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O SOLO DA LIBERDADE: AS TRAJETÓRIAS DA PRETA FAUSTINA E DO PARDO ANACLETO PELA FRONTEIRA RIO-GRANDENSE EM TEMPOS DO PROCESSO ABOLICIONISTA URUGUAIO

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O SOLO DA LIBERDADE: AS TRAJETÓRIAS DA PRETA FAUSTINA E DO PARDO ANACLETO PELA FRONTEIRA RIO-GRANDENSE EM TEMPOS

DO PROCESSO ABOLICIONISTA URUGUAIO (1842-1862)

Jônatas Marques Caratti Mestre em História pela UNISINOS jonatascaratti@gmail.com

Resumo: O texto tem por objetivo mostrar os resultados da dissertação de mestrado em História apresentada em fins de abril deste ano, ao PPG da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. O objetivo da dissertação foi mostrar como as leis abolicionistas uruguaias de 1842 e 1846 (des)organizaram a escravidão no Império brasileiro e, conseqüentemente, na província de São Pedro do Rio Grande do Sul.

Palavras-Chave: Fronteira – Leis Abolicionistas uruguaias – Trajetórias.

Nos bastidores da dissertação...

Toda dissertação de mestrado tem sua história, e a minha não fugiu à regra. O enredo, os mexiricos, as coisas íntimas e particulares do trabalho se tornam assuntos atraentes até numa pesquisa acadêmica. Por mais que pareça praxe fazer um retrospecto do trabalho, neste caso ele se torna imprescindível, pois aponta para o momento que surgiram as questões tratadas na dissertação, as fontes utilizadas e também as opções metodológicas escolhidas.

Normalmente quando me perguntam sobre a origem cronológica deste trabalho, respondo sem excitar que foi em meados do século XIX. Parece óbvio, mas não é. Essa investigação, que resultou na dissertação de mestrado apresentada em fins de abril de 2010 a Universidade do Vale do Rio dos Sinos, surgiu de uma história de família. Meu avô, Saldanha da Silva Caratti, nasceu em 1910 e foi fruto de uma relação extraconjugal entre um italiano e uma afro-descendente. Vicente Caratti, o estancieiro de Bagé, possivelmente se encantou pela mucama de sua casa, a preta Maria.

Desde pequeno meu avô Saldanha tinha muitos privilégios, e quando se repartiram os bens do finado chegou até receber parte da herança. Seu filho – e meu pai - Jorge Gonçalves Caratti, é natural de Dom Pedrito, mas viveu sua infância, adolescência e parte da juventude em Santana do Livramento. Desde pequeno, me acostumei a ouvir suas histórias sobre a fronteira. Entre elas, a que mais me agradava

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era a que ocorreu na época em que serviu ao Exército. Meu pai era era músico, primeiro trompetista, e participava de todas as festas nacionais, como o Dia da Bandeira, o Dia do Soldado, entre outras. A parte curiosa era que quando faltavam trompetistas na Guarda da República Oriental, chamavam meu pai para tocar na banda do exército uruguaio. Ele vestia a farda cor de caqui e desfilava pelas ruas de Rivera.

Essas lembranças de infância voltaram em minha mente quanto abri, no início de 2005, um processo criminal que contava a história de três negros livres uruguaios que foram traficados pela fronteira. Aos poucos as histórias contadas por meu pai faziam mais sentido. Estava ali, trabalhando no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, com a real possibilidade de fazer o que sempre quis: investigar a minha própria história. Na faculdade havia descoberto que a História não se debruçava somente nos grandes personagens políticos, nos acontecimentos marcantes, mas também em indivíduos de pouco destaque: escravos, prostitutas, bêbados, soldados. Eles também teriam seu espaço na história.

Posso dizer, portanto, que este trabalho nasceu da junção entre as histórias de fronteira contadas pela família, e das experiências de pesquisa em documentos do Arquivo Público do RS. Desde o início, percebi que a entrada de negros uruguaios como escravos no Rio Grande do Sul só era um problema porque os mesmos eram de condição liberta. Observando a bibliografia especializada, descobri também que a abolição da escravatura no Uruguai havia ocorrido em 1842, quando o General Fructuso Rivera, pela necessidade de obter soldados para a guerra, declarou todos os homens de cor livres.

Ora. Se não havia mais escravos na República Oriental do Uruguai, como queriam àqueles que participaram da independência daquele país em 1828, como estes viviam próximo de um país escravista? E mais. Como os escravos rio-grandenses que moravam em vilas como Jaguarão, Alegrete e Bagé enxergavam a liberdade que estava tão perto? Essas reflexões foram fundamentais, pois guiaram nossa pesquisa do início ao fim.

