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A proteção jurídica dos direitos sociais: direito fundamental ao mínimo existencial

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GRANDE DO SUL

VINICIUS BINDÉ ARBO DE ARAUJO

A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS DIREITOS SOCIAIS: DIREITO FUNDAMENTAL AO MÍNIMO EXISTENCIAL

Três Passos (RS) 2013

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VINICIUS BINDÉ ARBO DE ARAUJO

A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS DIREITOS SOCIAIS: DIREITO FUNDAMENTAL AO MÍNIMO EXISTENCIAL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Anna Paula Bagetti Zeifert

Três Passos (RS) 2013

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Este trabalho é especialmente dedicado à minha família, pelo apoio e confiança incondicionais, e aos professores da minha graduação, fundamentais nesta caminhada.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente à minha família, base de tudo, referência de sempre. Foi no seio familiar que encontrei todos os dias o apoio, o incentivo e a confiança necessários para seguir em frente, enfrentar obstáculos e conquistar mais este objetivo.

Da mesma forma, à minha orientadora, professora Anna Paula Bagetti Zeifert, por ter aceitado este desafio, pela atenção dispensada durante a construção deste trabalho e pela dedicação e sabedoria demonstrada e reforçada neste período.

Por fim, agradecimentos aos meus colegas de graduação, aos funcionários da instituição e aos professores. Todos, de uma forma ou outra, são fundamentais na formação de um acadêmico e também fazem parte dessa conquista.

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“Não se poderia explicar a contradição entre a literatura que faz apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos “sem-direitos”. Mas os direitos de que fala a primeira são somente os proclamados nas instituições internacionais e nos congressos, enquanto os direitos de que fala a segunda são aqueles que a esmagadora maioria da humanidade não possui de fato (ainda que sejam solene e repetidamente proclamados).” Norberto Bobbio

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O presente trabalho de conclusão de curso busca fazer uma análise sobre alguns dos direitos de maior importância e discussão na atualidade: os direitos fundamentais sociais. Apresenta uma análise sobre o destaque constitucional proporcionado a este instituto. Relata um apanhado histórico destes direitos e seu avanço ao longo dos anos. Aborda a dignidade da pessoa humana como fundamento universal e base para justificar a observância dos direitos sociais. Estuda o mínimo existencial, previsto constitucionalmente, e que garante a observância e o cumprimento, por parte do Estado, daquilo que está devidamente consagrado no corpo constitucional. Também busca analisar e interpretar, de forma crítica, o instituto da reserva do possível, com comentários e observâncias de juristas e estudiosos. Ao seu final, conclui que ainda faltam mecanismos legais para efetivação integral dos direitos sociais, apesar de avanços já conquistados, necessitando uma maior atenção por parte da própria sociedade em lutar, de forma democrática e cidadã, para que estas garantias sejam efetivamente cumpridas.

Palavras-Chave: Direitos sociais. Garantia Mínimo existencial. Reserva do possível. Dignidade da pessoa humana.

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The present work of course conclusion searches to have na analysis about some rights og biggert importance and discussions nowadays: fundamental social right. It presents an analysis about the constitutional main pont promoved to this institute. It relates historical of these rights and its advance during the years. It deals with dignity of human person as universal ground and basis to justify the social rights observance.

It studies the minimum existential, constituttionaly previwed, and which guarantees the observance and virtue of office, by de state, of what is properly consagrated at constitucional body. It also searches to analyse and interpret, in a critical way, the institute of reserve of possible, with comments and observance of studious and jurists. At its end, it conclude that still miss legal mechanisms for integral efetivation of social rights, besides advances conquered, it needs more attention by the own society in fighting, at a democratic and citizen way, for these guarantees can be effectively done.

Keywords: Social rights. Guarantee minimum existential. Reserve of possible. Dignity of human personas.

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INTRODUÇÃO ... 8 1 O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS CONSTITUIÇÕES 10 1.1 Perspectiva histórica sobre os direitos fundamentais sociais ... 10 1.2 A estrutura dos direitos fundamentais sociais ... 15 1.3 Eficácia dos direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1988 ... 18 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E SUA RELAÇÃO COM O MÍNIMO

EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL ... 23 2.1 A dignidade da pessoa humana como princípio fundamental ... 23 2.2 A garantia de um mínimo existencial como critério material para a eficácia dos direitos

fundamentais sociais ... 29 2.3 Efetivação dos direitos fundamentais sociais frente aos limites da reserva do possível 35 CONCLUSÃO ... 43 REFERÊNCIAS ... 45

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o intuito de apresentar um estudo em forma de análise, sobre os direitos sociais estabelecidos na carta constitucional brasileira e interpretar os meios para se garantir o mínimo existencial, instituto que de uma maneira própria serve para efetivar tais direitos garantidos.

Apesar de constar com destaque no plano constitucional, sendo reconhecido como um direito fundamental, o estudo busca apresentar as dificuldades que ainda persistem para a efetivação dos direitos sociais, seja por um lapso de legislação complementar, seja pela falta de vontade de gestores públicos.

A análise será feita a partir do seguinte questionamento: Quais as dificuldades enfrentadas para a efetividade dos direitos sociais fundamentais, inseridos na Constituição de 1988, que têm sua fundamentalidade garantida especialmente no princípio da dignidade da pessoa humana?

O objetivo principal será analisar e interpretar a eficácia dos direitos fundamentais sociais garantidos por meio do critério material do mínimo existencial e os limites impostos frente à reserva do possível.

De uma maneira mais específica, será abordado, sob o ponto de vista histórico, o surgimento dos direitos fundamentais sociais; o estudo sobre as dimensões dos direitos fundamentais sociais; análise sobre a eficácia dos direitos fundamentais sociais na carta constitucional de 1988; a relação estabelecida entre o princípio da dignidade da pessoa

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além de uma identificação dos limites da efetivação dos direitos fundamentais sociais frente à reserva do possível.

No primeiro capítulo busca-se fazer um apanhado histórico dos direitos fundamentais sociais consagrados constitucionalmente, sua estrutura e a força doutrinária e filosófica que possui dentro da Constituição Federal de 1988, como um dos pilares e integrante do rol de cláusulas pétreas.

No segundo capítulo, a pesquisa apresenta uma abordagem mais direta e objetiva acerca da dignidade da pessoa humana, como bem e direito maior da humanidade, de onde derivam os direitos sociais; além de analisar o direito ao mínimo existencial, como estrutura imprescindível para a consagração dos direitos sociais previstos; e uma análise crítica do instituto da reserva do possível, utilizado como limitador das garantias conquistadas.

Para a construção deste trabalho foram realizadas uma série de pesquisas bibliográficas e por meio digital/eletrônico, fundamentais para a interpretação das diferentes teses e argumentos em questão, apresentando as dificuldades e, de certo modo, buscando levantar possíveis avanços que podem ser conquistados.

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1 O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NAS CONSTITUIÇÕES

O ramo dos direitos sociais, entendido como um conceito ainda recente no estudo jurídico, vem merecendo cada vez maior destaque e atenção por parte de estudiosos constitucionalistas e pela própria sociedade, diretamente ligada e beneficiada por seu regramento.

Trata-se de um tema relevante, por seu caráter coletivo e extremamente garantidor de aspectos valiosos para as camadas mais necessitadas da população. Mesmo com a inserção clara nas cartas constitucionais, o desafio nesse momento é efetivamente cumprir aquilo que está disciplinado, dando o caráter de eficácia jurídica a esse instituto.

