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Um olhar crítico sobre o dano extrapatrimonial na reforma trabalhista

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Academic year: 2021

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UM OLHAR CRÍTICO SOBRE O DANO EXTRAPATRIMONIAL NA REFORMA TRABALHISTA

Patrícia Didoné Seibert1

Darlan Machado Santos2 Resumo: A legislação trabalhista brasileira, por muito tempo, carecia de norma própria que estabelecesse a matéria do dano moral nas relações de trabalho. Como se sabe, sempre que deparavam-se com a questão acima, os operadores do direito buscavam amparo em outros textos legais, principalmente a Constituição Federal de 1988 (que foi um divisor de águas ao ponto em que passou a fazer previsão expressa quanto ao cabimento da indenização por dano moral) e também no Código Civil. A reforma trabalhista, neste sentido, finalmente suprimiu esta lacuna ao trazer um título próprio destinado ao dano extrapatrimonial, nomenclatura adotada pelo legislador, mais ampla, que abrange todos aqueles danos que ultrapassam a esfera material, e que será brevemente analisado abaixo.

Palavras-chave: reforma trabalhista; dano extrapatrimonial; dignidade da pessoa humana.

Abstract: Brazilian labor legislation, for a long time, lacked a proper norm that established the matter of moral damage in labor relations. As is well known, whenever they encountered the above question, legal operators sought protection in other legal texts, especially the Federal Constitution of 1988 (which was a watershed to the point where it began to make express provision as to the appropriateness of indemnity for moral damages) and also in the Civil Code. The labor reform, in this sense, has finally removed this gap by bringing an own title for off-balance damage, a nomenclature adopted by the broader legislator, which covers all those damages that go beyond the material sphere, and which will be briefly analyzed below. Keywords: labor reform; off-balance damage; dignity of human person.

1. Introdução

A Constituição Federal de 1988 foi, sem sobra de dúvidas, um marco na matéria do dano moral, pois passou a prever expressamente a possibilidade de ressarcimento àqueles danos que ultrapassam a esfera material do indivíduo. Antes disso as decisões não eram pacíficas quanto sua incidência e encontravam-se decisões diversas acerca do tema, o que também era um campo cheio para a insegurança jurídica não apenas para o ofendido mas para os próprios operadores do direito.

1 Graduada no Curso de Direito pela Unijuí. Advogada. Pós Graduanda em Direito do Trabalho, Processo do

Trabalho e Direito Previdenciário pela Unijuí. patricia-seibert@hotmail.com

2 Graduado no Curso de Direito pela Unijui. Especialista em Direito Privado pela Unijui. Mestre em

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Uma vez pacificado e consolidado o dever de reparação pelos danos morais, tinham agora em mãos os magistrados a difícil tarefa de delimitar a matéria e, uma vez comprovada a existência do dano (nexo causal), fixar um quantum indenizatório, já que a legislação nunca trouxe parâmetros para determinar o montante devido ao ofendido.

Conforme será tratado no presente artigo, a reparação do dano moral possui um caráter compensatório, com intuito de minimizar a dor e sofrimento suportados pelo ofendido e também um caráter punitivo, que serve como meio a inibir nova pratica por parte do ofensor. Com base nestas premissas, uma vez concretizada ofensa moral ao trabalhador dentro da relação de trabalho, caberá ao juiz, quando provocado, a função de fixar com liberdade a justa indenização sob o viés equitativo dentro do caso concreto em análise.

Não obstante, é exatamente neste contexto que a reforma trabalhista trouxe uma das mais importantes alterações, pois incluiu um título próprio para tratar daquilo que denominou dano extrapatrimonial, ou seja, uma nomenclatura que inclui todos os danos que ultrapassam a esfera material. Se antes os operadores do direito tinham a necessidade de transitar por outras legislações para preencher as lacunas da CLT acerca da matéria, agora, após a reforma, o diploma legal trabalhista passou a tratar especificamente sobre o tema.

