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Literatura infantil na literatura brasileira

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Academic year: 2020

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A LITERATURA INFANTIL NA LITERATURA BRASILEIRA

Fernando CARVALHO* A l i t e r a t u r a i n f a n t i l teve início t a r d i o e n t r e nós. Aliás, em todo mundo qualquer c o i s a f e i t a com a atenção v o l t a d a para a criança ou para a juventude só muito tardiamente f o i f e i t o com algum r e s p e i t o a essas f a i x a s etárias, p o i s o que se f a z i a para e l a s eram as normas que deveriam norteá-las para o serviço que a sociedade esperava de todo aquele que ingressava na condição de c i d a d a n i a . Praticamente não se p r e c i s a v a f a z e r nada p o i s a sociedade estava de t a l modo e s t r u t u r a d a que ao a t i n g i r a condição de a d u l t o o homem só t i n h a que i n g r e s s a r como peça na engrenagem. Assim a criança ou o adolescente eram encarados somente como o f u t u r o a d u l t o e o processo educacional c o n s i s t i u somente na preparação da criança para a fase a d u l t a . E i s s o v e i o v i n d o pelos tempos até a idade moderna, sendo que o u n i v e r s o da criança continuava sendo posto de l a d o ; não se p r e c i s a v a conhecê-lo para o t r a b a l h o de educação, para o qual a a u t o r i d a d e e os c a s t i g o s eram mais do gue s u f i c i e n t e s . O que l i a m as crianças eram normalmente as obras e s c r i t a s para a d u l t o s nas quais havia razoável dose de f a n t a s i a ; o que naturalmente ocorreu e n t r e nós, conforme os versos de reminiscência de Carlos Drummond de Andrade:

"Eu sozinho, menino, e n t r e mangueiras l i a a história de Robinson Crusoé". Docente do Programa de Péa-Gradaxlo

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Foi menino e n t r e mangueiras o nosso poeta até por v o l t a da metade da década de 1910.

Na Europa, começam os e s t u d i o s o s do gênero popular e folclórico como os irmãos Grimm e o u t r o s a publicarem os l i v r o s que naturalmente são por muitos considerados como gênero d i r i g i d o ao público i n f a n t i l por serem histórias f a n t a s i o s a s , tendo muitas vezes como personagens crianças ou animais ou contando com a animação do mundo v e g e t a l . O que logo irá c a r a c t e r i z a r essa

l i t e r a t u r a , gue dará origem à l i t e r a t u r a i n f a n t i l propriamente d i t a , é a sua relação com o u n i v e r s o mítico, não somente no que se r e f e r e à sua l i b e r d a d e com relação ao plano r e a l , como também com a sua constituição de casos populares, de n a r r a t i v a s que se vinham montando em várias fases históricas, com acréscimos e v a r i a n t e s de vários l o c a i s e de mais de uma geração, até que uma das versões, que o f e r e c i a um t e o r maior de unidade, era anotada ou r e c o l h i d a por algum e s t u d i o s o , como f o i o caso dos irmãos Grimm.

No nosso caso, o processo não poderia t e r essa marcha que se v e r i f i c o u na Europa. Na Europa, a a t i t u d e d i a n t e da c u l t u r a p o p u l a r , a sua valorização i n i c i a - s e com o Romantismo que procura tomar consciência dos elementos da c u l t u r a popular, não somente como a t i t u d e de valorização do povo, mas também como a t i t u d e n a c i o n a l i s t a , uma vez que os elementos da c u l t u r a popular seriam os legítimos r e p r e s e n t a n t e s da nação. Assim deveriam c o n s t i t u i r a p a r t e p r i n c i p a l da l i t e r a t u r a que se quisesse realmente de cunho democrático, r e p r e s e n t a t i v a do que realmente e x i s t i s s e de mais autêntico no processo de afirmação do espírito da nação e do e s p i r i t o humano de modo g e r a l , uma vez que as aspirações e as a t i t u d e s de toda c r i a t u r a humana em face da v i d a e do u n i v e r s o estavam representadas nesse processo espontâneo de criação. Mas essa concepção por mais l e g i t i m i d a d e que tenha, sempre se esqueceu de que o u n i v e r s o da criança não podia ser o mesmo do a d u l t o , que essa

