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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

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MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

DANO AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO:UTILIZAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA NA INDUÇÃO DE COMPORTAMENTOS AMBIENTALMENTE

ADEQUADOS

CURITIBA 2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

DANO AMBIENTAL NA SOCIDADE DE RISCO: UTILIZAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA NA INDUÇÃO DE COMPORTAMENTOS AMBIENTALMENTE

ADEQUADOS

Dissertação do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba.

Orientador: Professor Doutor Demetrius Nichele Macei

Mestranda: Melissa Abramovici Pilotto

CURITIBA 2014

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“La fantasia humana es un don demoníaco. Está continuamente abriendo un abismo entre lo que somos y lo que quisiéramos ser, entre lo que tenemos y lo que deseamos.”

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Para minha mãe Daniela, por tudo que foi e sempre será, para meus filhos Ana Luiza e Bruno, por serem tudo o que são, e para meu pai Cella, por tudo o que é para mim, e para o que sou para ele.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os professores e aos colegas do Mestrado do UNICURITIBA pelas oportunidades que tivemos de compartilhar tantos ensinamentos. O meu agradecimento especial à Coordenadora Professora Doutora Viviane Sellos Knoerr, pela generosidade da acolhida, pelo amor e empenho com que nos guia. Ao meu orientador, Professor Doutor Demetrius Nichele Macei, o meu também agradecimento especial por já ser meu guia muito antes da orientação formal, pela generosidade de me ensinar tanto e mostrar sempre o melhor caminho. Agradeço também ao Professor Doutor Mateus Bertoncini pelas orientações ao longo do Mestrado, também sempre muito generoso e incentivador.

À minha família, pelo apoio irrestrito e a generosidade de compreender minhas ausências. Às minhas amigas mais que irmãs Daniela Peretti D’Ávila, Patricia Tourinho, Suelen Henk e Thais Paschoal Lunardi pelo amor, incentivo e estímulo em todas as horas.

Às colegas e também amigas do coração Barbara Guasque, Maria Cristina Santos e Juliana Guelfi pela cumplicidade e amizade, Tatiana Zempulski, Karlla Martin, Thais Andryzewski, Mirian Kimita e Luciane Trippia pelo companheirismo, amizade e oportunidade de compartilhar todos os momentos que o mestrado nos proporcionou.

Ao meu primo do coração José Renato Gaziero Cella, também meu agradecimento por ter me propiciado as experiências fantásticas de expor artigos em Congressos no exterior e me mostrar o quanto estimulante e gratificante é a academia.

Aos colegas do escritório em especial à Dra Louise Rainer Pereira Gionédis pelo apoio irrestrito e incentivo, ao Dr Giovani Gionédis por compreender e estimular a vontade de concluir o mestrado e todos aqueles que direta e indiretamente contribuíram para que essa maravilhosa aventura fosse concluída.

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RESUMO

Trata o presente estudo da utilização da norma tributária como meio indutor de comportamento ambientalmente adequado. Busca este estudo a análise do tributo como alternativa para o enfrentamento dos problemas advindos da sociedade contemporânea, em razão das transformações tecnológicas, do crescimento econômico, do consumismo e da perspectiva capitalista do lucro sobrepondo-se aos direitos e garantias fundamentais, numa sociedade global geradora de riscos efetivos e potenciais incompatíveis com a preservação ambiental e a vida das futuras gerações. Partiu-se da necessidade da adoção de uma ética para o futuro, analisa-se a Constituição de 1988 destacando-se o seu compromisso na construção de sociedade ética e sustentável, de modo a minimizar as consequências da sociedade de risco, com vistas a reforçar a atuação do Estado na preservação dos direitos fundamentais.

PALAVRAS-CHAVE: Constituição do Brasil de 1988; sociedade de risco; ética para o

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ABSTRACT

This paper deals with the use of the tax law as a means of inducing environmentally appropriate behavior as an alternative to dealing with problems arising from post-modern society, due to technological changes, economic growth, rampant consumption and insatiable profit outlook overlapping to the rights and guarantees in a global society of generating effective potential risks and incompatible with environmental preservation and the lives of future generations. Starting from the need to adopt an ethic for the future, analyzes the 1988 Constitution of Brazil highlighting its commitment in building ethical and sustainable society, in order to minimize the consequences of the risk society, with a view to strengthen the role of the state in maintaining fundamental rights.

KEYWORDS: 1988 Constitution of Brasil; risk society; ethics for the future;

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIEDADE DE RISCO 1.1. O reconhecimento constitucional do meio ambiente 1.2. Evolução histórica

1.3.A formação do Estado 1.4. Sociedade de risco

1.4.1. A transição da primeira para a segunda modernidade 1.4.2. A Modernização Reflexiva

1.4.3. Os novos riscos

O DIREITO AMBIENTAL E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

2.1. Direito Ambiental

2.2. A Atuação Constitucional e o Papel do Estado

2.3. O Estado e a regulação da crise na sociedade do risco 2.4. Relação entre Estado e direito

ÉTICA E A SOCIEDADE SUSTENTÁVEL 3.1. Ética e sustentabilidade

3.2. Estado socioambiental e o mínimo existencial ambiental 3.3. Ética, sustentabilidade e sociedade

A NORMA TRIBUTÁRIA COMO INSTRUMENTO INDUTOR DE

COMPORTAMENTOS AMBIENTAIS

4.1. A intervenção do Estado por meio dos tributos

4.2. A teoria da sociedade de risco como norteador da atividade extrafiscal

4.3 Exemplos de tributação ambiental na legislação estrangeira e o “ICMS VERDE” no Brasil

CONCLUSÃO REFERÊNCIAS

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INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo analisar a sociedade contemporânea a partir da perspectiva da teoria da sociedade de risco, em que as transformações tecnológicas, o crescimento econômico, e o consumismo vêm se sobrepondo aos direitos e garantias fundamentais, numa sociedade global geradora de riscos efetivos e potenciais incompatíveis com a preservação ambiental e a vida das futuras gerações.

Partindo-se da necessidade da adoção de uma ética para o futuro, analisa-se a Constituição de 1988 destacando-se o seu compromisso na construção de sociedade ética e sustentável, de modo a minimizar as consequências da sociedade de risco, com vistas a reforçar a atuação do Estado na preservação dos direitos fundamentais.

Assim, pretende-se tratar da norma tributária como instrumento jurídico apto a conferir efetividade ao Estado Constitucional Ambiental, por meio de indução de comportamentos sociais.

O tema refere-se ainda á análise social da sociedade contemporânea diante dos danos ambientais por ela perpetrado e o estudo da presença do Estado Constitucional Ambiental diante deste cenário.

A utilização da norma tributária como instrumento indutor de comportamento social parece ser uma das formas mais efetivas para promover o rearranjo necessário na busca pelo Estado Constitucional Ambiental.

Pretende-se, portanto, perquirir sobre a atuação do Estado frente às mudanças da sociedade e destacar o papel da Constituição na preservação dos direitos fundamentais, especialmente do meio ambiente, tendo-se como referência a Constituição de 1988.

A relevância do tema está em apontar o papel do Estado frente a todas essas mudanças de valores, e a efetividade do princípio da solidariedade como objetivo a ser alcançado na busca e promoção da proteção do meio ambiente.

O projeto enquadra-se no tema do Direito Constitucional Ambiental e da análise da atuação do Estado Constitucional de direito frente à sociedade de risco, de forma a se situar nas linhas de pesquisa do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Curitiba, na linha de pesquisa II, “Atividade Empresarial e Constituição: Inclusão e Sustentabilidade”.