Neste sentido, o presente artigo propõe-se a fazer uma breve análise, portanto, sobre os artigos 223-A e seguintes da CLT que tratam acerca do dano extrapatrimonial mas sem a pretensão de exaurir a matéria, visto que por tratar-se de recente alteração (pouco mais de um ano de vigência das novas regras), ainda não sabe ao certo como serão as decisões definitivas aplicadas aos casos em concreto.

2. APONTAMENTOS ACERCA DO DANO EXTRAPATRIMONIAL NO DIREITO DO TRABALHO

As relações de trabalho refletem o comportamento da sociedade seja em aspectos positivos ou negativos, como por exemplo, se pensarmos na revolução industrial no Século XVIII e as extensas jornadas de trabalho em condições degradantes. A criação da CLT no governo brasileiro, em 1943, representou um passo importante para o direito do trabalho, pois garantiu parte das demandas dos

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trabalhadores. Não obstante, de lá para cá parece não ter existido mudanças significativas na seara trabalhista, muito embora a promulgação da Constituição Cidadã em 1988. Daí percebe-se a importância - e também necessidade - de uma legislação que acompanhe e que dialogue com o cenário, pois evidente que uma lei estática e petrificada não é capaz de suprimir os anseios e tampouco assegurar direitos para as partes.

As relações trabalhistas, por certo, configuram um liame de disparidade entre as partes, onde um detém o poder de mando e fiscalização enquanto que o outro coloca-se num lugar onde obedece, cumpre horários e segue regras estabelecidas por àquele, ou seja, há subordinação. Neste diapasão, a legislação trabalhista possui o viés de regulamentar tais relações ao tempo em que prevê direitos e obrigações recíprocas que visam dar equilíbrio nos tratos pactuados e, por obvio, possuiu princípios norteadores que, em uma leitura em conjunto com a Constituição Federal, devem ser seguidos para que se chegue o mais próximo deste equilíbrio e, consequentemente, à justiça. É equivocado, portanto, dizer que a justiça do trabalho é parcial ou afirmar que defende pura e simplesmente o empregado. Como exposto acima, o direito do trabalho detém algumas prerrogativas que visam colocar o empregado em pé de igualdade com o empregador, e, então, dirimir os eventuais conflitos resultantes da relação de trabalho na justiça especializada que zela pela imparcialidade assim como em qualquer outro meio judicial.

Em sequência ao exposto acima, no que tange às normas aplicadas às relações de trabalho, à tempo a legislação trabalhista ansiava por uma reforma em seu corpo seja por ainda trazer expressões incongruentes e em desuso no ordenamento jurídico, seja por não mais refletir a realidade das contratações e das relações de trabalho. Assim, tornara-se um instrumento pouco efetivo na busca pelo direito e na concretização da justiça em um meio onde as demandas cresceram quase que de forma descontrolada.

Neste sentido, em meio a uma crise econômica e política, marcada ainda por um cenário de incertezas e dúvidas, entrou em vigência a Lei 13.467/2017 que alterou, incluiu e revogou diversos dispositivos da CLT, ou seja, se está falando da tão esperada reforma trabalhista. Neste ponto, acerca do momento de implementação da reforma, muito oportuna a colação feita por Leonardo Borges Dias (2017, p. 7, grifo nosso):

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Vivemos um momento em que a humanidade vem passando por inúmeras mudanças de paradigmas, também a sociedade brasileira. Até aí, nenhuma novidade. Todavia, de um modo geral, o que nos tem diferenciado com relação à outras sociedades é que no Brasil, não raro, as mudanças são casuísticas, além de representarem a vontade de um momentâneo grupo que se encontra, de plantão no poder, faltando-lhe, assim, a devida legitimação social material (e não formal).

A reforma trabalhista reflete a contínua luta entre capital e trabalho e se baseia na supressão de direitos fundamentais e na superexploração do trabalho humano e se camufla por detrás de um discurso falacioso de geração de emprego e empoderamento do trabalhador, argumento este que já caiu por terra depois de passado um ano da vigência das novas normas.

