Apresentação em Évora (Maio de 2000)
Reflexão sobre alguns aspectos como encaramos e praticamos o ensino da economia. Em parte constitui uma crítica à ausência de aspectos que penso serem bastantes impor-tantes. Como sou docente de I.E. estas reflexões são como um “falar alto” para melhor compreender e melhor poder decidir.
I) Os anos sessenta foram marcados pelo domínio incontestado da síntese neo-clássica e pela crença do fortalecimento da ciência económica em princípios sólidos
a) Desaparece o estudo feito com base em obras de autor
b) Surgem os manuais de apresentação, de onde haverá a realçar o livro de Samuel-son
i) Esta evolução correspondeu à maioridade da economia como ciência ii) Todas as ciências, como tal reconhecidas, têm algum manual introdutório
que as apresenta
c) O manual de Samuelson foi, e continua a ser, para além de excelente manual, o grande exemplo de esforço de vendas de um manual, às sucessivas edições cor-respondem também alterações, por vezes ligeiras, nas ordenação das matérias
II) Esta alteração (nos anos sessenta) deu um novo estatuto ao ensino da economia levando a que os manuais falem afinal sobre o mesmo
a) Apesar de o procurarem fazer com formas de exposição diferentes b) Introduziu o ensino na sua forma mais acrítica
i) O que é importante conhecer está lá
ii) A avaliação dos conhecimentos é feita com base na apreensão desses conhe-cimentos
iii) Desaparecida a contestação dos anos sessenta e setenta ao “objecto” domi-nante na análise económica e esquecidos os clássicos, a quem o fenómeno da “presença permanente do presente” atribui o estatuto de antiguidade grega, o “objecto” à Robins, embora temperado, tornou-se único
III) Esta evolução foi muito positiva, mas tem alguns contras
a) Porque nos pôs a falar uma linguagem comum e reconhecida por todos e porque a lógica do ensino crítico baseada na crítica do que ainda se não conhecia não constituía nenhuma forma progressiva de programa de análise
b) Mas retirou o incentivo crítico na aprendizagem da economia e em qualquer ci-ência os maiores abalos surgem da incapacidade de reconhecer os pontos mais críticos da mesma ciência ...
i) Essas dúvidas não são censuradas
ii) Simplesmente não há, nem espaço, nem tampo, para a sua leccionação ou re-flexão
iii) O desenvolvimento da análise económica conduz ao fortalecimento desta protecção
iv) O ensino em obra de autor, impossível hoje de retomar, tinha a vantagem da aceitação e da rejeição do seu pensamento, da discussão que isso envolvia e dos conhecimentos necessários a essa discussão, nomeadamente quanto à metodologia de investigação
IV) As nossas certezas levam-nos mesmo a ignorar os aspectos metodológicos apro-priados à economia
a) A discussões sobre metodologia estão restritas a grupos de especialistas, apesar dos inúmeros estudos disponíveis e das revistas dedicadas ao assunto
b) Estudar uma ciência sem conhecimento de regras elementares de metodologia é grave
c) A situação não é muito diferente da que encontrávamos nos anos quarenta e que levaram ao famoso artigo de Friedman sobre a metodologia
d) ... A este propósito é elucidativo dizer que apenas nos anos oitenta, com uma en-trevista de Friedman a Thomas Mayer, ficámos a conhecer as suas motivações e a influência de Karl Popper naquele estudo. Apenas quarenta anos se haviam pas-sado!
V) Pelo menos os princípios de demarcação, do que é ciência e do que não é ciên-cia, das diferentes filosofias do conhecimento, deveriam ser apresentados
a) Se o contributo mais importante no Séc. XX foi o de Popper, então deveríamos ter alguma preocupação com a sua apresentação – se foi o de outro autor então que seja a ser referido ...
