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MARFISA OLIVEIRA CACAU
Qj7:f?)
A LEGALIDADE DA CONSTITUiÇÃO DE EMPRESAS OFFSHORE
/.~
1--FORTALEZA 2006
INTRODUÇÃO .
PAíSES COM TRIBUTAÇÃO FAVORECIDA .
1.1
Origem .1.2
Conceito... 111.3
Distinção entre os países com tributação favorecida, os paraísosfiscais e os regimes fiscais preferenciais... 14
2.SOCIEDADES
OFFSHORE..
.
...
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...
...
17
2.1
Conceito... 17 2.2 Caracteristicas... 19 2.3 Centros Offshore 20 2.4 Espécies ~... 21 2.5 Sociedades Transnacionais... 223 DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL... 24
3.1
Conceito 24 3.2 Pluritributação Internacional... 263.3
Soberania Fiscal 29 3.3.1 Âmbito de incidência e âmbito de eficácia... 313.4 Princípios de Conexão... 34
3.4.1 Princípio daTerritorialidade... 35
3.4.2 Princípio da Universalidade... 38
3.5 Critérios de Conexão... 40
3.5.1 Critérios de conexão objetivos... 42
3.5.2 Critérios de conexão subjetivos... 44
3.5.2.1 Nacionalidade... 45
3.5.2.2 Residência... 47
3.5.2.2 Domicílio... 50
3.6 Planejamento tributário internacional... 51
3.6.1 Elisão, evasão e elusão fiscaL... 53
3.6.2 Transferência da sede da empresa para o exterior... 55
CONSIDERAÇÕES FINAiS... 59
REFERÊNCiAS 61
7
9
Q...,Considers the legality of the constitution of offshore companies by Brazilian Corporations. Analyzes: the origin and characteristics of these companies, under a capitalist perspective; the concept of countries with a favorable tax regime, preferential tax regimes and tax havens; the main institutes of International Tax Law, especially the principies used by companies when planning its business in more than ons country, in order to reduce the tax paid. Concludes that there is no tax advantage in transferring the center of the company to a foreign country, in order to incorporate an offshore company. However, even if there is a tax benefit, this legal operation is legitimate, and therefore justifiable.
Avalia a legalidade da constituição de sociedades offshore, por empresas, a princípio, brasileiras. Nesse desiderato, analisa: a origem e as principais características dessas empresas, sob uma perspectiva capitalista; o conceito de países com tributação favorecida, paraísos fiscais e regimes fiscais preferenciais; os principais postulados de Direito Tributário Internacional, notadamente os princípios utilizados pelas sociedades ao planejarem a sua atuação em vários países, visando a economia de tributos. Conclui que a transferência da sede para o exterior, a fim de constituir uma empresa offshore, não encerra nenhuma vantagem fiscal diretamente. Contudo, ainda que assim não o fosse, tratar-se-ia de negócio jurídico plenamente legítimo, porquanto provido de causa.
Palavras-chave: Offshore. Países com tributação favorecida. Direito Tributário ternacional.
A LEGALIDADE DA CONSTITUiÇÃO DE EMPRESAS OFFSHORE
Monografia submetida
à
Coordenação doCurso de Graduação em Direito, da
Universidade Universidade Federal do
Ceará, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Aprovada em_----.;' __ '__
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. João Luís Nogueira Matias (Orientador)
Univerdade Federal do Ceará - UFC
Prof. Abimael Carvalho
Univerdade Federal do Ceará - UFC
Dr. José Maria McCall Zanocchi Advogado
A LEGALIDADE DA CONSTITUiÇÃO DE EMPRESAS OFFSHORE
Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. João Luís Nogueira Matias
FORTALEZA
2006
A Oxfam International, uma organização internacional destinada ao combate da pobreza, estima que, anualmente, cerca de 50 (cinqüenta) bilhões de dólares deixam de entrar nos cofres de países em desenvolvimento por conta da existência dos chamados "paraísos fiscais'".
De fato, os paraísos fiscais, que são zonas de tributação privilegiadas,
nas quais certos tributos não são cobrados ou são taxados em valores irrelevantes, tornaram-se o principal destino dos escritórios controladores de empresas multinacionais.
Na verdade, esses escritórios têm se instalado em locais que aliam tanto vantagens fiscais, como societárias, bancárias e financeiras, facilitando os negócios
e as trocas comerciais das empresas. Os territórios que reúnem todas essas características denominam-se centros offshore, ao passo que as empresas que nele
são
instaladas são designadas sociedades offshore. Apesar de instaladas em tais territórios com tributação favoreci da, as atividades das empresas offshoredesenvolvem-se em países diversos daquele em que foi constituída.
Tais empresas possuem uma conotação extremamente negativa no imaginário brasileiro. De fato, a percepção do instituto não poderia ser outra; uma vez que o termo offshore está sempre associado a escândalos envolvendo crimes contra a Ordem Tributária e a Administração Pública, tais como evasão fiscal, lavagem de dinheiro, peculato e corrupçãe.
1COUL8Y.Hilary. Investment, Competition and Govemment Procurement: Positive Altematives to the WTO Agenda. Oxtam International, mar. 2003. Disponível em: <www.oxfam.org/en/files/ doc03.03_investmenCcompetition_altematives_wto_agenda/download>. Acesso em: 29 set. 2006.
Nesse contexto, faz-se imperiosa a análise da legalidade dessas
operações, com vistas a desmistificar o seu sentido pejorativo, ou estiqmatizá-lo definitivamente.
o
presente trabalho visa a, portanto, analisar a legalidade da constituição de sociedades offshore por empresas a princípio consideradas brasileiras. Assim;após a definição dos países com tributação favorecida, passaremos a explicação das empresas offshore, seguindo-se
à
sua contextualização dentro da disciplina do Direito Tributário Internacional, tudo isso analisado sob a perspectiva da tributação1 PAíSES COM TRIBUTAÇÃO FAVORECIDA
1.1 Origem
Karl Marx, o grande filósofo do capitalisrno'', teorizou que há uma tendência constante na redução da taxa de lucro praticada pelas empresas. A razão desse decréscimo seria o desenvolvimento de novas e modernas tecnologias, cada vez mais dispendiosas, o que acarretaria, por conseguinte, um aumento no valor do custo de produção da mercadoria',
Para Marx, o capital total utilizado em uma indústria seria formado por uma parte constante e outra variável. O capital constante envolveria todos os custos fixos do processo produtivo, como o valor das máquinas, matérias-primas, produtos intermediários, etc. O capital variável, por sua vez, corresponderia à força de trabalho aplicada na produção. Enquanto o valor do capital constante seria repassado sem alteração para o valor final da mercadoria, os custos despendidos com o capital variável deveriam ser maximizados, dando origem
à
"rnais-valia'", que geraria olucro.O surgimento de máquinas mais modernas ocasionaria, então, um duplo efeito: se, por um lado, reduziria o valor gasto com o capital variável, substituindo a
2 Capitalismo é definido como o "sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos
meios de produção, na organização da produção e visando o lucro e empregando o trabalho
assalariado, e no funcionamento do sistema de preços." (FERRE IRA, Aurélio Buarque de Holanca. Novo Aurélio XXI: O Dicionário da Língua Portuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
f·398).
As mercadorias são bens produzidos com a finalidade de troca. Para Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, mercadoria significa: "[...] aquilo que é objeto de comércio; bem econômico destinado à venda; mercancia." (Ibidem, p. 1319).
