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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

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P

ONTIFÍCIA

U

NIVERSIDADE

C

ATÓLICA

DORIODEJANEIRO

Sonia Maria Marques de Souza Cosentino

VIDA, LIBERDADE, VERDADE E AMOR

Experiência Histórica do Espírito Santo na Sagrada Escritura

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Teologia.

Orientadora: Prof.ª Ana Maria de Azeredo Lopes Tepedino

Rio de Janeiro Dezembro de 2008

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P

ONTIFÍCIA

U

NIVERSIDADE

C

ATÓLICA

DORIODEJANEIRO

Sonia Maria Marques de Souza Cosentino

Vida, Liberdade, Verdade e Amor: Experiência

Histórica do Espírito Santo na Sagrada Escritura

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação do Departamento de Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof.ª Ana Maria de A. Lopes Tepedino

Orientadora Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof.ª Jenura Clothilde Boff

Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof. Luiz Fernando Ribeiro Santana

Inst. Superior de Teologia da Arquidiocese do Rio de Janeiro

Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade

Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e da orientadora.

Sonia Maria Marques de Souza Cosentino

Graduou-se em Teologia na PUC-Rio em 2005. É professora do Centro Loyola de Fé e Cultura e de cursos no Vicariato Norte. É tutora do Curso de Teologia a Distância da PUC-Rio.

Ficha Catalográfica

CDD 200

Cosentino, Sonia Maria Marques de Souza

Vida, liberdade, verdade e amor: experiência histórica do Espírito Santo na Sagrada Escritura / Sonia Maria Marques de Souza Cosentino; orientadora: Ana Maria de Azeredo Lopes Tepedino. – 2008.

234 f.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Teologia)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

Inclui bibliografia

1. Teologia – Teses. 2. Espírito Santo. 3. Sagrada Escritura. 4. Experiência histórica. 5. Critérios de discernimento. 6. Vida. 7. Liberdade. 8. Verdade e amor. I. Tepedino, Ana Maria de Azeredo Lopes. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.

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A Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo, por me chamar à vida, sustentando-a amorosamente, por ser luz que me conduziu nesta caminhada teológica e força que me fez superar os desafios neste difícil processo de pesquisa.

A meu amado esposo, Vicente Cosentino, amigo e companheiro de todas as horas, pelo incentivo e dedicação, pela compreensão e paciência em minhas “ausências-presenças”, para que eu pudesse realizar esta dissertação. A minha mãe que me impulsionava a cada dia com sua admiração. A meu saudoso pai e a minha saudosa avó Albertina, que sempre acreditaram em meu potencial e que apesar de ausentes, continuam presentes em minha vida. A minha querida irmã, Regina Helena, que com sua amizade e carinho sempre me apoiou em todos os momentos, tanto nos de alegria como nos de tristeza. Aos meus queridos filhos Frederico, Vanessa e Flávia

pelo apoio e estímulos constantes. Aos meus queridos netos Leonardo, João Vitor e Mariana

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Agradecimentos

A minha orientadora e amiga, Professora Doutora Ana Maria de Azeredo Lopes Tepedino, pela confiança em mim depositada e pela colaboração prestada durante todo o tempo em que decorreu este trabalho e, principalmente, pela orientação da Dissertação que sempre foi conduzida com leveza e sensibilidade.

À Pontifícia Universidade Católica pela organização e condução do Curso de Mestrado em Teologia.

Ao PROLIC, Programa de Apoio para o Desenvolvimento de Lideranças Católicas, por me proporcionar uma bolsa neste período de pesquisa, sem a qual este trabalho não poderia ter sido realizado.

A todos os professores e professoras de Teologia da PUC-Rio que colaboraram em minha formação, em especial, ao Professor Doutor Alfonso García Rubio, exemplo de teólogo a seguir.

Às funcionárias do Departamento de Teologia pela colaboração e carinho prestados em todos os momentos de dificuldades.

Aos professores que participam da Comissão examinadora.

Ao Padre Ricardo Pereira Calvo, pároco e amigo, que sempre me incentivou nesta formação teológica para que a Igreja possa ter um laicato consciente.

Aos amigos e amigas de Mestrado que partilham comigo este momento de angústias e alegrias, em especial à querida amiga Solange que sempre me incentivou a nunca desistir dos meus objetivos acadêmicos e pessoais.

A todos os meus alunos e alunas, a todos os meus amigos e amigas que foram um constante incentivo para que eu continuasse firme neste projeto.

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Resumo

Cosentino, Sonia Maria Marques de Souza; Tepedino, Ana Maria de Azeredo Lopes. Vida, Liberdade, Verdade e Amor: Experiência Histórica do Espírito Santo na Sagrada Escritura. Rio de Janeiro, 2008. 234 p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Esta dissertação se propõe a conhecer o Espírito Santo, que se revela na Sagrada Escritura, e recolher daí os critérios de discernimento que possibilitam ao homem e à mulher de fé, viver uma autêntica “vida no Espírito”. Tendo como base alguns textos seletos do Primeiro e do Segundo Testamentos este trabalho reflete, primeiramente, a experiência histórica que o povo de Israel faz com o Espírito de Deus. Em seguida, acompanha Jesus de Nazaré em sua experiência com este Espírito, dando atenção à sua pregação e práxis, momento em que se dá a plenitude da Revelação sobre esta Pessoa divina. Finalmente, segue a comunidade cristã primeva em sua trajetória histórica a partir da rica experiência que faz com o Espírito Santo, e das dificuldades que encontra em viver coerentemente, a sua inspiração. É esta multifacetada pneumatologia bíblica que a presente dissertação se propõe investigar e conhecer.

Palavras-chave

Espírito Santo; Sagrada Escritura; experiência histórica; povo de Israel; Jesus Cristo; comunidade cristã primeva; critérios de discernimento; “vida no Espírito”; Vida, Liberdade, Verdade e Amor.

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Résumé

Cosentino, Sonia Maria Marques de Souza; Tepedino, Ana Maria de Azeredo Lopes. Vie, Liberté, Vérité et Amour: Expérience Historique de l´Esprit Saint dans la Saint Écriture. Rio de Janeiro, 2008. 234 p. Dissertation de Maîtrise – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

La proposition de cette dissertation est de connaître l´Esprit Saint tel qu´il se révèle dans la Saint Écriture et de recueillir à partir de là les critères de discernement qui permettent à l´homme et à la femme de foi de vivre une authentique « vie dans l´Esprit ». Basé sur quelques textes choisis dans le Premier et le Deuxième Testament, ce travail lieu reflète tout d´abord´expérience historique que le peuple d´Israël fait de l´Esprit de Dieu. Il accompagne ensuite Jésus de Nazareth dans l´expérience qu´il fait de cet Esprit avec une attention particulière pour ses sermons et sa praxis car il constituent le moment où a lieu en toute plénitude la Revélation de sa Personne Divine. En dernier lieu, le texte accompagne la communauté chrétienne au cours de sa trajectoire historique à partir de sa riche expérience de l´ Esprit Saint et des difficultés qu´elle rencontre pour vivre pleinement son inspiration. C´est de cette pneumatologie biblique aux multiples facettes qu’on se propose a faire l´objet de notre recherche et que nous avons pour but de connaître

Mots-clés

Esprit Saint; Saint Écriture; expérience historique; peuple d´Israël; Jésus Christ; communauté chrétienne primitive; critères de discernement ; «vie dans l´Esprit» ; Vie, Liberté , Vérité et Amour.

