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Burguesia brasileira nos anos 2000 – um estudo de grupos industriais brasileiros selecionados

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Academic year: 2019

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ARTUR MONTE CARDOSO

Burguesia brasileira nos anos 2000

um estudo de grupos

industriais brasileiros selecionados

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vii

Esta dissertação é dedicada à memória do meu avô,

Milton Monte,

brasileiro e amazônida exemplar, e eterno professor

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Agradecimentos

Ao meu professor, orientador e camarada Plinio Soares de Arruda Sampaio Jr. O jefe

Plinio foi responsável por me introduzir aos pensadores da formação e por lançar o desafio de compreender a burguesia brasileira como forma de buscar respostas aos desafios da revolução brasileira. Agradeço por seu exemplo de um Mestre tão raro hoje na universidade, por sua amizade e pela orientação precisa até a última hora.

Ao professor Fernando Cezar de Macedo Mota, por aceitar gentilmente presidir a banca, pelas sugestões e críticas ao trabalho e pelo incentivo que me deu desde a monografia. Ao professor Edgard Pereira, que participou decisivamente do exame de qualificação e da banca. Particularmente por me motivar a apresentar claramente minha visão sobre o processo de reversão neocolonial, pelas inúmeras sugestões de organização do trabalho e pelos desafios lançados para a agenda de pesquisa futura. Ao professor Julio Sergio Gomes de Almeida, pelos conselhos no exame de qualificação, ao apontar os limites do meu trabalho, revelando a complexidade da burguesia brasileira e por dar a confiança de que a seleção dos grupos permitiria explorar o problema pretendido. Ao professor Sebastião Velasco e Cruz, do IFCH/Unicamp, por aceitar prontamente participar da banca e, principalmente, pelas críticas que impulsionam o pesquisador a aprimorar o seu conhecimento e os seus argumentos.

Aos meus antigos colegas da Refinaria de Paulínia (REPLAN), na Petrobras, pela acolhida no primeiro emprego e pelo apoio ao meu retorno aos estudos. Em especial, à Rosana Macedo, à Dirce Frasseto e demais colegas da Engenharia; à minha equipe da Dotec: Ana Paula Silva, Aparecida Serafim (Cida), Luis Abner, Marselha Costalonga e em especial Daniele Paduan Machado, minha professora e amiga; aos colegas arquivistas: Marco Marsari (IERN), Elisa e Marcelo (REVAP), Rômulo (REDUC) e Teresa (RLAM); e aos colegas do concurso (os "TAC Jr."), Bruno Cruvinel, Carlos Polidoro, Luis Clemente, Lincoln Sakai, Marcus Vinicius Fernandes, Monique Menendez, Tadeu di Giacomo e Thiago Pinho.

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x

crucial para nossas atividades. Ao me tornar eu mesmo funcionário é que tive a dimensão de quão imprescindíveis são os servidores técnico-administrativos na universidade.

Aos colegas do Instituto de Física “Gleb Wataghin” da Unicamp. No Apoio Financeiro (SFP), tive todo o apoio, generosidade e amizade de Alcides Nascimento, Eduardo Alfredo, Eduardo Sakanaka, Eduardo Spinelli, Ivone Pereira, Miguel Gonçalves Filho, Vasco Queiroz e em especial de Marlene Capodali, minha professora dedicada e exemplo de servidora pública. Aos demais colegas do IFGW, muito obrigado pelo grande ano que passei por lá.

Aos colegas da pós-graduação do IE, em particular aos da turma Teoria 2011 – Fernando Chafim, Ítalo Pedrosa, Julia Bellinetti, Leon Egidio, Lídia Brochier e Pedro Loureiro – e aos do doutorado – Leonardo Bispo e Marina Sequetto – pela amizade ao longo do curso. Aos colegas do “Futebol da Pós”, por me permitir o retorno aos gramados em tão boa companhia.

Aos colegas do Grupo de Estudos "Florestan Fernandes" (GEFF): João Paulo Camargo Hadler, Leandro Ramos Pereira, Gustavo Zullo, Henrique Braga, Jaime León, Jean Peres, Joana Salém, Mauricio Esposito, Rebeca Bertoni, Sarah Franciscangelis, Tatiana Henriques e Theo Lubliner. Foram todos indispensáveis para que este trabalho fosse adiante e responsáveis por algumas das observações e críticas mais importantes. Em especial ao João Paulo, ao Leandrão e ao Jean, por sua amizade de longa data, as discussões e as críticas.