4 Mais-valia, que mede a exploração dos assalariados pelos capitalistas, sendo a fonte do lucro
desses, deve ser compreendida como o "valor do que o trabalhador produz menos o valor de seu próprio trabalho (dado pelo custo de seus meios de subsistência". (Ibidem, p. 1257).
força de trabalho, por outro, aumentaria o valor investido através do capital
constante, culminando num acréscimo direto no valor final da mercadoria,
Leo Huberman, explicando a relação entre capital total, capital constante,
capital variável e mais-valia, esmiuçou o cálculo realizado pelos capitalistas a fim de
dobrar o lucro de suas empresas, a despeito do aumento gradual no valor do capital
constante:
Observe-se, porém, o que foi necessário para que tal ocorresse. O capital
variável. de onde provém exclusivamente o lucro, teve de ser dobrado; e,
como a moderna técnica de produção demanda um aumento contínuo no
volume de capital constante em relação ao variável, enquanto v [capital
variável] dobrou,
c
[capital constante] teve de ser triplicado. E nisso está oproblema. A fim de aumentar o total de lucro, os capitalistas são obrigados a
acumular mais e mais capital. Não há escolha. Se a acumulação parar,
então o total de lucro (bem como a taxa) cai.
Todo capitalista sabe disso. A concorrência no mercado ensinou-lhe que
tem de economizar seu dinheiro e reinvestir somas sempre maiores no
negócio - ou sucumbir na luta. Tem que acumular, acumular sempre, para
que seu capital total possa aumentar suficientemente para derrotar a taxa
de lucro decadente."
A busca capitalista pelo aumento dos lucros encontrou no processo de
globalização o caminho para alcançar seus objetivos: o avanço dos meios de
comunicação, notada mente com relação ao desenvolvimento da rede mundial de
computadores, permite às empresas, com uma extrema facilidade, escolher entre os
países do globo aquele que mais se adequa aos seus anseios de alta lucratividade.
É
nesse contexto que se insere a procura - e, conseqüentemente, osurçírnento -
por países com tributação favorecida. De fato, sendo o tributo" parcelado capital constante da empresa, na medida em que se qualifica como custo fixo no
processo produtivo, a instalação de estabelecimentos em países que concedam
5 HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Tradução Waltensir Dutra. 20. ed. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1984. Título original: Man's Worldly Goods. p. 283.
6Código Tributário Nacional de 1966, artigo 3°: "Tributo étoda prestação pecuniária compulsória, em
moeda ou em cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em
incentivos fiscais impõe-se como uma alternativa extremamente atrativa para os
capitalistas, uma vez que permitirá a redução do valor gasto com custos fixos;
viabilizando um conseqüente aumento da taxa de lucro.
1.2 Conceito
o
ordenamento jurídico brasileiro considera país de tributação favorecidaaquele que não tributa a renda", ou que, tributando-a, fixa a alíquota máxima
incidente em patamar inferior a 20% (vinte por cento)".
Esta definição foi positivada pela Lei nO. 9.430/96, instituída com o
objetivo de exercer um controle sobre os preços de transferência praticados nas
transações comerciais realizadas entre empresas residentes no Brasil e empresas domiciliadas em países com tributação favorecida.
Helena Torres, explicitando no conceito dado pelo International tax
glossary, do IBFD (lnternational Bureau of Fiscal Documentation), define preços de
transferência como:
[...] a determinação dos preços a serem cobrados entre empresas
relacionadas - particularmente pelas companhias internacionais
-relativamente a transações entre vários membros de seu grupo (venda de
bens, prestação de serviços, transferência e uso de tecnolagia e patentes,
7 O Código Tributário Nacional, em seu artigo 43, inciso I,define renda como sendo o "produto do
capital, do trabalho ou da combinação de ambos". Originalmente, contudo, renda tem o mesmo
significado de rendimento, sendo ambos considerados o fruto produzido pelo capital aplicado. (SILVA,
De Plácido e.Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 25. ed. Rio
de Janeiro: Editora Forense, 2004. p. 1198 e 1200). Não obstante, renda e rendimento serão
mencionados neste estudo como termos sinônimos, na acepção definida pelo Código Tributário
Nacional.
8Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, art. 24: "Asdisposições relativas a preços, custos e taxas de
juros, constantes dos arts. 18 a 22, aplicam-se, também, às operações efetuadas por pessoa física ou
jurídica residente ou domiciliada no Brasil, com qualquer pessoa física ou jurídica, ainda que não
vinculada, residente ou domiciliada em país que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota
mútuos etc.). Comotais preços nem sempre sãonegociados livremente os mesmos podem divergir daqueles determinados pelas forças livres de mercado,nas negociações entre partes nãorelacionadas."
Os preços de transferência (do inglês
transfer pricing)
constituem, emverdade, uma técnica de transferência indireta de lucros, utilizada hodiernamente
pelos grandes conglomerados econômicos, os quais, visando a se esquivar de uma
tributação mais gravosa em determinado país, manipulam os preços dos produtos e
serviços comercializados entre as empresas do mesmo grupo, a fim de reduzir ou
maximizar a base de cálculo sobre a qual incide o imposto sobre a renda.
Nesse sentido, Ana Cláudia Akie Utumi explica que:
Os preços de transferência, sendo artificialmente determinados, isto é, não
expressando o real valor econômico contido no bem, direito ou serviço
transacionado,afetam sobremaneira o lucro das empresas envolvidas.
Ao se reduzir o lucro,reduz-se,também, a base de cálculo dos tributos que
incidem sobre o lucro, resultando em uma evasão de arrecadação ao país
de Quem paga o preço artificialmente majorado, em favor do pais daquele
que recebeu osobrevator."
A lei nO.9.430/96 presume que há transferência indireta de lucros todas
as vezes que uma empresa brasileira transacione com uma empresa residente em
um país de tributação favorecida. Dessa forma, a fim de apurar o real valor da
mercadoria ou serviço, a citada lei prescreve uma série de
m
é
todos"
a seremutilizados pelo administrador, de maneira a fazer incidir o tributo sobre o preço de
transferência retificado.
Na aferição de quais países se consideram como de tributação
favoreci da, são averiguados não somente aspectos objetivos, como a alíquota
9 TORRES, Heleno. Direito Tributário Internacional: Planejamento tributário e operações
transnacionais.São Paulo:Editora Revista dos Tribunais,2001.p. 163.
10 UTUMI, Ana Cláudia Akie. Países com Tributação Favorecida no Direito Brasileiro. Direito
Tributário Internacional Aplicado. Coordenação Heleno Taveira Tôrres. São Paulo: Quartier Latim,
2003. p. 243.
11 Para uma melhor leitura sobre os métodos utilizados no combate à manipulação dos preços de
incidente ou a base de cálculo do imposto sobre a renda - os quais devem ser
analisados conjuntamente, a fim de evitar distorçães no cálculo do tributo efetivo12
-mas também nuances subjetivas: os países que concedem benefícios fiscais apenas
a determinadas empresas, em razão da atividade exerci da, são considerados, para o
fim da Lei nO. 9.430/96, como de tributação favorecida, desde que não haja
tributação sobre a renda dessas empresas, ou a alíquota incidente não seja superior
a 20% (vinte por cento)".
Na prática, pela amplitude desse aspecto subjetivo, todos os países
podem ser considerados como de tributação favorecida, para fins de controle de
preços de transferência, uma vez que a concessão de incentivos fiscais apenas a
determinadas atividades, com vistas a desenvolver certos setores produtivos e
í
n
c
r
ernentar
a economia regional, é uma prática rotineiramente adotada pelosA Instrução Normativa nO.188/0215, da Secretaria da Receita Federal, traz
uma lista exemplificativa 16 dos países considerados como de tributação favorecida,
12Ana Cláudia Akie Utumi explica que, não obstante a alíquota praticada por um determinado país
seja superior à 20%, a tributação efetiva pode ser inferior a esse percentual, para fins de
enquadramento no conceito da Lei nO.9.430/96, uma vez que a base de cálculo pode ser divergente
da adotada no Brasil (que é, conforme o artigo 44 do Código Tributário Nacional, o montante real,
arbitrado ou presumido da renda). Assim, por exemplo, as Antilhas Holandesas determinam que a
alíquota incidente no imposto sobre a renda é de 35%. Ocorre, contudo, que a base de cálculo do
imposto é de apenas 8% do lucro auferido, de modo que a carga tributária efetiva incidenie é de
somente 2 8%. Dessa forma, as Antilhas Holandesas são consideradas como um local de tributação
favorecida, sujeitando-se as suas empresas, quando transacionam com residentes no Brasil, a um
cüntíOJe dos preços de transferência. (UTUMI, Ana Cláudia Akie. Op. cit., p.234).
