compreendemos que a convocação dos homens às ações de saúde, e mais ainda, o reconhecimento dos homens como sujeitos alvos das políticas públicas em saúde torna-se fundamental por considerarmos importante que homens e mulheres sejam vistos como sujeitos de direitos.

Neste sentido, é mister considerar que a publicação da PNAISH é um importante passo na consolidação deste objetivo. Ainda estamos começando a sentir seus efeitos e ressonâncias, tanto no plano científico, com o grande e recente aumento de publicações relacionadas à temática, quanto no campo das práticas em saúde, com a paulatina inserção de ações voltadas à população masculina no cotidiano dos serviços assistenciais. Voltaremos a discutir melhor a publicação da referida Política em outro tópico desta dissertação.

Referências

Documentos relacionados

Este trabalho tem como objetivo contribuir para o estudo de espécies de Myrtaceae, com dados de anatomia e desenvolvimento floral, para fins taxonômicos, filogenéticos e

A cinomose é uma doença que pode ter rápida progressão, com sintomatologia nervosa, levando animal a óbito em poucos dias, como no caso em questão. Quando

6 Num regime monárquico e de desigualdade social, sem partidos políticos, uma carta outor- gada pelo rei nada tinha realmente com o povo, considerado como o conjunto de

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

Afinal de contas, tanto uma quanto a outra são ferramentas essenciais para a compreensão da realidade, além de ser o principal motivo da re- pulsa pela matemática, uma vez que é

Bom, eu penso que no contexto do livro ele traz muito do que é viver essa vida no sertão, e ele traz isso com muitos detalhes, que tanto as pessoas se juntam ao grupo para

No Estado do Pará as seguintes potencialidades são observadas a partir do processo de descentralização da gestão florestal: i desenvolvimento da política florestal estadual; ii

Com a mudança de gestão da SRE Ubá em 2015, o presidente do CME de 2012 e também Analista Educacional foi nomeado Diretor Educacional da SRE Ubá e o projeto começou a ganhar