No contexto da reforma, o ponto que mais salta aos olhos é, sem dúvida, a relativização dos direitos do trabalhador, e permite, por exemplo, que em um contrato de trabalho as partes possam pactuar livremente as cláusulas e inclusive outorga ao empregado optar por abrir mão de direitos mesmo que isso vá de encontro ao legislado. É evidente que nestes casos grande parte dos empregados não terão mínimas condições de fazer exigência, ao passo em que aceitarão qualquer condição em troca do emprego, pois como bem afirmam André Ricardo da Silva e Milca Micheli CerqueiraLeite (2017, p.44):

Não há como se criar a ilusão de que, num mundo onde a produção capitalista não tem limites (especialmente no momento atual brasileiro), haverá equilíbrio nas condições de trabalho. O dono do capital sempre procurará lucrar mais e mais e, em contrapartida, quanto mais puder economizar sobre suas forças de produção, assim o fará.

O exposto acima demonstra uma breve pincelada do que realmente é e para quem foi direcionada a reforma trabalhista, de modo que ainda não se tem noção do real retrocesso que ela representa e todas as consequência que acarretará no contexto político, econômico e social. Muitos pontos da reforma, portando, são, no mínimo, questionáveis quanto sua constitucionalidade, pois afrontam diretamente a norma maior a exemplo do que ocorre com o dano moral, que recebeu atenção à parte dentro da CLT com a nova nomenclatura “dano extrapatrimonial”. É dentro deste ponto em específico que se lançará um olhar mais atento, interpretando-se a nova norma a partir dos princípios da Constituição Federal, em especial ao que tange à dignidade

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da pessoa humana, pois, conforme aborda Sebastião Geraldo de Oliveira (2018, p. 283):

Trata-se de uma das mudanças mais impactantes da reforma trabalhista de 2017 tanto pela novidade do regramento, quanto pela pretensão do legislador de introduzir um microssistema exclusivo para os danos morais trabalhistas, com previsões destoantes da principiologia há muito sedimentadas na teoria geral da responsabilidade civil.

Diferente do dano material, de fácil constatação e mensuração, o dano moral (ou extrapatrimonial, segundo a nova denominação) pressupõe uma lesão ocasionada pelo ofensor e que ultrapassada as esferas materiais e patrimoniais e atinge a própria integridade, vida e moral da pessoa. Nas palavras Paiva e Gusmão (2008, p. 23)

Moral é tudo aquilo que está fora da esfera material, patrimonial do indivíduo. É tudo aquilo que está relacionado com a alma, intimada da pessoa. A moral, portanto, deve ser analisada em seu aspecto subjetivo, uma vez que cada indivíduo que integra a sociedade possuiu seu foro íntimo.

O dano moral, portanto, diz respeito à ofensas aos direitos desmaterializados e que ultrapassam a esfera patrimonial do indivíduo para atingir diretamente sua moral, honra, imagem, integridade física/psíquica, ou seja, os direitos da personalidade previstos na Constituição Federal. Em conclusão, utiliza-se das palavras de Paiva e Gusmão (2008, p. 24) no sentido de que “quando a lei confere proteção aos direitos patrimoniais, está protegendo aquilo que a pessoa tem. Quando, por outro lado, dá proteção aos direitos da personalidade, protege o indivíduo naquilo que ele é [...]”.

Fazer o enfrentamento do dano moral não é tarefa fácil, pois como exposto acima, deve ser analisado subjetivamente caso à caso dentro das perspectivas da dignidade da pessoa humana. Bem por isso é que se diz que a Constituição Federal de 1988 foi um divisor de águas nesta matéria, isso porque, muito embora a reparação pelo dano extrapatrimonial já fosse aceita antes de seu advento, sua aplicabilidade não era pacífica entre os operadores do direito até então:

No Brasil, com o advento da Constituição da República de 1988, valores como dignidade, respeito, decoro, prestígio, reputação, integridade psíquica, boa fama e demais elementos axiológicos que se referem à intimidade, à vida, à honra e à imagem das pessoas, foram contemplados por um novo enfoque jurídico: o da exigibilidade da indenização por dano moral decorrente de violação de qualquer um desses bens juridicamente tutelados (Paiva e Gusmão, 2008, p. 80).