1.1 Perspectiva histórica sobre os direitos fundamentais sociais

Muitos dos direitos hoje postos na configuração jurídica universal possuem iniciação no período denominado como pré-história, sem uma exatidão que garanta uma data para sua linha inicial. Não é diferente com os direitos fundamentais.

Cumpre referenciar o papel preponderante que a filosofia clássica possui para a humanidade e, em particular, para as teorias jurídicas, através de postulados que foram apresentados, em especial, na cultura greco-romana e cristã e até hoje servem como base para estudos das mais diferentes searas. Foi a partir desse ponto que iniciaram as fundamentações de valores como a dignidade da pessoa humana, liberdade e igualdade dos homens.

Também foi fundamental para a construção moderna dos direitos fundamentais, o papel desempenhado pelas teorias/doutrinas jusnaturalistas, a partir do século XVI, que reforçam o entendimento de que muito antes do direito positivado, existe um direito natural que deve prevalecer quando há um conflito envolvendo normas de direito positivo e normas de direito natural (SARLET, 2009, p. 38).

A partir dos séculos XVII e XVIII, segundo Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 39), “[...] ocorre um processo de laicização do direito natural, que atinge seu apogeu no iluminismo, de inspiração jusracionalista.”

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O estudo histórico, com esse trabalho, deve iniciar a partir da Revolução Francesa e um de seus mais significativos marcos, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada por uma assembleia nacional, em 26 de agosto de 1789 (SARLET, 2009, P. 39).

Esse documento expressa um conjunto de direitos universais e humanitários, que servem a qualquer território e a qualquer tempo. Seriam direitos naturais, que já nascem com o homem, e devem ser levados em consideração nas cartas constitucionais das nações.

Segundo o eminente pensador Norberto Bobbio (1992, p. 85, grifo nosso):

Os testemunhos da época e os historiadores estão de acordo em considerar que este ato [Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – grifo nosso] representou um daqueles momentos decisivos, pelo menos simbolicamente, que assinalam o fim de uma época e o início de outra, e, portanto, indicam uma virada histórica do gênero humano.

Nesse sentido, os direitos fundamentais foram avançando a partir do século XVIII, evoluindo e ganhando novas dimensões. Doutrinadores posicionam essas delimitações em pelo menos três, sendo que hoje são aceitas até quatro, cinco e, até mesmo, seis divisões conceituais (SARLET, 2009, p. 45).

Os direitos fundamentais de primeira geração, através da interpretação das primeiras constituições que levaram em consideração essa temática, ainda no século XVIII, possuem fortemente um posicionamento individualista, alicerçados em uma sociedade burguesa e liberal que se preocupava muito mais com os direitos e garantias de cada um como meio defensivo.

No segundo dimensionamento estão posicionados os direitos econômicos, sociais e culturais, onde encontramos o tema central deste trabalho. Esse preceito foi sendo construído a partir do século XIX, notadamente a partir do processo de industrialização, com uma identidade forte no operariado, onde foram começando a surgir dificuldades sociais que necessitavam de uma administração também jurídica e, mais especialmente, constitucional.

Diferentemente dos direitos de primeira dimensão, neste segundo grupo os doutrinadores mudam o foco e superam o discurso anterior de proteção à liberdade do indivíduo, mantendo o Estado a parte disso. O Estado passa a ser o garantidor de políticas e

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ações que possam efetivamente manter uma certa igualdade social ou que, pelo menos, amenizem as diferenças, garantindo à parte mais frágil os direitos que lhe eram justos. É a partir desse momento que surge a noção de bem-estar social.

Essa visão, já contemplada nos textos constitucionais franceses de 1793 e 1848, também aparece na Constituição Brasileira de 1824 e na Constituição Alemã de 1849, que acabou não ganhando efetividade (SARLET, 2009, p. 47).

Nessa teoria, ganham destaque setores como educação, saúde, assistência social, moradia, trabalho, entre outros, temas esses que no entendimento dos juristas e pensadores, devem ser garantidos pelo Estado, por seu caráter geral.

Sobre esse ponto, Karine da Silva Cordeiro leciona (2012, p. 24):

Em decorrência dessa nova ordem, surge a concepção do Estado Social de Direito, cujos principais marcos são a Constituição maxicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, e, com ele, os direitos fundamentais de segunda geração, ou seja, os direitos econômicos, sociais e culturais, que requerem „uma política pública activa de los poderes públicos, encaminada a garantizar su ejercicio, y se realizan a través de lãs técnicas jurídicas de las prestaciones y los servicios públicos‟. São os direitos realizados através do Estado.

Para avançar nesse campo, cumpre cita, de forma sucinta, as demais gerações conceituais. A partir daí, será apresentado um maior detalhamento dos direitos sociais, intenção maior deste estudo.

Na terceira geração aparecem os direitos de solidariedade e fraternidade. São específicos porque trazem a tona a visão de garantia de direitos ainda mais coletivos, que se referem a famílias, povos ou nações. Podemos citar nesse particular, direitos como a paz, a autodeterminação dos povos, direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida.

Uma quarta geração vem sendo defendida por um pensador brasileiro, o professor Paulo Bonavides. Segundo Sarlet (2009, p. 50) “[...] esta quarta dimensão é composta pelos direitos à democracia (no caso, a democracia direta) e à informação, assim como pelo direito ao pluralismo”. Não deixa de ser uma conceituação válida, refletindo aspectos que estão

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muito em voga na atualidade. Resta ainda um maior reconhecimento para essa tese. Ainda segundo o pensador Bonavides (apud SARLET, 2009, p. 51), uma quinta geração deveria se referir ao direito à paz que, por sua complexidade e importância, teria de estar classificado em um formato que lhe desse maior visibilidade.

Sobre a importância que deve ser destacada dos direitos fundamentais, Cordeiro (2012, p. 28) tece um significativo comentário:

Atualmente não pairam dúvidas sobre o fato de que os direitos fundamentais são o parâmetro de aferição do grau de democracia de uma sociedade. E a sociedade democrática, ao mesmo tempo, apresenta-se como condição para a eficácia dos direitos fundamentais. Direitos fundamentais eficazes e democracia são, pois, conceitos umbilicalmente ligados, podendo-se afirmar que os direitos fundamentais não existem plenamente senão no Estado Democrático de Direito, ao passo que o Estado de Direito “é o Estado juridicamente limitado pelos direitos fundamentais e juridicamente vinculado à sua defesa e promoção”.

Feita esta análise geral acerca dos direitos fundamentais, demonstrando um pouco de seu início e apresentando alguns aspectos de sua evolução, serão focados, a partir de agora, os direitos sociais, fruto dessa evolução e que também passa por constantes renovações ou reinterpretações, senão de todos, pelo menos de alguns aspectos, seguindo o que as sociedades vislumbram em cada momento histórico.

Os direitos fundamentais sociais começaram a ganhar força e relevância a partir das primeiras décadas do século XIX, principalmente com a Constituição Mexicana de 1917 e Constituição de Weimar, de 1919. A partir desse período eclodiram mudanças históricas que acabaram por aprofundar esses direitos, fortalecendo o papel do Estado como garantidor destas normas.

Sobre este ponto em especial, Cordeiro (2012, p. 25) afirma:

O evento mais influente – senão o principal – é o resgate da importância dos direitos humanos em geral e da dignidade da pessoa humana em particular, em que pese isso se deva a um dos acontecimentos mais trágicos da história da humanidade, a Segunda Guerra Mundial. Mais do que garantir o bem comum, o papel do Estado passa a ser o de garantir o bem comum, [...] o de garantir a dignidade da pessoa humana, e preocupações com a existência de condições fáticas para o exercício dos direitos fundamentais entram em pauta.