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Sumário

Introdução 14

1. A Experiência Histórica do Espírito de Deus no Primeiro Testamento 21

1.1. Rûah 25

1.1.1. A Rûah Iahweh 29

1.1.2. A Experiência Histórica da Rûah Iahweh no Primeiro Testamento 30

1.1.2.1. O Êxodo 30

1.1.2.2. A Travessia do Deserto 34

1.1.2.3. Os Juízes e as Juízas 36

1.1.2.4. A Monarquia 41

1.1.2.5. O Exílio: fonte depuradora para a Experiência da Rûah Iahweh 52

1.1.2.6. O Pós-Exílio 64

1.2. A Sophía 66

1.2.1. O processo pelo qual passa o termo Sophía 67

1.2.1.1. A Sophía humana 67

1.2.1.2. A Sophía divina 71

1.2.2. Pneuma (Rûah) e Sophía (Hokmah) 75

1.2.3. A personificação da sophía humana e da Sophía divina 77

1.2.4. O que a ação da Sophía divina provoca na História 78

1.3. A Shekinah 79

1.3.1. Como surge o conceito de shekinah 79

1.3.2. O significado de shekinah 80

1.3.3. Comparação entre Rûah Iahweh e Shekinah 82

1.3.4. Autodistinção de Deus 83 1.3.5. Como a teologia da Shekinah contribui para a compreensão

(9)

do Espírito de Deus 83

1.3.6. O que a ação da Shekinah provoca no ser humano 84

1.4. Balanço da investigação sobre a Experiência Histórica do Espírito de Deus no Primeiro Testamento 85

1.4.1. Identidade: Quem é o “espírito” que se encontra revelado no Primeiro Testamento? 86

1.4.2. Ação: Quais os critérios que nos ajudam a discernir que “espírito” está agindo no ser humano e no mundo? 87

2. A Experiência Histórica do Espírito de Deus em Jesus de Nazaré 89

2.1. Pneuma 93

2.2. João Batista 95

2.2.1. Uma vida de pobreza e austeridade 97

2.2.2. Um ensino moral que convoca as pessoas a produzirem frutos de generosidade com os pobres e a renunciarem à opressão e à violência 98

2.2.3. Humildade 99

2.2.4. O reconhecimento do Messias 100

2.3. Jesus de Nazaré, o homem cheio do Espírito 101

2.3.1. Jesus se deixa batizar por João 101

2.3.2. Jesus é guiado pelo Espírito 105

2.3.2.1. Ao deserto para lutar contra o Tentador 105

2.3.2.2. Para a Galiléia onde concretizará seu messianismo de serviço 108

2.3.3. Jesus atua no Espírito 108

2.3.3.1. Jesus proclama o “Reino de Deus” 109

2.3.3.2. Jesus expulsa demônios 112

2.3.3.3. Jesus ensina com autoridade 113

2.3.3.4. Jesus leva a Boa-Nova aos “pobres” 114

2.3.3.5. Jesus proclama que o Pai revela o Reino aos “pequeninos” 116

2.3.3.6. Jesus cura e perdoa 117

2.3.3.7. Jesus acolhe as mulheres como suas discípulas e missionárias 119

(10)

2.3.3.9. Jesus ora e ensina a orar 124

2.3.3.10. Jesus denuncia todo tipo de injustiça 126

2.3.3.11. Jesus promete o Paráclito 128

2.3.3.12. Jesus ama até as últimas conseqüências entregando-se à morte 130

2.3.3.13. Jesus ressuscita e entrega o Paráclito 133

2.3.4. Jesus vem do Espírito 134

2.3.5. Jesus é a revelação plena do Amor Trinitário 137

2.4. Balanço da investigação sobre a Experiência Histórica do Espírito de Deus em Jesus 139

2.4.1. Identidade: Quem é o Espírito que se revela em Jesus? 139

2.4.2. Ação: Quais os critérios que nos ajudam a discernir que "espírito" agiu em Jesus? 141

3. A Experiência Histórica e a Teologia do Espírito Santo nas primeiras comunidades cristãs 143

3.1. A Pneumatologia Lucana a partir da experiência histórica com o Espírito Santo 147

3.1.1. Há uma continuidade na História da Salvação 148

3.1.2. O dom do Espírito Santo é a Nova Lei gravada no coração de cada ser humano 149

3.1.3. O Espírito derramado em Pentecostes é um Espírito Pascal, pois é o sopro do Ressuscitado 150

3.1.4. Não há discriminações nem privilégios entre os membros da primeira comunidade cristã 151

3.1.5. O dom do Espírito é para que a Boa Nova trazida por Jesus seja comunicada 152

3.1.6. O Espírito Santo é o protagonista da missão 154

3.1.7. Comunicar a “Boa Nova” no Espírito torna a mensagem inteligível a todos/as 154

3.1.8. O dom do Espírito permite que o testemunho seja um testemunho universal 155

3.1.9. O dom do Espírito faz testemunhas cheias de intrepidez 156

(11)

3.1.11. A koinonia (comunhão) é fruto do dom do Espírito 160

3.1.12. A perseverança é igualmente um fruto do dom do Espírito 161

3.1.13. O dom do Espírito possibilita que a participação fundamental das mulheres seja uma realidade que marca toda Igreja nascente 161

3.1.14. O Espírito Santo é o conselheiro da Igreja nascente para o discernimento sobre a vontade de Deus 163

3.1.15. O dom do Espírito possibilita que a evangelização seja inculturada 165

3.2. A Pneumatologia Paulina a partir da experiência histórica com o Espírito Santo 166

3.2.1. O primeiro fruto do Espírito, no tempo, é a Ressurreição de Cristo dentre os mortos, antecipação da Nova Criação 168

3.2.2. A vida segundo o Espírito 169

3.2.3. Paulo tem consciência que seu ministério apostólico e as comunidades cristãs transcorrem sob a ação do Espírito Santo 172 3.2.4. O dom do Espírito se realiza na economia da fé e não da lei 173

3.2.5. O dom do Espírito nos liberta para a verdadeira Liberdade 174

3.2.6. A ação do Espírito é universal 175

3.2.7. O Espírito nos constitui filhos e filhas de Deus 176

3.2.8. O Espírito leva o ser humano a uma práxis libertadora 177

3.2.9. A oração cristã é uma ação do Espírito Santo 178

3.2.10. O Espírito possibilita o verdadeiro conhecimento de Deus e a confissão autêntica de Cristo 180

3.2.11. O Espírito tem uma função decisiva na construção da Igreja e na sua unidade, assim como na comunhão entre todos os seus membros 182

3.2.12. O Espírito Santo é o arquiteto do “edifício” que é a Igreja 185

3.2.13. Todo ministério na Igreja é um ministério do Espírito com a finalidade de edificar a comunidade, e não para alimentar o orgulho pessoal 186

3.2.14. O extraordinário da experiência com o Espírito de Deus esconde-se e revela-se no ordinário e cotidiano da vida humana 189

3.2.15. Não há oposição entre carisma e instituição 190

(12)

3.2.17. Não há identificação entre o Senhor Jesus e o Espírito 192

3.2.18. É preciso discernir e ficar com aquilo que v em do Espírito de Deus 193

3.3. A Pneumatologia Joanina a partir da experiência histórica com o Espírito Santo 194

3.3.1. As três grandes ações divinas na perspectiva da pneumatologia de João 195

3.3.2. O Espírito é um outro Paráclito 197

3.3.3. A água-Espírito é a fonte de vida por excelência 205

3.3.4. O Espírito leva a afirmar a encarnação de Jesus 208

3.3.5. O Espírito é o agente dinâmico da verdadeira oração 209

3.3.6. O Espírito gera o amor efetivo 210

3.3.7. O Espírito faz nascer a comunidade 211

3.3.8. O Espírito é força para a missão 212

3.4. Balanço da investigação sobre a Experiência Histórica do Espírito de Deus nas pneumatologias das primeiras comunidades cristãs 214

3.4.1. Identidade: Quem é o Espírito que se encontra revelado nas pneumatologias lucana, paulina e joanina? 214

3.4.2. Ação: Quais os critérios que nos ajudam a discernir se o Espírito que agiu nas primeiras comunidades cristãs é o mesmo que age hoje no ser humano e no mundo? 216

Conclusão 218

(13)

Quem és tu, luz, que me enche e ilumina a escuridão de meu coração? Tu me guias, igual à mão de uma mãe da qual, soltando-me, não saberia caminhar mais um só passo. Tu és o lugar, que cerca meu ser e em ti me acolhe. Saindo de ti, mergulho no abismo do nada, de onde tu elevaste o meu ser. Tu estás mais próximo a mim, do que eu a mim mesma. e mais íntimo do que meu interior -

no entanto, continuas intocável e incompreensível, arrebatando do que existe: Santo Espírito – Eterno Amor.