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A dignidade é, sem dúvidas, um atributo da pessoa humana que justamente afasta a objetificação do indivíduo e o coloca em uma posição onde é detentor de direitos como expressão de valor fundamental na ordem jurídica (SARLET, 2010). No conceito de Immanuel Kant (1986, p. 77, grifo do autor):

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.

O homem, pessoa humana, como ser racional, é um fim em si mesmo e por isso não tem um preço e sim uma dignidade. Dentro do Direito do Trabalho, por tudo o que foi exposto, a concepção do dano extrapatrimonial é inerente. O trabalhador, pessoa humana, muito além da dependência econômica (parte hipossuficiente dentro da relação de emprego) é subordinado aos mandos do empregador e ao seu poder de disciplina que explora sua força de trabalho, ou seja, evidente que é um campo muito fértil ao desenvolvimento e incidência do dano não apenas em esfera material, mas também moral.

Sendo a dignidade algo que não tem um preço, uma vez tipificada determinada conduta que viole os direitos da personalidade do empregado, por exemplo, surge para ele instrumento hábil que busca reparar este dano por meio de uma reparação que tem caráter compensatório e punitivo. Em outras palavras, o dano deverá ser reparado não só para amenizar a dor do lesionado mas também como uma forma de punir aquele que o praticou a fim de inibir nova prática.

Dentro do direito do trabalho, a reparação do dano extrapatrimonial é, em regra, feita a partir de uma compensação em pecúnia ou, em quando possível, por meio da reparação in natura. Evidente que o dinheiro não poderá pagar o sentimento experimento pelo ofendido mas a compensação pecuniária permitirá que ele goze de outras sensações que lhe trarão, de certo modo, satisfação como uma forma de minimizar o sofrimento experimentado de outrora. Bem por isso é que a reparação in natura tem menos aplicabilidade pois raramente a compensação poderá reconstruir a moral do ofendido, diferente do que aconteceria na hipótese de reparação de um dano material, por exemplo, onde é facilmente possível a mensuração do mesmo. Sob a perspectiva do Direito do Trabalho, a exemplo da indenização in natura pode-se citar o caso em que após concretizado o dano moral por injúria, poderia o empregador

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fornecer carta de recomendação ao empregado a fim de que consiga novo emprego. Mas como demonstrado, é muito mais difícil o cabimento da reparação por este meio, pois na grande maioria dos casos o retorno ao status quo é impossível de ser alcançado (PAIVA E GUSMÃO, 2008).

O desafio, portanto, uma vez considerado que o dano moral possui natureza compensatória e punitiva, é justamente a fixação do quantum indenizatório que será devido à pessoa que sofreu a lesão em esfera que ultrapassa o materialismo. Em matéria trabalhista não existia parâmetro legal que estabelecesse critérios e elementos para fixar o montante devido à título de ressarcimento por indenização por dano extrapatrimonial devido à subjetividade que paira sobre o caso em concreto a ser analisado pelo magistrado ao fazer um juízo valorativo de fatos e circunstâncias. O valor compensatório depende do arbítrio prudente do juízo, pois, se o valor fixado for irrisório a vítima permanecerá inconformada e o ofensor continuará a exercer as mesas práticas e, por outro lado, se o quantum fixado for muito elevado importará o no enriquecimento sem causa do ofendido, o que também é vedado em nosso ordenamento jurídico (OLIVEIRA, 2018).

Para dar cabo à difícil tarefa de fixação do quantum indenizatório, por força do art. 8º da CLT, os magistrado do trabalho utilizavam-se subsidiariamente de outros diplomas legais, incluindo normas previstas no Código Civil quanto à matéria dos danos morais, levando em consideração a realidade fática, a extensão dos danos e a capacidade econômica do empregado e do empregador causador do dano.