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Temos que ter a noção, entretanto, que os direitos sociais, para serem efetivados, não tornando-se apenas regras em papel, dependem da vontade política de governos e órgãos legislativos. E, mais do que isso, de recursos financeiros, fundamentais em tantos outros setores e, da mesma forma, neste particular tema.

Dessa maneira, o mínimo existencial ganha destaque no entendimento contemporâneo, como maneira de pressão, visando assegurar que esses preceitos sejam de fato observados com fidelidade.

Na esteira dessa interpretação contemporânea, deve ser destacada a Declaração Universal de Direitos Humanos, base embrionária do nascimento da ONU – Organização das Nações Unidas, documento esse formatado e aprovado no ano de 1948, após a segunda grande guerra mundial.

A partir desta declaração, em uma fase mais moderna da história, que de fato os direitos humanos e, ao mesmo tempo, os direitos sociais, começam a ser reconhecidos de uma maneira muito mais apropriada e forte pelos povos, pelos governante, ganhando um novo enfoque e uma nova intensidade prioritária.

É fato também que, apesar de alguns avanços de cunho político e de intenções entre as nações, há muito que se avançar neste campo.

O grande intelectual Norberto Bobbio (1992, p. 67) tem uma opinião aguçada mas repleta de força interpretativa:

Quero dizer que, nestes últimos anos, falou-se e continua a se falar de direitos do homem, entre eruditos, filósofos, juristas, sociólogos e políticos, muito mais do que se conseguiu fazer até agora para que eles sejam reconhecidos e protegidos efetivamente, ou seja, para transformar aspirações (nobres, mas vagas), exigências (justas, mas débeis), em direitos propriamente ditos (isto é, no sentido em que os juristas falam de “direito”)

Sobre este ponto em específico, conclui-se da importância histórica que os direitos fundamentais possuem, pois visam estabelecer um vínculo entre sociedade e Estado sobre aspectos que devem ser observados independentemente de quem esteja a frente das decisões. Resguardam direitos elementares para os seres humanos. E, na esteira disso, os direitos

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sociais cumprem um papel da mais alta relevância, pois tratam de questões muito objetivas e práticas do dia-a-dia, da mesma forma assegurando que todos tenham um compromisso para concretizá-los e assegurá-los.

1.2 A estrutura dos direitos fundamentais sociais

A força representativa dos direitos sociais ganharam forma, mais especialmente, a partir do século XIX, quando iniciou-se com mais força o processo industrial moderno e, até mesmo, a organização dos trabalhadores, muitas vezes em sindicatos. Com esse crescimento, também se acentuaram as desigualdades sociais, que podem ser vistas e sentidas até hoje.

Abaixo, segue entendimento de Sarlet (apud, CORDEIRO, 2012, p. 35):

A utilização da expressão “social” encontra justificativa [...] na circunstância de que os direitos da segunda dimensão podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem à reivindicações das classes menos favorecidas, de modo especial da classe operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade que caracterizava (e, de certa forma, ainda caracteriza) as relações com a classe empregadora, notadamente detentora de um maior ou menor grau de poder econômico.

É preciso, entretanto, delimitarmos algumas diferenciações de estrutura entre os direitos sociais e outras ramificações de direitos fundamentais, como o direito à liberdade.

Marcelene Carvalho da Silva Ramos (2008, p. 37) tece importantes considerações sobre este tema:

Se não há uma diferença de natureza entre as normas constitucionais veiculadoras de direitos fundamentais de liberdade, como vimos, pode haver entre elas e as normas de direitos sociais uma diferenciação de estrutura. Tal depende de como os direitos sociais são positivados na Constituição, isto é, como tais normas foram configuradas pelo constituinte e daí como elas se projetam no ordenamento jurídico. A variação depende do momento histórico e das circunstâncias fáticas - sociais, políticas, econômicas, culturais - e ainda do tipo de Constituição elaborada.

Os direitos sociais, reconhecidamente, possuem um caráter muito mais diplomático, conceitual, de humanidade, do que uma força normativa, de imposição para cumprimento de seus preceitos.

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Novamente a análise de Ramos (2008, p. 37) se faz necessária:

[...] as normas constitucionais veiculadoras dos direitos sociais são plasmadas nas constituições, sobretudo, com caráter aberto (aqui não no sentido de atipicidade, mas de configuração aberta, principiológica, incompleta, com baixa densidade jurídica), dependentes para sua efetivação da concretização legislativa, administrativa ou, em ultima ratio, judicial. Em suma, dada a sua maior incompletude dependem da conformação do intérprete constitucional para serem aplicadas. (grifo do autor)

Apesar desse reconhecimento e de constar na Constituição Federal de 1988 de uma forma expresa no artigo 6º e seguintes do diploma legal, os direitos sociais carecem de regulamentação e de um mecanismo jurídico nítido, válido, reconhecido, que possa ser conclamado por aqueles que desejam fazer cumprir aquilo que os constitucionalistas elencaram na lei maior.

Corroborando para interpretar essas questões, Luciana Caplan (apud, TREVISO, 2009, p. 3) discorre que:

não é raro que seja negado valor jurídico aos direitos sociais, que restam caracterizados como meras declarações de boas intenções, de compromissos políticos ou de engano tranqüilizador. As normas legais que prevêem estes direitos são tidas como de natureza política e programática e não como catálogos de obrigações jurídicas para o Estado, ao contrário do que ocorre com os direitos civis e políticos, considerados como únicos possíveis de serem exigidos judicialmente.

Pela amplitude que geram os direitos sociais, é importante ser destacado que eles não estão resumidos apenas aos artigos 6º a 11 da Constituição, mas também podem ser focalizados nos artigos 193 e seguintes da carta maior, inseridos dentro do espectro da ordem social.

No entendimento de Velloso (2003, p. 4), os direitos sociais podem ser descritos da seguinte maneira:

[...] prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.

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Resta bastante claro que os direitos sociais englobam temas caros para a sociedade, pois tratam de questões ainda longe de uma solução definitiva, que seja totalmente positiva para os cidadãos.

Velloso (2003, p. 5) também busca classificar os direitos sociais. Sua interpretação está exposta a seguir:

[...] os direitos sociais poderiam ser classificados como direitos sociais do homem como produtor e como consumidor. Na primeira classificação direitos sociais do homem produtor teríamos a liberdade de instituição sindical, o direito de greve, o direito de o trabalhador determinar as condições de seu trabalho, o direito de cooperar na gestão da empresa e o direito de obter emprego (C.F., artigos 7º a 11). Na segunda classificação (direitos sociais do homem consumidor) teríamos o direito à saúde, à segurança social, ao desenvolvimento intelectual, o igual acesso das crianças e adultos à instrução, à formação profissional e à cultura e garantia ao desenvolvimento da família, que estariam no título da ordem social.

Cada vez mais os temas elencados no artigo 6º da Constituição Federal estão sendo debatidos em níveis governamentais e jurídicos. A garantia desses conceitos vem sendo fiscalizada com maior vigor pela própria população, que exige melhorias em sua condição de vida, fato este diretamente ligado à observância dos quesitos elencados constitucionalmente.

Educação e saúde, por exemplo: nos manifestos populares do mês de junho de 2013, estas duas pautas estavam nas principais reivindicações nacionais, pois resta clarividente que necessitam de maior aporte financeiro para seus desenvolvimentos, garantindo um país mais justo e com melhor condições de crescimento.