i) Isto sem que se minimizem posições extremas de “anarquismo metodológi-co”, de Feyerabend,
ii) Ou tão só o pluralismo de Caldwell
b) O aparecimento de novas explicações em economia, de reformulações de antigas explicações e de novas formas de análise devem ser compreendidas dentro de “alguma” filosofia do conhecimento
c) É certo que o nosso princípio de racionalidade do “indivíduo da economia” foi protegido pela “lógica situacional” de Popper e assim subtraído ao seu próprio princípio de demarcação
i) O que tornou a racionalidade num princípio isento de qualquer prova, e as-sim agradou a economistas – sabemos a importância que Hayek teve nesta posição de Popper
ii) Mas ao isentar o princípio de qualquer demarcação científica abriu a porta à máxima refutação: nada em ciência se pode subtrair ao princípio da demar-cação científica
d) Os princípios que devem acautelar a aceitação da “imunização” das teorias de-vem ser conhecidos, não como forma de respeitar um popperismo naï ve, uma es-pécie de ditadura do falsificacionismo, mas de criar uma consciência crítica
e) Algumas formas de investigação em economia aproximam-se hoje do verificaci-onismo tão criticado no início do Século passado
i) Mas mais uma vez aqui, trata-se de consciência crítica porque devemos acei-tar que a lógica da descoberta científica pode não obedecer aos cânones da lógica admitida para a investigação científica
VI) A preferência dos estudantes pelo que é mais próximo da realidade, do concreto, tantas vezes manifestada, pode ser fonte de dissabores
a) As nossas explicações terão valor se souberem excluir acontecimentos e não ape-nas se souberem explicar os fenómenos que acontecem
b) A colagem à realidade do dia a dia leva frequentemente à aceitação implícita do story-telling
i) A história fica bem contada, sendo racionalizada, mas esses acontecimentos não eram explicados, não eram previstos, imediatamente antes de acontece-rem. Nem os que não aconteceram eram excluídos. O story-telling esconde a ausência de teoria científica e permite a imunização de qualquer teoria inde-finidamente, mas é agradável. O ramo da economia financeira está cheio de exemplos. As próprias notícias financeiras são um exemplo diário, sistemáti-co, dessa prática
c) Também a colagem à realidade leva por vezes ao respeito de um princípio de análise incorrecto, o do “realismo das hipóteses”
i) E voltamos a Friedman e ao seu famoso exemplo do bilhar. Quanto mais rea-lista forem as hipóteses, no sentido de retratos da realidade, menos geral se-rão as teorias, se é que podemos falar em teoria com a sua conotação de construção abstracta
d) O story-telling e a exigência de realismo das hipóteses constituem um perigo para a economia, não obedecem a critérios de investigação científica e são atractivos pela facilidade e rigor aparentes
VII) Recentemente o Prof. Jacinto Nunes escreveu no Boletim da Academia Interna-cional da Cultura Portuguesa (nº. 27, 2000) um estudo intitulado “Ultradedutivismo e Ultraempirismo na Economia”. Reparemos que a polémica nasce em 1938 com uma obra de Hutchison, que se reanimou com a publicação de um livro de Hausman, em 1992, e que se prolongou até aos nossos dias
b) Qual o papel dedicado aos meros desenvolvimentos dedutivos, serão eles sufici-entes por si?
c) Que confirmação empírica lhes deve ser prestada? Directa e independente a cada hipótese tomada? Ou apenas indirecta?
d) Qual o papel da confirmação econométrica? E da busca dessa confirmação? i) Nem a co-integração, impondo o empírico à nossa imaginação dedutiva, foi
suficiente para gerar uma saudável discussão
e) E depois de Sims, qual o papel e a importância dos resultados econométricos so-bre as diferentes teorias? Até agora servem de argumento em confrontos entre teorias e amanhã? Será a análise dedutiva a esclarecer confrontos econométricos? Ou teremos cada uma para seu lado?
VIII) O ensino da metodologia e de problemas de método enfrenta sempre aquela ati-tude que nos diz que afinal, e em certa medida, a economia “é o que é feito pelos eco-nomistas”. Trata-se de uma solução cómoda e talvez a que é mais seguida
a) Sempre que nos questionamos sobre o papel da “metodologia” chegamos a duas soluções
i) Discutida no início da formação dos economistas torna-se em algo sem ob-jecto, o estudante ainda não conhece teorias, não está dentro da ciência eco-nómica
ii) Discutida no final da formação de pouco serve, a formação foi feita e este tipo de questões deixam de fazer sentido e despertar interesse
iii) Enfrentar a “seca” ou o “desinteresse”, são no limite as duas opções b) Talvez uma solução conciliadora leve a alertar para os problemas no início e
de-pois a voltar a eles no final ... será isso viável?
IX) Seja pela mão de dedutivistas, seja pela dos empiristas, desembocamos na ne-cessidade de um instrumental matemático, estatístico e econométrico cada vez mais exigente
a) Como é então possível que os manuais de aprendizagem tenham excluído toda a matemática?
i) Porque não defendem o seu uso em economia? Pertencem a uma posição aqui não tida em conta?
ii) Porque pretendem vender mais livros, para além do mercado dos economis-tas e gestores?
iii) Penso que não é nestas questões que encontramos a resposta.
b) Veja-se o caso de Lipsey e Chrystal e os sucessos comparados do Positive Eco-nomics e do seu novo livro de introdução. O fenómeno é universal. Quem veja o livro de Samuelson, agora com Nordhaus, pensará que para Samuelson a mate-mática é dispensável em economia, e possivelmente nos mais novos existirá
X) Julgo que criamos um ensino da “economia a duas velocidades”. Uma para aqueles que nunca chegarão a dominar a formalização dedutiva, ou econométrica, e outra para os que de facto a dominarão
a) Razão porque penso que deveríamos formalizar mais os cursos de introdução à economia. Usar gráficos é bom, muito bom mesmo; fazer os gráficos no quadro à frente do estudante, ainda é melhor; mas criar pela ausência um sentimento que a matemática está na sala ao lado de Matemática ou Cálculo I, não é uma boa prá-tica
XI) Por isso gostaria de na disciplina de I.E. melhorar o ensino, que faço, ao nível de a) Apresentar e discutir com os estudantes questões metodológicas da teoria
eco-nómica
b) Introduzir um grau de formalismo que está por agora ausente do curso
João Sousa Andrade http://www2.fe.uc.pt/~jasa GEMF, Faculdade de Economia Universidade de Coimbra