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Assim, o objeto da pesquisa que se pretende realizar se conecta com a linha de pesquisa do programa quando intenta analisar as perspectivas de futuro do meio ambiente frente à sociedade de risco e a atuação do Estado Constitucional de Direito diante das profundas modificações da sociedade desde a Revolução Industrial.

O problema da pesquisa é: como vem sendo feita a tributação como indução a comportamentos sociais com vistas a promover a efetividade do direito constitucional ambiental?

Os marcos teóricos para a construção da dissertação foram o estudo da sociedade de risco de Ulrich Beck, do dano ambiental e da implementação das disposições constitucionais a partir da perspectiva constitucional de 1988, na proteção do meio ambiente, na intervenção econômica do Estado e da atividade extrafiscal.

A Sociedade de Risco, sob a perspectiva de Ulrich Beck, trata exatamente das consequências da sociedade industrial, da teoria dos riscos concretos e abstratos e da modernidade reflexiva.

Diante desse quadro, governos democráticos conscientes dessa problemática vêm adotando políticas de preservação ambiental, utilizando-se dos tributos como instrumento jurídico, com reflexo econômico, capaz de induzir – estimulando ou desestimulando – comportamentos sociais, na busca do meio ambiente ecologicamente sustentável.

Objetiva-se ainda tratar da sociedade de risco sob o ponto de vista da cidadania, agora com vistas a soluções de caráter pragmático, sobre a indução concreta de comportamentos sociais e à busca do meio ambiente ecologicamente sustentável.

A relevância do tema está em apontar o papel do Estado-Arrecadador frente a todas essas mudanças de valores, e a efetividade do princípio da solidariedade como objetivo a ser alcançado na busca e promoção da proteção do meio ambiente.

Adotando como marco teórico a preservação dos direitos fundamentais, a metodologia utilizada na pesquisa é bibliográfica, descritiva e exploratória.

No primeiro Capítulo pretende-se estudar o reconhecimento histórico do constitucionalismo ambiental, não só pela Constituição de 1988, mas por tantas outras constituições de diferentes países. Tratar-se-á do escopo histórico com vistas a situar o surgimento da sociedade de risco, e a consequente modernização reflexiva.

O segundo Capítulo tratará do Direito Ambiental e a Constitucionalização do Meio Ambiente, a partir da perspectiva constitucional de 1988. Este Capítulo abordará a atuação Constitucional e o Papel do Estado diante da regulação da crise na sociedade de

(11)

risco.

O Capítulo três tratará do valor ético e a sociedade sustentável, abordará também, os aspectos do Estado socioambiental e o mínimo existencial ambiental.

No Capítulo quatro, será abordado o tema central da pesquisa, que é a utilização da norma tributária como instrumento indutor de comportamentos ambientais. A perspectiva da pesquisa pretende abordar a intervenção do Estado por meio dos tributos e a utilização dos fundamentos da teoria da sociedade de risco como norteador da atividade extrafiscal.

Finalmente no quinto e último capítulo fez-se um estudo de caso, perquirindo acerca dos impactos da utilização do chamado ICMS Verde.

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIEDADE DE RISCO

1.1. O reconhecimento constitucional do meio ambiente

A busca de um meio ambiente ecologicamente equilibrado tem sido uma das principais preocupações do Estado Moderno, possuindo, portanto, conotação de ordem mundial. Após a Conferência de Estocolmo de 1972, o Direito Ambiental foi introduzido no âmbito do progressivo movimento de constitucionalização, de modo a possibilitar a garantia dos processos ecológicos essenciais.1

Esse fenômeno não ocorreu somente no Brasil. Não obstante já existisse um grande número de normas versando sobre a proteção da saúde humana e dos recursos naturais desde o início do Século XX, somente após a década de 1970 é que a expressão

Direito Ambiental passou a ser utilizada pela comunidade jurídica.

A Revolução Industrial e as transformações tecnológicas trouxeram consequências que provocaram profundas mudanças na sociedade, como os danos ambientais, o crescimento econômico, o consumismo, e a perspectiva do lucro sobrepondo-se aos direitos e garantias fundamentais da sociedade.

A Sociedade de Risco, sob a perspectiva de Ulrich Beck2, trata exatamente das consequências da sociedade industrial, da teoria dos riscos concretos e abstratos e da modernidade reflexiva.

Diferentemente dos direitos fundamentais, reafirmados na Revolução Francesa e dos direitos sociais, que eclodiram com a Revolução Russa, o direito ambiental, chamado direito de terceira geração, não foi incorporado ao nosso ordenamento jurídico por movimentos sociais revolucionários.

A Constituição Federal de 1988 representa um dos primeiros grandes momentos jurídico-constitucionais no âmbito do progressivo movimento de constitucionalização da garantia dos processos ecológicos essenciais que tem marcado o cenário internacional desde a Conferência de Estocolmo de 1972.

No Brasil desde a década de 1930 já existiam leis codificadas versando sobre o

1 Esse primeiro movimento internacional para o meio ambiente surge em 1968, mediante a proclamação da Carta da Água pelo Conselho da Europa, e em seguida pela Declaração de princípios da poluição do Ar, fazendo com que a ONU viesse a convocar a Assembleia de Estocolmo em 1972.

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uso das florestas, águas e minas, isto sem falar de uma lei voltada exclusivamente `a proteção do patrimônio cultural e de uma profusão de disposições voltadas à promoção do saneamento ambiental. No entanto, somente quatro décadas mais tarde é que se começaria a falar em legislação ambiental.

Foi nesse período de efervescência cultural e política que passou-se a sentir a necessidade de regulamentação não só do meio ambiente, mas também das relações de consumo, das minorias raciais, das pessoas com deficiência, das mulheres, da comunicação e do desenvolvimento.

Guiherme José Purvim de Figueiredo destaca que:

A nova consciência sobre a qualidade ambiental adveio de uma conjugação de diversos fatos, como as mortes e doenças decorrentes da poluição atmosférica em Londres, os sombrios efeitos da radioatividade nas regiões atingidas pela bomba atômica, o extermínio de aves e animais silvestres em consequência da pulverização de DDT da lavoura.3

Em razão deste cenário nasceu a Teoria Constitucional Ecológica, como esclarece Ingo Wolfgang Sarlet, de modo especial no que diz com a Teoria Constitucional e Teoria dos Direitos Fundamentais:

Que tem sido marcadas por um processo evolutivo de constantes transformações e aprimoramentos, modelados a partir das relações sociais que legitimam toda a ordem constitucional, assim como das novas feições e tarefas incorporadas ao Estado e ao Direito de um modo geral, sempre na busca da salvaguarda dos direitos fundamentais.4

Hoje, a proteção e a promoção do ambiente despontam como novo valor constitucional, bem como de toda a ordem jurídica. Já não há mais como negar a edificação de uma Teoria Constitucional Ecológica, o que torna possível a defesa de um Direito Constitucional Ambiental, a partir da força normativa da Constituição Ambiental como refere Gomes Canotilho ao estabelecimento de um novo programa

3 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvim de, Direito Ambiental. 4ª. Ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 24.

4

SARLET, Ingo Wolfgang, Direito Constitucional ambiental: Constituição, direitos fundamentais e

(14)

jurídico constitucional.5

A abordagem ecológica do Direito Constitucional justifica-se em razão da importância que a qualidade, o equilíbrio e a segurança ambiental têm para o desfrute, a tutela e a promoção dos direitos fundamentais, como por exemplo, a vida, a integridade física, a propriedade, a saúde, a educação, a moradia, a alimentação, o saneamento básico, o que situa a proteção do ambiente, por si só, como um dos valores edificantes da Constituição de 1988.