A oportunidade de trabalhar como bolsista de pesquisa histórica no APERS por quase três anos, permitiu que elencasse inúmeras fontes documentais. Possuía cerca de trinta processos-criminais cadastrados em meu banco de dados. Tinha fontes para “dar e vender”, como diz aquela expressão popular. Mas isso poderia se tornar um problema:

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tinha em mente que esse número expressivo de fontes poderia mais prejudicar do que ajudar o trabalho que pretendia fazer. Até aquele momento, tive contato com muitas pesquisas que usavam de mote narrativo a trajetória de um indivíduo. Eram trabalhos formidáveis que me inspiravam a fazer o mesmo. (GINZBURG, 1989; LEVI, 2000)

Imaginava, no entanto, que se uma trajetória já possibilitava esse esplêndido trabalho, o que dizer da análise de duas histórias em perspectiva comparada? Olhando atentamente para os processos-criminais que tinha em mãos, escolhi aqueles que em meu entendimento permitiriam um trabalho comparativo. As trajetórias da preta Faustina e do pardo Anacleto nasceram assim. Investi muito tempo pensando na forma metodológica que marcaria esta pesquisa. Confesso que muito me desanimava apenas extrair frases do documento – que por muitas vezes leva falsamente o pesquisador a confirmação de suas hipóteses – ou ainda, copiar metodologias já utilizadas por outros colegas. Queria de alguma forma avançar, tanto na escolha do objeto a ser analisado, como na forma de tratar o objeto: ou seja, a metodologia aplicada.

A micro-história parecia o método investigativo mais atraente. Afinal, surgiu justamente como crítica aos modelos teóricos globalizantes, que mais engessavam os sujeitos analisados do que permitiam perceber suas escolhas pessoais frente à vida. Não posso negar, portanto, que fui profundamente influenciado pela micro-história, mas ao mesmo tempo não me deixei ser levado por ela. Usei a micro-história como ponto de partida e não de chegada. Era o que insistentemente dizia Giovanni Levi, numa conferência dada na UFJF em fins do ano de 2008: ele não queria ver “cópias italianas da micro-história”, mas o resultado de pesquisas brasileiras a partir dela.

A análise dual de trajetórias, pelo menos em meu ponto de vista, seria uma tentativa de avanço na forma de usar as preposições da micro-história. Não queria apenas contar duas histórias – a de Faustina e Anacleto – mas dialogá-las, tentando observar o quanto dois indivíduos inseridos num mesmo contexto histórico poderiam possuir experiências distantes ou aproximadas. Assim, as trajetórias da preta Faustina e do pardo Anacleto teriam por objetivo dar ênfase ao trânsito de indivíduos afro-descendentes pela fronteira e observar o impacto das leis abolicionistas uruguaias (1842 -1846) para os escravos rio-grandenses.

É preciso dizer que quando dei os primeiros passos dessa pesquisa, não sabia bem onde iria chegar. Aliás, essa sensação de imprevisibilidade foi que alimentou meu

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desejo em todas as etapas do trabalho. Segundo Revel, “a abordagem micro-histórica deve permitir o enriquecimento da análise social, torná-la mais complexa, pois leva em conta aspectos diferentes, inesperados, multiplicados da experiência coletiva.” (REVEL, 2000, p. 18)

Com algumas impressões metodológicas em mãos, parti para a escolha das questões que iria analisar em minha futura dissertação. Preocupava-me o fato de que apesar de uma trajetória ser interessante, ela não poderia se explicar por si só. Em outras palavras, as fontes não poderiam me inibir a focar em questões específicas. Esse poderia ser um erro fatal. Com esse cuidado, objetivei, a partir das trajetórias, os assuntos e temas que seriam abordados.

O perfil dos protagonistas: a preta Faustina e o pardo Anacleto

As histórias da preta Faustina e do pardo Anacleto foram encontradas entre os maços do Acervo do Judiciário do Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Inicialmente, surgiu o problema de nominar esses indivíduos. Seria confortável chamá-los de escravos ou libertos. Mas tanto Faustina como Anacleto não possuíam uma condição certa. Aliás, as investigações policiais tinham exatamente esse objetivo: saber se eram livres ou escravos.