A reforma trabalhista acertadamente inovou neste campo ao atender os antigos anseios quanto aos balizadores aplicados para se chegar em um montante pecuniário relativos a compensação do dano extrapatrimonial, o que sem dúvidas será de grande valia. Não obstante, empolgado com a matéria, equivocou-se o legislador ao inserir a matéria dentro de uma tabela para fins de tarifar o dano extrapatrimonial e fixar valor pré-estipulado que ignora totalmente princípios basilares do Estado Brasileiro. Ainda, será possível ver que a reforma tratou de incluir a pessoa jurídica também como sujeito que poderá sofrer ofensa em sua esfera moral e existencial o que certamente põe em dúvida tudo que foi exposto até então quanto ao enfoque da dignidade da pessoa humana na reparação dos danos extrapatrimoniais.

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3. O DANO EXTRAPATRIMONIAL NA REFORMA TRABALHISTA: AS DIVERSAS FACES DO ART. 223-G.

Nunca foi tarefa fácil estipular qual o valor correto a ser determinado para fins de ressarcimento por dano moral, seja pela ausência de normas balizadoras seja pela própria subjetividade que envolve as situações em concreto e que demandam especial atenção do magistrado que decidirá de acordo com a analogia, jurisprudência, princípios e normas gerais do direito e equidade, conforme orientação do art. 8º da CLT, na falta de norma própria para regulamentar a matéria.

A reforma trabalhista supriu este anseio e preencheu um lacuna ao delimitar a matéria em título próprio e trazer normas expressas a serem aplicadas nestes casos, conforme artigos 423-A até 423-G. Não obstante, ao contrário da ideia que tentou ser vendida, se o cenário anterior já era nebuloso, agora ficou ainda mais incerto pois, como será exposto, parte da nova norma fere texto literal da Constituição Federal, viola princípios e vai de encontro, inclusive, a Convenção Americana de Direitos Humanos que uma vez ratificada pelo Brasil tem status de norma constitucional.

O primeiro contato com a regra, no artigo 223-A, já afasta de cara a aplicabilidade subsidiária de outras normas de mesma hierarquia, como o Código Civil, por exemplo, que traz legislação genérica sobre a matéria. Na verdade, este artigo possui contradição com a própria diretriz da Reforma, pois no artigo 8º ela (a CLT) afirma e autoriza a aplicação do direito comum no direito do trabalho. É evidente que a intenção do legislador, neste aspecto, foi justamente com o intuito de permitir um ressarcimento reduzido e limitado dos danos extrapatrimoniais trabalhistas (OLIVEIRA, 2018).

Além disso, o art. 223-C, na sequência, elenca quais os bens juridicamente tutelados que são inerentes à pessoa física, como se pretendesse, com isso, trazer um rol taxativo. Obviamente que a interpretação literal deste artigo viola a Constituição Federal, uma vez que a norma maior também considera como bem juridicamente tutelado, por exemplo, o direito à indenização por violação de privacidade, conforme expresso em seu art. 5º, X. Logo de início, portanto, já é possível concluir as ardilosas intenções do legislador ao relativizar a aplicabilidade dos direitos do trabalhador.

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Inobstante aos apontamentos feitos até aqui, não se pode negar que a reforma trabalhista tenha sido de todo o mal quanto a matéria específica do dano extrapatrimonial, pois existe uma parte da norma que de fato merece destaque positivo, como é o caso dos incisos I à XII do art. 223-G. Para fins didáticos, o artigo em comento será analisado em partes, pois como o nome deste item indica, há neles diversas faces bastante opostas entre si.

Na primeira parte deste artigo, percebe-se a dificuldade em fazer uma definição e a própria delimitação do que é, efetivamente, o dano extrapatrimonial, justamente por ser uma ofensa que ultrapassa a esfera material. Ainda mais difícil que isso é a tarefa do magistrado, uma vez reconhecida a ofensa (dano e nexo causal), quantificar um valor que servirá como forma de indenização – compensação – ao ofendido.