(14)

Introdução

Nossa intenção nesta pesquisa consiste em extrair em seu decorrer as linguagens,

imagens e metáforas que, no Primeiro Testamento, nos permitem vislumbrar

traços da ação do Espírito de Deus no povo de Israel, em seguida recolher do Segundo Testamento, a revelação e ação deste Espírito na vida de Jesus de

Nazaré e, posteriormente, fazer a mesma investigação na vida da comunidade

primeva. Tudo isto com a finalidade de vislumbrar o Mistério de Deus como

Espírito Santo e recolher os critérios de discernimento que sejam fiéis ao dado revelado. Para tal, usaremos em nosso trabalho os conceitos “Primeiro Testamento” e “Segundo Testamento” por considerar que as expressões “Antigo Testamento” e “Novo Testamento” desqualificam a primeira parte da Bíblia como obsoleta ou ultrapassada. Infelizmente se desenvolveu entre os cristãos/ãs uma desvalorização do Primeiro Testamento como um livro “imperfeito”, como um livro de anúncios, que encontraria seu cumprimento no Novo Testamento. Entretanto, não podemos esquecer que a Bíblia só é Sagrada Escritura em sua

unidade. Portanto, usando estes conceitos, queremos demonstrar nosso respeito pelo Judaísmo, com o qual compartilhamos, pela força do mesmo Espírito, esse documento de fé no Deus comum.

Nossa dissertação afirma que há uma unidade entre o Primeiro e o Segundo Testamento em relação às pneumatologias aí encontradas. Apesar disto, sustenta também, que existe um sabor de total novidade que nos é trazido por Jesus de Nazaré ao revelar quem é o Espírito Santo de Deus. De tal forma isto é uma realidade que revoluciona a vida das pessoas daquele momento histórico e nos toca, encanta e impulsiona até os dias de hoje. Novidade esta que se encontra narrada nas pneumatologias do Segundo Testamento que iremos pesquisar. Portanto, o que almejamos na realidade com esta dissertação é conhecer a grande

linha mestra da pneumatologia bíblica com o objetivo de recolher daí os critérios

de discernimento que nos possibilitam saber se é realmente o Espírito de Deus que está agindo hoje no ser humano e no mundo. Só pretendemos elencá-los, pois sabemos que confrontá-los com nossa realidade existencial e eclesial exigiria de nós o desenvolvimento de uma pneumatologia que abrangesse áreas que não fazem parte de nosso escopo. Acreditamos que este trabalho futuro poderá ser desenvolvido por outros/as teólogos/as de maior competência e disponibilidade.

(15)

Antes de iniciar nossa pesquisa propriamente dita gostaríamos, de esclarecer que nos situamos como “mulher, esposa, mãe, avó, professora de Teologia, e leiga católica inserida numa comunidade paroquial onde celebra e partilha sua fé e seus dons”. Logo, é a partir desta realidade que nos propomos a fazer Teologia.

O que motivou nossa escolha pelo tema proposto acima foi nossa dificuldade em relação ao movimento carismático dentro da Igreja Católica. Nele víamos, evidentemente, que em alguns casos, uma experiência com o Espírito Santo

distante daquela que foi vivida pelo povo da Bíblia. Em outros casos, testemunhávamos uma experiência contraditória com o que foi vivido e pregado por Jesus de Nazaré. Além disto, sabíamos da existência de algumas experiências carismáticas que não estavam de acordo com os critérios de discernimento que nos deparamos nos escritos das primeiras comunidades cristãs. Um outro motivo para escolhermos este tema foi não termos estudado pneumatologia ao fazermos a graduação em Teologia. Por isso, entendemos que, este momento de aprofundamento da reflexão teológica que é feito no mestrado, seria um tempo propício para amadurecer nossa pneumatologia. Finalmente, esse tema foi escolhido porque nos permite fazer aquilo que acreditamos ser o melhor caminho teológico: articular a área sistemático-pastoral com a área bíblica. Desta forma, poder elaborar uma reflexão teológico-pastoral sobre o Espírito Santo a partir da

Sagrada Escritura. Toda esta motivação, assim como nosso lugar existencial e eclesiológico são de fundamental importância, pois condicionam nossa reflexão a partir de uma realidade sócio-econômica, política, cultural e eclesial própria. Essa realidade molda nosso ser e agir, nosso olhar e nosso sentir, nosso falar e nosso calar. Exatamente por isso, queremos deixar bem claro que nossa reflexão é

pneumatológica numa perspectiva feminista, o que significa dizer que pretendemos encontrar um Deus maior que em seu Espírito nos permite crer e

invocá-lo também no feminino. Esta perspectiva feminista de nosso olhar e falar teológico pretende salientar que o Deus que nos cria, salva e santifica, não se identifica privilegiadamente com um dos sexos que formam a humanidade como muitas vezes fomos levados/as a crer. Pelo contrário, ele integra e harmoniza os

dois sexos, sem suprimir suas enriquecedoras diferenças, ao mesmo tempo que os

transcende. Portanto, como mulher e teóloga que somos é essencial para nós destacar a revelação do feminino em Deus, a fim de sermos capazes de crer e

(16)

a abrir caminhos novos nunca imaginados, mas também como Mãe que aconchega, consola, abriga e protege.

É, portanto, a partir desta realidade existencial, cultural e eclesial que lançaremos nosso olhar para a Sagrada Escritura, selecionando os textos onde encontramos a presença e a atuação do Espírito de Deus. Uma correta interpretação teológica dos versículos que apresentaremos em nossa pesquisa supõe um estudo exegético profundo, o que não é o nosso objetivo, além de fugir a nossa competência. Este alerta, que afirma nosso limite, deverá ser considerado em cada uma das vezes em que utilizarmos o texto bíblico. Ademais, queremos frisar que não temos a pretensão de esgotar a riqueza de sentidos que em si estes textos trazem, apenas iremos explorá-los no que diz respeito mais diretamente ao tema que nos propomos pesquisar.

Devido a nossa prática pastoral e ao exercício do ensino teológico percebemos que as pessoas costumam apreender melhor aquilo que buscamos transmitir, isto é, o conteúdo teológico ou catequético, quando nos utilizamos da narrativa

histórica. Sabemos que através dela as pessoas se sentem seduzidas, envolvidas,

provocadas e convocadas pela Boa Notícia de que somos porta-vozes. Portanto, é desta forma que nos propomos apresentar esta dissertação, dito com outras palavras, este é o método teológico que pretendemos adotar em nossa pesquisa. Por isso, desenvolvemos nossa reflexão através de uma narrativa que se esforça por acompanhar o Povo do Primeiro Testamento em sua experiência com o Espírito de Deus. Para depois acompanhar Jesus de Nazaré igualmente em sua Experiência Histórica com o Espírito Santo. Finalmente, busca narrar como as primeiras comunidades cristãs fazem esta mesma experiência maravilhosa. Para fazer este percurso optamos por dividir nossa pesquisa em três capítulos que recebem os seguintes títulos: 1) a Experiência Histórica do Espírito de Deus no Primeiro Testamento; 2) a Experiência Histórica do Espírito de Deus em Jesus de Nazaré; 3) a Experiência Histórica do Espírito de Deus nas primeiras comunidades cristãs.

No primeiro capítulo iremos traçar a experiência carismática que caracterizou Israel, recorrendo a algumas imagens e símbolos usados no Primeiro Testamento para falar do Espírito de Deus. Analisaremos de forma separada estas três

(17)

principais metáforas: a Rûah Iahweh, a Sophía e a Shekinah. 1 Fizemos a escolha por estes três símbolos ou imagens, baseando-nos nos autores e autoras pesquisados. Entretanto, temos consciência que ao escolher estas três metáforas deixamos algumas possíveis fora de nossa análise. Apesar disto, entendemos que aquelas que escolhemos já nos dão material suficiente para o propósito de nossa reflexão.