13Lei 9.430/96, artigo 24, §1°:"Para efeito do disposto na parte final deste artigo, será considerada a legislação tributária do referido país. aplicável às pessoas físicas ou às pessoas jurídicas, conforme a natureza do ente com o qual houver sido praticada a operação.".
14 Assim, por exemplo, o Brasil com relação à Zona Franca de Manaus: são concedidos incentivos
fiscais a fim de propiciar o desenvolvimento da Região Norte.
15 Instrução Normativa n°. 188102,artigo 1°: "Para todos os efeitos previstos nos dispositivos legais
discriminados acima, consideram-se países ou dependências que não tributam a renda ou que a
tributam à alíquota inferior a 20% ou, ainda, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à
composição societária de pessoas jurídicas ou àsua titularidade as seguintes jurisdições: [ ...].". 16 Concorda-se com Heleno Torres quanto a impossibilidade desta lista ser taxativa: "A taxatividade da listagem dos países com tributação favorecida é criticável por três razões: primeiro, porque sempre
com o objetivo de facilitar ao administrado o acesso a esse tipo de informação, já
que não
é
razoável exigir deste que consulte a legislação tributária de todos ospaíses em que residam as empresas com as quais transaciona.
Essa Instrução Normativa trouxe, ainda, uma outra novidade: ampliou o
conceito de país com tributação favorecida 17, incluindo nesse rol aqueles cuja
tegislação interna oponha sigilo relativo
à
composição societária ouà
titularidade daspessoas jurídicas, independentemente da tributação incidente sobre a renda.
1.3 Distinção entre os países com tributação favoreci da, os paraísos fiscais e
0$ regimes fiscais preferenciais
É comum utilizar os termos "países com tributação favorecida", "paraísos fiscais" e "regimes fiscais preferenciais" para designar, indistintamente, aqueles
locais que fazem incidir uma tributação em valores bastante inferiores aos
usualmente praticados pela maioria dos países. Cumpre, contudo, delimitar cada um
desses conceitos, a fim de evitar distorções.
será possível a utilização intermediária de um território qualquer entre o "país com tributação favorecida" e o país da lista; segundo, por falta de revisão e atualização freqüente da lista, gerando tratamentos desiguais para sujeitos em condições semelhantes; e, por último, porque ela não esgota todas as possibilidades de espécies de países com tributação favorecida [...[.", (TORRES, Heleno. Op. cit., p.93-94).
17 Ana Cláudia Akie Utumi discute a legalidade da Instrução Normativa n°. 188/02, visto que; enquanto ato administrativo, deveria se limitar a regulamentar à lei - no caso, a Lei n°. 9.430/96 -constituindo, por conseguinte, manifesta ilegalidade a ampliação do conceito, para incluir países cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societáría ou à titularidade das pessoas jurídicas (UTUMI, Ana Cláudia Akie. Op. cit., p. 240-241). Ocorre, contudo, que essa ampliação do conceito já havia sido feita pela Lei 10.451/02, que em seu artigo 48 dispõe que: "As disposições relativas a preços, custos e taxas de juros, constantes dos arts. 18 a 22 da Lei na9.430 de 27 de dezembro de 1996, aplicam-se, também, às operações efetuadas por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil com qualquer pessoa física ou jurídica, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada em país ou dependência cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou àsua titularidade.·.
A expressão "país com tributação favoreci da" é a adotada no Brasil,
positivada pela lei nO.9.430/96, abrangendo: (i) os países que não tributam a renda,
ou que a alíquota incidente não excede 20%, e (ii) os países cuja legislação interna
oponha sigilo relativo
à
composição societária das pessoas jurídicas ouà
suatitularidade, independentemente do nível de tributação".
As designações "paraísos fiscais" e "regimes fiscais preferenciais" J a seu
turno, tiveram seu sentido esmiuçado pela Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), a fim de classificar os países segundo o seu
regime de tributação, viabilizando um posterior controle sobre aqueles que praticam
uma concorrência fiscal prejudicial.
A concorrência fiscal prejudicial consiste numa espécie de guerra fiscal
entre os países cujo objetivo é atrair investimentos estrangeiros, a fim de fortalecer a
economia local. Isso gera uma erosão das receitas tributárias dos Estados que são
preteridos nessa disputa: estes, impondo uma carga tributária mais gravosa, rendem
ensejo
à
fuga de capitais nacionais com destino aos países de tributaçãotavorecrda
Segundo lição de Heleno Torres, a OeDE dividiu os países com
tributação favorecida nas seguintes categorias:
{...] i) os low tax system, quando as alíquotas efetivas são objetivamente inferiores àquelas de outros Estados, mas sem caracterizar algo fortemente prejudicial; ii) os preferential tax system, quando o regime tributário em vigor
usa de alíquotas muito reduzidas ou nulas; e iii) os países com tributac;.ão
favorecida propriamente ditos, ou "paraísos fiscais" (tax havens).19
18 É evidente a atecnia jurídica desse último conceito, uma vez que os critérios utilizados para a qualificação como país de tributação favorecida não tem nenhuma relação com a carga fisca'
imposta. Em verdade, trata-se de um critério utilizado usualmente pela comunidade internacional para identificar os países que praticam concorrência fiscal desleal. Contudo, nesse caso, a aferição do sigilo societário é feita em conjunto - e não separadamente, como no caso do Brasil - com o baixo nível de tributação.
Apenas a utilização das duas últimas espécies de país com tributação
favorecida caracteriza a concorrência fiscal prejudicial.
Esmiuçando esses conceitos, Alberto Xavier explicita os fatores utilizados
pela OCDE para caracterizar os paraísos fiscais'", quais sejam: (i) tributação
inexistente ou insignificante dos rendimentos; (ii) falta de uma troca efetiva de
informações; e (iii) falta de transparência relativamente às disposições legais ou
adminístrativas".
Os regimes fiscais preferenciais, por sua vez, possuem as seguintes
características: (i) taxa de tributação efetiva nula ou mínima; (ii) adoção dos regimes
ríng fencing, que são aqueles nos quais "os benefícios são apenas aplicáveis a não
residentes e a operações realizadas fora do mercado nacional,,22; (iii) falta de
transparência no que concerne a aspectos legislativos e às práticas administrativas
do regime; e (iv) falta de troca efetiva de
mtormações
'".
A diferença substancial entre os paraísos fiscais e os regimes fiscais
preferenciais é que, enquanto naqueles não há distinção na concessão dos
incentivos fiscais (residentes e não residentes estariam num mesmo patamar), este
adota o regime de ring fencing, o qual, além de ser próprio de não-residentes,
é
privilégio das empresas cujas transações são praticadas fora do território
naciona
t.
Pode-se, contudo, afirmar que, para fins de aplicação da legislação
brasileira, ambos são espécies do gênero "país com tributação favorecida".
20 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2004. p.319.
21Alberto Xavier cita ainda um quarto critério, que seria a ausência de obrigação de exercício de uma
atividade econômica substancial. Contudo, este fator de identificação foi abandonado em 2001, por
sugestão do então Presidente dos Estados Unidos da América, George W. Bush. (Ibidem, p.319).