O caso de Faustina chegou à Justiça em 1854, na cidade de Pelotas. Faustina tinha 12 anos e era filha de Joaquina Maria e Joaquim Antônio, ambos africanos. Até o momento do interrogatório, não se sabia sua origem. Por ser residente na fronteira, dificultava para as autoridades inferir com segurança sobre sua nação. Após alguns depoimentos, soube-se que Faustina havia nascido e sido batizada em Melo, no ano de 1843. E mais. Sua mãe, a africana Joaquina, era uma escrava fugida de Jaguarão que quando soube da liberdade dada aos escravos no Uruguai, tratou de escapulir-se. Faustina foi raptada em 1852 por um capitão do mato, Manoel Marques Noronha, que procurava o paradeiro de sua mãe. (APERS, Pelotas, Processo-Crime, maço 10ª, nº 442)

Já o caso de Anacleto chegou ao Juízo de Rio Grande no ano de 1862. Logo se soube que o menino Anacleto foi vendido diversas vezes pelo nome de Gregório. O tal Anacleto foi enviando pelo seu senhor, Antônio Escouto, para trabalhar numa estância sua no lado uruguaio. De lá, Anacleto foi roubado por dois indivíduos – um índio e um mulato – e vendido na vida de Jaguarão. Tudo no ano de 1860. Como esse período foi

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de alta do preço no mercado de escravos, o pardo se tornou uma encomenda preciosa. Depois de dois anos, e de passar por vários senhores, Anacleto enfim teve a oportunidade de contar sua história no Tribunal de Rio Grande. (APERS, Rio Grande, Processo-Crime, maço 67, nº 160)

As experiências de Faustina e Anacleto tornaram-se interessantes por dois motivos principais: primeiro, por terem ocorrido numa de região de fronteira; e segundo, porque foram vivenciadas no contexto do processo abolicionista uruguaio. Ou seja, se o objetivo do trabalho era mostrar o impacto das leis abolicionistas uruguaias no lado brasileiro, ambas as trajetórias poderiam ser bons exemplos disso.

A estrutura da dissertação

Foi observando as histórias de Faustina e Anacleto, que tracei as questões que seriam abordadas em cada caso. Por exemplo, a idéia era analisar as trajetórias fazendo uma costura, permitindo a comparação imediata das histórias. No primeiro capítulo, O começo de tudo: os primeiros anos da preta Faustina e do pardo Anacleto, tratei de priorizar o início de suas trajetórias. Para entender o caso de Faustina, foi necessário atentar para a vida de sua mãe, a africana Joaquina Maria. Analisei sua chegada no Império brasileiro através do tráfico negreiro, e também sua vida como escrava de Maria Duarte Nobre em Jaguarão.

Entendi pelo processo criminal, que Joaquina sabia que o Uruguai abolira a escravidão em 1842, assim podendo planejar sua fuga para aquele país. Este foi o primeiro ponto tratado na dissertação: as possibilidades de alforria que Joaquina teria acesso em Jaguarão. Foram 213 registros encontrados nos livros de tabelionato desta cidade, entre as décadas de 1830 e 1850. Cento e vinte oito mulheres, perto de 58% do total, conseguiram sua liberdade através do meio institucional da alforria. Sobre a origem, mais de 50% dos alforriados em Jaguarão eram africanos. E das diversas formas de se conseguir a liberdade (compradas, gratuitas e condicionais), encontramos um expressivo número de africanos comprando sua liberdade.

O que conclui é que apesar de Joaquina Maria ser uma boa candidata para conseguir sua alforria, ela optou por fugir para o mais no país abolicionista da América: o Uruguai. Mas por quê? Possivelmente as relações entre a senhora Maria Duarte Nobre e sua cativa não eram muito boas, o que tenha levado Joaquina a fugir. Ainda dentro do

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primeiro capítulo, analisei o início da história de Anacleto. Seu nascimento e batizado em Encruzilhada permitiu que soubesse um pouco de seus primeiro anos. Através de seu registro de batismo indexado ao processo, descobri que seus padrinhos não moravam na mesma estância que ele. Moravam sim, na estância vizinha. E se não fosse o bastante, a família que comandava a dita estância, tinha parentada com a família do senhor de Anacleto, Antônio Escouto.

Além dessas informações, soube através de um inventário que Antônio Escouto possuía 31 escravos, um número bem superior aos plantéis da época. (ZARTH, 1999; FARINATTI, 2008) Através desse dado, pude entender um pouco o universo da escravidão que vivia o pardo Anacleto. Sobre o patrimônio de Antônio Escouto, descobri que 45% do total dos bens do inventariado, estavam investidos em escravos. Além de cativos, Escouto tinha 38% de suas riquezas em terras e 15% em animais.