Neste capítulo iremos primeiramente tratar da abundância de sentidos que possui o vocábulo rûah, para posteriormente refletir sobre a riqueza da experiência de Israel refletida na expressão Rûah Iahweh. A partir daí acompanharemos o caminho feito pelo povo do Primeiro Testamento. Analisaremos a ação da Rûah

Iahweh, inicialmente, na experiência fundante do povo da Bíblia, o Êxodo. Em seguida, acompanharemos a formação deste povo em sua caminhada no deserto quando busca, apesar de todas as dificuldades, concretizar sua libertação. Veremos como o Espírito de Deus age em seus líderes e os orienta na caminhada. Vamos acompanhar este povo em sua entrada na Terra Prometida e como, já aí instalados, se organizam liderados por Juízes e Juízas. Posteriormente, enfocaremos a monarquia e a ação da Rûah Iahweh nos Reis. Veremos a seguir que é neste momento histórico que surge o profetismo. Destacaremos então os principais profetas que fazem uma profunda experiência com o Espírito de Deus, experiência que se encontra narrada nas páginas do Primeiro Testamento. Em seguida, acompanharemos o povo para o Exílio, momento fundamental para a experiência com o Espírito de Deus e que se tornou uma fonte depuradora desta

experiência. Finalmente nos colocaremos no Pós-Exílio para vermos como a

Rûah Iahweh é compreendida e experimentada neste momento de reconstrução e

recomeço.

Em seguida, voltaremos nossa atenção para o símbolo Sophía. Estaremos ainda dentro de uma perspectiva histórica, pois nos encontraremos com o povo de Israel no tempo do Pós-exílio, momento em que aprofundam sua fé no Espírito de Deus. Analisaremos, então, o vocábulo sophía com sua abundância de significados e veremos que ela é experimentada como sophía humana, e também como Sophía

divina. Observaremos que no livro da “Sabedoria” a Sophía (sabedoria) e o

1 Nesta pesquisa tivemos que optar por uma grafia para os termos hebraicos e gregos utilizados, e

fomos fiéis a esta escolha em toda nossa explanação. Todavia, as citações literais dos autores/as pesquisados, que por ventura fizermos, guardará a grafia destes mesmos termos que o autor/a citado escolheu.

(18)

Pneuma (espírito) estão muitas vezes tão ligados que chegam a ser a mesma coisa. Veremos ainda a personificação da Sophía que é feita em alguns livros do Primeiro Testamento, sem com isto forçar o texto bíblico para afirmar que aí já se tem claro o Espírito como uma pessoa divina. Finalmente destacaremos o que a

ação da Sophía provoca no ser humano e no mundo.

O último símbolo que enfocaremos é a Shekinah. Primeiramente descobriremos seu significado primitivo e o processo pelo qual passa a partir do Exílio, para posteriormente ver como surge a teologia da Shekinah dentro do judaísmo. Descobriremos como esta metáfora do Espírito de Deus é hoje compreendida e usada por alguns pneumatólogos/as cristãos/ãs. Veremos ainda como a teologia da

Shekinah, desenvolvida pelo judaísmo, contribui para compreendermos melhor o Espírito Santo de Deus. Finalmente apontaremos alguns resultados da ação da

Shekinah no ser humano e no mundo.

O segundo capítulo desta dissertação tem como objetivo ver como o Espírito

Santo age e é compreendido no período messiânico. Nele analisaremos em primeiro lugar o termo Pneuma com sua riqueza de significados e seu uso no Segundo Testamento. A partir daí iniciaremos a caminhada histórica da experiência do Espírito de Deus neste período com a figura de João Batista. Em seguida refletiremos sobre a vida, morte e ressurreição de Jesus, sobre sua práxis e pregação, sobre a revelação inaudita que faz de Deus e, finalmente, sobre sua

relação única com o Espírito Santo. Faremos esta abordagem a partir de uma “cristologia ascendente”, pois ela nos permite continuar com nossa narrativa

histórica. Veremos que o Espírito Santo sempre esteve presente na vida de Jesus,

tornando-se sua unção e seu companheiro inseparável. Esta presença constante pode ser percebida por nós com mais clareza: no batismo de Jesus no Jordão; ao ser conduzido ao deserto onde luta contra o Maligno; ao pregar o Reino de Deus como total gratuidade; ao expulsar demônios; ao ensinar com autoridade; ao anunciar a Boa Nova aos pobres; ao curar e perdoar todos e todas; ao acolher as mulheres como suas discípulas e missionárias; ao resgatar os pecadores/as; ao orar e a ensinar a orar; ao denunciar as injustiças da sociedade palestinense de seu tempo; ao amar de forma radical até o ponto de entregar-se à morte; ao prometer e entregar o Paráclito; e finalmente ao ressurgir pela força deste Santo Espírito. Após este percurso destacaremos como os discípulos/as do Mestre de Nazaré, após a experiência pascal (morte-ressurreição-pentecostes), são capazes de

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descobrir que ele vem do Espírito, o que significa dizer que este homem é

concebido por sua intercessão. A partir daí, constataremos que a plenitude da

revelação vem por sua pessoa: Deus é comunidade de amor, Deus é Trindade. Ao final verificaremos que surge da vida de Jesus uma pneumatologia que mantém muito da pneumatologia do Primeiro Testamento acrescida da grande novidade em relação ao Espírito Santo de Deus que brota de sua vida e pregação: o Espírito é uma pessoa divina.

No terceiro capítulo refletiremos como a presença e a ação do Espírito Santo foram experimentadas e verbalizadas por alguns autores do Segundo Testamento e pelas comunidades cristãs que se encontram aí retratadas. Esta experiência traz um sabor de total novidade, de tal forma que revoluciona a vida destas pessoas, como já destacamos anteriormente. Mas, é sempre bom não deixarmos de lembrar que, apesar da total novidade que é experimentada pela comunidade cristã primeva, há também uma continuidade entre aquilo que vivem com a experiência carismática já vivida por Israel e por Jesus de Nazaré. Firmes em nossa narrativa

histórica acompanharemos os seguidores/as de Jesus a partir do momento em que vivem a experiência de Pentecostes, marco fundamental na vida destas pessoas e da Igreja nascente. Este fato histórico sucede, no tempo, à morte-ressurreição de Jesus, o que nos permite afirmar que estamos seguindo cronologicamente a história do Novo Povo de Deus. Portanto, iniciaremos esta caminhada conhecendo a pneumatologia de Lucas, suas principais características e os critérios de

discernimento que brotam de seus relatos. Posteriormente enfocaremos a

pneumatologia de Paulo encontrada em suas cartas, onde veremos o “apóstolo dos gentios” lidando com as dificuldades que é viver a grande novidade da “vida no Espírito”. A partir de seus conselhos pastorais iremos colher as principais

características de sua pneumatologia e os critérios de discernimentos apontados por ele. Finalmente penetraremos no horizonte pneumatológico de João quando elencaremos os principais elementos de sua teologia do Espírito e os critérios de

discernimento que podemos deduzir da prática da comunidade joanina.

Nossa proposta de refletir sobre a pneumatologia bíblica chega assim a seu final. Deste longo e fascinante caminho percorrido iremos recolher os principais pontos que nos ajudaram a corroborar nossa tese: há uma unidade fundamental e

imprescindível na experiência que o homem e a mulher bíblicos fazem com o Espírito de Deus, pois é o mesmo Espírito que é experimentado tanto no Primeiro

(20)

como no Segundo Testamento. Porém, esta continuidade que pudemos perceber nestes escritos é dinâmica porque ganha um sabor de novidade que é trazido por Jesus Cristo. Esta continuidade dinâmica é o desígnio da graça de Deus, isto é, é a

ação dinâmica do Espírito Santo que constitui da História uma única História, a

História da Salvação. Desta forma, levantando somente a pontinha do véu, pudemos entreolhar o mistério que é Deus em seu Santo Espírito, pudemos conhecê-lo um pouco mais e saboreá-lo com mais intensidade, porque o experimentamos como Vida, Liberdade, Verdade e Amor. Estes são os traços

constantes que marcam a experiência humana com o Espírito de Deus consignada nas páginas da Sagrada Escritura. Estes traços são os quatro grandes

sinalizadores da presença deste Espírito agindo na História, que nos permitirão levantar os principais critérios de discernimento, que tanto buscamos.