Para Marcus Orione Gonçalves Correia (apud TREVISO, 2009, p. 1), a legislação social deve ser compreendida como “conjunto de normas emanadas do Estado, disciplinando as relações que intercedem entre as classes trabalhistas e classes trabalhadoras”.

Abaixo, segue um destaque para outra opinião emitida por Treviso (2009, p. 5):

[..] social se diz essa legislação, seja porque se refere a relações entre classes ou entre indivíduos de classes diversas, seja porque não tem atitudes, caracteres e fins jurídicos, mas sim tutela de proteção, de disciplinamento de situações de fato e de relações sociais extrajudiciais, as quais superam e em parte contradizem a premissa de absoluta igualdade de direito, que é imprescindível à compreensão das relações judiciais de direito privado e a noção de súdito, que também é imprescindível à compreensão das relações que prendem o indivíduo de qualquer classe ao Estado.

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É preciso, do mesmo modo, reconhecer avanços significativos que o país teve após a promulgação da Constituição de 1988. Isto é inegável. No campo social, principalmente.

Mas por outro lado, também se deve ter clareza que muitas destas ações não resultam de um planejamento de Estado. Elas não possuem regulamentação específica que lhes assegure uma continuidade positiva e acabam acarretando ainda mais dificuldades e inseguranças para o meio social.

Essas análises ratificam as dificuldades que se tem para implementar tais princípios, que restam muito mais como protocolo de intenções do que ações propriamente ditas, carecendo de normatização infraconsitucional.

1.3 Eficácia dos direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1988

Em um país com tantos contrastes e com uma dívida histórica com boa parte da população, os direitos sociais não poderiam deixar de ter um lugar especial reservado na lei maior da nação.

Entretanto, resta sublinhado que a Constituição de 1988, por seu caráter extremamente particular, advinda depois de 21 anos de um regime ditatorial e denominada de “Constituição Cidadã”, trouxe vários avanços ao ordenamento jurídico, contemplando linhas conceituais que estavam minimizadas em outros momentos ou, até mesmo, inexistiam.

Sarlet (2009, p. 66) traz sua perspicaz análise sobre essa questão:

Dentre as inovações, assume destaque a situação topográfica dos direitos fundamentais, positivados no início da Constituição, logo após o preâmbulo e os princípios fundamentais, o que, além de traduzir maior rigor lógico, na medida em que os direitos fundamentais constituem parâmetro hermenêutico e valores superiores de toda a ordem constitucional e jurídica, também vai ao encontro da melhor tradição do constitucionalismo na esfera dos direitos fundamentais.

Realmente, os direitos fundamentais tiveram um tratamento diferenciado nesta Constituição, cumprindo com uma tendência universal de atenção a temas sensíveis que refletem diretamente na vida das pessoas.

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Nesse sentido, Sarlet (2009, p. 66) destaca outras peculiaridades:

[...] Talvez a inovação mais significativa tenha sido a do art. 5º, § 1º, da CF, de acordo com o qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidade imediata, excluindo, em princípio, o cunho programático destes preceitos, conquanto não exista consenso a respeito do alcance deste dispositivo. De qualquer modo, ficou consagrado o status jurídico diferenciado e reforçado dos direitos fundamentais na Constituição vigente. Esta maior proteção outorgada aos direitos fundamentais manifesta-se, ainda, mediante a inclusão destes no rol das “cláusulas pétreas” (ou “garantias de eternidade”) do art. 60, § 4º, da CF, impedindo a supressão e erosão dos preceitos relativos aos direitos fundamentais pela ação do poder Constituinte derivado.

Elencados com precisão no texto constitucional de 1988, os direitos sociais possuem um debate importantíssimo atualmente: sua garantia e eficácia, principalmente no plano jurídico.

Esses direitos estão resguardados através do art. 5º, parágrafo 1º da Constituição, devendo ser observada sua eficácia imediata e a condição de cláusula pétrea.

Para Ingo Sarlet (apud CORDEIRO, 2009), não é possível extrair da Constituição brasileira um regime diferenciado entre direitos de liberdade e direitos sociais. Dita inclusão pode se dar tanto por força do art. 60, parágrafo 4º, inciso IV, como na condição de limite implícito.

Muitos são os estudiosos que afirmam, com certa propriedade e correção, que os direitos sociais possuem para a doutrina apenas um valor declarativo, porém, com carências no que se refere ao modo de concretizar a sua garantia (TREVISO, 2009). Segundo seu entendimento, essa situação se deve em função de que ainda se tem um costume maior com as normas jurídicas e ritos processuais que sustentam o direito privado.

Outro ponto de análise que deve ser tratado com especial consideração é o fato de que para a efetivação dos direitos sociais é necessário o dispêndio de valores por parte dos governos, resultado este que acaba por dificultar ainda mais a luta daqueles que defendem a implementação mais ágil de seus conceitos.

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Destaque para o que leciona Luciana Caplan (apud TREVISO, 2009, p. 7) sobre esta questão:

[...] as normas por si só não garantem efetividade, eis que demandam condições concretas para tanto. Ademais, existem construções teóricas conservadoras de forte viés liberal que imprimem à leitura das normas garantidoras dos direitos sociais uma ideologia impeditiva de uma hermenêutica assecuratória de sua efetividade. Há, no entanto, um espaço emancipador na aplicação da norma constitucional de proteção aos direitos sociais. A superação das armadilhas ideológicas pode permitir o uso deste espaço emancipador.

Essa análise vai fundo no sentido de interpretar a forte conotação conservadora da sociedade brasileira, que não consegue em diversos momentos encarar de frente os desafios propostos pelos direitos sociais.

Apesar de avanços alcançados e consolidados nos últimos anos, o debate ainda carece de maior profundidade. O pré-conceito ainda está com bastante força, buscando diminuir políticas públicas que são fundamentais para a reconstrução de uma cidadania e de um país com maior justiça social.

Na esteira disso, está referenciada a seguir, uma análise de Jorge Miranda (apud CORDEIRO, 2012, p. 53):

[...] os direitos sociais são particularmente dependentes de condições econômico-financeiras, administrativas, institucionais e socioculturais, de sorte que a sua concretização não é o produto de uma simples operação hermenêutica, demandando, ao revés, um confronto complexo das normas com a realidade circundante, do qual pode resultar a conveniência de estabelecer diferentes tempos, graus e modos de efetivação.

Pelo caráter abrangente do que significa direitos sociais, parece que as dificuldades em regulamentá-los seja intransponível. Porém, não é o que analisam diversos estudiosos e juristas.

Como se tratam de direitos de cunho relevante para o coletivo social, deve-se levar em conta a norma que seja mais ampla em favor do titular do direito. Notemos o que nos expõe, através de artigo, Marco Aurélio Marsiglia Treviso (2009, p. 5):

É a utilização do princípio “pro homine”, que se encontra transcrito no artigo 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Isto significa que todas as

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vezes que houver a necessidade de articular normas distintas que se referem ao mesmo direito, deve ser dada preferência àquelas que apresentam um conteúdo de maior extensão, que modo que seja possível dar ao intérprete a possibilidade de selecionar e articular os diferentes componentes ou partes de um mesmo direito que surjam de distintas fontes.

Com esse mecanismo é possível a aferição das pessoas que necessitam da garantia de direitos sociais, assim como daqueles que devem ser responsabilizados pela não observância desses conceitos. Também se poderá identificar os mecanismos para a efetividade deste direito.

