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CONSCIÊNCIA HISTÓRICA DE JOVENS BRASILEIROS, ARGENTINOS E URUGUAIOS

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Academic year: 2021

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CONSCIÊNCIA HISTÓRICA DE JOVENS BRASILEIROS, ARGENTINOS E URUGUAIOS

Angela Ribeiro Ferreira

Introdução

Este trabalho é resultado de análises preliminares dos dados levantados no “Projeto Jovens e a História1” desenvolvido ao longo dos últimos dois anos no Brasil, na Argentina e no Uruguai. O Projeto contou inicialmente com a participação dos pesquisadores em encontros realizados nos dois países e reuniões de trabalho para elaboração do instrumento de pesquisa, aplicação do questionário e análise dos dados. A elaboração do instrumento partiu da pesquisa realizada na Europa, apresentada por José Murilo Pais (1999), na obra “Consciência histórica e identidade: os jovens portugueses num contexto europeu”.

O questionário aplicado nos três países é composto de 42 questões de múltipla escolha. A maioria das perguntas do questionário europeu foi mantida, foram modificadas questões que diziam respeito às especificidades da América Latina e em alguns casos, questões referentes a história dos países envolvidos na pesquisa, como por exemplo quando são indagados sobre os heróis nacionais.

Aqui faremos um pequeno recorte nos dados da pesquisa que se referem a consciência histórica dos jovens. Para isso analisamos as questões: 31, 34, 35 do questionário com os dados gerais que incluem os três países.

O texto está dividido em duas partes, na primeira discutimos o conceito de consciência história e na segunda apresentamos alguns dos resultados preliminares da pesquisa que abrange cidades brasileiras, argentinas e uruguaias2.

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Conceito de consciência histórica

O ensino de História tem que ser capaz de contribuir na formação da consciência histórica dos alunos, que é “a realidade a partir da qual se pode entender o que a história é, como ciência, e por que ela é necessária” (RÜSEN, 2001, p. 56). Para esse autor, o ensino da História deve ser capaz de constituir um panorama que leve em consideração, os consensos sociais mínimos e os avanços do conhecimento histórico-científico, para definir uma direção positiva de orientação temporal para os alunos que lhe são confiados. (FERREIRA, 2005)

Para Rüsen (2001, p. 57) a consciência histórica é

a suma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo.

Agnes Heller (1993, p. 15) define consciência histórica como sendo “a resposta à insistente pergunta – De onde viemos, o que somos e para onde vamos?” E diz que as múltiplas respostas são definidas como estágios da consciência histórica. Algo próximo dos tipos de consciência apresentados por Rüsen (2001).

A consciência histórica, qualquer que seja a sua configuração, faz-se necessária para orientar situações reais da vida no presente, uma vez que, para tanto, é preciso compreender a realidade e atribuir-lhe significados conforme a identidade e os projetos do sujeito. As tomadas de decisão são pautadas na experiência do passado, embora nem sempre sejam conscientes, que são interpretadas e orientam a vida. Portanto, a consciência histórica tem uma função prática de orientação temporal.

Em estudos realizados sobre a aprendizagem da História, Rüsen (1992, p. 34) diz que “el aprendizaje de la historia es um proceso de digestión de experiências del tiempo em formas de competências narrativas”3. Sendo que competência narrativa é a habilidade para narrar uma história e compreende a habilidade da experiência, da interpretação e da orientação, ou seja, a capacidade de utilizar conscientemente a experiência no tempo.

Em relação ao desenvolvimento estrutural da consciência histórica, Rüsen (1992) elaborou um esquema, no qual o desenvolvimento é apresentado de quatro maneiras, no entanto estas formas apresentadas não são consideradas etapas a serem alcançadas, não significa que uma pessoa precisa passar por cada uma, nesta ordem, para desenvolver a consciência. Essa organização se configura mais como uma ferramenta de pesquisa e interpretação da manifestação das pessoas.