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criação p o p u l a r , por mais espontaneidade que apresentasse, não podia p a r t i c i p a r dos d o i s mundos, o da criança e o do a d u l t o ; e que o problema do u n i v e r s o i n f a n t i l não se podia d e f i n i r somente em função do que e r a considerado p e l o a d u l t o como u n i v e r s o onírico, como se tudo que o a d u l t o sonhasse pudesse c o n s t i t u i r para a criança um mundo i d e a l . No fundo, a criança t i n h a que s e r o a d u l t o em m i n i a t u r a , como se tudo que constituísse uma r e a l i d a d e convencional fosse p a r t e da natureza de homem e todas as normas de comportamento fossem naturalmente se incorporando ao homem na medida em que a idade fosse chegando. Nem e r a lembrado quanto c a s t i g o havia s i d o necessário à criança para se t r a n s f o r m a r em um desses a d u l t o s opressores e enganadores de crianças e de adolescentes. Esse a d u l t o também não se lembrava das suas angústias passadas, do s o f r i m e n t o de v e r a i m p o s s i b i l i d a d e de e x t e r i o r i z a r aos o u t r o s o seu mundo, t o t a l m e n t e d i f e r e n t e do u n i v e r s o para o q u a l estava sendo à força preparado.

No nosso caso, o drama d e v e r i a s e r mais agudo. M u r i l o Mendes lamenta a ausência do u n i v e r s o mítico na sua infância; e naturalmente seu lamento r e p r e s e n t a o de todos nós gue tínhamos o h o r i z o n t e imenso sem l u g a r para os nossos devaneios e só a nos comunicar um u n i v e r s o que não p o d e r i a s e r o nosso, como nos sugere ou como nos mostra claramente o c i t a d o "Infância", de Carlos Drumraond de Andrade:

"Meu p a i campeava no mato sem f i m da fazenda".

O mato sem f i m despovoado de qualquer entidade que desse ao menino a l g o mais do que o simples espaço, onde h a v i a um p a i mergulhado na solidão, que não p o d e r i a t r a z e r de lá qualquer c o i s a ao menino, p o i s de lá p o d e r i a t r a z e r apenas o cansaço, ou algum desgosto devido a prejuízo com animal morto ou roubado, ou qualquer dano de queimada ou arrombamento de c e r c a ; e essas não seriam histórias para u n i v e r s o de qualquer criança

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e não podiam sequer t e r s i g n i f i c a d o para o q u o t i d i a n o d e l a . Para essa criança, aliás, d e v i a e x i s t i r muito pouca c o i s a onde não e x i s t i s s e m as b r i n c a d e i r a s i n f a n t i s , como a c o n t e c i a em muitas fazendas. É esse o pobre mundo em face do q u a l o poeta M u r i l o Mendes f a z i a o seu grande lamento, lembrando ainda que nem o m i t o que t e r i a a l g o de mau, como o Saci Pererê, s i g n i f i c a v a qualquer c o i s a .

Muita gente se r e f e r e a histórias contadas por t i a s ou por v e l h a s , mas mesmo essas não s e i se eram tão freqüentes no P a i s , p o i s apesar de muitos f a l a r e m na existência d i s s o , a p a r t e p r i n c i p a l que s e r i a a obra memorialística, na forma o f i c i a l de memórias, ou na ficção de que faça p a r t e o documentário de momentos da infância, ou do i n t e r i o r f a m i l i a r não mostra esses contadores de histórias, como também não vemos personagens se lembrando de casos ouvidos na infância. À S histórias contadas pelos gue p a r t i c i p a v a m do mundo gue as gerava parece que se r e f e r i a m somente ao u n i v e r s o do a d u l t o , como nos f a z pensar i n c l u s i v e o caso de Guimarães Rosa, de quem sabemos que andou e n t r e os caboclos de caderno e lápis em punho e não temos notícia de qualquer c o i s a por e l e ouvida na infância que tenha s e r v i d o de motivo a suas histórias ou a qualquer p a r t e d e l a s . Mas de qualquer modo, se esse u n i v e r s o e x i s t i u , f o i ignorado pelos autores que e n t r e nós pretendiam r e a l i z a r uma l i t e r a t u r a i n f a n t i l .