Que o Espírito Santo seja nosso Assistente, para nós, que falamos dele, e para nossos leitores!

(21)

1

A Experiência Histórica do Espírito de Deus no Primeiro

Testamento

Introdução

Neste capítulo buscamos traçar a experiência histórica do Espírito de Deus que caracterizou Israel, pois é no Primeiro Testamento que encontramos a raiz da

riqueza pneumatológica bíblica e as tradições onde se radica a confissão de fé

cristã no Espírito Santo. Faremos isto através de uma narrativa que busca contar como esta experiência foi acontecendo. Iremos, portanto, narrar a história de um povo de fé, para, a partir daí, recolher os dados que podem nos ajudar a conhecer melhor quem é este Espírito e a elencar os critérios pneumatológicos de

discernimento que encontramos no Primeiro Testamento .

Para desenvolver este tema iremos recorrer a algumas imagens, metáforas e

símbolos usados no Primeiro Testamento. Temos claro que o recurso ao uso de símbolos e imagens é muito comum em toda Sagrada Escritura. Que linguagem

usar para expressar e comunicar o Indizível, o Inefável? Este é o dilema do autor bíblico que se sente chamado a comunicar uma experiência de fé que não cabe em palavras. Sabemos que os autores semitas utilizaram as representações próprias de sua cultura para expressar uma mensagem religiosa, viva e existencial, que possui um significado e um valor permanentes. Compete a nós ter a capacidade de mergulhar em seu universo de fé para captar o significado profundo da experiência vivida.

Perguntamo-nos: quais são os indícios de que realmente no Primeiro Testamento, encontramos o Espírito de Deus, compreendido e expresso como Rûah, Sophía e

Shekinah?Isto realmente acontece ou é produto de nossa imaginação? Em que podemos basear-nos para dizer que a Rûah, a Sophía e a Shekinah são metáforas usadas pelo autor bíblico para aquilo que nós cristãos confessamos ser o Espírito Santo? Enfim, estas imagens nos ajudam a conhecer melhor o Espírito Santo de

Deus que nos foi revelado por Jesus Cristo? Além disto, a partir delas podemos recolher alguns critérios pneumatológicos de discernimento? Caso as respostas a essas questões sejam afirmativa, perguntamo-nos ainda: o que especificamente conseguimos colher do Primeiro Testamento sobre a revelação de Deus como

(22)

Espírito? E, quais os critérios de discernimento que conseguimos inferir a partir da ação deste Espírito em Israel? Estas são as questões que nos movem neste capítulo.

Tentando encontrar respostas para esses questionamentos buscamos ser fiéis à experiência de fé do povo de Israel, tendo o cuidado de não ler o Primeiro Testamento a partir do Dogma da Santíssima Trindade. Não “forçamos” estes textos para afirmar que já aí se percebia explicitamente a ação do Espírito Santo, como uma terceira pessoa em Deus. Sabemos que até o Cristianismo verbalizar este dogma foram necessários vários séculos de experiência de Deus a partir da

plenitude da Revelação que se deu em Jesus Cristo. O que fizemos foi uma leitura cristã deste Testamento, o que é pertinente para nós cristãos/ãs. Não temos dúvida que a tradição judaica vê nestes relatos a ação de Iahweh, o único Deus de Israel, pois seu monoteísmo não aceita a pluralidade em Deus. Entretanto, para nós, que também confessamos o monoteísmo, experimentamos no único Deus que professamos a presença das Pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Não pretendemos neste capítulo retirar do Primeiro Testamento todos os versículos em que encontramos narrada a ação da Rûah, da Sophía e da Shekinah. Iremos somente selecionar algumas perícopes que poderão nos ajudar a alcançar nosso objetivo, pois nossa intenção não é a de elaborar uma pesquisa que abranja toda a rica e profunda experiência do Espírito de Deus no Primeiro Testamento. Estruturamos este capítulo de forma a analisar separadamente cada uma das três maneiras, por nós escolhidas, de expressar o Espírito de Deus no Primeiro Testamento. Em primeiro lugar, trataremos do grande potencial e da abundância de sentidos que possui o vocábulo rûah. Em seguida, refletiremos sobre a riqueza da experiência de Israel refletida na expressão Rûah Iahweh. A partir daí, faremos um caminho histórico com o povo do Primeiro Testamento. Para tal, optamos metodologicamente, por fazer uma breve contextualização de cada etapa desta caminhada, onde vemos a experiência da Rûah Iahweh narrada, e num segundo momento, buscamos captar o que sua ação provoca no mundo e no ser humano. Repetiremos o esquema (contextualização da experiência com a Rûah Iahweh e o resultado da ação desta) em todas as etapas que percorrermos. A partir desta perspectiva, analisaremos a ação da Rûah Iahweh, inicialmente, na experiência

fundante do povo da Bíblia que é a experiência do Êxodo. Em seguida, acompanharemos a formação deste povo em sua caminhada no deserto quando

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busca concretizar sua libertação. Dura caminhada que muitas vezes é vencida pela acomodação e desânimo, levando muitos deles ao desejo de voltar atrás. Mas, o Espírito de Deus age em seus líderes e os orienta na caminhada. Já na Terra

Prometida, veremos como se organizam e como vivem liderados por Juízes e

Juízas, período que ficou na memória do povo como o tempo mais próximo do ideal. Posteriormente, enfocaremos a monarquia e a ação da Rûah Iahweh nos

Reis, que apesar de serem os ungidos de Israel, não são capazes de concretizar politicamente o ideal de liberdade e vida para todos/as. Veremos a seguir que é neste momento histórico que surge o profetismo. Os profetas são homens e mulheres inspirados pela Rûah Iahweh, que terão a função de mediar a palavra de Deus junto ao povo, para que se mantenha fiel ao projeto de libertação suscitado por Iahweh. Destacaremos entre os principais profetas que fazem uma profunda

experiência com o Espírito de Deus neste período, Elias e o Proto-Isaías. Após isto, nos depararemos com o Exílio, momento fundamental para a experiência do Espírito de Deus e que se tornou uma fonte depuradora desta experiência. Neste momento histórico são capazes de olhar para o passado e ver que a Salvação já se encontrava lá, momento em que elaboram as narrativas da criação. São também capazes de olhar para o futuro com fé e esperança na Salvação que também se encontra no porvir, e vislumbram aí a Nova Criação. Deste período, destacaremos o profeta Ezequiel que é capaz de perceber que a Nova Criação é fruto da ação do

Espírito de Deus. Finalmente, nos colocaremos no Pós-Exílio para vermos como a

Rûah Iahweh é compreendida e experimentada neste momento de reconstrução e recomeço destacando daí o profeta Joel.

Em seguida analisaremos o vocábulo sophía com sua abundância de significados e a evolução pelo qual passa este termo. Pois, assim como aconteceu com o símbolo da Rûah Iahweh, também a imagem da Sophía nos ajudará a compreender quem é o Espírito de Deus que foi experimentado pelo povo do Primeiro Testamento. Veremos que ela é experimentada como sophía humana, a saber, como uma das qualidades do ser humano dada por Deus. Como sophía

humana eles a entendem como a habilidade artesanal, a sagacidade, a ciência, a arte de governar e ainda a prudência que possuem homens e mulheres. Veremos a seguir que a Sophía foi experimentada também como sendo divina. O autor bíblico nos dirá que esta Sophía divina tem o poder de governar e ordenar o mundo, sendo o sentido vital que Deus coloca na estrutura da criação. Ela é ainda

(24)

a companheira ideal do homem e o “rei messiânico” a possui entre seus atributos. Além disto, ela provém de Deus, e mais ainda, ela se identifica com o Mistério do próprio Deus. Destacaremos, inclusive, que no livro da Sabedoria a Sophía (sabedoria) e o Pneuma (espírito) estão muitas vezes tão ligados que chegam a ser a mesma coisa. Alertaremos ainda sobre a personificação da Sophía que é feita em alguns livros do Primeiro Testamento, para que não se confunda esta personificação com a afirmação de que ela é uma verdadeira pessoa, pois esta não é a percepção dos autores bíblicos. Finalmente, destacaremos o que a ação da

Sophía provoca no ser humano e no mundo.