Neste sentido, o artigo supracitado elenca em doze incisos uma série de elementos norteadores que o magistrado do trabalho se utilizará no momento em que precisar fazer o enfrentamento do mérito em um pedido de indenização por dano extrapatrimonial formulado em uma reclamatória trabalhista:

Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I- A natureza do bem jurídico tutelado;

II- A intensidade do sofrimento ou da humilhação; III- A possibilidade de superação física ou psicológica; IV- Os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V- A extensão e a duração dos efeitos da ofensa;

VI- As condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII- O grau de dolo ou culpa;

VIII- A ocorrência de retratação espontânea; IX- O esforço efetivo para minimizar a ofensa; X- O perdão, tácito ou expresso;

XI- A situação social ou econômica das partes envolvidas; XII- O grau de publicidade da ofensa.

Os elementos expostos acima introduzidos na legislação brasileira pela reforma trabalhista são critérios a serem utilizados pelo juiz ao arbitrar lesão de natureza moral. Não se pode negar a importância de tais elementos que faz afastar, quando possível, a subjetividade no arbitramento do quantum indenizatório, pois ainda que muito bem fundamentada a decisão do magistrado, estará agora aparada nestes critérios quando da avaliação da lesão (EDILTON MEIRELES, 2018). Na verdade, entende-se que os magistrados já se utilizavam de tais elementos norteadores muito antes da reforma trabalhista os implementar, mas agora, ao estar expressamente previsto em lei faz tornar mais clara a fundamentação das sentenças.

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Não obstante o notável acerto do legislador no que tange ao tratado linhas acima, em contrapartida, o §1º mesmo artigo apresenta um verdadeiro show de violações e atecnia quando da leitura em conjunto com a Constituição Federal de 1988, isso porque, criou uma espécie de tabela para tarifar o dano moral com base no grau da ofensa e no salário contratual do empregado, o que vem sendo objeto de duras críticas:

Art. 223-G. [...]

§1º. Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I- ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II- ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III- ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV- ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário do ofendido;

Esta tarifação (ou tabelamento) não coaduna com os princípios constitucionais do Estado Brasileiro. Historicamente, como se sabe, a lei de imprensa (Lei 5.250/67) já havia feito previsão de uma tabela muito semelhante e que já foi julgada pelo STF incompatível com o ordenamento jurídico diante da ampla tutela garantida pela Constituição Federal, assim como fez a própria Súmula 281 do STJ, ao afirmar que “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na lei de imprensa”.

O dispositivo, em interpretação mais ampla, também fere o princípio do livre convencimento motivado previsto no art. 371 do NCPC (aplicável subsidiariamente ao direito do trabalho, por força do art. 769 da CLT), isso porque, classificar o direito do ofendido dentro uma tabela anula totalmente sua autonomia funcional do magistrado.

Não bastasse isso, a novel legislação ignora totalmente o princípio da isonomia e também da dignidade da pessoa humana ao permitir que trabalhadores que venham a sofrer idêntica ofensa ao seu patrimônio moral recebam indenizações diferentes em função pura e simplesmente do salário contratual de cada um. Diante deste ponto, relembrando Kant (1986) é inevitável que se indague: quanto vale uma vida? Esse questionamento também é feito pelo Juiz do Trabalho Renato da Fonseca Janon (2019, grifo nosso):

[...] ser humano não é “coisa” e, portanto, não pode ter preço. É sujeito dotado de dignidade. Logo, sua moral não pode ser tabelada como se mercadoria

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fosse, sob pena de negarmos sua própria existência. [...] a adoção de um critério quantitativo para mensurar a dignidade do ofendido a partir de sua remuneração viola o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF). O legislador infraconstitucional, ao vincular o teto da indenização à última remuneração percebida pelo trabalhador, estabeleceu um parâmetro monetário para dimensionar a reparação, ou seja, quanto maior o salário recebido, mais valor tem a dignidade do obreiro. Em outras palavras, foi colocado “preço” na honra daquele que foi ofendido.

A dignidade da pessoa humana é um dos princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito de onde derivam todos os outros e, quando se estuda o dano extrapatrimonial dentro do direito do trabalho, a interpretação dos princípios não pode se dar outra maneira, inclusive por estar a própria ordem econômica apoiada na valorização do trabalho e constituir objetivo fundamental da República (OLIVEIRA, 2018).