22
Idem, p. 321.
23
2. SOCIEDADES OFFSHORE
2.1 Conceito
As sociedades offshore são empresas características do regime de ring
fencing, ou seja: apesar de constituídas segundo a leide um dado país, o seu capital
é detido por estrangeiros e o desempenhar das atividades insculpidas em seu objeto
social dá-se em território diverso daquele em que foram incorporadas. De fato, o
termo "offshore" vem do inglês e significa "fora da costa", fazendo alusão às
atividades realizadas além das fronteiras do território nacional.
Em geral, são utilizadas como parte do planejamento tributário
internacional das empresas, instalando-se, por conseguinte, em países que adotam
um regime fiscal preferencial. Contudo, nada impede que essas empresas se firmem
em um paraíso fiscal, até mesmo porque nesses territórios os benefícios fiscais são
concedidos sem distinção quanto
à
origem do capital: residentes e não-residentespodem fazer uso dos mesmos privilégios. As sociedades offshore podem, ainda, se
instalar em países que não possuem tributação favorecida, pois não é o regime fiscal
utilizado característica essencial do seu tipo.
Nesta linha. observa Heleno Torres que:
o
emprego dessa técnica de constituição de empressas off-shore emparaísos fiscais possibilita vantajosos planejamentos financeiros e fiscais
para as empresas. Mas nãoé o fato de serem instaladas em países com
tributação favorecida que as qualifica como tais. Não necessariamente a empressa off-shore deve ser constituída em países com tributação tavorecída."
Em verdade, as offshore não são, juridicamente, um tipo de sociedade.
Podem, por conseguinte, assumir quaisquer dos formatos societários disponíveis no
ordenamento jurídico em que foram constituídas: sociedade limitada, sociedade
anônima, etc.
É o que expõe o seguinte ensinamento de Heleno Torres que:
[...] não há um tipo societário próprio para as empresas
ott
-
sno
r
e
,
podendo elas revestirem-se da forma jurídica que bem entenderem os seus controladores ou sócios.o
adjetivo off-shore, portanto, identifica aquelas pessoas jurídicas constituídas com capital pertencente a pessoas não-residentes, para exercerem atividades da matriz fora do território do Estado onde esta encontra-se 10calizada.25Conclui-se, por conseguinte, que para a caracterização de uma empresa
como do gênero offshore basta unicamente que o seu capital social seja detido por
não-residentes e que as atividades típicas da sociedade sejam desenvolvidas em um
outro país.
Contudo, apesar da constituição dessas empresas em países com
tributação favoreci da não ser característica essencial do seu tipo, na prática, a
maioria delas se estabelecem nesses locais. A conseqüência disto é que muitas das
características que atraem os investidores para os países que adotam um regime
fiscal privilegiado também se aplicam às sociedades offshore, na medida em que
essas são instaladas naqueles com o objetivo de usufruir de suas vantagens
específicas.
2.2 Características
Inúmeras são, portanto, as vantagens concedidas pelos países com
tributação favorecida que se estendem às empresas offshore.
Dentre essas, cumpre citar as seguintes: (i) facilidade na constituição e
manutenção de sociedades, não existindo grandes formalidades a serem atendidas;
(ii) inexigência de um mínimo de capital social para a constituição de empresas,
salvo no caso de bancos e empresas de seguro; (iii) ausência de controles cambiais
no fluxo de capitais, com a permissão para a livre conversibilidade das moedas; (iv)
sigilo bancário e financeiro rigorosos, preservando o anonimato de seus investidores.
Em
virtude dessas características serem diversas e não essenciais nemdo conceito de empresa offshore, nem do de países com tributação favorecida
-incluindo-se neste rolos paraísos fiscais e os regimes fiscais preferenciais - Helena
Torres advoga pela existência de várias espécies de "paraísos", a depender das
vantagens peculiares de cada um. Assim, por exemplo, existiriam os paraísos
societários, os bancários e os financeiros, cada um fazendo alusão às características
acima delineadas'".
Na realidade, todas essas vantagens reunidas num único país originou o
que a comunidade internacional convencionou designar por "centros financeiros
offshore", expressão proveniente do inglês Offshore Financial Centres.
26 Heleno Torres menciona ainda os países com regime penal favorecido, que são aqueles que
facilitam a proliferação do crime em proporções internacionais por possuírem "uma legislação penal
desprovida de tipificação relacionada à evasão fiscal, fraudes em balanço, insider trading, corrupçêo,
2.3
Centros OffshoreOs centros financeiros offshore, ou simplesmente centros offshore, são
países que possuem um regime fiscal, societário, bancário e financeiro privilegiados,
constituindo um grande atrativo para as empresas que atuam internacionalmente.
Além dos benefícios fiscais, a inexistência de burocracia para a constituição das
sociedades e para a realização das transações comerciais, notadamente com
relação a livre conversibilidade de moedas, proporcionam uma rapidez no fluxo do
capital internacional, permitindo às empresas que desempenham atividades em
vários Estados uma maior agilidade em seus negócios.
Afora essas características, cumpre salientar que estes centros possuem
ainda um outro aspecto que atrai o capital estrangeiro: a estabilidade política. Esta
estabilidade gera, por conseguinte, uma segurança jurídica para os investidores, na
medida em que afasta o risco de confisco de seus ativos, ou quaisquer outras
medidas que possam prejudicar o seu investimento - e, conseqüentemente, a sua
lucratividade.
Os centros offshore, para alguns doutrinadores, seriam, então, espécies
do gênero países com tributação favorecida, na medida quem que aliam os
benefícios fiscais às outras vantagens acima expostas.
É
o que retrata o seguinte ensinamento de Heleno Torres:Há quem indique os chamados "centros off-shore" como uma espécie de
"países com tributação favorecida", cujo conceito abarcaria tanto os países que tributam apenas os ganhos de origem interna, como os que aplicam
tributos em proporções mínimas aos ganhos de origem externa [...
J
cumulativamente com regimes fiscais privilegiados para certos tipos desociedades ou para ganhos que derivam do desenvolvimento de
determinadas atividades econômicas [...}. Como se vê, são espécies de
países com tributação favorecida que priorizam a implantação de
sociedades-base, como as holding companies, trading compenies,
execução de operações internacionais, aliando vantagens fiscais e vantagens societárias. 27
Conclui-se, portanto, que as sociedades
offshore
são constituídaspreferencialmente nestes centros
offshore
.
Reitere-se, contudo, que nada dissoé
essencial para a definição das ditas sociedades, que se limita ao fato de ser uma "sociedade constituída num determinado país, mas cujo controle é detido
exclusivamente por não-residentes desse país e exerce a sua atividade
exclusivamente fora do território do país em causa,,28.
2.4 Espécies
Alguns autores dividem as sociedades
offs
h
o
r
e
em diversas espécies,rendendo-Ihes as mais variadas denominações. Assim, por exemplo, Heleno Torres
diz que
"
off-shore
é o gênero de empresas constituídas para servirem comoholdings
,
empresas-base ou empresas condutoras, enfim, para usufruírem devantagens fiscais,,29. A Wikipedia, por sua vez, em sua versão na língua inglesª
sobre o termo
"
offshore
compeny" cita numerosas terminologias de sociedades comosendo espécies do gênero
offshore
:
Um
i
ted
U
ability Company
,
Intemationa
J
Business Company
,
Umited Duration Companies
,
Restr
i
ckted Purpose Companie
s,
etc.30.
Ocorre, contudo, que nenhuma dessas empresas são sociedades em
termos científicos. 27 Ibidern, p 81.
28TORRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2.00. rev. atual. e arnpl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p.345.
29Ibidem, p. 110.