A Constituição Portuguesa, bastante semelhante à brasileira também nesse aspecto, como destaca Figueiredo Dias, em razão da força conferida pelo legislador constitucional à tutela ambiental, também é considerada uma verdadeira Constituição Ambiental.6 Além da Brasileira e da Portuguesa, também outras constituições passaram a incorporar no seu texto a proteção ao meio ambiente.

Dentre tantas podemos destacar a Constituição Espanhola (1978), a Lei Fundamental Alemã (1949, através da reforma Constitucional de 1994), a Constituição Colombiana (1991), a Constituição Sul Africana (1996) e a Constituição Suíça (2000).7

No Século XXI podemos mencionar a Constituição Francesa (1958 através da Carta ao Meio Ambiente de 2004), a Constituição Equatoriana (2008) e a Constituição Boliviana (2009).8

A proteção ao meio ambiente passou a ser compreendida, não obstante as diferenças dos ordenamentos jurídicos apontados, como valor constitucional, assim como uma tarefa do Estado e da sociedade. Em alguns ordenamentos jurídicos foi-se além da tarefa estatal, contemplando a tutela ambiental como um direito fundamental ao ambiente.

Como ressalta Ingo Wolfgang Sarlet “o direito do indivíduo e da coletividade a viver em um ambiente equilibrado, seguro e saudável”.9

Em uma esfera ainda mais à frente em se tratando de tutela constitucional do ambiente, ressalta-se o reconhecimento de direitos da Natureza (Pacha Mama) tal como a recente Constituição à Natureza,

5

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional ambiental português e da União Européia. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes, MORATO LEITE, José Rubens. Direito constitucional

ambiental brasileiro. – São Paulo: Saraiva, p. 5.

6 FIGUEIREDO DIAS, José Eduardo. Direito Constitucional e administrativo do ambiente. (Cadernos do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente). Coimbra: Almedina, 2002. 77

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação dos direitos humanos - 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 179.

8

COMPARATO, Fábio Konder. Op. Cit. P. 379. 9

SARLET, Ingo Wolfgang, Direito Constitucional ambiental: Constituição, direitos fundamentais e

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passando a tratar a natureza como um ente.

A nossa Constituição de 1988 é, portanto, uma Constituição que contempla o Estado Ambiental e reconhece o direito ambiental como direito fundamental.

1.2. Evolução histórica

A perspectiva histórica do presente estudo se dará a partir da Revolução Industrial do Século XIX, marco inicial do capitalismo oitocentista, seu desenvolvimento e reflexos na sociedade contemporânea, caracterizada pela globalização econômica e a presença de riscos efetivos e potenciais à coletividade.

A relevância de se iniciar a abordagem na Revolução Industrial se dá em razão de que por conta do incremento industrial, da produção em larga escala de artigos manufaturados, da utilização dos recursos naturais e da consolidação do capitalismo, pode-se afirmar que o mundo ocidental mudou por completo.

Para Lester Thurow10, o nascimento do capitalismo tem origens inclusive religiosas, antes mesmo da Revolução Industrial. Na idade média, a avareza era o pior de todos os pecados e os comerciantes jamais conseguiam satisfazer Deus. A partir daí, no que hoje chamaríamos de “boa jogada de marketing”, os comerciantes aos poucos convenceram os indivíduos a acreditar que o consumo pessoal é essencial para o bem estar de cada um, e a partir daí o crescimento econômico passa a ter um alvo muito claro, e as pessoas passaram não só a ter o direito de acumular dinheiro, mas também o dever.

Após a colonização Europeia, o desenvolvimento do comércio marítimo proporcionou um crescimento acelerado. Edgar Morin pontua que “as cidades, o capitalismo, o Estado-nação, depois a indústria e a técnica, ganham um impulso que nenhuma civilização conheceu ainda”.11

O incremento da produção industrial se deu inicialmente na Inglaterra e expandiu-se por toda a Europa e, em um segundo momento, para as Américas. O modo de produção, antes das corporações de ofícios, foi substituído pela produção em série incentivada pelos incrementos tecnológicos.

As relações entre os trabalhadores e os proprietários dos meios de produção sofreram profunda transformação e surgiu uma nova classe de trabalhadores. As

10

O futuro do capitalismo. Trad. Nivaldo Montingelli Jr. Rio de Janeiro, Rocco, 1997. Prefácio.

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transformações decorrentes da Revolução Industrial mudaram para sempre as relações e as perspectivas da sociedade.

Após o ápice da Revolução Industrial, outro momento relevante que trouxe mudanças significativas foi o advento das grandes guerras mundiais e a Revolução Socialista Russa, que introduziu um novo regime de governo.

Após a Segunda Guerra Mundial com a perseguição aos judeus, ciganos, homossexuais... e as atrocidades cometidas pelos nazistas, todos os horrores cometidos foram mundialmente difundidos, em especial a expressão de Hannah Arendt da

banalidade do mal12 utilizada para definir os crimes cometidos durante o Holocausto.

O final da Segunda Guerra Mundial foi marcado pela criação do Estado de Israel, apoiado pelos Estados Unidos, pela separação da Europa em Oriental e Ocidental após a vitória dos Russos sobre os Alemães, e pelo início da Guerra Fria.

Durante essas décadas que separam o fim da Segunda Guerra até a queda do muro de Berlim - que marcou o final da Guerra Fria e o fim dos regimes totalitários da Europa Oriental, especialmente o fim da União Soviética, o mundo assistiu ao crescimento econômico norte americano e a consolidação dos Estados Unidos como a maior economia mundial.

Países como os Estados Unidos, a Inglaterra e a Alemanha se consolidaram como as grandes potências econômicas em razão de serem detentoras das tecnologias e dos meios de produção.

Ora, neste ponto chegamos exatamente onde iniciamos a abordagem deste tópico: na Revolução Industrial. Em outros termos, os países que iniciaram a Revolução Industrial, que implementaram essa nova estruturação dos meios de produção de manufatura das matérias primas produzidas pelos países colonizados, mantiveram-se no controle político e no controle do poder econômico mundial.

O capitalismo liberal saiu-se o grande vencedor acerca das discussões dos regimes políticos e das formas de dominação econômica.

É nesse universo de incertezas políticas e econômicas, de globalização acelerada, de desregulamentação financeira, novas tecnologias direcionadas ao virtual e ao imaterial, e de catástrofes naturais que se insere a sociedade de risco. O surgimento da sociedade de risco se dá no estágio da modernidade no qual começam a tomar corpo as ameaças produzidas em consequência do modelo econômico da sociedade

(17)

industrial.13

Este desenvolvimento econômico passou a despertar especial preocupação com o meio ambiente a partir da década de 60. Dentre os acidentes ocorridos, foi emblemático o caso do navio Torrey Canyon, que despejou petróleo na costa da França e fez com que o direito internacional também passasse a se preocupar com a regulação do tema14. Ou seja: os maiores riscos ambientais advêm do intenso sistema de produção e comercio, seja nacional ou internacional.

1.3. A formação do Estado

Ainda partindo-se da perspectiva histórica do Século XVIII, segundo Eric Hobesbawn, “o que caracteriza a sociedade moderna, permitindo o aparecimento do Estado moderno é por um lado a divisão do trabalho, por outro a monopolização da tributação e da violência física”15

.

Até esse dado momento, os monopólios eram do rei. A Revolução Francesa permitiu a abertura do monopólio monárquico, de modo que os monopólios da força física e da tributação foram transferidos ao controle institucionalmente garantido de amplas classes sociais.