Entre nós, o que era chamado de l i t e r a t u r a i n f a n t i l não passava de t e x t o s que tinham a educação por motivo p r i n c i p a l , e n f i m que visavam à preparação da criança para o i n g r e s s o no mundo a d u l t o , à recepção de lições de c i v i l i d a d e que complementariam as lições recebidas nas escolas e os c a s t i g o s recebidos em casa. Pelos l i v r o s destinados às escolas primárias se pode f a z e r uma idéia do que s e r i a a nossa l i t e r a t u r a i n f a n t i l , p o i s e r a freqüente até a identificação e n t r e l i t e r a t u r a i n f a n t i l e l i t e r a t u r a e s c o l a r , como no caso de l i v r o s de Olavo B i l a c e Coelho Nel-o.

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Por o u t r o l a d o , não temos o d i r e i t o de c u l p a r os nossos a u t o r e s , p o i s a f i n a l esse u n i v e r s o básico para uma l i t e r a t u r a i n f a n t i l não l h e s e r a o f e r e c i d o pelos caminhos que tomou uma inteligência que desconhecia t o t a l m e n t e os motivos populares e por uma sociedade que m a r g i n a l i z a v a os depositários dessa c u l t u r a p o p u l a r , que seriam os descendentes de negros e índios.

Antes que se i n i c i a s s e o processo de t r a n s p l a n t e ou de imitação da l i t e r a t u r a i n f a n t i l que a f i n a l s u r g i u na Europa, Monteiro Lobato d e s c o b r i u o caminho que o t o r n a um dos nomes mais respeitáveis e queridos e n t r e nós. Monteiro Lobato sempre f o i uma c r i a t u r a lúcida. Ao pensar na realização de uma obra i n f a n t i l , naturalmente percebeu logo que não tínhamos esse u n i v e r s o mítico, graças ao q u a l a criança reconheceria o seu mundo nas páginas do l i v r o . Por o u t r o l a d o , graças à l u c i d e z h a v i a nele a ausência do ufanismo v a z i o conservado e estimulado por autores do início do século, que não conseguiram desfazer-se da herança dos tempos do Romantismo. Mas, no mesmo período, apareceram os que substituíram esse ufanismo p e l o espírito propriamente n a t i v i s t a que sempre c o n s i s t i u no esforço para o conhecimento do Pals e na t e n t a t i v a de buscar um meio de atuação que r e s u l t a s s e em novos rumos ao menos para a nossa a t i v i d a d e i n t e l e c t u a l . Assim, não i r i a e x a l t a r v u l t o s históricos somente conhecidos através de l i v r o s e s c o l a r e s que mereciam não somente a indiferença, mas até mesmo a aversão de todos os que eram obrigados a manuseá-los: alunos ou p r o f e s s o r e s que jamais quiseram r e l e r t a i s l i v r o s . Monteiro Lobato, com a sua l u c i d e z , percebeu logo que não se p o d e r i a d e s t i n a r às crianças l i v r o s que não falassem a sua linguagem, i s t o é, sem um conteúdo que se r e l a c i o n a s s e ao seu u n i v e r s o e s p i r i t u a l . Mas esse u n i v e r s o , para nós, não é muito fácil d e s c o b r i r . Como seguidores mais em menos passivos do mundo chamado desenvolvido podíamos l i g a r logo o u n i v e r s o i n f a n t i l ao mundo dos m i t o s , se não caíssemos logo na armadilha da

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l i t e r a t u r a e d u c a t i v a ou catequética, para a q u a l não h a v e r i a que se preocupar cora essa linguagem ou com esse u n i v e r s o mítico, mas simplesmente f a z e r com que a criança fosse i n t r o d u z i d a no u n i v e r s o do a d u l t o e na condição do cidadão v o l t a d o para os v a l o r e s do P a i s , i n t e r e s s a d o no seu e s p i r i t o através do conhecimento e da admiração de homens e acontecimentos que c o n s t i t u e m a sua história e as suas tradições.