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A primeira forma apresentada é o modelo tradicional, em que a consciência histórica funciona, em parte, para manter ou legitimar o poder através das tradições. Aliás, muitas dessas narrativas que procuram manter as tradições continuam muito presentes nos livros escolares, como no caso da história do Brasil, com os grandes heróis ou mártires criados para dar cara à nação, ou discursos que se cristalizam despertando o patriotismo, a exaltação à grandeza da nação.

A segunda maneira é o modelo exemplar que é aprender com as experiências do passado, “aprender de los errores del passado” (GARCÍA, 1998, p. 282). Esse tipo de narrativa histórica está presente, comumente, nos discursos políticos e religiosos.

A terceira forma de a consciência histórica realizar sua função é o modelo crítico, nessa forma é mobilizada uma classe específica de experiências do passado para criar uma contra - narração, construção da identidade através da negação, o sujeito não aceita a experiência apenas por fazer parte da tradição, mas questiona as interpretações vigentes. Este seria o quarto estágio da consciência histórica discutido por Heller (1993), quando o indivíduo consegue problematizar e resolver os problemas ao seu redor.

A última seria o modelo genético no qual o centro dos procedimentos, para dar sentido ao passado, encontra-se em si mesmo. Aqui é importante considerar as mudanças, afinal são estas que dão sentido à história, como afirma Heller (1993, p.19) “a consciência de história é principalmente a consciência da mudança”. Isso significa que a consciência traz uma série de elementos da memória, mas os reelaboram a partir do presente, para dar sentido a realidade. Segundo Rüsen (1992, p. 32) “En este modelo la memoria histórica prefiere representar la experiencia de la realidad pasada como acontecimientos cambiantes, en los cuales las formas de vida y de cultura alejadas evolucionan en configuraciones modernas más positivas”4.

Apesar de serem identificadas quatro formas de consciência histórica, encontram-se, normalmente, a tradicional e a exemplar na educação, sendo mais rara a crítica e a genética. Isso se deve ao fato de que ensinar História na escola dentro da forma tradicional e exemplar é mais "fácil", pois a crítica e a genética exigem maior capacidade, fundamentação e esforço por parte de alunos e professores, e nem sempre os docentes estão preparados, pois a sua formação não contempla, necessariamente, a ação educativa a partir de perspectivas críticas na formação do pensamento e da consciência, isso é claramente percebido nos currículos de formação de professores.

Apenas os seres humanos são mortais, porque apenas o ser humano tem essa consciência da mortalidade. É assim que Agnes Heller (1993) inicia a sua definição de

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consciência histórica, quando as pessoas conseguem perceber a realidade em que vivem e refletir sobre ela, muitas vezes, de forma ainda involuntária. A consciência das coisas – tempo, espaço – é a diferença. A consciência histórica é um fenômeno, antes de qualquer coisa, cotidiano e inerente à condição humana, com o que se pode inferir que o pensamento histórico vinculado a uma prática disciplinar no âmbito do conhecimento acadêmico não é uma forma qualitativamente diferente de enfocar a humanidade no tempo, mas sim uma perspectiva mais complexa e especializada de uma atitude que, na origem, é cotidiana e inseparavelmente ligada ao fato de estar no mundo (CERRI, 2001). Mas essa consciência pode ser desenvolvida, pode passar a ser um pensar historicamente, que depende de uma noção clara de historicidade, perceber as coisas localizadas no tempo e no espaço e conseguir utilizadas de forma a dar sentido a realidade presente. Mas será que os jovens têm essa noção desenvolvida? Será que eles conseguem abstrair do seu tempo para pensar os problemas que enfrenta? Vamos pensar um pouco sobre isso a partir das respostas na pesquisa.

O que pensam os jovens brasileiros, argentinos e uruguaios

As questões selecionadas para este texto são as seguintes: 31- Imagine que você é um homem / mulher do século XVII. Teu pai manda que você se case com a filha / filho de um agricultor mais rico da cidade vizinha. Imagine que você não ama e nem conhece seu futuro esposo / esposa. O que você faria se estivesse nessa época? 34- Imagine que um dia, no futuro, as populações indígenas e descendentes de escravos reclamassem uma indenização pelos males que sofreram na construção de nosso país. Quem deverá pagar? 35- Imagine que será aberta uma estrada em sua região. Alguns bens correm perigo. Que importância você daria à preservação dos seguintes bens?