Ora, se a valorização do trabalho constitui um dos fundamentos da ordem econômica e também da ordem social como é possível que uma lei ordinária venha a introduzir no ordenamento uma norma tão restritiva de direitos para o seleto grupo dos trabalhadores? Será que não percebem os legisladores que estão a colocar o trabalhador em um degrau inferior de forma discriminatória quando comparados aos demais indivíduos ao estabelecer tabelamento para sua dor suportada? Não há dúvidas de que não o fizeram por acaso pois não é de hoje a dicotomia entre os interesses do capital em detrimento dos interesses sociais, o que importa em uma drástica ruptura de valores e nos leva ao cenário do trabalhador que tudo suporta pela sobrevivência em uma sociedade doente.

O tabelamento do dano extrapatrimonial fere a Constituição Federal em diversos princípios como o da igualdade, por exemplo, ainda não citado até então. O tabelamento discrimina o indivíduo de acordo com seu salário, o que claramente é incompatível com o que dispõe o artigos 3º, IV e 5º da CF. Por isso mesmo é que Oliveira (2018, p. 301) se questiona o porquê de se estabelecer indenizações diversas (de acordo como salário contratual da ofendido) para ofensas extrapatrimoniais de mesma intensidade e mesma gravidade:

[...] no aspecto extrapatrimonial a dignidade das pessoas lesadas é a mesa, ou seja, a dignidade da pessoa humana não pode ser auferida de acordo com seu padrão de rendimento. A maior ou menor riqueza da vítima não pode orientar o valor da indenização, nem servir de parâmetro para reparação da lesão extrapatrimonial.

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Não bastasse isso, a parte final do §1ºdo artigo em comento prevê apenas a cumulação do dano moral com o dano material e exclui, portanto, a cumulação de danos extrapatrimoniais diversos, ou seja, ainda viola o princípio da reparação integral do dano além de ser reputado inconstitucional em razão do exposto no art. 5º, XXXV da CF, como bem observa Vólia Bonfim Cassar (2017, p. 41):

A proibição de não acumulação de danos materiais decorrentes do mesmo fato lesivo é absurda. Em outras palavras, se o empregado sofre a dor do acidente de trabalho que levou à amputação de sua perna (dor e estética), ambos por culpa do patrão, só poderá pedir a indenização pela violação de um desses bens não materiais. Essa determinação é injusta, seja porque contraria regras de reparação civil (se repara todo dano causado por outrem que age de forma ilícita), seja porque enseja o enriquecimento sem causa e também não inibe o agressor a não reincidir na prática.

E para fechar com chave de ouro as alterações promovidas na matérias, o legislador faz previsão no §3º do art. 223-G que “na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização”. Evidente que isso nos leva acreditar que a indenização pelo dano extrapatrimonial perdeu seu caráter punitivo, pois não bastasse estar atrelada ao salário contratual do trabalhador, tal indenização apenas poderá ser majorada quando aquele trabalhador sofrer nova ofensa a ser praticada pelo mesmo empregador, o que vem totalmente na contramão em um Estado Democrático de Direito.

O legislador da reforma parece realmente que não teve limites na busca incessante pela discriminação do trabalhador como se este não fosse um indivíduo alcançado pelo princípio basilar da dignidade da pessoa humana, como se não fosse um sujeito de direito em igualdade com todos os outros.

Frente a tais absurdos e às duras críticas não apenas quanto ao artigo em comento mas pela totalidade do texto legal, a Medida Provisória nº808, de 14 de Novembro de 2017, alterou significativamente grande parte dos artigos da reforma para o fim de minimizar os gravosos impactos inerente à sua aplicabilidade. No que que se refere especificamente ao parágrafo 1º do art. 223-G (tabela do dano moral), alterou o texto legal para fins de não mais condicionar a indenização pelo dano extrapatrimonial ao último salário contratual do ofendido e sim ao valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Obviamente estava muito longe de ser o ideal, pois ainda manteve o tabelamento, mas ao menos elevou

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os sujeitos ao um patamar de igualdade perante a Constituição e garantiu aplicabilidade do princípio da isonomia ao considerar ofensas de mesma natureza e mesmo grau de gravidade. Também acertadamente a Medida Provisória afastou o tabelamento para os casos de indenização por dano extrapatrimonial decorrente da morte do trabalhador, ou seja, permitiu que nestes casos seja aplicada legislação subsidiária além de não delimitar o quantum indenizatório. Mas, como sabe-se, a quase coerência não subsistiu por muito tempo.