Contudo, essa transformação dos monopólios pessoais em monopólios públicos apenas se opera em termos institucionais, pois é certo que quem o detém é a burguesia, que de fato assume controle do Estado.

Eros Roberto Grau aponta que ao Estado cabe a função de produção do Direito e segurança, de que o Direito deixa de meramente prestar-se à harmonização de conflitos e à legitimação do poder, passando a funcionar como instrumento de implementação de políticas públicas.

O Estado moderno nasce sob a vocação de atuar no campo econômico. Passa por alterações apenas o seu modo de atuar, inicialmente voltado à Constituição e à preservação do modo de produção social capitalista, posteriormente à substituição e compensação do mercado.

A idéia de intervenção tem como pressuposta a concepção da existência de

13

BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e

estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 1997. p.9.

14 REI, Fernando. A peculiar dinâmica do direito internacional do meio ambiente. In Direito Internacional do Meio Ambiente. São Paulo: Atlas, 2006. P. 06.

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uma cisão entre Estado e Sociedade Civil. Ao intervir, o Estado entraria em campo que não é seu, campo estranho a ele, o da sociedade civil – isto é, o mercado. Essa concepção, contudo é equivocada, eis que família, sociedade civil e Estado são manifestações que não se anulam entre si, manifestações de uma mesma realidade, a realidade do homem associando-se a outros homens.

As imperfeições do liberalismo, bem evidenciadas na passagem do século XIX para o século XX e nas primeiras décadas deste último associadas à incapacidade de autorregulação dos mercados, conduziram à atribuição de novas funções ao Estado.

À idealização de liberdade, igualdade e fraternidade se contrapôs a realidade do poder econômico.

É evidente a inviabilidade do capitalismo liberal, o Estado, cuja penetração na esfera econômica já se manifestava na instituição do monopólio estatal da emissão de moeda, na consagração do poder de polícia e nas codificações, bem assim na ampliação do escopo dos serviços públicos, eis que assume nitidamente o papel de agente regulador da economia.

A ampliação do Estado aparato e do Estado-ordenamento germina nesse clima, no qual se reafirma a vocação do Direito para a defesa da propriedade: o espírito das leis é a propriedade.

O mercado é uma instituição jurídica. O mercado deve ser compreendido como instituição social, um produto da história, uma criação histórica da humanidade que veio a servir os interesses de uns, uma instituição política destinada a regular e a manter determinadas estruturas de poder que asseguram a prevalência dos interesses de certos grupos sobre os interesses de outros grupos sociais.

Sem a calculabilidade e a previsibilidade instaladas pelo Direito Moderno o mercado não poderia existir. A intervenção do Estado na vida econômica é um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, identificando-se, em termos econômicos, com princípio de segurança.

O mercado é uma instituição jurídica constituída pelo Direito Positivo, o Direito posto pelo Estado Moderno. Mercado deixa então de significar exclusivamente o lugar no qual são praticadas relações de troca, passando a expressar um projeto político como princípio de organização social.

A noção de mercado como atividade – conjunto de operações econômicas e modelo de trocas; conjunto de contratos, convenções e transações relativas a bens ou operações realizadas no lugar/mercado – supõe a livre competição.

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Paralelamente ao desempenho da função de integração e modernização capitalista, originariamente referida como de acumulação, o Estado implementa duas outras, a de legitimação e a de repressão.

A Constituição formal, em especial enquanto concebida como meramente programática – continente de normas que não são normas jurídicas, na medida em que define direitos que não garante, na medida em que esses direitos só assumem eficácia plena quando implementados pelo legislador ordinário ou por ato do Executivo – consubstancia um instrumento retórico de dominação. Porque esse o seu perfil, ela se transforma em mito.16

A legitimação da hegemonia do capital, nutrida pela mitificação da Constituição formal, é de outra parte reforçada mediante o desenvolvimento pela burguesia, de uma retórica que distorce a realidade.

Em relação à sociedade brasileira, há redefinição do papel do Estado, pois reclama a identificação de setores indevida e injustificadamente do ponto de vista social, atribuídos ao setor privado. Aqui as áreas da educação e da saúde.

A ambiguidade de todas as expressões ordem econômica, jurídica, social e privada é de tal ordem, que a operacionalização dos conceitos que designam é sempre tormentosa.

A expressão ordem econômica é incorporada à linguagem dos juristas, sobretudo a partir da primeira metade deste século. Sob esse uso, de expressão nova, repousa, indiscutida a firmação de que a ordem econômica do capitalismo foi rompida.

O esclarecimento dessas distinções é indispensável à correta compreensão das sentenças nas quais esteja sendo utilizada a expressão.

A idéia de Constituição Econômica ganhou corpo na doutrina alemã, neste século , a partir da consideração do quanto dispôs a Consitituição de Weimar a respeito da vida econômica.17

Compreendendo, a Constituição Econômica, conjunto de preceitos que institui determinada ordem econômica ou conjunto de princípios e regras essenciais ordenadoras da economia, é de se esperar que, como tal, opere a consagração de um determinado sistema econômico.

Assim sendo, visto como é perfeitamente factível, tal qual se verificou, a hipótese de a Constituição não definir, no seu bojo, uma Constituição Econômica,

16

COMPARATO, Fábio Konder. Op. Cit. p. 395. 17

(20)

somos arrastados à conclusão de que a teorização da Constituição Econômica morreu. Se, por um lado a Constituição Econômica mais conturba do que auxilia a esclarecer o fenômeno das Constituições dirigentes, melhor sorte não acompanha a da ordem econômica, que só assumiria significação para conotar aspecto de relevância jurídica, quando referida como ordem econômica constitucional.

Não apenas pela inutilidade do conceito de ordem econômica, mas também pela perniciosidade do uso da expressão ordem econômica no plano da metalinguagem que é a linguagem.

Analisa-se fundamentalmente na questão do critério mais adequado à arrumação das normas e institutos que constituem a constituição econômica um critério econômico e jurídico.

O critério a que se recorre aqui é um critério econômico-funcional, apelando para a estrutura morfológica fundamental da vida econômica.

Contudo, esse procedimento não parece adequado à perspectiva da constituição econômica. O critério ordenador dos institutos da constituição econômica não pode ser teoricamente exterior a ela, terá que ser juridicamente legítimo.

É nesse contexto que se há de compreender a sistematização aqui adotada, que leva à divisão da constituição econômica em três regiões institucionais: direitos econômicos fundamentais, intervenção no Estado, organização econômica18.

A liberdade econômica continua a desempenhar um papel de primeira importância e a obter expressão na Constituição formal. Os direitos fundamentais pelos quais a Constituição garante essa liberdade designa-os a literatura por direitos fundamentais econômicos.

A relação social fundamental do sistema é precisamente a relação que se estabelece entre esses dois grupos de pessoas, assente naquelas duas relações materiais fundamentais recíprocas: uma apropriação, outra não apropriação.19

Estas relações econômicas encontram tradução no plano jurídico, desde as primeiras constituições liberais, em três institutos: o direito de propriedade, a liberdade de empresa e a liberdade contratual - esta última a serviço fundamentalmente da liberdade de trabalho. E esses continuam a ser os direitos fundamentais econômicos nas constituições contemporâneas.