Monteiro Lobato percebeu logo os d o i s caminhos equivocados. Um, aquele em que se meteu a nossa l i t e r a t u r a i n f a n t i l , o caminho p a t r i o t e i r o , m o r a l i s t a . O o u t r o , o que s e r i a l e g i t i m o para os países em que realmente e x i s t i a um u n i v e r s o mítico, p e l o q u a l f o i moldado um u n i v e r s o de tradições em que a própria história se impregnava delas e com e l a s passava a e x i s t i r f o r a da h i s t o r i o g r a f i a o f i c i a l . Mas e n t r e nós, homens e f a t o s da história, ao invés de p a r t i c i p a r e m da c u l t u r a ou da tradição o r a l com a impregnação do u n i v e r s o mítico, encontravam-se somente nos l i v r o s escolares que não interessavam a ninguém e eram t o l e r a d o s na medida em que a sua l e i t u r a se l i m i t a v a às a u l a s , em que havia os exercícios de l e i t u r a .

Podemos d i z e r que o mundo da f a n t a s i a ou da lenda, criação popular p a r a l e l a à história, também era e x i s t e n t e e n t r e nós, mas somente conhecido através de l i v r o s e, p o r t a n t o , reservado apenas ao a d u l t o - destiná-lo à infância s e r i a c r i a r qualquer c o i s a sem o menor s e n t i d o .

Monteiro Lobato s o l u c i o n o u o quase insolúvel problema, fundindo m i t o e q u o t i d i a n o . O seu espaço é o sítio habitado por personagens que são os meninos de todo d i a , só que e n t r e e l e s há uma boneca e um homem - criança f e i t o com um sabugo. E vivendo episódios comuns, ao mesmo tempo imaginavam e fantasiam. O sítio, l o c a l como t a n t o s e x i s t e n t e s em todo o i n t e r i o r do País, mas desconhecido da m a i o r i a dos meninos em condição de l e r alguma c o i s a , é esse l u g a r fantástico com o qual a criança consegue se f a m i l i a r i z a r . Nesse

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espaço, o e s c r i t o r simplesmente c o l o c a os personagens nas conversas e i n c i d e n t e s , que se vão desenrolando conforme passam os d i a s , para os q u a i s não e x i s t e um f i m predeterminado e nem um e i x o p r i n c i p a l para as ações, como s e r i a de se esperar em obra de ficção.

O que alguns depreciadores ou d e t r a t o r e s de Monteiro Lobato não perceberam é que e l e compreendeu que está escrevendo para gente de um meio sem o s u p o r t e mítico, segundo o q u a l são elaboradas as h i s t o r i a s com um tema que subordina todos os a t o s e comportamentos e os conduz a um f i n a l desejado ou a c e i t o p e l o l e i t o r ou expectador. O mundo do a u t o r é o mundo da criança e e l e tem a precaução de não v i o l e n t a r a mente do menino l e i t o r que não conhece o s o b r e n a t u r a l , c u j o s temores nem se l i g a m a um mundo e nem a entidades e s t r u t u r a d o s . São temores ou mágoas de alguém que s o f r e u algum processo de h o s t i l i d a d e ou de ameaça.

Para um m o r a l i s t a , como f o i Monteiro Lobato no melhor s e n t i d o , e r a necessária a depuração desse u n i v e r s o , eliminando d e l e os f a t o r e s n e g a t i v o s , ou s e j a , os momentos de ódio, ou de qualquer processo de desumanidade para dar l u g a r somente ao que c o n s t i t u a os dados em t o r n o dos quais gostaríamos de v i v e r . Assim, o u n i v e r s o das personagens de Monteiro Lobato está constituído por momentos de l a z e r ou por motivos do conhecimento, que estão sempre a aguçar a a t i v i d a d e das crianças; e o e s c r i t o r acaba por i n t e g r a r nesses motivos de aprendizado, os próprios conhecimentos que são impostos às crianças nos bancos e s c o l a r e s , mas transformados no que realmente p o d e r i a r e p r e s e n t a r para a criança a revelação de uma p a r c e l a do mundo, l i b e r t a n d o o l e i t o r do caráter bestialógico dos l i v r o s didáticos que acumulam de t a l modo os nomes e as descrições de c o i s a s da natureza e da civilização, que acabam perdendo t o t a l m e n t e o s i g n i f i c a d o , a ponto de mesmo o que a criança por acaso conhece pessoalmente poder t o r n a r - s e

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t o t a l m e n t e irreconhecível: quer d i z e r , a criança jamais l i g a r i a o nome de um r i o que já p o d e r i a t e r atravessado, ou de uma montanha que t i v e s s e escalado, ao nome que se vê na página do l i v r o e s c r i t o com p a l a v r a s que não são as mesmas com que está habituada a r e f l e t i r ou a comunicar-se.