30 WIKJPÉDIA. Offshore company. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Offshore_company>. Acesso em: 21 de dezembro de 2006.
Neste sentido, salienta Alberto Xavier que:
A linguagem corrente em matéria de fiscal idade internacional utiliza-se de
diversos conceitos relativos às estruturas societárias mais frequentemente
utilizadas no planejamento tributário internacional, conceitos esses que não
designam modalidades societárias definidas em função de critérios
científicos, mas sim em razão das funções práticas que elas exercem."
o
presente trabalho, contudo, não se deterá a esmiuçar o conceito e ascaracterísticas de cada uma dessas espécies, por força de dois motivos, em
especial: a impossibilidade prática de todas serem abordadas com a devida
profundidade, haja vista a infinidade de "tipos" de sociedades offshore, cada qual
com características próprias do país que as adotam; e a dificuldade de se encontrar
material bibliográfico sobre essa temática, notadamente em vernáculo, dotados de
rigor científico.
2.5 Sociedades Transnacionais
As sociedades offshore se inserem como alternativa no planejamento
tributário internacional das empresas, na eterna busca em reduzir o valor gasto com
o capital constante. É de se ver, portanto, que apenas aquelas empresas que atuam
em mais de um país farão uso das sociedades offshore, principalmente porque estas
são características dos regimes de ring fencing: na pior das hipóteses, uma empresa
se fixaria somente em dois Estados, sendo um de tributação favorecida, que, em
regra,
é
o local da sede, onde se constituirá a sociedade offshore, e um outro, emque as atividades típicas da empresa serão exercidas.
Essas empresas que atuam em mais de um país são usualmente denominadas "multinacionais". Adotar-se-a, contudo, o termo "transnacional", uma
vez que, conforme explica Heleno Torres, "não se exige que a empresa seja
polipátrida para se lhe conferir tal deisignação'.32.
Em verdade, para que uma empresa seja qualificada como transnacional,
é
necessário que ela atenda a certos requisitos:São os elementos de estraneidade pertinentes à forma de atuação das empresas os indicadores seguros para a qualificação das formas de atuação das empresas em mais de uma jurisdição como "transnacionais",
que se podem manifestar de forma objetiva, pelas operações praticadas,ou de modo subjetivo, pela pluricidade de residências ou nacionalidades que a empresa vai acumulando. Afastada a questão das atuações isoladas (operações eventualmente realizadas em outras jurisdições), somente as de natureza subjetiva são relevantes para a sua caracterização."
Assim, são consideradas transnacionais as empresas que sejam
residentes ou domiciliadas em mais de uma jurisdição, ou que sejam consideradas
nacionais por mais de um Estado.
32TORRES,Heleno.Op.cit., p.178. 33
3 DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL
3.1 Conceito
o
fenômeno da globalização, com a expansão das trocas comerciaisentre os países, o avanço das telecomunicações e a facilidade na mobilidade do capital, traz amplas possibilidades para as empresas perseguirem o seu intuito de lucro, procurando os ordenamentos jurídicos mais favoráveis aos seus anseios, seja pela mão de obra barata, pela infra-estrutura local disponível, pelo rnercedo
consumidor atrativo, ou ainda pelos incentivos fiscais ofertados.
Nesse desiderato, as empresas têm atuado de maneira temporária,
através de negócios singulares em outros países, e de forma permanente, com
ª
instalação de filiais, sucursais, subsidiárias, etc. Assim, por exemplo, no caso das
sociedades offshore, enquanto os sócios residem num país "A", a sede da sociedade se localiza num país "8", existe uma filial instalada num país "C", e se realizam
trocas comerciais esporádicas com um país "O".
Ensina Alberto Xavier que em "todos esses casos, a situação da vida se encontra plurilocalizada, pois que vinculada ao ordenamento de mais de um país por elementos de conexão que tendem a referi-Ia a mais do que um Estado,,34.Em situações como essa, surge, por conseguinte, um concurso de pretensões impositivas: afinal, qual desses países tem legitimidade para tributar as atividades da empresa?
A resposta para este questionamento é dada pelo Direito Tributário Internacional, cujo objetivo é regular as situações da vida que estejam relacionadas a mais de um ordenamento jurídico tributário.
o
Direito Tributário Internacional visa a, portanto, dirimir os conflitos que exsurgem quando mais de um Estado manifesta o seu intento em tributar um mesmo fato jurídico. A fim de evitar esse concurso, são elaboradas normas internas, específicas de cada país, e internacionais, confeccionadas em conjunto pelos Estados soberanos por intermédio de organizações internacionais".Tais normas podem ser de duas espécies: normas internas ou de conflito,
que são normas de conexão cujo objetivo é delimitar a extensão do poder de legislar do Estado; ou normas de regulação direta ou material, que regulam diretamente o fato, como no caso de tratados internacionais contra a dupla tributação.
Alberto Xavier, diferenciando essas duas espécies de normas, explica que as normas internas ou de conflito são aquelas que
[...] definem o âmbito de incidência das leis tributárias internas dos Estadüs, delimitando-o unilateral ou bilateralmente, mas sem que determinem, por si sós, o modo como a situação da vida em causa será tributada.
Ao invés, as normas de regulação direta ou material pressupõem resolvido o problema do seu âmbito de incidência e ditam diretamente a disciplina substancial de uma situação da vida com elementos de estraneídade."
35 Por conta da heterogeneidade das fontes dessas normas, autores há que se manifestam pela distinção entre o Direito Tributário Internacional e o Direito Internacional Tributário, como se fossem ramos distintos. Assim, por exemplo, segundo João Marcello Trarnujas Bassaneze, o Direito Internacional Tributário reporta-se as normas "produzidas mediante acordos de vontades de distintos Estados soberanos, através de órgãos e procedimentos por eles em conjunto estipulados para tanto", ao passo que o Direito Tributário Internacional é composto de "normas internas, dotadas daquilo que cursivamente se denomina elemento de estraneidade". (BASSANEZE, João Marcello Tramujas.
Pluritributação Internacional: Origem, Conceito e Medidas Unilaterais destinadas à sua Eliminação.
Direito Tributário Internacional Aplicado. Coordenação Heleno Taveira Tôrres. São Paulo: Quartier Latim, 2003. p. 436). Nesse estudo, contudo, não será adotada essa diferenciação.
Dessa forma, através da elaboração de normas de regulação direta e de
normas de conflito, o Direito Tributário Internacional busca regulamentar o fenômeno
da pluritributação internacional e suas conseqüentes implicações no cotidiano das
empresas, notadamente porque, enquanto umas ficam submetidas a um ônus fiscal
excessivamente elevado, outras, utilizando-se das facilidades do mundo
contemporâneo, sofrem uma carga tributária propositadamente reduzida.
3.2 Pluritributação Internacional
o
fenômeno da pluritributação internacional ocorre quando um ou maisEstados possuem normas que visam a tributar uma mesma situação jurídica. Este
concurso de pretensões impositivas ocorre porque esta situação da vida possui uma conexão relevante com mais de um ordenamento jurídico tributário, de maneira que todos eles se reputam legítimos para tributá-Ia.