Abaixo, é destacado outro trecho de análise de Treviso (2009, p. 5), para melhor compreender a busca por eficácia da norma constitucional:

Os direitos sociais, normalmente, estão dispostos na Constituição, o que significa que devemos usar algumas técnicas de garantia desenvolvidas tradicionalmente para os direitos civis e políticos, aos direitos sociais. Em outras palavras: quando um direito social está estabelecido em uma constituição, ele possui um conteúdo mínimo essencial que não pode ser violado pelo legislador ou pelas autoridades políticas. O direito social incorporado à constituição implica na obrigação, posta na cabeça do corpo legislativo e, indiretamente, à administração pública, de respeitar esse conteúdo mínimo essencial, por debaixo de qualquer política, já que qualquer ação ou omissão pode ser violadora deste direito.

Para isso, precisamos eliminar a clássica dicotomia entre direitos econômicos, sociais e culturais, de um lado, e direitos civis e políticos, de outro, já que sempre se entendeu que os últimos (direitos políticos e civis) geram obrigações negativas, de mera abstenção, caracterizadas por um “não-fazer” do Estado (como, por exemplo, a obrigação de não restringir a liberdade de expressão), ao passo que os primeiros (direitos econômicos, sociais e culturais) implicariam em obrigações de natureza positiva que, normalmente, são resolvidas através da utilização de recursos públicos; a “marca” dos direitos econômicos, sociais e culturais era a atuação positiva do ente estatal (obrigações de “fazer”, portanto), como, por exemplo, prover os serviços básicos de saúde e educação para a população.

A própria constituição já sofreu uma série de acréscimos, através de emendas. Uma delas, a Emenda Constitucional nº 26/2000, garantiu a inclusão do direito à moradia no artigo 6º, de forma expressa. Isso demonstra o entendimento majoritário de que é necessário avançar cada vez mais no sentido de se tentar abranger aquilo que realmente é necessidade premente daqueles mais necessitados.

Outro ponto de vista, destacado pelo jurista Jairo Gilberto Schäfer (2001, p. 57) está sublinhado abaixo:

Consoante ensinamento de Norberto Bobbio, o constitucionalismo contemporâneo deve, necessariamente, evoluir de um quadro essencialmente teórico para uma postura de preocupação com a alteração concreta da realidade, pois o problema

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grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los. Portanto, a questão jurídica hoje não é classificar os direitos fundamentais como absolutos ou relativos, mas sim discutir qual é a forma mais segura e eficiente de torná-los eficazes, impedindo as constantes violações dos direitos declarados em documentos internacionais e nacionais, assumindo importância capital a questão envolvendo a eficácia dos direitos fundamentais, embora se deva ter cuidado na distinção entre a eficácia social da norma (alteração no plano dos fatos) e a eficácia jurídica da norma, a qual, consoante ensinamento que já se tornou clássico, de José Afonso da Silva, é a qualidade de “produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos de que cogita”, embora seja inegável a íntima conexão temática entre os dois conceitos.

Essa visão corrobora com o entendimento de que ainda resta uma maior eficácia dos direitos fundamentais no regime jurídico nacional, buscando de fato cumprir com o que preceitua a lei maior. Cabe a todos, agentes políticos, cidadãos e juristas, reforçar esse estudo, buscando novas alternativas e implementando uma nova postura a frente deste tema.

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2 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E SUA RELAÇÃO COM O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL

A temática dos direitos sociais garantidos constitucionalmente deve ser encarada a partir de alguns campos que propõe visões conflitantes, mas que refletem as dificuldades para se implementar a regulamentação e garantia aos direitos elementares elencados na carta constitucional.

As variantes que serão expostas a seguir, tratam da dignidade da pessoa humana, do mínimo existencial e da reserva do possível. Temas que estão interligados e que devem ser explorados com visão interpretativa e crítica.

2.1 A dignidade da pessoa humana como direito fundamental

É elementar e justo que a dignidade da pessoa humana seja classificada como um dos princípios mais relevantes do ordenamento pátrio, pois justamente está no topo da pirâmide de direitos fundamentais e humanos. Trata-se de uma garantia universal, dotada de valor simbólico que não pode ser diminuída nem tampouco sonegada.

Para se ter real dimensão da importância deste preceito, a Constituição Federal estabelece a dignidade da pessoa humana em seu artigo 1º, inciso III, conferindo-a como fundamento que norteia a interpretação das demais normas jurídicas vinculadas ao meio jurídico nacional.

O entendimento preliminar sobre esse ponto, explicitado por Lima e Fermentão (2012) colabora na interpretação deste ponto:

A dignidade da pessoa humana é o princípio supremo da Constituição Federal, servindo como base para todo o ordenamento jurídico. O respeito à dignidade foi transformado em princípio pelo poder constituinte, na Constituição Federal de 1988, sendo considerado o princípio que rege todos os demais princípios e, ao mesmo tempo, é inerente à vida humana. Para se chegar a uma definição de dignidade é importante levar em conta toda a evolução histórica e as conquistas da sociedade por meio das gerações de direitos fundamentais. Os direitos fundamentais só são possíveis de concretização quando respeitado o direito da dignidade, nenhum direito fundamental poderá afrontar a dignidade da pessoa humana.

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Está clara, portanto, a significação e importância deste princípio, buscando garantir uma sociedade justa e plural, com liberdade e cidadania.

A base da firmeza jurídica e da estruturação de uma carta constitucional, referência para todas as demais legislações, são os princípios, “e todos os princípios constitucionais encontram sua razão e origem no homem, fundamento de todo o dever-ser” (ANDRADE, 2008).

Realçando esse enfoque, ainda sobre os princípios, o eminente jurista Celso Antonio Bandeira de Mello (apud FAZOLI, 2007, p. 15), leciona de forma precisa:

Princípio [...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico

É justo, desta forma, que este princípio da dignidade da pessoa humana, esteja cada vez mais propenso aos debates acadêmicos e das ramificações sociais, buscando seu aprofundamento e sua garantia como efetivo norteador das condutas estatais.

Segue o entendimento expressado por Lima e Fermentão (2012), ainda neste raciocínio:

Os princípios são normas, impõe um dever ser a sociedade, atribuindo proibições e permissões à sociedade. Já os valores estão ligados ao contexto social, ao tempo e à forma como a sociedade e o indivíduo se comportam para promover o bem da sociedade. O valor se modifica conforme o tempo, o espaço, componente histórico e se impõe às atitudes dos próprios indivíduos como um juízo de interpretação de regras jurídicas ou não.

Os princípios são essenciais para a construção legalista, servindo como base para a estruturação de normas coletivas que devem gerar reflexos à sociedade, com direitos que são inerentes à pessoa. É nesse particular que expressa-se a dignidade da pessoa humana, elemento basilar nesta construção.

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Extrai-se a partir dessa visão, o entendimento do jurista Celso Lafer (apud LIMA E FERMENTÃO, 2012, p. 317), que reafirma o grau de importância e significação da dignidade da pessoa humana:

A dignidade da pessoa humana é o princípio norteador do ordenamento jurídico fundamental, que serve para coordenar os demais princípios e normas vigentes no país. Por ser um princípio norteador do ordenamento jurídico a dignidade da pessoa humana possui dupla natureza, devendo ser vista como um postulado normativo, tendo em vista que ela serve para indicar a forma como as demais normas devem ser feitas e aplicadas, sendo que nenhuma norma pode ferir a dignidade da pessoa humana.

Para alcançar esse grau de representatividade, o princípio da dignidade da pessoa humana enfrentou ao longo do tempo diversos obstáculos e falta de um aceite real e firme por parte de sociedades passadas.