Monteiro Lobato adapta seu u n i v e r s o à v i d a mental da criança, lembra-se de que a criança tem desejo de saber, que e l a apresenta uma insaciável c u r i o s i d a d e e que a r r e f e c e a sua sede de conhecimento justamente quando o a d u l t o ou a escola começam a fazê-la conhecer o que e l a não perguntou e, assim, a b a r r a r a sua c o r r i d a de encontro aos f a t o s e c o i s a s do mundo. P r i m e i r o , e l e r e d u z i u o mundo de informações ao que a criança i r i a perguntar ou p r o c u r a r i a compreender. Depois usa uma linguagem próxima à que a criança costuma o u v i r e com a q u a l procura pensar ou devanear. Dentro desse mundo, a criança não se sente e s t r a n h a ; e, por o u t r o l a d o , alguma c o i s a e l e tem do u n i v e r s o i n f a n t i l p o i s , ao lado da boneca e de uma c r i a t u r a f e i t a de sabugo, tem os animais que também falam, só que esses seres s o b r e n a t u r a i s estão p r a t i c a n d o as ações mais n a t u r a i s e f a l a n d o a linguagem da v i d a comum.

Lembremos mais uma vez, o e s c r i t o r sabe que o s o b r e n a t u r a l , nas ações e na linguagem, não pode s i g n i f i c a r qualquer c o i s a a quem não tem com e l e qualquer convívio, através de conversas apoiadas num u n i v e r s o mítico, ouvidas de a d u l t o s ou dialogadas e n t r e as próprias crianças. Esses seres encontrados não vão povoar regiões encantadas, nem p r e s e n c i a r ou p r a t i c a r ações de um mundo encantado. Vão conversar sobre costumes e problemas de crianças. Vão f a l a r do que têm que aprender na escola e, se Monteiro Lobato os f a z aprender aritmética ou g e o g r a f i a , gramática ou história, não é por guerer r e a l i z a r um t r a b a l h o utilitário a a u x i l i a r a criança na t a r e f a do aprendizado complementando ou, podemos d i z e r , c o r r i g i n d o o t r a b a l h o e s c o l a r , que e n t r e nós somente r e s u l t a v a em aversão do aluno para com a

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escola e na anulação da c u r i o s i d a d e i n f a n t i l . É que também a matéria de seus l i v r o s é p a r t e do u n i v e r s o desses a quem e l e s são d i r i g i d o s ; todas esses ramos do conhecimento l h e s são apresentados em l i v r o s , cadernos, ou numa lousa que devem f a z e r p a r t e dos pesadelos i n f a n t i s , de modo que f a l a n d o deles estará mais próximo do mundo dessas crianças do que se fosse n a r r a r lendas e histórias míticas, com as q u a i s nossas crianças não tinham o mínimo c o n t a c t o .

Normalmente, os censores d e t r a t o r e s i n t e g r a i s de Monteiro Lobato, os que pretendem negar o reconhecimento até a sua l i t e r a t u r a i n f a n t i l , apontam justamente essa ausência do u n i v e r s o mítico como a t e s t a d o de não t e r e l e r e a l i z a d o o que se pode c o n s i d e r a r l i t e r a t u r a i n f a n t i l , porque os seus l i v r o s se resumem de um lado em c o i s a s práticas, numa espécie de obra e s c o l a r e, de o u t r o , em piadas que podem apresentar algum sabor para o l e i t o r i n f a n t i l . Esquecem naturalmente que estão d e f i n i n d o l i t e r a t u r a i n f a n t i l pelas obras européias e por c o n c e i t o s de l i t e r a t u r a i n f a n t i l e s t a b e l e c i d o s por europeus; não percebem que o nosso u n i v e r s o i n f a n t i l é o u t r o e que mesmo o a u t o r de l i v r o s para a d u l t o s tem que observar as p e c u l i a r i d a d e s de sua c u l t u r a para a a u t e n t i c i d a d e de sua obra, apesar de e s t a r escrevendo para o

l e i t o r que tem que e s t a r f a m i l i a r i z a d o com a l i t e r a t u r a desse o u t r o mundo, para quem não s e r i a estranho o que f o i produzido numa c u l t u r a que t i v e s s e os m i t o s que e l e não conhece.