Trata-se, portanto, de uma conseqüência da globalização, na medida em
que ela proporciona uma maior rapidez no fluxo internacional do capital e do
trabalho, principalmente por conta do avanço tecnológico operado nos últimos anos
com relação
à
eletrônica eà
comunicação.Explicando esse fenômeno, explica Alberto Xavier que:
[ ...] enquanto nos sistemas tributários mais simples, a um fato imponível corresponde em regra apenas um território, nos modemos sistemas fiscais,
a um único pressuposto pode corresponder mais do que um território, dada a plural idade de conexões que podem fundamentar a sua localização territorial. 37
Na prática, a ocorrência da pluritributação internacional pode ser verificada sob duas perspectivas distintas: uma jurídica, e outra econômica.
o
primeiro caso, designado como dupla tributação jurídica, exige acompleta identidade do fato tributário objeto do concurso de imposições de dois ou
mais ordenamentos jurídicos distintos. Para aferir essa identidade,
é
essencial aequivalência, em ambos os ordenamentos, dos quatro elementos do fato tributário,
quais sejam: o sujeito passivo da obrigação tributaria, o objeto tributável, o período
tributário" e o tributo. Na interpretação da identidade desses elementos, será
necessário, por vezes, um processo de adaptação, visto que, enquanto conceitos
juridico-positivosj'', cada país possui o seu, com as suas próprias peculiaridades.
o
segundo caso, por sua vez, denomina-se dupla imposição econômica, edistingue-se do primeiro por não ser necessária a identidade dos sujeitos. Assim,
para a configuração do fenômeno da dupla tributação, bastaria a identidade do
objeto. Isso ocorre, por exemplo, quando um mesmo rendimento
é
tributado pornormas distintas, uma incidindo sobre o lucro da sociedade, e a outra sobre os
rendimentos auferidos pelos sócios.
Trata-se do se tem designado como "dupla tributação por discriminação
de contribuintes":
Assim, existiria verdadeiro concurso se o mesmo rendimento fosse tributado por normas tributárias distintas, das quais uma o atinge na sociedade,
pessoa jurídica onde se gerou, e outra no sócio a quem foi distribuído e, em geral, sempre que o mesmo fato (ou aspecto material do fato) étributado cada vez que muda de titular, operando-se assim o que se tem designado por dupla tributação por discriminação de contribuintes."
38 Alberto Xavier assevera que "o requisito da identidade do período só é exigível nos impostos ~eriódicos por natureza, como o imposto de renda e o capital". (Ibidem, p.34).
9 Os conceitos jurídico-positivos são aqueles que mudam de acordo com o ordenamento de cada país. Diferem dos conceitos lógico-jurídicos, que são universais.
Dos dois conceitos,
é
o da dupla tributação jurídica o que tem prevalecidona doutrina, e, por conseguinte, nas normas destinadas a evitar o fenômeno da
pluritributação.
Não obstante, no caso das holdings41, utilizadas muitas vezes como
sociedades offshore, existe uma tendência internacional: a elaboração de preceitos
legislativos que busquem eliminar a dupla tributação econômica de seus
rendimentos, visto que o lucro auferido pela holding não constitui manifestação
autônoma da capacidade contributiva.
De fato, Alberto Xavier destaca que
[...] as ações ou quotas emitidas pela "holding", embora não sejam em rigor meros "duplicados" das ações ou quotas emitidas pelas sociedades operacionais, [...] visto gozarem de autonomia jurídica, não são representativas de "bens novos" (como sucede nas sociedades operacionais) mas de frações de patrimônios - os das sociedades operacionais - em que os"bens novos" se situam."
Em verdade, a dupla tributação econômica
é
a que predomina no casodas empresas offshore, notadamente quando se situam em países que não
concedem benefícios tributários relativamente ao imposto de renda e são utilizadas
como sede de grupos transacionais. Conforme se verá adiante, em tais casos, a
renda será tributada tanto pelo país onde são efetivamente produzidas, como pelo
país onde se localiza a sede do grupo.
Ressalte-se, por fim, que para a ocorrência da dupla tributação
é
necessário que se verifique, no caso concreto, uma sobrecarga tributária, dando
41 As holdings são empresas cujo capital social é investido na compra de quotas ou ações de outra
sociedades. Explica Alberto Xavier que "A especificidade dafigura da "holding", decorre do fato de ser uma "sociedade-sócia", ou seja, uma sociedade cujo patrimônio se encontra investido, no todo ou em parte, em participações noutras sociedades - e isto independentemente de através da "holding" se exercer ou não o controle das sociedades investidas ou participadas". (Ibidem, p.335).
"origem
à
formação de um encargo fiscal mais elevado do que aquele que resultariada aplicação exclusiva da mais elevada das pretensões em
concorsc?"
.
3.3 Soberania Fiscal
A soberania é um poder intrínseco a todos os Estados, caracterizado, no
âmbito internacional, pela independência dos países em relação a seus
semelhantes, e, no âmbito interno, pela dominação que estes exercem sobre
aqueles que se situam em seu território.
Para Heleno Torres, a soberania é o "conceito demarcador da autonomia
sistêmica e da expressão do poder de um Estado, ao conceder a este uma posição
jurídica de supraordenação e de independência em face dos demais":".
Com relação ao Direito Internacional, a soberania traduz a idéia de
igualdade entre todos os países, de maneira que nenhum Estado pode sobrepor a
sua vontade a outro, sob pena de ofendê-Ia.
A soberania fiscal, por sua vez, consiste no conceito de soberania
aplicado ao âmbito do direito tributário, sublimado no poder que os Estados têm de
tributar os fatos que tenham uma conexão relevante com o seu território e/ou com os
seus nacionais, e no de respeitar o poder impositivo dos demais Estados soberanos,
não invadindo a órbita jurídica tributária desses países.
Nesse sentido, diz Alberto Xavier que:
43
Idem, p.42.
que se um Estado tributar estrangeiros em função de situações que não tenham qualquer conexão com o seu território, estará violando o Direito
Internacional, com todas as conseqüências que daí advêm, desde a
invaMade da lei àresponsabilidadetntemacíonat."
A soberania comporta, portanto, duas espécies: uma pessoal e uma
territorial. Para Alberto Xavier, enquanto a soberania pessoal encerra o poder que os
Estados têm para regular a vida de seus nacionais, ainda que ausentes de seu
território; a soberania territorial diz respeito ao poder que os países têm de legislar
sobre pessoas, coisas e fatos que se localizam no seu território".
Observa-se, portanto, que a soberania, enquanto expressão do poder
estatal
,
não é absoluta, estando sujeita a limites são provenientes tanto do direitointerno, como do Direito Internacional Público.
Sobre as limitações impostas pelo Direito Internacional Público, Alberto
Xavier observa que:
[...] a função primária do Direito Internacional Público é a de demarcar as
esferas de validade das diversas ordens nacionais, determinando a quem,
como e quando asleis nacionais dos Estados soberanos se podem aplicar. Uma vez efetuada pelo Direito Internacionalesta atribuição de j:..'fisdictions,
as leis nacionais são livres de definir o seu âmbito de incidência. A
soberania é uma pré-condição dajurisdiction, de tal modo que esta existe até onde a primeira existir e, inversamente, perde o seu título onde aquela cessar".
Dessa forma, os limites da soberania equivalem, no âmbito interno, ao da
$Uª jurisdição, entendida essa como a prerrogativa que os Estados possuem de
exercer a sua autoridade sobre aqueles que se situam em seu território, seja através
do Poder Legislativo, do Executivo ou do Judiciário.
45XAVIER,Alberto. Op.cit.,p.13-14.
46 Ibidem,p. 13.
Sob uma perspectiva internacional, os limites da soberania ficam melhor
definidos a partir da análise do âmbito de incidência e do âmbito de eficácia das leis.
3.3.1 Âmbito de incidência e âmbito de eficácia
o
âmbito de incidência diz respeito à definição de quais são as situaçõesda vida que os Estados têm competência para regular, ao passo que o âmbito de eficácia refere-se à possibilidade dos países imporem coativamente a sua vontade sobre essa dada situação.
Alberto Xavier ensina que o âmbito de incidência "reporta-se a saber se (e em que termos) a norma tributária interna pode abranger na sua previsão pessoas, coisas e fatos localizados no território de outro
Estado
?
"
.