A última forma de expressar o Espírito de Deus do Primeiro Testamento que enfocaremos é a Shekinah. Mostraremos como surge este conceito dentro do judaísmo, e como é hoje compreendido por alguns pneumatólogos/as cristãos/ãs. Analisaremos o seu significado primitivo e o processo pelo qual passa a partir do Exílio. Faremos uma breve comparação entre a Rûah Iahweh e a Shekinah que nos ajudará a refletir sobre a tese de Jürgen Moltmann de que a Shekinah se aproxima mais daquilo que nós cristãos confessamos ser o Espírito Santo do que a imagem da Rûah Iahweh. Veremos ainda como a Teologia da Shekinah contribui para compreendermos melhor o Espírito de Deus. Finalmente, apontaremos alguns resultados da ação da Shekinah no ser humano e no mundo.

A partir de tudo o que vimos e recolhemos do Primeiro Testamento, podemos afirmar que conhecemos a pneumatologia que aí se encontra expressa. Pneumatologia que ainda em “acenos” nos diz quem é o Espírito de Deus, e que para nós cristãos e cristãs, necessita da plenitude da revelação, que se dá em Jesus Cristo, para que possamos dizer que “conhecemos” este Espírito.

Todo o percurso feito neste capítulo tem por objetivo preparar o caminho para encontrarmos, no próximo capítulo, Jesus de Nazaré, o homem cheio do Espírito de Deus. Este homem nos mostrará como é viver a “vida no Espírito” além do que nos revelará quem é o Espírito Santo. Com isto poderemos apontar os

(25)

1.1.

Rûah

A palavra hebraica de gênero feminino rûah aparece 378 vezes no Primeiro Testamento. Ela é quase sempre traduzida para o termo grego pneûma (neutro) e para o termo latim spiritus (masculino). Segundo Helen Schügel-Straumann o termo rûah também é empregado como masculino em seis passagens do Primeiro Testamento, enquanto que para J. Scharbert há mais “exceções masculinas” do que as mencionadas por Helen e, sobretudo, casos indefinidos do uso deste termo.2 Segundo F. Raurell, constatar que a rûah é apresentada no Primeiro Testamento, como sendo do gênero feminino em quase sua totalidade,

“deveria ser registrada com atenção teológica, principalmente ‘por causa das tarefas, imagens e propriedades que acompanham esse Espírito. (...) Deus como ruah revela-se de modo particular nos papéis maternos da criação, manutenção e proteção da vida. (...) O Deus ruah da Bíblia é um Deus que está constantemente em relação com a vida e a faz surgir como faz uma mãe’.” 3

Há nesta afirmação algo de importante para nossa pesquisa, a saber, encontrar o termo rûah no Primeiro Testamento em sua grande maioria no gênero feminino, nos revela que Deus é como uma mãe que gera e preserva a vida. Portanto, é a partir desta informação fundamental de que a rûah está associada estreitamente ao

surgimento, manutenção e proteção da vida, como o faz uma mãe, que iremos refletir sobre o significado etimológico deste termo. A palavra rûah não pode ser traduzida por um único termo, pois as “épocas de procedência dos escritos [em que aparece] são tão diversas, que se torna impossível encontrar um padrão simples para o uso lingüístico e formar um conceito único para as situações envolvidas.” 4 Portanto, tentaremos recolher de autores consagrados o que se pode afirmar sobre este vocábulo.

Para Helen Schüngel-Straumann o termo rûah no início foi certamente uma

palavra onomatopaica, 5 isto é, uma palavra formada a partir da reprodução aproximada de um som natural a ela associado com os recursos de que a língua

2 Cf. SCHÜGEL-STRAUMANN, H e SCHARBERT J. apud H. HILBERATH, B. J.

Pneumatologia. In: SCHNEIDER, T. (org). Manual de Dogmática. Vol. I. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 410.

3 RAURELL, F. apud H. HILBERATH, B. J. Pneumatologia. In: SCHNEIDER, T. Op. cit., p. 410.

Grifo nosso.

4 HERON, A. apud MOLTMANN, J. Op. cit., p. 49.

(26)

dispunha. 6 Helen afirma ainda que etimologicamente rûah, com toda probabilidade, tem relação com a palavra hebraica rewah que significa amplidão,

espaço aberto à vida das criaturas. 7 A partir daí podemos dizer que este termo traduzia o vento, isto é, o ar em movimento, ar que cria espaço e possibilita a

vida, e com este sentido aparece em mais da metade do seu uso no Primeiro Testamento. 8 Rûah significava também o ar da respiração, frágil e vacilante, ar necessário para a vida e que sustenta e anima o corpo e sua massa. A rûah é descrita ainda como o hálito das narinas de Iahweh, hálito de um ser muito poderoso, por isso, se afirma que a vida começa quando vem este hálito (Gn 2,7; cf. Jó 27,3; 33,4; 34,14ss; Sl 104,29ss; Is 42,5; Ez 37,1-14). 9 Sendo Iahweh o dono deste hálito, o homem vive enquanto tem nas narinas este sopro, e logo que ele desaparece, ou é retirado por Iahweh, o homem volta ao pó (Sl 146,4; 104,29ss; Jó 34,14ss). Portanto, o ser humano não é senhor deste sopro, deste ar ou respiração embora não possa passar sem ele, e morre quando este se extingue.10 Segundo Luiz Carlos Susin a rûah sendo atmosfera de energia é também um sinal forte do respiro da mulher em trabalho de parto. 11

Com as analogias do “vento” e da “respiração” aplicadas à rûah, o homem bíblico buscava ressaltar a dimensão do dinamismo, do movimento em oposição ao que é

rígido, assim como enfatizar a dimensão de alguma coisa viva que se opõe ao que é morto. 12 Carlos Mesters ao destacar o movimento como um dos traços mais marcantes da rûah afirma que ela não se identifica com o vento, o ar, a brisa, a tempestade, a respiração, o fôlego, o hálito, o alento, mas que ela é algo que está

em movimento. Afirma ainda que a rûah não recebe este movimento de fora, mas sim de uma energia que existe dentro dela, logo, “a Ruah é energia em movimento. [...] ela não apenas se move, mas põe outras coisas em movimento” 13 Outro traço importante deste termo é sua dimensão de mistério, entendendo aqui

6

Cf.DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA 2.0a. Grifo nosso.

7 Cf. SCHÜNGELS-STRAUMANN, H. apud MOLTMANN, J. Op. cit., p. 51.

8 Cf. BEAUCHAMP, P. Verbete “Espírito Santo”. In: LACOSTE, J. Y. (dir) Dicionário Crítico de

Teologia. São Paulo: Paulinas: Edições Loyola, 2004. p 650.

9 Cf. IMSCHOOT, P. V. Verbete “Espírito”. In: VAN DEN BORN, A. (dir) Dicionário

Enciclopédico da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1971. p. 479.

10 Cf. Ibid.

11 SUSIN, L. C. A criação de Deus. São Paulo: Paulinas; Valencia, ESP: Siquém, 2003. p. 39. 12 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., pp. 49-50.