Os direitos fundamentais podem apresentar-se sob um duplo aspecto: por um

18

LANDES, David S. Riqueza e a pobreza das nações. Rio de Janeiro: Elsevier, 1998. P. 203. 19

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lado como posição jurídica subjetiva e por outro lado como instituição jurídica objetiva.20

Os direitos fundamentais econômicos são, em primeira linha, direitos dos sujeitos econômicos dirigidos contra o Estado - desde logo legislativo. Têm por objeto impedir o Estado de restringir ou eliminar o domínio de liberdade circunscrito por cada direito. Direito a uma omissão do Estado é a concepção tipicamente liberal dos direitos fundamentais.

Para a Constituição de uma economia capitalista não interessa apenas garantir a cada um o seu patrimônio, a sua empresa, os meios de produção de que é titular, interessa também que a propriedade privada dos meios de produção seja, como tal, objetivamente, independentemente da propriedade concreta de cada um, uma instituição irrenunciável da Constituição.

Sob o ponte de vista da Constituição não interessa a propriedade em geral mas apenas a propriedade econômica ou produtiva, isto é, a propriedade dos meios de produção.

A relação econômica fundamental do capitalismo: a relação entre o capitalista e o trabalhador assalariado, a apropriação privada do sobreproduto social.21

Originariamente, sob as primeiras constituições, propriedade significava, em princípio, propriedade individual. A propriedade privada individual era de fato a chave do modelo econômico jurídico e político liberal assente na livre iniciativa individual.

John Locke, um dos principais filósofos do liberalismo, entendia que existem certos direitos naturais fundamentais que são tão importantes que nenhum governo, nem mesmo um governo representativo, democraticamente eleito, poderia anulá-los. Estes direitos seriam: o direito a vida, a liberdade e a propriedade.

Esses são direitos inalienáveis e não são criados por um Estado ou pela lei, mas são direitos pré-politicos. São direitos que vinculam todos os seres humanos antes mesmo do Estado entrar em cena. Por isso Locke diferencia o Estado de Liberdade, ou Estado Natural, do Estado de Permissão. Segundo ele, mesmo no Estado Natural há alguma regra que limita o exercício das ações do homem, não permitindo que um tome o que é do outro. Ninguém é livre para tomar a vida, a liberdade ou a propriedade de outro, ou até de si mesmo.22

20 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2011. P. 147. 21

LANDES, David S. Op. Cit. P. 225.

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Muitas necessidades do Estado Moderno seriam ilegítimas e violariam a liberdade. Apenas um Estado Mínimo, que faça cumprir contratos, proteja a propriedade privada e mantenha a paz – seria compatível com a teoria libertária dos direitos.

Para Michael Sandel, o liberalismo defende três tipos de diretrizes que o Estado precisa atender: Nenhum paternalismo; O Estado não pode editar leis para defender as pessoas de si mesmas. Nenhuma legislação sobre a moral; é vedado ao Estado impor convicções morais da maioria para todos os indivíduos. Nenhuma redistribuição de renda ou riqueza; O Estado não pode ter o direito de forçar o contribuinte abastado a apoiar programas sociais.23

Aqui salienta-se justamente o oposto a esta ideia nos dias atuais, em que a tributação é notadamente redistributiva.24

O aparecimento da sociedade comercial, nomeadamente da sociedade por ações viria, entretanto quebrar o quadro liberal e criar a forma típica de propriedade econômica na atual forma do sistema capitalista.

Do modelo clássico fazia parte também o princípio de que a economia era assunto privado, não do Estado. O direito de propriedade significava um direito à ausência do Estado do domínio econômico, um direito à exclusividade da propriedade privada dos meios de produção. Também este traço do modelo não pode manter-se incólume.

Uma terceira violação do modelo clássico é representada pela possibilidade de os bens de produção pertencerem a comunidades de trabalhadores.

No mundo liberal a liberdade de empresa era expressão da liberdade individual no domínio econômico: liberdade de entrar num mercado que estava aberto mediante um pequeno capital25.

O indivíduo com sujeito econômico independente é hoje uma realidade marginal. As necessidades de capital da moderna empresa são tão grandes que a possibilidade de um indivíduo iniciar uma empresa perde progressivamente alcance; o papel predominante da empresa individual está condenado de há muito pelo

Paulo: Vozes, 2006.

23

SANDEL, Michael. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Trad. Heloisa Marias, 13 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. P. 79.

24 Veja-se o Principio da Capacidade Contributiva, inserida no artigo 145 da Constituição Federal do Brasil, em que aquele que revela mais capacidade econômica, deve pagar mais do que aquele que tem menos. E aquele que não tem condições econômicas de pagar tributos, não precisa pagar.

25

(23)

desenvolvimento do capitalismo.26

Na forma presente do capitalismo, ao titular de um capital não resta as mais das vezes senão a possibilidade de se tornar acionista de uma empresa existente. Já não trata de fundar ou de iniciar uma atividade econômica que geralmente lhe é completamente estranha. Quanto a este aspecto, a liberdade de comércio e indústria deixou de valer com liberdade individual de iniciativa econômica, passou a ser a liberdade de uma associação de exercer a sua atividade econômica.

Assim se compreende a tendência hoje manifestada na literatura e nos textos constitucionais para substituir à liberdade de empresa, a liberdade de profissão.

A constituição pertence também à liberdade de associação econômica, isto é, a liberdade de os sujeitos econômicos na qualidade de empresários, patrões ou trabalhadores, se reunirem em associações para defesa dos seus interesses.

A razão desse fato é histórica: enquanto a garantia da propriedade e a liberdade de empresa são os direitos fundamentais originários do capitalismo e da burguesia a liberdade sindical surge muito tardiamente, quando o capitalismo monopolista se formava, e foi uma exigência operária, sendo ainda hoje predominantemente um direito dos trabalhadores. 27

No domínio econômico o Estado tem uma função: realizar nele a sua tarefa geral de coesão e integração social, pressupondo e garantindo através de uma ordem jurídica a sua máquina política.

Quanto à intervenção do Estado e a adoção do princípio da subsidiariedade, primeiramente no saber se o Estado pode ou não intervir e em que extensão se pode ou deve produzir bens e prestar serviços, se pode condicionar, realizar dirigir, subvencionar, planificar e em vista de que critérios e com que objetivos.

A atividade do Estado não se auto-justifica, é função da sociedade e só deve ter lugar no caso de defeito da atividade dos indivíduos e dos corpos sociais, e na medida dessa falta.

O princípio da subsidiariedade pretende-se não só no critério de delimitação material das funções do Estado, mas também num critério de divisão vertical de poderes, suscetível de enquadrar os esquemas de federalismo da descentralização e da administração autônoma e ganhando relevo especial na estrutura refeudalizada do

26

MORAES, Alexandre. Op Cit. P. 154. 27

(24)

Estado moderno.28

A intervenção do Estado na liberdade econômica é legítima e o é sempre e quando e, na medida em que, exigências imperativas do bem comum não possam ser preenchidas por autorregulação pela economia de mercado.29

Ora, quando se considera que hoje a participação do Estado não é exceção, antes a condição permanente do equilíbrio e desenvolvimento econômico que o papel do Estado não é passivo, antes sobre ele impende tarefas de transformação econômica e social, quando se reconheça que agora as corporações e os grupos sociais estão também em condições de atender contra a liberdade do indivíduo, que perante eles está muito menos protegido do que contra o Estado, o princípio da subsidiariedade parece ter perdido definitivamente as condições de sua existência.