Já o âmbito eficácia"respeita saber se (e em que termos) a norma tributária interna
é
suscetível de sercoercitivamente aplicada em território estrangeiro e se, inversamente, uma lei tributária estrangeira
é
suscetível de ser coercitivamente aplicada em território naciona~,,49.Em suma, pode-se dizer que o âmbito de incidência e o âmbito de eficácia
dizem respeito, respectivamente, aos limites que o Poder Legislativo e o Poder Executivo têm no desenvolver das suas atividades de criar e aplicar as leis. Dai
porque, no inglês, enquanto o âmbito de incidência
é
denominadojurisdícfíon to
p(
f)scr
i
be
,
o âmbito de eficáciaé
a tradução deju
ri
sdic
t
ion to ento
rc
e
,
fazendojustamente alusão aos limites que os Estados têm que se cingir quando da criação
~ Ibidem, p. 06.
49
de leis instituidoras de tributos e da sua aplicação coativa, a fim de ver satisfeito o
crédito tributário.
Assim, por exemplo, a criação de leis por um Estado "A" que objetivem
tributar situações ocorridas em um país "8", que não tenham nenhuma conexão
relevante com o território de "A", consistiria uma ofensa
à
soberania de "8". Estaofensa, contudo, se cingiria a um plano meramente formal - o do âmbito de
incidência - porquanto "A" não tem mecanismos para fazer valer os seus anseies
arrecadatórios no território de U8" .
Por outro lado, constituiria uma ofensa material
à
soberania dos países,se "A" pretendesse obter informações de uma empresa situada em um país "8";
através de meios alheios
à
diplomacia. Isso ocorreria, por exemplo, no caso de opaís "A" determinar a uma empresa residente em seu território que apresente
documentos relativos
à
sua filial situada em "8".Exemplificando situações dessa estirpe, Alberto Xavier descreve que tal:
É exatamente o que ocorreu com subpoena dirigida ao First National Cíty
Bank para apresentar documentos da sua sucursal na Alemanha; com a
ordem dirigida à agência de Miami do Bank of Nova Scotia para que a agência de Nassau apresentasse elementos de prova em seu poder; ou
com a ordem dada ao First National Bank of Chicago para que exibisse
documentos relativos a contas bancáriasabertas por residentes na Grécia na sua Agência de Atenas.5I)
Em tais casos, a soberania do outro país foi violada, na medida em que
não houve a sua concordância para a liberação das informações das empresas que
se situam em seu território e foram constituídas segundo as suas leis locais. O país
ofensor utilizou, portanto, de meios escuses para fazer valer a sua vontade no território estrangeiro, dispensando a via diplomática.
Coadunando com o pensamento exposto, salienta ainda o citado autor que:
[...] se as soberanias não são ofendidas pela fonnulação de comandos gerais e abstratos que prevejam e disciplinem fatos ocorridos em território
estrangeiro, já o são pela prática de atos que envolvam o exercício de
poderes de autoridade no que toca à sua aplicação, eu s-aja,e lançanwnto,
a fiscaliza~o e a cobrança do crédito tributário criado por aqueles
comandos. 1
Do explanado, observa-se que a imposição de medidas que importem em
uma ofensa material à soberania dos Estados tem se tomado uma prática rotineira
na comunidade internacional.
A fim de fundamentar essas ofensas, tem-se pregado uma relativização
do conceito de soberania.
Nesse sentido, salienta Agostinho Toffoli Tavoralo, citando Marco Aurélio
Pereira Valadão, que o conceito de soberania está em constante mutação:
I...
]
os conceitos de Estado e de soberania são conceitos em evolução,ditada essa evolução pela mutação constante das condições internacionais
e o intercâmbio comercial ecultural entre os Estados, além do afloramento
de probJemas comuns a todos, que ultrapassam as fronteiras
terntor
í
a
í
s
,
como, por exemplo, as questões relativas ao meio ambiente, utilização e
poluição das águas, da atmosfera, a preservação das espécies animais e
vegetais em exünção, questões essas que, nos albores do século que se findou sequer eram rnencíonadas.f
Trata-se, como dito, não de uma evolução deste conceito, mas sim de sua
reiativização. De fato, utilizando-se dos mais variados argumentos, que vão desde o
combate ao crime organizado
à
preservação ambiental, tem-se tentado incutir a idéiade
reíat
í
vízação
da soberania, como solução para os problemas que interessamª
toda a coletividade, o que viabilizaria, por conseguinte, a ingerência de um Estado
51Ibidem, p.26.
52 TAVOLARO, Agostinho Toffoli. O Princípio da Fonte no Direito Tributário Internacional Atual.
Ocorre, contudo, que a origem dessa idéia de relativização da soberania é
apenas aparentemente uma forma de tentar reprimir a proliferação do crime
organizado, ou de resolver questões ecológicas: emverdade, elas são determinadas
pelo fator econômico que, segundo Marx,é a mola propulsora de todas as ideologias
presentes na sociedade.
Assim, da mesma forma que o surgimento de países com tributação
favorecida tem origem nos anseios basilares do capitalismo, o qual, em seu
processo cíclico de apogeus e crises, sempre se renova na busca incessante por
maiores lucros, a idéia de relativização da soberania é obra dos Estados
desenvolvidos, os quais, aspirando por umamaior arrecadação tributária, vêm nessa
relativização uma forma de fundamentar o combate a utilização dos países de
tributação privilegiada.
3.4 Princípios de Conexão
Os Estados, apesar de soberanos, sofrem limites em sua atuação, ora
impostos por normas internas, ora por preceitos elaborados coletivamente pelas
nações.
Os limites impostos pelo direito interno, com relação
à
soberania fiscal,realidade, delimitam o âmbito de incidência das normas tributárias, especificando quaJ o universo de situações que podem ser reguladas pelo Estado.
Dois são os princípios de conexão adotados pela comunidade
internacional: territorialidade e universalidade.
3.4.1 Princípio da Territorialidade
Segundo o princípio da terrítoríaüdade'", os Estados estão aptos a tributar
os fatos que tenham uma conexão relevante com o seu território'". Assim, por
exemplo, um país o:A" poderia tributar a renda de pessoas, físicas ou jurídicas.
não-residentes, desde que produzidas dentro da sua circunscrição territorial.
Trata-se, por conseguinte, de um desdobramento do conceito de
soberania territorial, legitimando a tributação de toda e qualquer renda, produzida por residentes ou não residentes, nacionais ou estrangeiros, desde que realizada dentro do território nacional.
Esta
é
a lição de Alberto Xavier:53 Taciana Alves, distinguindo os conceitos de território e territorialidade, explica que o"território é o espaço físico,juridicamente delimitado,sobre o qual o Estado exerce sua soberania,enquanto que a
remtoria!!dade, no âmbito do direito tributário, está ligada, como visto, aos efeitos da norma jurídica tributária, no que diz respeito à sua vigência no espaços.(ALVES,Taciana Stanislau Afonso Bradley. O Princípio da Renda Mundial no Direito Brasileiro. Direito Tributário Internacional Aplicado. CooJdenaçãoHelena Taveira Tôrres.São Paulo: QuartierLatim,2003.p.621).
54 Essa autora, quanto aos limites fiscais do conceito de território, esclarece que "o conceito de território fiscal coincide com o de território propriamente dito que, como visto, é constituído não apenas pelo espaço terrestre compreendido nos limites fronteiriços de determinado Estado, mas também pelo mar territorial (se houver), o espaço aéreo e o subsolo subjacente. Mesmo porque.o fato de o Estado, em casos específicos. poder exercer sua soberania fiscal sobre áreas fora desse
limite tenitorial (quando,por exemplo, pelo princípio da universalidade,tributa residentes no exterior), não tem o condão de alterar (ampliar) esse conceito (de território fiscal), sendo tal tributação
justificada, como já visto, pela conexão subjetiva do sujeito ao ordenamento,e não pela ampliação do conceito de território fiscal.". (Ibidem, p.622).