Aos camaradas do Coletivo Domínio Público e do PSOL, em especial do Coletivo Primeiro de Maio. Sua luta firme pela revolução brasileira inspira e orienta a formação intelectual do militante. Agradeço por tolerar a minha ausência em tempos árduos, na esperança de que este trabalho ajude a entender melhor a realidade que queremos transformar.

À minha mãe, Ana Rosa Monte Cardoso, e ao meu pai, José Maria Machado Cardoso Jr., por proporcionarem tudo a seu alcance para nos dar a melhor educação. Aos meus irmãos Felipe e Daniel, que são minha vida, por sua amizade e pelas boas conversas.

Ao irmão "adotivo", Caio Matsui, pela alegria e sua imensa amizade.

À Thalita, companheira querida, por atravessar ao meu lado todas as batalhas nos últimos anos, pelo apoio desde a prova da Anpec até a redação final da dissertação, por insistir em adotar a nossa cadela Fera e pelo amor paciente e persistente.

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A “burguesia nacional”, tal como é

ordinariamente conceituada, isto é, como força essencialmente antiimperialista e por isso progressista, não tem realidade no Brasil, e não passa de mais um destes mitos criados para justificar teorias preconcebidas; quando não pior, ou seja, para trazer, com fins políticos imediatistas, a um correlato e

igualmente mítico “capitalismo

progressista”, o apoio das forças políticas populares e de esquerda.

Caio Prado Júnior (A Revolução Brasileira)

Enquanto houver burguesia Não vai haver poesia

Cazuza

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RESUMO: Esta dissertação pretende contribuir para a discussão sobre o caráter da burguesia brasileira nos anos 2000 e, desta forma, entender o sentido, os limites e as possibilidades do capitalismo brasileiro contemporâneo. Para isso, é apresentado um estudo de quatro dos maiores grupos industriais privados do Brasil: Vale (mineração), JBS (agronegócio/carnes), Gerdau (siderurgia) e Cosan (agronegócio/sucroalcooleiro). A intenção é fornecer elementos concretos para uma melhor compreensão sobre o caráter da burguesia brasileira.

A investigação dos grupos se concentrou na compreensão da base material da burguesia e sua força relativa frente aos demais capitais. Foram mapeados os mercados, a base produtiva e a base financeira, os vínculos com o Estado e a estratégia de cada grupo no período de estudo. As informações foram extraídas de dados públicos das companhias, de relatórios de instituições governamentais e internacionais, da imprensa especializada e de estudos acadêmicos.

Para embasar teoricamente esta discussão, foram utilizados quatro autores da tradição da formação nacional: Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Celso Furtado e Florestan Fernandes. A hipótese é que a burguesia brasileira combina o aproveitamento de oportunidades de negócios gerados pela dependência externa com a exploração predatória da força de trabalho e do meio ambiente, bem como a mobilização arbitrária dos recursos do Estado, caracterizando-se como uma verdadeira burguesia dos negócios.

A pesquisa aponta que os grupos aproveitam oportunidades dentro de um processo de desindustrialização e reprimarização, mas são incapazes de controlar variáveis estratégicas da acumulação, os que as torna vulneráveis às oscilações internacionais. O impulso dos seus mercados foi resultado direto do ciclo econômico internacional, via elevação da demanda e dos preços, ou indireto, através do surto de crescimento interno. Sua base produtiva é em segmentos de tecnologia simples, livre e com baixos encadeamentos. Sua base financeira foi principalmente o capital financeiro internacional, como o apoio complementar de recursos oriundos do Estado. Por fim, a estratégia de crescimento dos grupos, inclusive de internacionalização, se deveu ao processo de aquisição de concorrentes e não de construção de capacidade produtiva, chegando ao caso extremo de associação direta com o capital internacional.

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ABSTRACT: This dissertation aims to contribute to the discussion about the character of the Brazilian bourgeoisie in the 2000s and thus understand the direction, the limits and possibilities of contemporary Brazilian capitalism . For this, it is presented a study on four of the largest private industrial economic groups in Brazil: Vale (mining) , JBS (agribusiness/meat) , Gerdau (steel) and Cosan (agribusiness /sugar and ethanol). The intention is to provide concrete elements for a better understanding of the character of the Brazilian bourgeoisie.