13 MESTERS, C. Descobrir e discernir o rumo do Espírito: uma reflexão a partir da Bíblia. In:

TEPEDINO, Ana Maria. (Org.). Amor e Discernimento: experiência e razão no horizonte pneumatológico das Igrejas. São Paulo: Ed. Paulinas, 2007. p. 32

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mistério como algo que é incompreensível, algo que não se consegue explicar ou desvendar, ou ainda algo que não se consegue prever ou controlar. Esta característica também é destacada no Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament quando afirma que “o significado básico de rûah é simultaneamente ‘vento’ [...] e ‘respiração’ [...], mas ambos não como essencialmente presentes, mas como a força que se encontra no golpe do sopro e do vento, cujo de onde e

aonde permanecerá enigmático.” 14 Este mistério que há no vento se evidencia quando o vemos ora como um vento impetuoso e irresistível, como por exemplo, o vento que dividiu o Mar dos Juncos para o Êxodo de Israel do Egito (Ex 14,21); ora quando ele se insinua num simples murmúrio (1Rs 19,12); ora quando resseca

com seu sopro a terra estéril (Ex 14, 21); ora quando espalha água fecunda sobre

a terra que faz germinar (1 Rs 18,45). 15 A rûah quando apresentada como um

vento impetuoso aplicado a Deus “passa a ser uma parábola para descrever os

efeitos irresistíveis da força criadora, da ira exterminadora e da graça vivificante de Deus (cf. Ez 13,13s; 36,26s).” 16

Outra propriedade essencial da rûah é a destacada por Bernd Jochen Hilberath quando nos diz que “em contextos teologicamente significativos rûah refere-se à

força vital dinâmica (criativa).” 17 Um outro aspecto significativo da rûah é sua

não oposição ao “corpo” ou ao “corpóreo”, pois ela não é desencarnada, mas é a

animação de um corpo. Na verdade a rûah se opõe à sarx (carne), isto é, se opõe à realidade puramente terrestre do ser humano, caracterizada pela fraqueza, caducidade e finitude (cf. Gn 6,3). 18 John McKenzie nos diz ainda que a concepção da rûah como alma não ocorre em parte alguma do Primeiro Testamento, ela “como princípio de vida é quase sempre considerada como elemento estranho ao homem, dada por Deus e tirada por ele; nunca é concebida

como um ser pessoal.” 19 Finalmente, seguindo a reflexão feita por Carlos Mesters

14 THEOLOGISCHES HANDWÖRTERBUCH ZUM ALTEN TESTAMENT II apud BLANK, J.

Verbete Espírito Santo/Pneumatologia. In: EICHER, P. Dicionário de Conceitos Fundamentais de

Teologia. São Paulo: Paulus, 1993. p. 243. Grifo nosso.

15 Cf. GUILLET, J. Verbete “Espírito”. In: LÉON-DUFOUR, X. (dir) Vocabulário de Teologia

Bíblica. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 294

16 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit. p. 50.

17 HILBERATH, B. J. Pneumatologia. In: SCHNEIDER, T. Op. cit., p. 409. Grifo Nosso. 18 Cf. CONGAR, Y. Revelação e Experiência do Espírito. São Paulo: Paulinas, 2005. p.18. 19 McKENZIE, J. L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1983. pp. 303-304. Grifo nosso.

(28)

sobre o significado da rûah podemos afirmar como ele o faz “O que mais caracteriza a Ruah é a sua liberdade.” 20

Por causa de todas estas características, podemos encontrar a rûah no Primeiro Testamento simplesmente como vento impetuoso (Ex 14,21); ou como o sopro de

Deus que comunica a vida (Ex 15, 8-10; Sl 33,6), e conseqüentemente como a

respiração do homem, o princípio e sinal de vida (Gn 7,22; Sl 104,49-30; freqüentemente em Jó); e também como a animação que faz realizar uma obra,

sobretudo, se é uma obra de Deus (Ex 31,3ss). 21

Tendo em mente as principais propriedades da rûah que acabamos de salientar (movimento, vida, mistério, imprevisibilidade, incontrolabilidade, força vital criativa, espaço aberto, oposição à fraqueza e finitude humanas, impessoalidade e liberdade) podemos afirmar que é sua utilização num determinado contexto, relacionado a um assunto e uma intenção que irá determinar seu valor. Segundo Yves Congar, que na teologia atual é um dos teólogos que mais aprofundou a reflexão pneumatológica, as 378 utilizações de rûah podem ser distribuídas em três grupos principais a partir do significado comum que as reúne: a) vento, sopro do ar; b) força viva no homem, princípio de vida (respiração), sede do conhecimento e dos sentimentos; c) força de vida de Deus, pela qual ele age e faz agir, tanto no plano físico como no plano espiritual. 22 Este teólogo afirma ainda que a rûah sendo um princípio causador de alguns efeitos, receberá destes suas várias qualificações. Desta forma, a rûah pode ser um sopro-espírito de

entendimento (Ex 28,3), um sopro-espírito de sabedoria (Dt 31,3; 34,9; 35,31), ou um espírito de ciúme (Nm 5,15); ou ainda um espírito mau 23 vindo do Senhor (1

20 MESTERS, C. Descobrir e discernir o rumo do Espírito: uma reflexão a partir da Bíblia. In:

TEPEDINO, A M. Amor e Discernimento... Op. cit., p. 33

21 Cf. CONGAR, Y. Revelação e Experiência do Espírito... Op. cit., pp. 18-19. 22 Cf. Ibid., p.17.

23

Para entender melhor a afirmação de que a rûah pode ser um espírito mau vindo do Senhor recorremos ao que nos esclarecem dois teólogos: Vejamos primeiramente o que nos diz Jürgen Moltmann: “De acordo com a generalizada visão espiritualista do mundo nas épocas e culturas em que surgiram os escritos do Antigo Testamento, por toda parte existiam boas e más ruahs (...) O que encontramos de especial na visão israelita antiga consiste, manifestamente, em o mundo ser dominado não pelos numerosos deuses e demônios, mas sim pelo Deus Único que era entendido

como o Senhor destas forças boas e más.” MOLTMANN, J. Op.cit., p. 50. Grifo nosso. Vejamos ainda o nos diz Bernd Jochen Hilberath: “Para o ser humano do AT tudo provém de Deus, e o quanto isto é verdade é documentado pela observação de que se atribui certa autonomia às forças demoníacas e negativas, que também são designadas como ruah, e de que a proveniência delas freqüentemente permanece obscura; entretanto, elas são subordinadas a Javé de tal modo que às

vezes ele próprio aparece como seu causador (cf. 1Sm 16, 14-23; 18,10; 19,9).” HILBERATH, B. J. Pneumatologia. In: SCHNEIDER, T. Op. cit., p. 410. Grifo nosso. Portanto, ao afirmar que a

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Sm 16, 14; 18,10). Além destas designações a rûah pode ser também um espírito ou sopro de Deus, isto é, ser a Rûah Iahweh. 24 Resumindo, rûah pode ser qualificada como rûah de entendimento, de sabedoria, de ciúme, rûah má vinda do Senhor, e finalmente Rûah Iahweh.

1.1.1.

A Rûah Iahweh

Quando é que a rûah recebe esta denominação? Quando é que este sopro-espírito é entendido como sendo de Iahweh? Quando expressa o sujeito (Iahweh) pelo poder do qual são produzidos vários efeitos no mundo e no ser humano. Quando é o próprio Iahweh que produz naqueles homens ou mulheres os dons de líder, de profeta etc. 25 Assim sendo, a Rûah Iahweh é na verdade “uma força divina que transforma personalidades humanas para torná-las capazes de gestos

excepcionais. Tais gestos são sempre destinados a confirmar o povo na vocação, a fazer dele o servo e o parceiro do Deus santo.” 26 Com este sentido aparece trinta e uma vezes na Primeira Escritura. 27 Às vezes a Rûah Iahweh designa o próprio Deus e recebe então, em raríssimas passagens, a expressão “Espírito Santo” (Is 40,13; 63,10; Sl 51.13, Sb 9,17). O uso desta expressão “foi provavelmente substituindo termos mais antigos como ‘o espírito de Javé’, ‘o espírito de Eloim’, porquanto os judeus posteriores evitavam cada vez mais pronunciar os nomes de Javé e Eloim” 28 Este sopro-espírito é santo porque é de Deus, porque pertence à esfera da existência de Deus. 29

Para entendermos melhor a riqueza de sentido que há na expressão Rûah Iahweh, qualificativo da rûah que mais nos interessa, seguiremos a reflexão de Jürgen Moltmann, um dos maiores pneumatólogos da atualidade. De forma sintética, podemos afirmar que ele nos diz que a Rûah Iahweh é: a) presença divina que penetra no mais íntimo da existência humana (Sl 139, 7.23ss), sendo o acontecer da presença pessoal de Deus; b) força criadora de Deus que é comunicada às criaturas, de tal forma que quando estamos falando da Rûah estamos falando rûah é um espírito mau vindo de Deus o autor bíblico pretende enfatizar a fé no Deus único, além de reafirmar que tudo o que existe está subordinado a Deus.