Entretanto, de uma forma vigorosa, superou tais dificuldades e foi sendo moldado, interpretado e previsto, modernamente, através dos ordenamentos jurídicos das nações, com especial atenção no Brasil, caracterizando-se como uma linha-mestra e de inspiração ao Estado Democrático de Direito.

É necessário referir, ao mesmo tempo, que apesar de toda a força que representa a dignidade da pessoa humana, esta é posta a prova toda vez que governos totalitários ou ditatoriais assumem o comando de seus países, afrontando aquele que é o mais elementar e caro direito e princípio da humanidade.

O entendimento apresentado por Rizzato Nunes (apud LIMA E FERMENTÃO, 2012, p. 324) apresenta uma visão deste ponto de estudo:

O conceito de dignidade humana foi construído ao longo da história como fruto das conquistas e lutas dos povos em reação às atrocidades. Estas marcaram a experiência humana. A dignidade humana chegou ao início do século XXI como o valor supremo construído pela razão jurídica. No século XXI o valor de dignidade humana não está apenas ligado a cada Estado. Sendo um valor universal, devem todos os Estados lutar contra a ditadura ou qualquer forma de governo que tire o direito a uma vida digna para os indivíduos de uma sociedade. Não é possível aceitar nos dias atuais um governo que utilize da força e da crueldade para dominar seu povo e agir em completo desrespeito à dignidade da pessoa humana.

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Os grande fóruns de debates e de encontros entre países e povos, tem dado nos últimos anos uma atenção mais preponderante para este tema.

Para Andrade (2008, p. 5), “o respeito à dignidade humana, por esse prisma, não constitui ato de generosidade, mas dever de solidariedade. Dever que a todos é imposto pela ética, antes que pelo direito ou pela religião.”

Após explicitar um apanhado histórico sobre o tema, apesar de avanços nítidos, podemos perceber, todavia, através da reflexão e da interpretação com o que vivemos atualmente, que apesar de toda essa comprovada força ética e principiológica, que a garantia efetiva, jurídica e material da dignidade da pessoa humana ainda está longe de ser a ideal.

A seguir está exposto comentário Ingo Wolfgang Sarlet (apud LIMA E FERMENTÃO, 2012, p. 324), sobre esse entendimento:

Esta dificuldade de conceituação se dá pelo fato de se cuidar de aspectos de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano, de tal sorte que a dignidade passou a ser definida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal, definição esta que não contribui para uma compreensão satisfatória do âmbito da proteção da dignidade humana na sua condição jurídico normativa.

Apesar da dificuldade em se estabelecer de forma direta uma norma legal que discipline um princípio tão amplamente universal, é dever do Estado e da própria sociedade como um todo, manter de forma permanente e ininterrupta a atenção a este direito fundamental, espelhando seus atos e suas ações a partir desse entendimento.

Analisemos a seguir a opinião emitida por Alexandre de Moraes (apud LIMA E FERMANTÃO, 2012, p. 330):

A dignidade humana pode e deve ser reconhecida e protegida pelo ordenamento jurídico, devendo lembrar que a dignidade, por ser inerente ao ser humano, não existe apenas onde é reconhecida pelo direito e na medida em que este a reconhece, já que constitui dado prévio, independentemente da positivação do Direito. Isso significa dizer que, independente de o Direito positivar lei que protege a dignidade da pessoa humana, esta pessoa, pelo simples fato de pertencer à natureza humana, já possui direito à dignidade.

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É importante referirmos que a dignidade da pessoa humana resulta da conquista social do reconhecimento acerca dos direitos fundamentais, respeitando-os como instituto que deve ser valorizado e destacado.

Para se garantir o respeito à dignidade, o entendimento expresso por Lima e Fermentão (2012), abaixo, faz-se necessário:

[...] é fundamental que sejam assegurados os direitos fundamentais previstos nos artigos 1º, 3º, e 5º da Constituição Federal, mas também os direitos sociais previstos no artigo 6º, aí incluídos o direito ao trabalho, à saúde e ao lazer e também o direito a um meio ambiente equilibrado, previstos nos artigos 225 e seguintes da carta constitucional.

Pode-se entender como cada vez mais fundamental essa interpretação de princípio norteador. Trata-se de um avanço que deve ser preservado de forma incessante, amparando as demais normas que regem o ordenamento pátrio.

Bobbio (1992, p. 52), ilustra de forma nítida o que significa esse avanço que a sociedade vem experimentando, ao valorar de uma forma mais precisa um princípio dessa grandeza:

[...] do ponto de vista da filosofia da história, o atual debate sobre os direitos do homem – cada vez mais amplo, cada vez mais intenso, tão amplo que agora envolveu todos os povos da Terra, tão intenso que foi posto na ordem do dia pelas mais autorizadas assembleias internacionais – pode ser interpretado como um “sinal premonitório” (signum prognosticum) do progresso moral da humanidade.

Quando é realizada essa análise, fica reforçada a responsabilidade dos operadores do direito em aprofundar esses aspectos e contribuir com o debate necessário para que novos avanços sejam conquistados.

Nessa linha, novamente Bobbio (1992, p. 61) leciona de forma precisa:

[...] O primado do direito (ius) sobre a obrigação é um traço característico do direito romano, tal como este foi elaborado pelos juristas da época clássica. Mas trata-se, como qualquer um pode comprovar por si, de direitos que competem ao indivíduo como sujeito econômico, como titular de direitos sobre as coisas e como capaz de intercambiar bens com outros sujeitos econômicos dotados da mesma capacidade. A inflexão a que me referi, e que serve como fundamento para o reconhecimento dos direitos do homem, ocorre quando esse reconhecimento se amplia da esfera das relações econômicas interpessoais para as relações de poder

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entre príncipe e súditos, quando nascem os chamados direitos públicos subjetivos, que caracterizam o Estado de direito. É com o nascimento do Estado de direito que ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos. No Estado despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos. No Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados. No Estado de direito, o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de direito é o Estado dos cidadãos.

É preciso referir que a dignidade subentende-se desde a concepção do ser humano, sendo umbilicalmente ligada a este. Mesmo sendo orientadora de toda e qualquer lei, não há como impor tal princípio para qualquer pessoa. Cada qual possui sua valoração individual e sua dignidade própria, que a constrói ao longo da experiência de vida.

Conforme Sarlet (2011, p. 22), “o Estado possui o dever de garantir a todos a dignidade igualitária e, ao mesmo tempo, tem que respeitar o sentimento de dignidade individual de cada ser.”

Está nítida a importância que o constituinte de 1988 destinou ao instituto da dignidade da pessoa humana, destacando-o entre qualquer outro. Mas ainda é necessária uma longa caminhada para que tais princípios sejam de fato legitimados, em uma sociedade ainda injusta em tantas esferas.

Ao se cobrar uma nova postura a frente de tais princípios expressos na constituição nacional, apenas se reverbera com aquilo que é entendimento de estudiosos e juristas da atualidade, que também pressionam por uma nova forma do Estado respeitar as regras postas.

A sentença abaixo, do eminente jurista Celso Antonio Bandeira de Mello (2009, p. 11) ilustra o entendimento:

[...] A Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão de anseios, de aspirações, de propósitos. É a transformação de um ideário, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas. Em comandos. Em preceitos obrigatórios para todos: órgãos do Poder e cidadãos. [...] A feição específica da prescrição jurídica é a imposição, a exigência. [...]

É preciso que o Estado fundamente suas leis e suas práticas cada vez mais observando os princípios que regem nossa Carta Magna. E a sociedade tem o dever de exigir isso de seus representantes, com a força constitucional a lhe fazer valer como apoio intransponível.