The research of the groups has focused on understanding the material basis of the bourgeoisie and its relative strength compared to other capitals. Markets, the productive base and financial base, the ties with the State and the strategy of each group were mapped for the analyzed period. The information is drawn from public companies' data, governmental, international institutions and associations reports, specialized media and academic studies about the selected companies . The theoretical basis for this discussion uses four authors of the national formation tradion: Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Celso Furtado and Florestan Fernandes. The hypothesis is that the Brazilian bourgeoisie combines the advantage of business opportunities generated by the external dependency with the predatory exploitation of the workforce and the environment, as well as arbitrary mobilization of state resources, characterizing itself as a true business bourgeoisie.

The research shows that groups seize opportunities within a process of deindustrialization and reprimarization, but are unable to control the strategic variables of the accumulation, which makes them vulnerable to international fluctuations. The thrust of its markets was a direct result of the international economic cycle, via rising demand and prices, or indirect result, through the outbreak of internal growth. Its productive base is located in segments of simple, free and low technologies, with low linkages. Its financial base was mainly international financial capital, as the additional support of funds from the State. Finally, the growth strategy of the group, including internationalization, was due to the acquisition process and not bulding of productive capacity, reaching the extreme case of direct association with international capital.

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Lista de Tabelas

Página

Tabela 1. 200 maiores grupos no Brasil em 2011, por receitas (R$ mi), por setores e

país de origem do controlador 69

Tabela 2. 200 maiores grupos econômicos no Brasil em 2011, por receitas (R$ mi) 70 Tabela 3. Maiores grupos industriais de controle brasileiro privado por receitas (2011) 71 Tabela 4. Setores mais mencionados nos grupos industriais privados brasileiros (2011) 72 Tabela 5. 10 maiores grupos industriais privados brasileiros (2011) 73 Tabela 6. Posição da Cosan no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas) 76

Tabela 7. Cosan – endividamento por tipo (%) 79

Tabela 8. Cosan - Receita Operacional Líquida do setor Açúcar e Álcool (%) 80

Tabela 9. Cosan – Principais compradores de Açúcar (%) 80

Tabela 10. Cosan – Principais compradores de Etanol (%) 81 Tabela 11. Cosan - Receita Operacional Líquida (ROL) por segmento (%) 84 Tabela 12. Posição da Vale no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas) 85 Tabela 13. Vale – exportações de minério de ferro, por região (milhões de ton.) 86 Tabela 14. Vale - Minério de Ferro e Pelotas – índice de quantidades e preços

(2001=100) 87

Tabela 13. Vale – valor das aquisições por ramo (em US$ de 2012) 90 Tabela 14. Vale – Endividamento Geral e algumas categorias (US$ mi) 91 Tabela 15. Posição da Gerdau no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em

receitas). 93

Tabela 16. JBS – Posição no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (por receita) 104 Tabela 17. Principais Exportadores e Importadores de carne bovina 107 Tabela 18. JBS – Capacidade de abate diário por segmento e região (%) 110

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Lista de Gráficos

Página

Gráfico 1. Brasil – exportações de açúcar – físicas (mi ton.) e valor médio (US$/ton) 77 Gráfico 2. Vale – Receita bruta por país ou região (em US$ mi correntes) 88 Gráfico 3. Vale – Receita bruta por produto (em US$ mi correntes) 89 Gráfico 4. Produção Mundial de Aço Bruto (inclui todos os tipos), em mil ton. 96 Gráfico 5. Distribuição do valor dentro da cadeia – integrada (Hot-Rolled Cold Steel) 97 Gráfico 6. Capacidade produtiva (efetiva) e demanda mundiais por aço 98 Gráfico 7. Aço – Vendas internas por setor - maiores setores, exceto distribuidores (%) 99 Gráfico 8. Gerdau – Endividamento bruto e endividamento líquido (US$ mi) 101