1.4. Sociedade de risco

José Rubens Morato Leite entende que “a revolução industrial do século XVIII foi o embrião do que se chama hoje de sociedade de risco, potencializada pelo desenvolvimento tecnocientífico e caracterizada pelo incremento na incerteza quanto às consequências das atividades e tecnologias empregadas no processo econômico”.30

Ulrich Beck leciona que “o conceito de sociedade de risco expressa a acumulação de riscos – ecológicos, financeiros, militares, terroristas, bioquímicos, informacionais – que tem uma presença esmagadora hoje em nosso mundo”.31

A sociedade moderna foi marcada pela Revolução Industrial e todos os contornos já apontados. A sociedade pós-moderna, contudo é caracterizada pela sociedade que agora precisa conviver com os riscos produzidos pela revolução tecnológica. Sob essa perspectiva, Milton Santos afirma que “a história humana é a verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era globalizada”32

.

A sociedade pós-moderna, no entendimento de Morato Leite, “produz riscos que podem ser controlados e outros que escapam ou neutralizam os mecanismos de

28

GABARDO, Emerson, Op Cit. P. 25. 29

LANDES, David S. Op Cit. p. 256. 30

LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambientela na Sociedade de Risco: uma visão introdutória, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 14/15.

31 BECK, Ulrich, Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade, p. 361. 32

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 13ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2006. p.17.

(25)

controle típicos da sociedade industrial”. Para este autor, a sociedade de risco revela-se, portanto, “um modelo teórico que marca a falência da modernidade, emergindo de um período pós-moderno, à medida que as ameaças produzidas ao longo da sociedade industrial começam a tomar forma”.33

Segundo Luiz Roberto Barroso, a “pós-modernidade encontra o Estado sob crítica cerrada, densamente identificado com a idéia de ineficiência, desperdício de recursos, morosidade, burocracia e corrupção.”34

Outros autores também descrevem a pós-modernidade e a sociedade de risco utilizando outras nomenclaturas. Edgar Morin, por exemplo, define como a era da Nova

Barbárie a época em que vivemos, pois entende que “há sofrimentos humanos que

resultam dos cataclismos naturais, secas, inundações, escassez de alimentos. Outros resultam de formas antigas de barbárie que não perderam sua virulência. Mas há outros, finalmente, que procedem de uma nova barbárie tecno-cietífica-burocrática, inseparável do domínio da lógica da máquina artificial sobre os seres humanos”.35

Já Simone Sebastião salienta que o resultado desse progressivo desequilíbrio proporcionado pelo crescimento e aperfeiçoamento das necessidades humanas, conjugado a um sistema industrial que não atentou ao necessário respeito a finitude dos recursos naturais, foi o surgimento de uma verdadeira crise ambiental. Continua a autora que a sociedade passa a conviver com os riscos ecológicos sobre os quais não tem mais controle.36

A crise deflagrada pela sociedade de risco, fruto da revolução tecnológica e das consequências do capitalismo do Estado Liberal, trata-se, também na opinião de Morato Leite, “de uma crise de paradigma, uma crise própria da modernidade”.37

A nova realidade da sociedade de risco reflete-se também na crise de valores pelo que passa a vida do homem que sofre diante da falta de referência. Nesse aspecto de crise de valores e crise dos valores das relações interpessoais, Zygmunt Bauman trata com bastante relevo a matéria e define a nossa sociedade como “uma sociedade que está permeada de relações líquidas, de valores fluidos”.38

33 LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambientela na Sociedade de Risco: uma visão introdutória, p. 15

34

BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do Estado e legitimidade democrática. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Uma avaliação das tendências

contemporâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 159.

35

MORIN, Edgar. Op.cit., p. 91.

36 SEBASTIÃO, Simone Martins. Tributo Ambiental: extrafiscalidade e função promocional do direito. Curitiba: Juruá Editora, 2008. P. 176

37

LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambientela na Sociedade de Risco: uma visão introdutória, p. 15 38 BAUMAN, Zygmunt, Vida Líquida, Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

(26)

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, pontua a modificação da sociedade no ingresso na sociedade pós-capitalista. Ele ressalta que “a multiplicação e o acesso às fontes de informação proporcionadas pelos meios eletrônicos estão produzindo a mais profunda e dramática de todas as revoluções da civilização, a alteração do ter pelo saber”.39

Assim, conclui-se que a Teoria da Sociedade de Risco, característica da fase seguinte ao período industrial clássico, “representa a tomada de consciência do esgotamento do modelo de produção, sendo esta marcada pelo risco permanente de desastres e catástrofes, além do uso do bem ambiental de forma ilimitada, pela apropriação, a expansão demográfica, a mercantilização e o capitalismo predatório”.40

A respeito do capitalismo, até mesmo os economistas e filósofos americanos reconhecem a precariedade desse sistema na atualidade. Nesta medida, vemos que os outros itens mencionados por LEITE são na verdade decorrência desse mesmo sistema econômico, adotado na grande maioria dos países do planeta. O “ecologismo” surge então com a bandeira de salvar o mundo da autodestruição, por meio da limitação do crescimento, seja demográfico ou econômico. Em ultima análise, o capitalismo tem sido visto como o verdadeiro vilão e causador dessa ameaça à humanidade.

O capitalismo, como já vimos, nas crenças modernas relacionadas à individualidade, explora aquilo que alguns podem considerar como os motivos mais indignos: a ganância, o egoísmo e a avareza, para produzir os padrões de vida crescentes.

Ao lado dessa revelação da natureza humana consumista, nenhum dos sistemas, mais ou menos geniais, que surgiram em seguida, no intuito de adotar um estilo de vida mais saudável e solidário, sobreviveram. Desde o fascismo, passando pelo socialismo e o próprio comunismo. Ou seja: sistemas quase perfeitos na sua acepção teórica, mas nenhum deles resistiu à natureza humana!

O capitalismo, portanto, revela-se um sistema criticável sob o ponto de vista moral, mas foi o único que sobreviveu e que melhor atende – por mais paradoxo que possa parecer – a essa onda social moderna de consumo desenfreado.

Por outro lado, o que parece ser a vitória de um sistema autofágico, é na

39

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Transferências de execução de atividades estatais a entes da

sociedade. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações de Direito Administrativo. Rio de

Janeiro, 2000. p. 121. 40

LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado.In: CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito

(27)

verdade o começo de seu fim, ou ao menos de profunda transformação.

Lester Thurow aponta que existem cinco forças41 que podem comprometer o modelo econômico atual, algumas delas estudadas neste trabalho. São elas: 1) o fim do comunismo; 2) as mudanças tecnológicas para uma era dominada pela inteligência humana; 3) a demografia inédita e revolucionária; 4) a economia globalizada, e por fim; 5) a ausência de dominação econômica ou política de qualquer nação.

O fim do comunismo, especialmente, fez com que o capitalismo perdesse seu pior inimigo, o que não significa que tenha ganhado força. Pelo contrário, perdeu referência e passou a ser alvo de duras criticas, devido as demais forças mencionadas. O Estado do bem-estar social, que entre nós está em ascensão, para Thurow também está de retirada. O exemplo utilizado pelo autor é o caso da Suécia, que tentou adotar esse modelo, mas o que acabou prevalecendo foi a “sobrevivência dos mais aptos”, lema puramente capitalista.42

O cooperativismo, visto como um socialismo que privilegia o desenvolvimento econômico individual, poderia ser outra alternativa, como terceira via. O aspecto socialista do cooperativismo está nas decisões tomadas nas sociedades cooperativistas, que são realizadas ‘por cabeça’, e não ‘por capital’. As empresas, na visão cooperativista, não podem almejar lucro, apenas os indivíduos. Este último é o aspecto capitalista, pois o individuo se reúne em cooperativas com o único objetivo de lucrar mais. Desta forma, se evita a exploração do homem pelo homem, ou indiretamente, a exploração do homem pelo capital no âmbito das sociedades.43

Esse modelo de sociedade gerador de deletérios efeitos atinge o meio ambiente de forma irreversível, o que exige uma nova ética da comunidade global.