O interessante sobre todas essas informações, é que não pensei em nenhuma delas no início da pesquisa. Ou seja, a imprevisibilidade dita no início deste texto foi de certa forma alcançada. Questões que nunca pensei analisar acabaram entrando no caminho, através dos passos dos protagonistas Faustina e Anacleto.Voltando para o momento da fuga de Joaquina Maria, percebi que nem todos os escravos fugiam para o Uruguai. Mas será que essa conclusão não exclui exatamente minha hipótese? Não exatamente. Investigando outros casos, como do preto Isaias, percebi que a fuga revelava a boa ou má relação do cativo com seu senhor. (APERS, Jaguarão, Processo-Cime, Cartório Cível e Crime, n° 2405, cx. 008.0015) Em outras palavras, a expectativa de liberdade é que ditava os rumos escolhidos pelos escravos.

No quarto e último ponto do primeiro capítulo, foquei no envio do pardo Anacleto para Tupambaé, Uruguai. Entendi que era comum na época senhores rio-grandenses enviarem seus escravos para o solo uruguaio. No entanto, após a abolição da escravatura neste país, entre os anos de 1842 e 1846, era necessário que os mesmos fossem libertados. Analisei 60 cartas de liberdade onde havia relações entre a fonte e o envio dos escravos ao Uruguai. Destes documentos, 75% deles receberam suas alforrias após terem ido a República Oriental do Uruguai. E somente cerca de 25% conquistaram sua carta antes de irem ao mesmo país. Em outras palavras, percebi que a maior parte dos escravos rio-grandenses não eram enviados como libertos, como constava a legislação vigente.

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No final do primeiro capítulo, demonstrei a certa estabilidade que viviam Faustina e Anacleto. Afinal, Joaquina após ter fugido para o Uruguai encontrou abrigo na vila de Melo e também um companheiro, Joaquim que também era africano e com quem contraiu matrimônio em 1850. Já Anacleto foi enviado a Tupambaé e lá vivia como cativo de Ismael Escouto, filho de Antônio, que havia nascido estrategicamente no Uruguai. Nessa situação estável é que Faustina foi apreendida em 1852 pelo capitão do mato, Manoel Marques Noronha. E Anacleto foi roubado, em 1860, pelo mulato José Maria e o índio Crispim.

A importância do segundo capítulo, Sobre um tempo de incertezas: histórias entrecruzadas pela fronteira rio-grandense, está na diferenciação entre as expressões “apreensões” e “roubos” que estiveram envolvidos Faustina e Anacleto. Quando tive o primeiro contato com os processos, achei que ambos possuíam um contexto histórico aproximado. Ou seja, que tanto a apreensão de Faustina como o roubo de Anacleto poderiam ser compreendidos dentro do mesmo contexto. No entanto, a análise micro-histórica e comparada permitiu perceber que cada história estava inserida em um contexto específico. Por exemplo, o caso de Faustina precisa ser entendido dentro do contexto dos Tratados de Devolução de Escravos de 1851. Neste mesmo ano, o Império brasileiro e a República Oriental do Uruguai firmaram cinco tratados, entre eles, o de devolução de escravos. Quando Manoel Noronha apreendeu Faustina em Melo, no ano de 1852, ele tinha permissão para tal ação justamente por causa do tratado acima referido.

Já Anacleto foi roubado no início da década de 1860, exatamente no período de aumento do preço dos escravos. Os “traficantes” que o roubaram estavam obedecendo à lógica do mercado, ao capturarem um indivíduo com características altamente rentáveis. Foi o que descobri analisando o perfil dos cativos vendidos na fronteira: os homens, entre 10 e 14 anos, de origem crioula, possuíam os valores mais altos em relação aos demais. No fim do terceiro capítulo, realizei uma experiência metodológica procurando justamente uma relação entre o perfil dos traficados com o perfil do mercado de escravos. Em outras palavras, pensei que havia uma relação direta entre os roubos e os cativos comercializados na fronteira. Afinal, os mesmos que eram traficados acabavam por ser vendidos a preços bem elevados no mercado fronteiriço.

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Anacleto no comércio de escravos fronteiriço: Jaguarão, Pelotas e Rio Grande, fui levado a investigar a importância da cidade de Jaguarão como ponto de passagem e venda de cativos, pois tanto Faustina como Anacleto passaram por essa cidade. Minha hipótese era que Jaguarão era um local importante de contatos entre compradores e vendedores de várias partes da província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Jaguarão foi o quinto município da província em número de transações comerciais envolvendo escravos (605 escrituras). Além disso, no ano de 1859 foi o segundo município em número de cativos de toda a província (5.056), perdendo somente para a capital, Porto Alegre (8.414).