De hannonia com o entendimento comum e tradicional deste princípio, as
leis tributárias apenas se aplicariam aos fatos ocorridos no território da
ordem jurídica a que pertencem, independentemente de outras
característícas que eventualmente pudessem concorrer na süuação em
causa, como a nacionalidade o domicílio, ou a residência do sujeito
passivo.55
Ocorre, contudo, que o princípio da territorialidade tem sido, nos últimos tempos, de fraca utilização no Direito Tributário Internacional, sob o argumento de que ele contraria o princípio da isonomia, e, conseqüentemente, o da capacidade contributiva.
Pense-se, por exemplo, na situação em que duas pessoas produzam a
mesma quantidade de rendimentos num ano, sendo que, enquanto uma pessoa "A"
gera todos esses valores em território brasileiro, a pessoa "8" produz metade deles em território nacional e metade no estrangeiro, especificamente em um país de
tributação favorecida que não tributa a renda: nesses casos, enquanto a pessoa "A"
será tributada na totalidade de seus rendimentos, e com base em uma alíquota progressiva de imposto de renda, "8" estará sujeita a uma tributação bem menor em
território nacional, sendo que o restante da sua renda não será tributada.
Fica evidente, por conseguinte, que em situações como esta, vioia-se o princípio da capacidade contributiva, porquanto, de duas pessoas com a mesma capacidade econômica, uma paga mais tributo, revertendo-se esses valores em prol
do desenvolvimento nacional, e outra paga menos, aumentando tão somente a sua
riqueza particular.
Existem, todavia, aqueles que defendem que o princípio da territoriaiidade consagra o da capacidade contributiva, senão vejamos:
Klaus Vogel, evocando a justiça fiscal e a teoria da utilidade, defende a
tributação em bases territoriais, afirmando, inclusive, que ela não fere a isonomia, pois o residente (ou qualquer outro sujeito vinculado
pessoalmente a um dado Estado), na medida em que aufere rendimentos
no estrangeiro, já se submete às normas tributárias e econômicas desse Estado, pelo que, segundo este autor, uma imposição tributária complementar pelo Estado da residência poderia prejudicar suas condições
de concorrência no Estado da fonte. 56
Dessa forma, a fim de refutar a aplicação do princípio da territoriaJidade
aos seus residentes ou nacionais, os países utilizam-se do princípio da isonomia.
como se todos os rendimentos produzidos no exterior o fossem em territórios de
tributação privilegiada. Trata-se, em verdade, de outra ideologia determinada pelo
fator econômico, notadamente pelo furor arrecadatório dos países.
Sobre o abandono do princípio da territorialidade, ensina Alberto Xavisr
que:
Com a globalização e o constante crescimento das relações econômicas
internacionais, a territorialidade em sentido puro, ou seja, a territorialidade
baseada numa conexão de natureza exclusivamente material, passou a ser insuficiente para imputação dos fatos econômicos relativos a um dado território, que passou a querer atingir, com seus tributos, os fatos (a renda)
produzidos por seus súditos em outros Estados, oque levou, aos poucos, à
introdução da sistemática da universalidade em diversos ordenamentos jurídicos. 57
Oessume-se, por conseguínte, que, com o objetívo de legitimar esse
frenesi dos países por uma maior arrecadação de receitas tributárias, criou-se o
princípio da universalidade, ainda que alguns autores procurem fundamentar a sua
u
til
izaçâo
como uma consagração do princípio da isonomia, da capacidadecontributiva, ou como uma forma de combate
à
evasão fiscal internacional.Taciana Alves sintetiza as razões daqueles que advogam pela utilização
do princípio universalidade no seguinte trecho:
56ALVES, Taciana Stanislau Afonso Bradley. Op. cit., p.620. 57XAVIER, Alberto. Op. cit., p.617.
(ii) o combate à evasão fiscal e o planejamento fiscal intemacionai, (iii) a necessidade de se observar a progressividade na tributação de impostos sobre a renda e (iv) a manutenção da isonomia, com vistas a igualar a tributação dos residentes que produzem rendimentos internos com a dos que optam por exerceratividades geradoras de capitale renda em territórios estrangeiros. Alberto Xavier alerta ainda para um quinto aspecto que é a possibilidade da não tributação dos rendimentos de fonte estrangeira representar um estímulo à exportação de capitais,já que os rendimentos produzidos no estrangeiro serão menos onerados, sob o ponto de vista fisc-al,do que os produzidos internamente, enquanto que Heleno Tôrres chama a atenção para a própria ânsia arrecadatória do Estado,no intuito de cobrir seus gastoscoma máquina estatal.58
3.4.2 Princípio da Universalidade
A adoção do princípio da universalidade por um país significa que toda a
renda produzida por uma pessoa, física ou jurídica, em território nacional ou
estrangeiro, será por ele tributada, desde que vinculada ao Estado por um elemento
conexão subjetivo (nacionalidade, domicílio ou residência).
Trata-se, portanto, de uma ampliação do âmbito de incidência das normas
tributárias; o que não significa um conseqüente aumento do âmbito de eficácia.
Nesse sentido, ensina Heleno Torres que "uma coisa é determinar se uma norma
possui eficácia vinculante além das fronteiras do Estado; outra, bem diversa, é se o
Estado pode tributar (no seu interior) os seus residentes por fatos econômicos
praticados por estes no exterior,,59.
Assim, diz o ilustre tributarista que:
58ALVES,Taciana Stanislau Afonso Bradley.Op. cit.,p.631-632. 59TORRES,Heleno.Op.cit.,p.82.
Pelo princípio da universalidade (ou territorialidade pessoal), o contribuinte responde, ante o país de residência, domicílio ou nacionalidade, por toda a renda produzida, sem interessar o lugar de produção, se interno ou externo,
em relação ao respectivo território.5O
Apesar de aparentemente opostos, o princípio da universalidade, também
denominado princípio da renda mundial, não constitui um contraponto ao princípio
da territorialidade: em verdade, o complementa. Enquanto este legitima a tributação
de não-residentes pelos rendimentos produzidos em território nacional, aquele
estende para além dos limites fronteiriços os efeitos das normas tributárias internas,
alcançando situações que, não obstante produzidas em território estrangeiro, tem
para com o país um elo de conexão relevante.
Heleno Torres, explicando essa relação de complementaridade entre
ambos os princípios, afirma que:
[... ] este princípio (da universalidade) não exclui, obviamente, opíindpio da territorialidade, antes, o pressupõe. Ambos, entre si, não são antiéticos; pelo contrário o princípio da universalidade funciona apenas como um critério possibilitador de atribuição de alcance ultraterritorial às normas tributárias de localização dos rendimentos tributáveis pelo poder tributário estatal,
mantendo-se, de modo subjacente, o princípio da territorialidade, até porque a conexão entre a pessoa e o território é fundamental, para justificar plenamente a localização ultraterritorial da produção de rendimentos. 61
Saeha Calmon, a seu turno, acrescenta que:
[...) o principio da territorialidade não é o oposto ao pnncipro da universalidade. É justo o contrário.
°
princípio da universalidade projeta-se do princípio da territorialidade, imanente ao Estado soberano, para conferir ultraterritorialidade ao seu poder de tributar, com espeque no aspecto pessoal do fato gerador da norma tributária interna. Pelo só fato de o sujeito passivo da obrigação tributária estar no território nacional, à disposição do Estado aí existente, toma-se possível a incidência da norma, com eficácia (conexão pessoal). 6260 Ibidem, p. 87-88. 61 lbidern, p. 89.
62COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Noções de Fiscalidade Internacional. Belo Horizonte, UFMG, 1998. p. 14.