O surgimento da sociedade de risco designa um estágio da modernidade no qual começam a tomar corpo as ameaças produzidas em consequência do modelo econômico da sociedade industrial.44

A sociedade de risco é aquela que, em função de seu contínuo crescimento econômico, pode sofrer a qualquer tempo as consequências de uma catástrofe ambiental. Há consciência da existência dos riscos, desacompanhada, contudo, de

41 Thurow, na obra já citada, compara metaforicamente tais forças às placas tectônicas do globo terrestre, pois as mesmas estão soltas, em constante movimento, e nós todos, mesmo na sua superfície, raramente percebemos esta movimentação logo abaixo de nossos pés. Apenas notamos quando a movimentação é violenta, como no caso dos terremotos, maremotos e erupções vulcânicas.

42

O futuro do capitalismo. Trad. Nivaldo Montingelli Jr. Rio de Janeiro, Rocco, 1997. P. 19 43

MACEI, Demetrius Nichele. Tributaçao do ato cooperativo. Curitiba: Juruá, 2005. P. 30. 44

BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexixa: política, tradição e

(28)

políticas de gestão, fenômeno denominado por Beck de irresponsabilidade

organizada.45

O que se discute nesse novo contexto é a maneira pela qual podem ser distribuídos os malefícios que acompanham a produção de bens, ou seja, verifica-se a autolimitação desse tipo de desenvolvimento e a necessidade de redeterminar os padrões de responsabilidade, de segurança, controle, limitação e consequências do dano. A isso tudo, porém somam-se os limites científicos de previsibilidade, quantificação e determinação dos danos. Isto porque se deve atentar para as limitações da ciência no tocante à previsibilidade, quantificação e determinação dos danos.

Pode-se afirmar que a sociedade moderna criou um modelo de desenvolvimento tão complexo e avançado, que faltam meios capazes de controlar e disciplinar esse desenvolvimento. Segundo Beck, as sociedades modernas são confrontadas com as bases e com os limites do seu próprio modelo.46

Antony Giddens afirma que o risco é a expressão característica de sociedades que se organizam sob a ênfase da inovação, da mudança e da ousadia. De fato, nessas afirmações, questiona-se a própria prudência e cautela da ciência em lidar com as inovações tecnológicas e ambientais, que, mesmo trazendo benefícios, estão causando riscos sociais não mensuráveis.47

A falta de conhecimento científico e a sua incerteza implicam uma disfunção, podendo ocasionar, segundo Beck, duas formas de risco ecológico possíveis, sobre os quais o Estado atua, de forma paliativa, como mero gestor do controle dos riscos:

a) risco concreto ou potencial: visível e previsível pelo conhecimento humano; b) risco abstrato: invisível e imprevisível pelo conhecimento humano,

significando que, apesar de sua invisibilidade, existe a probabilidade de o risco existir via verossimilhança e evidências, mesmo não detendo o ser humano capacidade perfeita de copreender esse fenômeno.

Nesse sentido, o risco, atualmente, é um dos maiores problemas enfrentados quando se objetiva uma efetiva proteção jurídica do meio ambiente. O dano ambiental tem condições de projetar seus efeitos no tempo sem haver certeza e controle de seu grau de periculosidade.

45 BECK, Ulrich, A ciência é causa dos principais problemas da sociedade industrial. Disponível em: <http://www.sj.univali.be/agenda21.

46 BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexixa: política, tradição e

estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 1997. (p. 17).

47

GIDDENS, Anthonym Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós, Rio de Janeiro: Record, 2002. (p. 44-45).

(29)

A crise de valores da pós-modernidade se dá pela liquidez dos conceitos, como explica o sociólogo Zygmunt Bauman, pois essa nova realidade reflete diretamente na vida do homem que sofre diante da crise de valores, da falta de referência. Essa liquidez se coaduna com o risco ambiental e também com a incongruência do discurso público. Com as consequências e os riscos da crise ambiental e a ausência de referência sólida no Poder Público instala-se a liquidez sugerida por Bauman48.

De acordo com José Rubens Morato Leite, o Direito, como ciência, precisa abrir espaços para discussões em torno de novas formas de sociabilidade, por meio da criação de instrumentos jurídicos que busquem trazer à baila medidas de gerenciamento preventivo de risco, baseado nos princípios da prevenção, da precaução, da responsabilização e da solidariedade.49

O mesmo autor completa que há a necessidade de o Estado melhor se organizar e facilitar o acesso aos canais de participação, gestão e decisão dos problemas e dos impactos oriundos da irresponsabilidade política no controle de processos econômicos de exploração inconsequente dos recursos naturais em escala planetária.50

José Rubens Morato Leite aponta que é emergencial a construção de um Estado de Direito Ambiental que venha a se adequar à crise ecológica e à sociedade de risco a partir de fundamentação teórica de princípios fundantes e estruturantes, contornos e metas para tentar minimizar os efeitos dos impactos negativos no meio ambiente.51

O direito ao meio ambiente sadio, conforme precitua Gisela Maria Bester: É necessário porque o crescimento urbano e o desenvolvimento tecnológico têm causado profundos danos ao habitt natural dos seres humanos, a ponto de podermos falar, inclusive, em uma espécie de vingança da tecnologia. O homem patrocina sempre uam nova invenção para tornar sua vida mais cômoda, mais agradável, mas esquece que a tecnologia mais cedo ou mais tarde lhe mandará outra conta (...).52

Para José Rubens Morato Leite, a partir do momento que se constata que o meio ambiente sadio é condição para a vida em geral e que a sociedade de risco torna cada vez mais complexa a tarefa de lidar com o dano ambiental, é emergencial um Estado

48

BAUMAN, Zygmund, Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

49 LEITE, José Rubens Morato, Dano Ambiental na Sociedade de Risco: uma visão introdutória. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 17

50 LEITE, José Rubens Morato, Op. Cit. p. 18. 51

LEITE, José Rubens Morato, Op. Cit. p. 19. 52

BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional, vol. 1: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005.

(30)

preocupado com a questão ecológica. O Estado de Direito Ambiental pode ser compreendido como produto de novas reivindicações fundamentais do ser humano e particularizado pela ênfase que confere à proteção do meio ambiente.53

O direito é, pois, o discurso que legitima o papel do Estado.

1.4.1. A transição da primeira para a segunda modernidade

O sociólogo alemão Ulrich Beck sintetiza em dois grandes momentos o processo de transformações do mundo contemporâneo: a modernização simples ou primeira modernidade e a modernização reflexiva ou segunda modernidade. A primeira, ocorrida durante o período industrial, surgiu em oposição ao mundo tradicional anterior ao século XIX; a modernização reflexiva, em contrapartida, pode ser definida como “as últimas conseqüências” da primeira modernidade, uma verdadeira modernidade auto-destrutiva.

O desenvolvimento das técnicas, assim como a dinâmica dos fenômenos econômicos, trouxe comodismo e benesses ao indivíduo, conforto e tecnologia estes nunca antes experimentados em tão larga escala pela Humanidade. Esta zona de conforto trouxe, por outro lado, riscos e desafios assustadores à sociedade. É o que hodiernamente costumou-se denominar “sociedade do risco”, caracterizada pelo avanço de aparatos tecnológicos em proporções inimagináveis em toda a história. Pode-se dizer, assim, que os riscos que hoje ameaçam a civilização foram produzidos por ela mesma no processo de desenvolvimento da primeira modernidade54, num verdadeiro “efeito bumerangue”.