Gráfico 9. Gerdau – Indicadores de margem (%) 102

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Lista de figuras

Página

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Sumário

Introdução 1

Capítulo 1: Burguesia brasileira: dependência e negócios 7

1. Introdução 7

2. A problemática da formação 9

3. A burguesia brasileira sob a ótica da formação 14

3.1. Nelson Werneck Sodré: burguesia nacional na revolução democrática e

nacional 15

3.2. Caio Prado Júnior: burguesia subordinada e oportunista 19

3.3. Celso Furtado: a burguesia dependente e subdesenvolvimento 26

3.4. Florestan Fernandes: burguesia dependente e a contrarrevolução permanente 31

4. Burguesia brasileira: dependência e negócios 36

Capítulo 2: Burguesia brasileira e reversão neocolonial 43

1. Introdução 43

2. A crise do desenvolvimento brasileiro como tendência à reversão neocolonial 44

3. Os anos 2000 e o neodesenvolvimentismo 49

3.1. O neodesenvolvimentismo 49

3.2. Uma crítica à origem do crescimento nos anos 2000 52

3.3. Uma crítica à natureza do pensamento neodesenvolvimentista 56

4. Reversão neocolonial nos anos 2000 59

Capítulo 3: Estudo de grupos industriais selecionados da burguesia brasileira 65

1. Introdução 65

2. Os maiores grupos econômicos no Brasil 65

2.1. O conjunto dos maiores grupos econômicos no Brasil 65

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3. Metodologia de pesquisa 72

4. Síntese dos grupos selecionados 74

4.1. Cosan 74

4.2. Vale 83

4.3. Gerdau 90

4.4. JBS 102

5. Discussão 112

Considerações finais 119

ANEXOS 129

ANEXO A: Grupo Cosan 177

1. Introdução 178

2. Histórico 178

3. Mercados principais 180

3.1. Açúcar e Etanol 180

3.2. Distribuição de Combustíveis 191

4. Crescimento e transformações 193

5. Base Produtiva 202

5.1. Setor sucroalcooleiro 204

5.2. Distribuição de combustíveis 206

5.3. Lubrificantes 207

5.4. Logística para açúcar, etanol e outras commodities 208

5.5. Imobiliário Rural 209

5.6. Distribuição de gás natural 210

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7. Síntese 215

8. Referências Bibliográficas 218

ANEXO B: Grupo Vale 221

1. Introdução 222

2. Histórico 223

3. Mercados 224

3.1. Minério de Ferro e Pelotas 225

3.2. Níquel 229

3.3. Fertilizantes 232

4. Crescimento e transformações 237

5. Base produtiva 246

6. Base financeira 250

7. Síntese 253

8. Referências Bibliográficas 255

ANEXO C: Grupo Gerdau 257

1. Introdução 258

2. Histórico 258

3. Mercado 261

3.1. Panorama da produção e consumo mundiais 261

3.2. Processos e produtos do aço 264

3.3. Custos e Preços na Siderurgia 267

3.4. A capacidade ociosa e a queda na rentabilidade 270

3.5. O mercado brasileiro 276

4. Crescimento/Transformações 280

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6. Base Financeira 292

7. Síntese 295

8. Referência Bibliográficas 298

ANEXO D: Grupo JBS 303

1. Introdução 304

2. Histórico 304

3. Mercado 306

3.1. Visão geral do mercado 307

3.2. Comércio internacional 312

3.3. Dinâmica dos preços 316

3.4. A cadeia da carne bovina 319

4. Crescimento/Transformações 324

5. Base produtiva 333

6. Base financeira 337

7. Síntese 341

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Introdução

Após uma geração inteira de profunda crise econômica e social – uma crise de destino, diria Celso Furtado – o Brasil aparentemente encontrara novos rumos no início dos anos 2000. Sob o comando da força política que polarizara a transição da ditadura para a Nova República, o país voltou a ter algum crescimento econômico, a gerar empregos, ampliar salários e reduzir a desigualdade, ainda que de forma tímida e insuficiente. A atração de investimentos, o desempenho das exportações e a aparente busca por uma política externa independente e solidária com o terceiro mundo e os “emergentes” pareciam levar o país a se distanciar de sua história de submissão e apontar um futuro de protagonismo e soberania. Criou-se um clima e uma expectativa de que as mudanças tivessem vindo de forma definitiva e que apontassem para uma virada histórica. A palavra “desenvolvimento”, tão esquecida e deturpada nas décadas anteriores, voltava à cena, carregada de otimismo e confiança. No final da década de 2000, era corrente entre os políticos e intelectuais identificados com o governo a especulação sobre um “neodesenvolvimentismo” em curso, projeto e realidade de um país que crescia com distribuição de renda e soberania nacional1.