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2.2 A garantia de um mínimo existencial como critério material para a eficácia dos direitos fundamentais sociais

Com o avanço no estudo proposto, apresenta-se um tópico de fundamental compreensão para o desenvolvimento desta pesquisa: trata-se do conceito de mínimo existencial, necessário para a garantia de que os direitos sociais amparados constitucionalmente possam de fato ser consagrados e efetivados junto às camadas que deles mais necessitam.

Os direitos sociais prestacionais derivam justamente deste entendimento positivo, em que o Estado deve prover aquele mínimo necessário para que realmente a dignidade da pessoa humana esteja sendo contemplada, servindo muito mais do que mero protocolo de intenções.

O entendimento de Sarlet (2009, p. 282) reconhece esta interpretação inicial, como pode ser analisado na sequência:

[...] enquanto os direitos de defesa se identificam por sua natureza preponderantemente negativa, tendo por objeto abstenções do Estado, no sentido de proteger o indivíduo contra ingerências na sua autonomia pessoal, os direitos sociais prestacionais (portanto, o que está em causa aqui é precisamente a dimensão positiva, que não exclui uma faceta de cunho negativo) têm por objeto precípuo conduta positiva do Estado (ou particulares destinatários da norma), consistente numa prestação de natureza fática. Enquanto a função precípua dos direitos de defesa é a de limitar o poder estatal, os direitos sociais (como direitos a prestações) reclamam uma crescente posição ativa do Estado na esfera econômica e social. [...] os direitos sociais de natureza positiva (prestacional) pressupõem seja criada ou colocada à disposição a prestação que constitui seu objeto, já que obtiveram a realização da igualdade material, no sentido de garantirem a participação do povo na distribuição pública de bens materiais e imateriais.

Ao configurar os direitos sociais como parte importante da constituição brasileira, o legislador afiançou a necessidade de se ter o cumprimento a essa premissa.

Não se pode encarar os direitos fundamentais e, principalmente, os direitos sociais, mais especificamente, como meros regramentos estabelecidos, mas sem o cumprimento devido por parte do ente estatal, responsável maior por promover aquilo que está elencado no texto constitucional.

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Neste particular, cabe destacar mais uma vez, que se tratam de temas de rara sensibilidade social, com uma significação enorme para o corpo social, pois preceituam direitos inerentes à pessoa, direitos basilares e que devem ser observados, resguardados e cumpridos.

A lição apresentada acerca desse ponto, do eminente jurista Sarlet (2009, p. 283) é necessária para análise:

[...] foram efetuadas diversas tentativas de sistematizar as prestações sociais estatais relevantes para a problemática dos direitos sociais, dentre as quais destacamos – pela sua plasticidade e abrangência – a proposta formulada pelo publicista germânico Dieter Murswiek, que dividiu as prestações estatais [...] em quatro grupos: a) prestações sociais em sentido estrito, tais como a assistência social, aposentadoria, saúde, fomento da educação e do ensino, etc.; b) subvenções materiais em geral, não previstas no item anterior; c) prestações de cunho existecial no âmbito da previdência social (Daseinsvorsorge), como a utilização de bens públicos e instituições, além do fornecimento de gás, luz, água, etc.; d) participação em bens comunitários que não se enquadram no item anterior, como, por exemplo, a participação (no sentido de quota-parte), em recursos naturais de domínio público.

Garantir um mínimo existencial que dê vida ao que disciplina a lei, vem sendo a grande tarefa enfrentada por estudiosos, juristas e operadores do direito, no sentido de efetivar tais normas constitucionais, não restando apenas como um manifesto de intenções do legislador e do Estado.

Esse debate vem sendo aguçado e conta com o apoio de organismos sociais estruturados e bastante enraizados no seio comunitário, que buscam, através de fóruns democráticos, expor algumas contradições que ainda hoje podem ser notadas, travando um duro enfrentamento no sentido de estabelecer o mínimo existencial e fazê-lo cumprir.

Larissa Fischer Sbrissia (2009, p. 6), no artigo “A efetividade dos direitos fundamentais sociais frente à reserva do possível”, sobre este particular aduz que:

Se os direitos sociais estão fundamentados no conceito de dignidade da pessoa humana, estudar o mínimo existencial é estabelecer os limites impostos pela Constituição como garantias sociais mínimas aos indivíduos para que tenham realizada a sua própria dignidade. Trata-se do desenvolvimento lógico e direto do núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais, núcleo este protegido pela intervenção estatal. Além disso, o fato da garantia ao mínimo existencial não estar reconhecida expressamente no texto constitucional, não significa que o

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constituinte deixou de considerar tal direito. Na verdade ele foi muito além quando previu as garantias sociais.

Esse entendimento é bastante acertado, pois realça a profundidade que o instituto do mínimo existencial possui, mesmo não estando tipificado de forma direta na lei maior. Trata-se de verificar, ao fim e ao cabo, as reais necessidades daquelas camadas mais necessitadas, mais desiguais socialmente, a fim de ampará-las, através de políticas públicas e ações efetivas que possam fazer cumprir com aquilo que lhes é devido.

A análise de Andréas Joachim Krell (apud IURCONVITE, 2010) sobre a historicidade do conceito de mínimo existencial é precisa:

E foi em busca dessa existência humanamente digna que a noção de mínimo existencial foi difundida na Alemanha. O Tribunal Constitucional Federal Alemão extraiu da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à integridade física, mediante a interpretação sistemática junto ao princípio do Estado social, o direito a um mínimo de existência, a partir do que determinou um aumento expressivo do valor da ajuda social, valor mínimo que o Estado está obrigado a garantir aos cidadãos carentes

Esta análise demonstra o valor grandioso que esse instituto possui, no sentido de guardião daquilo que está expresso legalmente.

Celso Antonio Pacheco Fiorillo (apud IURCONVITE, 2010) também leciona de forma didática sobre esse tema:

Uma vida com dignidade reclama a satisfação dos valores (mínimos) fundamentais descritos no art. 6º da Constituição Federal, de forma a exigir do Estado que sejam assegurados, mediante o recolhimento dos tributos, educação, saúde, trabalho, moradia, segurança, lazer, entre outros direitos básicos indispensáveis ao desfrute de uma vida digna (FIORILLO, 2007, p. 67-68).

Estes entendimentos doutrinários constituem-se no reforço teórico necessário para que as regulamentações necessárias dos direitos sociais possam ser debatidas com maior profundidade e colocadas em prática pelos legisladores, fazendo valer a eficácia deste rol vital de direitos.

Programas assistenciais hoje existentes no país, em especial o conhecido Bolsa Família, podem ser encarados como políticas públicas que buscam a garantia desse mínimo

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existencial proferido na constituição. Trata-se de uma renda mínima, satisfazendo algumas das necessidades básicas elencadas no artigo 6º da Constituição.

Porém, trata-se de uma iniciativa que não contempla os demais direitos previstos, principalmente a saúde, o trabalho, a moradia e a segurança, itens que demandam um esforço mais planejado, com ações diferenciadas e que levem em consideração as realidades regionais de um país continental como o Brasil.

Analisemos a interpretação de Ricardo Lobo Torres (apud MORAES, 2009):

A jusfundamentalidade dos direitos sociais se reduz ao mínimo existencial, em seu duplo aspecto de proteção negativa contra a incidência de tributos sobre os direitos sociais mínimos de todas as pessoas e de proteção positiva consubstanciada na entrega de prestações estatais materiais em favor dos pobres. Os direitos sociais máximos devem ser obtidos na via do exercício da cidadania reivindicatória e da prática orçamentária, a partir do processo democrático

Resta claro o entendimento do eminente jurista, quanto à efetivação dos direitos sociais que ele denomina de máximos. Afinal, são direitos sociais amplos e complexos, que necessitam de um estudo aprofundado por parte do poder público, estabelecendo-os como prioridade nos orçamentos de seus respectivos poderes.