Sintetizando em exemplos esta passagem, Scott Lash formula os seguintes comparativos:

“A razão ou modernização, inicialmente emancipatória da ordem estática pré-moderna do Ancien Régime voltou-se em seguida sobre si mesma. (...) Iluminismo ou modernização transformou-se em uma assombração que é seu próprio duplo (...); como o individualismo

53 LEITE, José Rubens Morato, Op. Cit. p. 19. 54

MACHADO, Marta Rodrigues de Assis. Sociedade do risco e Direito Penal: uma avaliação de novas

(31)

democrático da vida política transformou-se na impessoalidade automática da burocracia legal-racional; como o impulso criativo das

avant-gardes estéticas e modernistas transformou-se nos

Estados-prisões de enormes blocos residenciais e projetos de habitação da década de 1960; como o potencial emancipatório anticlerical da física clássica transformou-se na ciência destruidora da natureza do final do século XX”. 55

Muitas são as denominações dadas aos diversos momentos históricos pelos quais passa a humanidade. Boaventura de Sousa Santos56 descreve o paradigma da modernidade ao longo de três períodos: o primeiro, período do capitalismo liberal que perdura todo o século XIX; o segundo, o período do capitalismo organizado, inicia-se em finais do século XIX e atinge seu máximo desenvolvimento no período entre as duas grandes guerras; e o terceiro período, o do capitalismo desorganizado, que perdura dos finais dos anos 60 do século passado até hoje.

Aparece-nos um novo destino de perigo, do qual não há como escapar. Trata-se de um destino criado pela própria modernidade e, ademais, em seu Estado máximo de desenvolvimento. Foram as experimentações nucleares - o grande ápice da força produtiva e criativa humana - o estopim de uma “Idade média moderna de perigo” 57, convertendo as ameaças, que até então impulsionavam o individualismo da modernidade, no grande buraco-negro do século XXI.

Há certo paradoxo no fato de a aceleração contemporânea e de suas vertiginosas criaturas terem permitido que o mundo se tornasse tão verazmente confuso e perverso. A história humana é a verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era globalizada58. Trata-se de um mundo físico fabricado pelo homem, cuja aceleração tende a consagrar, cada vez mais, uma percepção enganosa da realidade.

Desde sempre o ato de enfrentar riscos faz parte da natureza humana. Os jogos de azar, por exemplo, que essencialmente traduzem o ato de correr riscos, e que há séculos se transformaram em passatempo popular, muitas vezes um vício. De certa forma a propensão humana em enfrentar riscos fomentava o progresso econômico, o que não se supunha era que tal propensão acabaria por se descontrolar.

55 LASH, Scott. et al. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 1997, p. 137-138.

56 SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000, p. 139

57 Expressão utilizada por Ulrich Beck ao concluir que nosso destino mais se assemelha ao das classes da Idade Média que ao das do século XIX.

58

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 13ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2006. p.17.

(32)

Até o movimento Renascentista, as pessoas agiam motivadas instintivamente, numa percepção de futuro aleatória, pouco precisa. Quando as condições de vida estão tão estritamente ligadas à natureza, pouco resta para o controle humano59. A maioria das pessoas levava uma vida de poucas mudanças, mal percebiam as guerras que devastavam os países ou os maus governos que se sucediam.

Durante milhares de anos, a essência de todas as relações mundiais foi explicada através da religião. Desde a era antiga, onde o culto aos deuses era praticado, a ligação dos fenômenos da natureza a essa religiosidade até a mística medieval, isto é, o contato direto com a verdade, com o divino, não tem repercussão direta sobre nossa ciência, mas indiretamente a terá, por um fenômeno reflexo que viria a ocorrer no começo do século passado: o romantismo idealista alemão. 60

O romantismo dos primeiros anos do século passado introduziu também uma intuição imediata da verdade, uma espécie de visão, a partir da qual se desenvolve todo o seu sistema. 61

A razão do homem e a chamada “Revolução Industrial”, que se desenvolveu no decorrer de três séculos, culminaram em uma mudança cultural profunda, cujas conseqüências se estendem até nossos dias. A civilização avançou drasticamente e, pode-se dizer, totalmente carente de noções modernas de risco.

Conforme aponta Peter Bernstein em sua obra sobre a história do risco:

“À medida em que o cristianismo se disseminou pelo mundo ocidental, a vontade de um Deus único emergiu como o guia orientador em relação ao futuro, substituindo a miscelânea de divindades que as pessoas haviam adorado desde o início dos tempos. Isso provocou uma grande mudança de percepção: o futuro da vida na Terra permanecia um mistério, mas passou a ser regido por um poder cujas intenções e padrões eram claros a todos que se dessem ao trabalho de aprendê-los”. 62

É a partir da percepção social dos riscos tecnológicos globais que nasce a teoria da sociedade mundial do risco. Os riscos sempre integraram as atividades humanas, em todas as eras, mas foi a partir de meados dos anos 40 do século passado que outro foi o enfoque dado à questão, sendo que seus efeitos só se passaram a sentir quase trinta anos

59 BERNSTEIN, Peter L. Desafio aos deuses: a fascinante história do risco. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p 25.

60 ZAFFARONI, Eugenio-Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro –

parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 224.

61

ZAFFARONI, Eugenio-Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Op Cit, p. 227 62 ZAFFARONI, Eugenio-Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Idem, ibidem.

(33)

depois.

Com o evoluir tecnológico as relações humanas tornaram-se mais complexas, ágeis e transitórias, desconfigurando o então contexto social da época. Pode-se dizer que os riscos são inerentes a esta sociedade moderna que, de certa forma, os aceitam em contraprestação a seus confortos.

A Revolução Industrial alterou o processo produtivo econômico e social mundiais. Iniciada na Grã-Bretanha em meados do século XVIII, a Revolução Industrial expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX. Ao longo deste processo, a atividade produtiva artesanal e manual deu lugar às máquinas, trabalho que ficou conhecido como

maquinofatura, e não mais manufatura. Como a nova tecnologia e o novo sistema de

produção transformaram a Grã-Bretanha na maior potência mundial, seu povo tornou-se cada vez mais rico. O professor de História Paul Kennedy chega a dizer que, sob muitos aspectos, essa foi uma das maiores histórias de sucesso da raça humana. 63

Novas invenções, novas técnicas de manufatura, novas fontes de capital, novos meios de comunicação e transporte. Estava-se criando uma cadeia promissora de crescimento econômico e progresso tecnológico sem precedentes na História. Impôs-se, então, uma nova relação entre capital e trabalho, bem como novas relações entre as nações, tudo graças ao novo sistema econômico vigente, o capitalismo – que seria, então, a causa da Revolução Industrial64.

Com a evolução do processo, a primeira metade do século XX foi marcada pela luta mundial pela hegemonia do poder, por um acelerado progresso econômico-tecnológico, até a explosão das duas Grandes Guerras. Foi a partir da segunda metade do século passado que efetivamente surgiram as especulações sobre os efeitos da modernização tecnológica, culminando na chamada Modernidade Reflexiva.

1.4.2. A Modernização Reflexiva

Ulrich Beck, ao dissertar sobre a modernização reflexiva, aponta o fim do mundo comunista, em 1989, como um marco histórico e questiona:

63 KENNEDY, Paul. Preparando para o século XXI. 2ª edição. Rio de Janeiro: Campus, 1993, p.09 64

Recorde-se, aqui, que para Karl Marx, o capitalismo seria um produto da Revolução Industrial, e não sua causa.

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