Selecionei 249 documentos de compra e venda de escravos, registrados entre as décadas de 1840 e 1870, na cidade de Jaguarão e suas freguesias (Herval e Arroio Grande). Nestas escrituras, percebi diversas variáveis que em conjunto deram uma imagem do perfil das vendas naquele local. Por exemplo, cerca de 90% das transações ocorreram com apenas um escravo. Dados muito próximos com pesquisas semelhantes mas para outros municípios. (FLAUSINO, 2006; MOTTA, 2000). Nas primeiras décadas, encontrei mais registros envolvendo africanos, sendo que a partir de 1850 os crioulos superaram os africanos em todas as variáveis (idade e sexo). Ainda na primeira parte deste terceiro capítulo, analisei a variável preço dos escravos. Percebi que os homens tiveram sempre valores elevados em relação às mulheres. Na década de 1860, um escravo do sexo masculino valia cerca de 1:112$. Já as mulheres, 968$. Essa diferença foi marcante em todas as décadas (1840-1849;1850-1859; 1860-1869)

Neste mesmo capítulo, finalizei encarando o desafio de traçar as trajetórias de Faustina e Anacleto. A partir de outras fontes primárias, consegui acompanhar os passos de Faustina e Anacleto e de seus possíveis senhores. Faustina foi levada para a próspera cidade de Pelotas, com suas famosas charqueadas. Já Anacleto, foi direcionado para a cidade portuária de Rio Grande. O interessante é que Anacleto teve um importante acréscimo em seu valor nas transações: 153$, 680$ e 1:110$. Ao findar deste capítulo, ainda dei destaque a alguns comerciantes de cativos. No entanto, percebi que a maior parte dos compradores e vendedores apareceram somente uma vez nos registros.

Quando os casos de Faustina e Anacleto chegaram, finalmente, à Justiça, me atentei a analisar como os processos em si foram construídos. Em outras palavras, quis dar ênfase ao processo-criminal como um documento histórico. Uma de minhas

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preocupações em toda pesquisa, foi não fazer análises por atacado, de forma superficial. O próprio fato de ter escolhido as trajetórias de Faustina e Anacleto foi para aprofundar as análises e acompanhá-las por um bom tempo.

O que mais me chamou a atenção nos processos criminais instaurados para investigar as reais condições de Faustina e Anacleto, foi o papel dos curadores em defenderem os casos. A importância deste capítulo para o objetivo geral do trabalho, foi em demonstrar a participação do consulado uruguaio na libertação da preta Faustina. Faustina havia nascido em Melo, em 1843, batizada alguns anos depois e considerada filha do africano Joaquim Antônio. Ela poderia ser, portanto, considerada uma cidadã uruguaia. Não com a mesma sorte, Anacleto foi para o Uruguai como escravo de Antônio Escouto e não tinha nenhuma proteção do consulado uruguaio, já que havia nascido em Encruzilhada, território brasileiro em que a escravidão havia existia.

Os quatro capítulos da dissertação tiveram por objetivo analisar e comparar as trajetórias da preta Faustina e do pardo Anacleto, buscando comprovar a hipótese que as leis abolicionistas uruguaias de 1842 e 1846 contribuíram para a (des)organização da escravidão do Império brasileiro.

Considerações finais

O texto apresentado para o X Encontro Regional de História promovido pela ANPUH-RS, teve por objetivo apresentar as questões tratadas em minha dissertação de mestrado intitulada, O solo da liberdade: as trajetórias da preta Faustina e do pardo Anacleto pela fronteira rio-grandense em tempos do processo abolicionista uruguaio (1842-1846). O trabalho iniciou em meados de 2005, quando iniciei minha bolsa de pesquisa no Arquivo Público do Estado do Rio Grande. A experiência com diversas tipologias documentais permitiu que encarasse o desafio de construir a trajetória de dois indivíduos por cerca de vinte anos.

Achei importante destacar, inicialmente, os bastidores da dissertação. Ou seja, como optei por bibliografias, fontes primárias e metodologias. Afinal, todo trabalho possui uma história. Destaquei que as origens deste trabalho foram familiares. Não foi somente uma vertente acadêmica que me inspirou em debruçar sobre o tema da Escravidão e Fronteira, mas o desejo de conhecer a minha própria história.

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em História apresentada ao PPG da Unisinos.Os quatro capítulos foram divididos de forma a comparar as trajetórias da preta Faustina e do pardo Anacleto. O elemento comparativo foi presente durante todo o trabalho, o que permitiu perceber como dois indivíduos que viveram num contexto histórico aproximado, optaram e escolheram suas vidas de forma diferenciadas.

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Referências

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