Certamente resta como uma luta muito mais cidadã da população, na busca pela eficácia destes direitos mais aprofundados, através da participação comunitária, da fiscalização dos representantes públicos eleitos e das atividades dos órgãos de execução e controle e do próprio voto.

Outro ponto sensível que vem ganhando espaço no debate acadêmico trata-se do direito fundamental social à saúde, talvez o mais premente e com maiores dificuldades de se tornar realidade da forma como se objetiva através da lei.

Não é mera coincidência que a saúde seja uma das áreas mais carentes de recursos, de boa gestão e de planejamento por parte dos entes estatais, nas três esferas representativas governamentais.

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O apontamento abaixo destacado, de autoria de IURCONVITE (2009) faz menção a este particular:

Por essa posição de supremacia ao lado do direito a vida humanamente digna é que a saúde se revela o mais importante dos direitos expostos no artigo 6º da Lei Maior, constituindo, indubitavelmente, o mínimo existencial à saúde. Além do direito à vida humanamente digna, a saúde está condicionada a outros direitos, com a alimentação, a moradia, a educação, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho e o lazer.

Esse entendimento tem coerência com aquilo que pode ser visualizado atualmente no plano social e comunitário, onde a judicialização da saúde vem ganhando cada vez mais terreno, com destaque para ações que buscam garantir o acesso a medicamentos, o acesso hospitalar, a garantia a procedimentos cirúrgicos, transplantes e tratamentos de enfermidades mais danosas e de difícil reparação.

Entretanto, o instituto do direito fundamental à saúde não pode ser identificado e ficar restrito apenas a questões pontuais, e é justamente aí onde reside, no humilde entendimento do autor deste trabalho, baseado na interpretação e na leitura de tantos teóricos, a grande dificuldade do Estado em estabelecer um plano a longo prazo para realmente buscar solucionar os gargalos sociais de uma maneira mais ampla, conjugando a resolutividade em diversas frentes, pois a saúde está umbilicalmente ligada com outros setores. É nesse sentido mais amplo que o direito à saúde elencado na constituição deve ser interpretado.

É importante destacar a opinião emitida por Luiz Alberto David Araujo (apud IURCONVITE, 2009) quanto a este ponto específico:

O direito à saúde não significa, apenas, o direito de ser são e de se manter são. Não significa apenas o direito a tratamento de saúde para manter-se bem. O direito à saúde engloba o direito à habilitação e à reabilitação, devendo-se entender a saúde como o estado físico e mental que possibilita ao indivíduo ter uma vida normal, integrada socialmente

O entendimento expressado realmente deve ser endossado, pois apresenta fundamento com aquilo que foi a intenção dos legisladores.

Mas não pode deixar de ser expressar a preocupação apresentada por alguns estudiosos e doutrinadores, referente à delimitação clara e objetiva do que é o mínimo existencial. Como

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trata-se de um instituto difícil de ser dimensionado e com uma variedade de interpretações, as inquietações que são apresentadas se tornam relevantes.

A explicação apresentada por George Marmelstein Lima (apud MORAES, 2009) condensa entendimento nesse raciocínio:

Há, contudo, por trás da teoria, um aspecto negativo: um intérprete mais mesquinho (dito de outro modo: um intérprete ideologicamente contra os direitos sociais) poderá utilizar a tese para esvaziar ao máximo a força jurídica dos direitos sociais, diminuindo até onde pode o conteúdo essencial do direito, até porque o balizamento do que será esse “conteúdo mínimo” ficará a cargo da doutrina e da prática judicial. O que seria, por exemplo, o mínimo existencial em matéria de educação? Seria apenas saber escrever o próprio nome? Ou então o mínimo existencial em matéria de moradia? Não dá para responder com segurança.

Essa interpretação é bastante válida, pois se refere a um postulado negativo do conceito de mínimo existencial, até então tratado como um instituto meramente positivo, carente de eficácia jurídica.

Seguindo uma linha próxima de interpretação, Jorge Miranda (apud, RAMOS, 2008, p. 47) apresenta a seguinte sentença:

[...] também alerta para a “adequação das prestações e dos custos dos direitos sociais”, ressaltando que tais direitos num Estado de Direito democrático são direitos universais, todavia, “ancorados na idéia de uma igualdade real a construir, as incumbências públicas correlativas da sua realização admitem alguma adequação em função das condições concretas dos seus beneficiários”. Assim, um Estado social “aceita assumir os custos de satisfação de necessidades básicas, embora não os das demais necessidades a não ser na medida do indispensável para assegurar aos que não podem pagar as prestações os mesmos direitos a que têm acesso aqueles que a podem pagar”. E arremata: “a fronteira entre necessidades básicas e outras necessidades nunca é rígida, nem definitiva. Depende dos estágios de desenvolvimento econômico, social e cultural. E é também o sufrágio universal que, em cada momento, a traça”

São interpretações que devem ser levadas em consideração, pois apresentam um outro panorama de análise, de consideração, que emerge naturalmente deste debate.

Concluindo o escopo deste subitem da pesquisa, retiro a lição apresentada por Sarlet (2009, p. 292), que demonstra com nitidez a formulação dos direitos sociais e sua dependência de uma normatização infraconstitucional:

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[...] consideramos possível partir da premissa de que todas as normas da Constituição aptas a serem enquadradas no grupo das normas de cunho programático apresentam um elemento comum que justifica suficientemente esta opção, qual seja, o de que todas estas normas se caracterizam pelo fato de reclamarem, para que possam vir a gerar a plenitude de seus efeitos, uma interposição do legislador. Cuida-se, portanto, de normas que apresentam a característica comum de uma (em maior ou menor grau) baixa densidade normativa, ou, se preferirmos, uma normatividade insuficiente para alcançarem plena eficácia, porquanto se trata de normas que estabelecem programas, finalidade e tarefas a serem implementados pelo Estado, ou que contêm determinadas imposições de maior ou menor concretude dirigidas ao Legislador.

O mínimo existencial, assim como os próprios direitos sociais, de uma forma ampla, necessitam de um regramento, de um apontamento, através de lei. Uma regulamentação que não encerre o debate, mas que norteie a interpretação.

É necessário que os legisladores e os operadores de direito, afiançados ainda pela academia, façam um profundo debate sobre este particular, encontrando formas para que se possa cumprir com aquilo que já está previsto como direito elementar, mas que não se consegue colocar em prática por falta de lei específica, de planejamento e, muitas vezes, de vontade política.

Direitos consagrados como esses, fundamentais em sua essência, não podem ser negligenciados.

2.3 A efetivação dos direitos fundamentais sociais dentro dos limites da reserva do possível

Neste último ponto do trabalho de pesquisa, será destacado outro tema imprescindível para a interpretação acerca dos direitos sociais, que aguça debates bastante ilustrativos das dificuldades que os direitos fundamentais sociais encontram para sua plena efetivação.

A reserva do possível é um dos principais argumentos do Estado para postergar ou negar o cumprimento de metas e de ações positivas, que façam valer aquilo que está exposto e disciplinado na constituição. É um meio doutrinário de justificação à não ação, embasado nas dificuldades de ordem financeira e orçamentária encontrada pelos entes estatais. Um argumento, inclusive, muito contestado por grande parte da academia e de juristas.

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