A Medida Provisória 808 teve vida curta e seu prazo de vigência encerrou-se em 23 de Abril de 2018, de modo que o texto da reforma trabalhista voltou a viger em sua redação original, o que obviamente favorece uma das partes da relação jurídica e, não por acaso, a parte economicamente mais forte. Os Tribunais de segunda instância ainda não tem posição pacificada quanto às decisões fundamentadas com base nas novas normas, ou seja, além de todas as impropriedades e inconstitucionalidades apontadas, ainda gera insegura jurídica não apenas aos operadores do direito mas principalmente ao trabalhadores exposto neste cenário.

4. CONCLUSÃO

As críticas provocadas ao leitor neste artigo não são taxativas, longe disso, e, como o próprio nome sugere, elencam apenas algumas das diversas faces da Reforma Trabalhista. Como exposto anteriormente, nem todas as mudanças trazidas pela reforma trabalhista são negativas, de modo que existem, sim, pontos muito bem redigidos, com coerência e que de fato precisavam estar expressos na consolidação.

A grande questão é justamente a falácia de vários dos argumentos pró-reforma, como por exemplo o famoso discurso da geração de empregos, pois depois de pouco mais de um ano de sua vigência acredita-se que até mesmo os mais ingênuos já se deram por conta das reais intenções da reforma, inclusive porque pesquisas oficiais demonstram que o desempregou aumentou nesse período.

Obviamente, como já foi dito, nem todos os artigos da reforma devem ser condenados, há muita coisa que de fato precisava estar expressa ali (na CLT) como é o caso da própria matéria do dano extrapatrimonial, pois de fato existia uma lacuna na lei trabalhista e que precisava ser preenchida. A problemática é justamente a forma

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como isso foi colocado e os consequentes prejuízos irreparáveis causados ao trabalhador, parte economicamente hipossuficiente na relação de trabalho.

Tabelar o dano moral é inconstitucional pelos diversos argumentos elencados no presente artigo e, principalmente, por fazer distinção entre os trabalhadores pura e simplesmente pelo salário de cada um, o que faz com que a vida de um valha muito mais do que a vida de outro, ainda que sofrida ofensa de mesma gravidade e nas mesmas condições. Aliás, o tabelamento do dano moral ainda coloca o trabalhador em um degrau abaixo quando comparado com os demais sujeitos de direitos, isso porque, em uma indenização por dano moral pleiteada na justiça comum, por exemplo, não existe teto para a fixação do quantum indenizatório, o que mostra ainda melhor a falta de razoabilidade da dita tarifação imposta pela reforma.

A flexibilização dos direitos trabalhistas serviu apenas para aumentar ainda mais a distância entre trabalhador e empregador. O empregador, como senhor e proprietário dos meios de produção vai livremente impor as condições ao empregado que não pensará duas vezes em vender sua força de trabalho à qualquer preço para sobreviver e fazer sobreviver também sua família, o que faz repensar o conceito de Estado Democrático de Direito.

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REFERÊNCIAS

CASSAR, Vólia Bonfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à reforma trabalhista. 1.ed. São Paulo: Método, 2017.

JANON, Renato da Fonseca. Reforma trabalhista: oito razões para se afastar a

tarifação do dano moral. Disponível em:

<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI294427,61044-Reforma+trabalhista+8+razoes+para+se+afastar+a+tarifacao+do+dano+moral>. Acesso em: 17 jan. 2019.

KANT, Imannuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2003.

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Referências

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