As perguntas referem-se a percepção dos alunos em relação ao tempo, se eles conseguem se colocar no tempo do outro, analisar as situações como problemas localizados no tempo e no espaço, enfim, em que medida utilizam a consciência histórica, a noção de historicidade, para se orientar no presente.

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A primeira questão os alunos responderam da seguinte forma: Gráfico 1 31. Imagine que você é um homem / mulher do século XVII. Teu pai  manda que você se case com a filha / filho de um agricultor mais rico  da cidade vizinha. Imagine que você não ama e nem conhece seu  futuro esposo / esposa. O que você faria SE ESTIVESSE NESS a. Recusaria porque  é desumano, imoral e  ilegítimo forçar  alguém a se casar  45% c. Iria para um  convento ou  mosteiro  2% e. Não aceitaria,  porque é um direito  natural do indivíduo  se casar por amor. 27% n.resp. 5% d. Aceitaria, porque  quase todos os  jovens se casam de  acordo com a  vontade dos pais  8% b. Obedeceria,  porque o interesse  econômico é mais  importante 8% f. Obedeceria, porque  desobedecer aos  pais é o mesmo que  desobedecer a lei de  Deus 5%

Fonte - Dados do Projeto Jovens e a História

Esses dados apresentam um resultado que podem preocupar, será que o ensino de história na escola não está dando conta de desenvolver a noção de historicidade, já que 45% dizem que “recusariam o casamento porque é desumano, imoral e ilegítimo forçar alguém a se casar”. Seguido de 27% da resposta “não aceitaria porque é um direito natural do indivíduo se casar por amor”. Mais de 70% dos alunos não conseguem se colocar no tempo sugerido para responder, embora isso esteja bem claro na questão: “o que você faria SE ESTIVESSE NESSA ÉPOCA?” Os posicionamentos refletem a visão do presente. Apenas 8% respondem que “obedeceria, porque o interesse econômico é mais importante do que o amor apaixonado entre mulher e marido”; 8% respondem “aceitaria, porque quase todos os jovens se casam de acordo com a vontade dos pais”; 2% respondem “iria para um convento ou mosteiro porque a vida religiosa é mais digna do que a vida na sociedade comum; 5% responderam “obedeceria, porque desobedecer aos pais é o mesmo que desobedecer a lei de Deus”. Ou seja, um número pequeno utiliza a noção de historicidade para se posicionar diante da situação problema.

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A segunda questão os alunos respondem assim: 34. Imagine que um dia, no futuro, as populações  indígenas e descendentes de escravos reclamassem uma  indenização pelos males que sofreram na construção de  nosso país. Quem deverá pagar?  b. Os mais ricos  do país. 9% a. O governo com  os impostos  pagos por todos. 29% c. Os países  colonizadores  que se  beneficiaram da  exploração. 44% em branco 6% d. Ninguém. 12%

Fonte: Dados do Projeto Jovens e a História

Quem deverá pagar? 44% responderam que são “os países colonizadores que se beneficiaram da exploração”; 29% disseram que o responsável é “o governo com os impostos pago por todos”; 12% responderam que “ninguém” deve pagar; 9% que deveria se “os mais ricos do país”; e 6% não responderam. Poucos se colocam na posição de co-responsáveis pela realidade social do seu país. Um exemplo muito próximo desta questão, no caso do Brasil, é a política de cotas, onde constantemente se travam debates sobre quem deve arcar com a responsabilidade.

A terceira questão analisada procura identificar a importância que os jovens dão para alguns elementos presentes no lugar onde vivem, no caso da abertura de uma estrada. Deveriam responder a pergunta dizendo se o elemento apresentado era “muito pouco, pouco, médio, importante, muito importante” de ser preservado. Ao que responderam da seguinte forma: em primeiro lugar ficou “um lugar de ninhos de aves em extinção”; em segundo “um local onde existem restos pré-históricos”; em terceiro “uma formação geológica rara”; em quarto “um monumento comemorativo de heróis de guerra”; em quinto “uma igreja do período colonial”; em sexto “uma casa simples com mais de 100 anos”; e em último lugar “a casa de um poeta famoso que morreu a cerca de 100 anos”.