0 a u t o r i n f a n t i l p r o d u z i a de acordo com a l e i t u r a do que f o i produzido lá f o r a , da q u a l d e v e r i a somente aprender uma técnica, como se d e v e r i a s e n t i r duplamente t r a i d o r do seu u n i v e r s o e do u n i v e r s o do l e i t o r . I s s o percebeu Monteiro Lobato com toda l u c i d e z e, com toda honestidade, c o n s t r u i u o seu u n i v e r s o de acordo com a convivência e a experiência que t e v e do seu meio. As crianças de nosso meio são as mesmas que, a d u l t a s , se se v o l t a m para o passado, o que terão a lembrar, com s e n t i d o poético, será só o que

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lembraram os poetas, como Casimiro de Abreu a c o r r e r atrás de b o r b o l e t a s e apanhar mangas, a receber car l e i a s da mãe e b e i j o s da irmã (na r e a l i d a d e as evocações não condizem com as r e a i s experiências da idade de o i t o anos, em que as repreensões de uma e os desentendimentos com a o u t r a devem s e r bem mais freqüentes). Mas, nota-se a i que o u n i v e r s o da infância não é povoado de qualquer f a n t a s i a de menino que ouvisse b e l a s histórias de um mundo povoado de belezas e c o i s a s e d i f i c a n t e s que g o s t a r i a de v e r presentes na v i d a ou nas intenções dos homens e que, sentindo-as p e r d i d a s , lamenta a perda da infância e o desaparecimento desse mundo. Para um romântico, s e r i a mais b e l o e r e p r e s e n t a r i a um motivo de s o f r i m e n t o maior esse mundo p e r d i d o c h e i o de belos motivos que deveriam c o n s t i t u i r a v i d a realmente digna de s e r v i v i d a , o mundo que respondia ao mundo i n t e r i o r , um correspondendo ao o u t r o , alimentado-se reciprocamente. Mas o f a t o é que para a existência e evocação desse mundo, e r a p r e c i s o a existência de uma atmosfera de sonho, de aspirações, que os m i t o s ajudam a c r i a r , como ajudam ainda a criação de um mundo sonhado às vezes ao q u a l nem se pretende alcançar, mas no q u a l se gosta de pensar, como quando se v o l t a o o l h a r para uma d i s t a n t e e b e l a paisagem gue se c o n t e n t a em contemplar de longe. Mas essas c o i s a s só poderiam s e r motivo de saudade para guem conheceu esse amplo u n i v e r s o de idéias e de sonhos c r i a d o p e l o e s c r i t o r .

Tudo i s s o é para lembrar e reforçar o gue d i z M u r i l o Mendes a r e s p e i t o do drama da criança d e n t r o do mundo sem m i t o e o drama do a d u l t o que v i v e u uma infância nesse mundo v a z i o , despojado do que d e v i a s e r de evocação e do que p e r m i t i r i a ao a d u l t o f a l a r a linguagem a s e r compreendida p e l a criança, do único elemento gue p o s s i b i l i t a r i a o diálogo e n t r e os d o i s . Esse é o diálogo gue Monteiro Lobato procura manter e, mais do que qualquer o u t r o , e l e compreende que o diálogo não pode s e r mantido através da intenção c l a r a de