24 Cf. CONGAR, Y. Revelação e Experiência do Espírito... Op. cit., p. 19. 25 Cf. Ibid.

26 GUILLET, J. Verbete “Espírito de Deus”. In: LÉON-DUFOUR, X. Op. cit., p. 296. 27 Cf. BEAUCHAMP, P. Verbete “Espírito Santo”. In: LACOSTE. Op. cit., p. 650. 28 IMSCHOOT, P. V. Verbete “Espírito”. In: VAN DEN BORN, A. Op. cit., p. 482. 29 Cf. CONGAR, Y. Revelação e Experiência do Espírito... Op. cit., p.19.

(30)

também da força vital delas, a força de vida imanente em tudo que é vivo; c)

espaço de liberdade onde o ser vivo pode desenvolver-se, pois a Rûah Iahweh cria espaço, põe em movimento, leva da estreiteza para a amplidão, e assim torna vivo todas as coisas (Sl 31,9; Jó 36,16). 30 Mas, que fique bem claro, no Primeiro Testamento, este Espírito ainda não está revelado como uma pessoa.

Por tudo o que acabamos de expor sobre a rûah e sobre a Rûah Iahweh, podemos afirmar que ao tratarmos do tema “A experiência do Espírito de Deus no Primeiro Testamento” e numa elaboração sistemático-teológica é plausível orientar-nos pelo fio condutor “Espírito, vida e liberdade”.

1.1.2.

A Experiência Histórica da Rûah Iahweh no Primeiro Testamento

É o Espírito-Sopro de Deus, que antes de tudo é aquele que faz agir de modo a

realizar o Desígnio de Deus na história, o que nos interesse nesta pesquisa. Por isso, não nos ateremos à rûah quando apresentada em outra perspectiva que não esta.

A seguir, destacaremos, sempre através de uma narrativa histórica, somente algumas das principais passagens da Primeira Escritura onde, segundo os autores/as pesquisados, vemos esta ação da Rûah Yahweh no mundo e nos seres humanos. Estas passagens poderão nos ajudar a apreender melhor quem é este Espírito e como age na criação e na história, com a finalidade de percebermos o que significa viver sob sua inspiração.

1.1.2.1. O Êxodo

É com a experiência do Êxodo que começa toda a história do Povo de Deus. Por isso, começamos nossa narrativa a partir desta experiência fundante. Ademais, quem desconhece a mensagem do Êxodo jamais entenderá o sentido de toda a Bíblia, pois a idéia que se tem de Deus, tanto no Primeiro Testamento como no Segundo, está fundamentada neste livro. Sem ele, a Bíblia perderia seu ponto de

(31)

partida para nos levar até Jesus Cristo e seu Reino de amor-serviço e justiça.31 Reino que é o resultado da ação do Espírito de Deus em cada ser humano.

A palavra êxodo significa saída. No livro do Êxodo este nome está intimamente ligado à libertação da opressão do Egito mediante a ação do único Deus, que ouve o clamor do povo oprimido e o liberta. É a partir da experiência que se faz ao sair da opressão para se viver num espaço amplo de liberdade, que nasce um povo, o povo de Iahweh.

A formação deste povo começa a partir da experiência vivida no êxodo do Egito, que se dá por volta de 1290-1260 a.C. 32 Nesta época o Faraó Ramsés II resolve construir uma cidade e armazéns na região de Gessen. Este Faraó era intransigente e passou a exigir trabalhos cada vez mais forçados de seus escravos/as. 33 Esta situação de extrema opressão e dominação colabora para que estes/as tomem

consciência de sua condição e contribui para despertar neles/as o desejo de

liberdade que se expressa em oração (Ex 1,1-2,25). Deus responde à prece destes homens e mulheres chamando Moisés para liderá-los na concretização desta

libertação. (Ex 3,1-12). 34 É por isso que se afirma que a “experiência fundante

de Israel é o ato da libertação.” Este ato “não só funda um povo, mas também uma fé no Deus que liberta o oprimido, dando-lhe a chance de abrir caminhos novos dentro da história.” 35

É paradigmático para entendermos o significado do Êxodo o seguinte texto bíblico:

“Iahweh disse: ‘Eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel, o lugar dos cananeus, dos heteus, dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus. Agora, o grito dos israelitas chegou até mim, e também vejo a opressão com que os egípcios os estão oprimindo. Vai, pois, e eu te enviarei a Faraó, para fazer sair do Egito o meu povo, os israelitas.” (Ex 3, 7-10)

31 Cf. STORNIOLO, I. e BALANCIN, E. M. Conheça a Bíblia. São Paulo: Paulus, 1986. pp.

37-38.

32 Cf. McKENZIE, J. L. Op. cit., p. 519.

33 Cf. BALANCIN, E. M. História do Povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2005. p. 15

34 Cf. MESTERS, C. Deus onde estás? Uma introdução prática à Bíblia. Petrópolis: Vozes, 2003.

p. 45.

35 STORNIOLO, I. e BALANCIN, E. M. Como ler o livro do Êxodo: o caminho para a liberdade.

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Segundo esta perícope, Deus vê a miséria de seu povo, ouve seu grito por causa dos opressores e conhece as angústias pelas quais passa. Por causa disto, Deus intervém e desce para libertar esse povo e fazê-lo subir para uma terra onde há

liberdade e vida. Este acontecimento fundante, onde Deus intervém na história, como o Deus que cria vida e liberdade, não se trata de uma simples mudança de lugar geográfico (de uma terra para outra, isto é, sair do Egito para chegar a Canaã). Êxodo é na realidade a conquista do próprio espaço para, “na liberdade, construir uma sociedade nova e sempre aberta à criação de espaços cada vez mais significativos para o povo expandir a sua experiência de vida.” 36 Portanto, a saída da terra da opressão tem um objetivo que é o de conquistar uma terra onde o povo possa viver a liberdade e encontrar a vida. Este binômio “liberdade e vida” é uma das características da Rûah Iahweh destacada por Jürgen Moltmann quando baseando-se na afirmação de Helen Schüngels-Straumann nos diz que esta Rûah é

espaço amplo onde acontece vida e liberdade. 37

Na terra de Canaã há fertilidade e espaço, realidade nova e cheia de vida, pois lá

corre leite e mel (Ex 3, 8). Nesta nova terra deverá haver um horizonte de possibilidades que inclui também novas relações, a saber, um novo sistema

político, econômico, social e religioso. 38 Este novo sistema implica: a) nas

relações políticas, a participação livre das pessoas nas decisões sobre o futuro do grupo; b) nas relações sociais, a organização de relacionamentos livres e a formação de uma cultura e costumes próprios; c) nas relações econômicas, a distribuição dos bens entre todos; d) nas relações religiosas, a garantia de poder exprimir e viver os valores da fé no Deus libertador. 39 Por conseguinte, podemos afirmar que o Êxodo é o caminho de saída de uma sociedade opressora e injusta, através da inspiração do Deus libertador, para a construção de uma nova sociedade mais fraterna, baseada na participação de todos/as no destino da comunidade e na partilha dos bens entre todos/as. Por conseguinte, é com esta

mística que sai do Egito um grupo de escravos e escravas liderado por Moisés.

36 STORNIOLO, I. e BALANCIN, E. M. Como ler o livro do Êxodo. Op. cit., p. 15. Grifo nosso. 37 Cf. SCHÜNGELS-STRAUMANN, H. apud MOLTMANN, J. Op. cit., p. 51.

38 Cf. STORNIOLO, I. e BALANCIN, E. M. Como ler o livro do Êxodo... Op. cit., p. 33 39 Cf. Ibid., p. 13-14.

Referências

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