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As respostas apresentadas entram um pouco em contradição com outras respostas encontradas quando foi perguntado sobre “como você acha que será a vida no seu país daqui a 40 anos” e “como você acha que será a sua vida daqui a 40 anos”. Grande parte afirma que o país estará poluído, com muitos conflitos políticos e econômicos.. Por outro lado dizem que a sua vida estará boa, com trabalho prazeroso, família harmoniosa, amigos, mas que ele / ela não participaria da vida política. Demonstram em uma questão não estar preocupados com a sociedade e o meio ambiente, já que dizem que a sua vida individual é que importa e o país não, mas na questão sobre a preservação surpreendem dizendo que preservariam o ninho de pássaros e as edificações históricas ficam nos últimos lugares.

Isso demonstra que os jovens não têm clara, ou ainda não muito desenvolvida a ideia que podem utilizar o conhecimento que tem do passado para se orientar no presente. Em algumas respostas essa orientação aparece e em outras não.

Considerações finais

Apresentamos aqui reflexões ainda preliminares do projeto Jovens e a História, mas que já demonstram o potencial da pesquisa realizada. A possibilidade de conhecer no Brasil, na Argentina e no Uruguai, o que os jovens pensam da história e como a utilizam na sua vida cotidiana. Se reconhecem a sua função na vida prática.

Percebemos que os alunos participantes do projeto tem ainda dificuldades de perceber a historicidade das coisas e de utilizar o conhecimento histórico para se orientarem no presente, na tomada de decisões.

Notas

1

O Projeto “Jovens e a História” está sendo desenvolvido sob a coordenação do Prof. Luis Fernando Cerri - UEPG e a participação de professores de outras instituições de ensino superior do Brasil e da Argentina.

2

Foi um total de 13 cidades dos três países que participaram dessa etapa do projeto. No BRASIL: Curitiba, Ponta Grossa, Marechal Cândido Rondon, Campo Mourão, Cornélio Procópio, Londrina. ARGENTINA: La Plata, Santa Fé, San Miguel, Bella Vista. URUGUAI: Montevideo, Florida, Solymar.

3

“A aprendizagem da história é um processo de digestão de experiências do tempo em forma de competências narrativas”.

4

“Neste modelo a memória histórica prefere representar a experiência da realidade passada como acontecimentos modificados, nos quais as formas de vida e de cultura distantes evoluem em configurações modernas mais positivas.”

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REFERÊNCIAS

BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. Revista Brasileira de História, São Paulo v. 9, n. 19, p. 29-42, 1990.

CERRI, Luis Fernando. Os conceitos de consciência histórica e os desafios da didática da história. Revista Regional de História, Ponta Grossa, v. 6, n. 2, p. 93-111, 2001.

FERREIRA, Angela R. Representações da história das mulheres no Brasil em livros didáticos de história. Dissertação de Mestrado. PPG-UEPG, 2005.

GARCÍA, Verena Radkau. Aprendizaje histórico: algunas consideraciones y propuestas didácticas desde una óptica alemana. In: SILLER, J. P.; GARCÍA, V. R. (Org.). Identidad

en el imaginario nacional: reescritura u enseñanza de la história. Puebla: BUAP, 1998.

HELLER, Agnes. Uma teoria da História. Trad. Dílson Bento de Faria Ferreira Lima. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.

RÜSEN, Jorn. El desarrollo de la competência narrativa em el aprendizaje histórico. Una hipótesis ontogenética relativa a la conciencia moral. Propuesta Educativa, Buenos Aires, n. 7, p. 27-36, 1992.

RÜSEN, Jorn. Razão Histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Trad. Estevão Rezende Martins. Brasília: UnB, 2001.

SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma Ciência Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

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