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f a l a r à criança com o mesmo tom dos p a i s ou dos mestres que procuram t r a z e r a criança para o seu mundo, sempre a m o s t r a r - l h e o que têm o d i r e i t o de esperar d e l a os a d u l t o s e a convencê-la de que a estão preparando para s e r o que são e l e s na a t u a l i d a d e , como se fosse essa a aspiração da criança. Se Monteiro Lobato ensina à criança o que e l a s devem aprender na e s c o l a , é que assim consegue e s t a b e l e c e r um diálogo, já que a aprendizagem é p a r t e da v i d a i n f a n t i l . Mas, para i s s o , c r i a uma linguagem que procura manter a c u r i o s i d a d e e o espírito c r i t i c o da criança, fazendo com que e l a v e j a com i n t e r e s s e o que na escola t e r i a que aprender a duras penas, e nem sempre consegue aprender. I s s o l h e é o f e r e c i d o de modo a não d e s p e r t a r qualquer i n t e r e s s e ou apresentar qualquer s e n t i d o , expresso em p a l a v r a s que não são as suas ou as do seu q u o t i d i a n o . Por o u t r o l a d o , não contêm essas p a l a v r a s nada que a faça s e n t i r - s e d i a n t e do desconhecido que possa a t r a i r a sua c u r i o s i d a d e . Também as pessoas que repetem as p a l a v r a s do l i v r o ou d i t a m c o i s a s para serem e s c r i t a s no caderno não têm o a r de quem f a l a de qualquer c o i s a que possa merecer c u r i o s i d a d e , p o i s falam com o a r a b o r r e c i d o de quem g o s t a r i a de e s t a r fazendo o u t r a c o i s a . Em Monteiro Lobato, essas informações vêm misturadas com as conversas e discussões que fazem p a r t e da v i d a das crianças, dos bate-bocas e de algumas revelações que apareceriam na f a l a de alguém que t i v e s s e conseguido alguma informação maior ouvida de conversa de a d u l t o . Só por estarem construídas no seu d i a a d i a r o t i n e i r o e f o r a da s a l a de a u l a as conversas já têm qualquer c o i s a do mundo da imaginação. Junte-se a i s s o a presença da f a n t a s i a representada por animais ou bonecos, que são como o u t r a s t a n t a s crianças, que se conseguem i n t e g r a r nesse meio com a maior n a t u r a l i d a d e , como se a p a r t e onírica f i z e s s e realmente p a r t e do mundo r e a l . O tom de crônica l i g e i r a não d e i x a em nenhum momento de e s t a r presente. É um mundo pequeno como o nosso, ou t a l v e z até menor do que e l e , p o i s com

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os seus i n c i d e n t e s pequenos, sem as grandes aventuras, à maneira daquelas com as q u a i s muitos dos pretensos a u t o r e s de l i t e r a t u r a i n f a n t i l mostravam o seu equívoco, pensando que as crianças i r i a m se entusiasmar somente por e l a s , quando parece que as crianças gostara d e l a s somente no cinema ou, atualmente, na televisão. Criando esse mundo, pequeno nos i n c i d e n t e s , mas que d e i x a a b e r t o l a r g o h o r i z o n t e à imaginação, Monteiro Lobato mostra t e r muito bem percebido que a criança tem aptidão para o diálogo com o a d u l t o , o q u a l , por sua vez, não p r e c i s a e s t a r c a l c u l a n d o ou escolhendo c o i s a s absurdas ou grotescas para a t r a i r o i n t e r e s s e i n f a n t i l . O problema r e s i d i r i a somente em e l i m i n a r do t e x t o o que possa depender de c e r t a s informações que a criança não tem ainda o mínimo i n t e r e s s e em a d q u i r i r . O que pode i n t e r e s s a r a e l a do mundo, e l a sabe perguntar e sabe e x i g i r a r e s p o s t a mais p r e c i s a ; por i s s o é desnecessário, como é inútil, e s t a r o a d u l t o a determinar o gue a criança p r e c i s a aprender e i s s o sempre f o i contraproducente. E l a já busca alguma c o i s a e não v a i a c e i t a r a busca determinada por o u t r o gue nem sabe e x p l i c a r - l h e por gue acha gue deve buscar i s s o ou a q u i l o , p o i s o a d u l t o nem sempre sabe por que procura ou porque aprende alguma c o i s a d i r i g i d o gue é por todo um r o t e i r o pré-traçado; e não reconhece que a criança não tem ainda a p a s s i v i d a d e na q u a l se enquadra todo indivíduo já i n t e g r a d o na sociedade. Pode-se reconhecer p e r f e i t a m e n t e gue mal a criança, através de pressões cada vez mais f o r t e s , é i n t e g r a d a no mundo a d u l t o , a sua c u r i o s i d a d e v a i desaparecendo até chegar ao ponto em que não se esperar d e l a nenhuma interrogação.

Referências

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