A ideia de que estava em curso um projeto neodesenvolvimentista no Brasil, ou mesmo que ele ainda fosse projeto, mas um projeto inscrito nas novas possibilidades do país, tinha diversas implicações para o pensamento e para as forças sociais e políticas comprometidas com a solução dos problemas históricos do país. Os traços estruturais do subdesenvolvimento e da dependência, a posição subordinada do país ao grande capital internacional e um padrão social baseado na segregação, na desigualdade e na intolerância, persistiram mesmo após muitos anos de industrialização, urbanização, crescimento acelerado e modernização, sendo apenas reequacionados, repostos ou mitigados. Estaria esta dupla articulação, estes dois pilares da sociedade brasileira, em modificação? Todo o pensamento neodesenvolvimentista afirmava, em resposta, que não se tratava mais de um novo período de crescimento com subordinação externa e exclusão social, mas de um período de crescimento com soberania e com integração social. Ao mesmo tempo, questões fundamentais não se resolviam em definitivo ou mesmo davam sinais de

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retroceder: não se executava a reforma urbana, a reforma agrária e não se garantiam direitos sociais; não se resolvera a posição subordinada da economia brasileira, a desindustrialização, a reprimarização da economia, a submissão do Estado ao pagamento da dívida em detrimento dos investimentos sociais, entre outros2.

Para além das contradições do processo, um grande problema persistia em aberto: se se tratava de um novo período desenvolvimentista, quem seria seu protagonista? Na concepção clássica do desenvolvimentismo, anterior à ditadura militar, a resolução dos problemas históricos passava pela constituição de um Estado nacional correspondente a uma revolução democrática e nacional liderada pela burguesia nacional3. A burguesia nacional seria a classe capitalista cujos interesses estratégicos no mercado nacional motivariam o enfrentamento da submissão ao imperialismo e do atraso cuja marca era o latifúndio. Obviamente que uma revolução de caráter democrático e nacional capaz de promover um desenvolvimento no sentido mais forte da palavra – a capacidade de uma sociedade controlar seu próprio destino, conciliando capitalismo, democracia e soberania4 – exigiam a participação das classes populares. Mas enquanto se baseasse nos marcos de uma sociedade capitalista, nenhum desenvolvimento com um grau relativo de autonomia seria possível sem uma classe burguesa com base material para permiti-lo e um projeto político para conduzi-lo.

Ao questionamento sobre qual burguesia seria o alicerce do novo momento, o neodesenvolvimentismo não apresentou resposta segura. Fixado em problemas concernentes à execução da política econômica, o neodesenvolvimentismo pouco tratou acerca de problemas estruturais, esquecidos por uma longa histórica de crise da teoria do desenvolvimento5.As diferentes correntes do pensamento neodesenvolvimentista se preocuparam em contrapor rentismo ao empreendedorismo produtivo, buscando a união da classes trabalhadoras em prol do crescimento sob a ação do Estado na melhor tradição keynesiana6, mas qual burguesia? A burguesia que prosperou aos pés da industrialização comandada pelas transnacionais7? A burguesia que consolidou seu poder a partir de um delicado equilíbrio entre a negociação dos

2 Cf. Sampaio Jr. (2012c).

3 Cf. Ianni (1984) e Sodré (1964). 4 Cf. Furtado (1981).

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termos de dependência externa e a superexploração do trabalho8? A burguesia que sobreviveu e enriqueceu às custas do rentismo fundado sobre o endividamento público nos anos 19809? A burguesia que resolveu seu impasse frente à nova ordem mundial optando por ingressar de maneira subalterna na globalização, abrindo mão do patrimônio nacional público e privado10?

Para além do grande debate que estava por ser feito, havia um problema: a incrível falta de estudos que mostrassem concretamente as potencialidades da burguesia brasileira dos anos 2000 e em especial os seus limites. Houve, sim, uma farta produção de trabalhos acerca da burguesia brasileira que ascendeu à condição de capital com presença internacional, desde aqueles mais apologéticos de um capital brasileiro superpotente até as visões críticas do que seria um imperialismo brasileiro. Mas pouco se buscou para compreender de onde partem estes capitais, qual sua lógica de acumulação, quais os nexos estabelecidos com os mercados nacional e internacional, com o capital financeiro internacional, o Estado e as classes trabalhadoras.

Esta dissertação tem como objetivo contribuir para o entendimento da natureza da burguesia brasileira a partir de elementos empíricos sobre o funcionamento de grandes grupos econômicos brasileiros nos anos 2000. Será feita uma análise qualitativa de quatro grande empresas de controle brasileiro: a Cosan, originária do setor sucroalcooleiro, a Vale, do ramo de mineração, a siderúrgica Gerdau e a JBS, do setor de frigoríficos. Esta análise tentará delinear, a partir de dados públicos das empresas, quais foram o seu padrão de acumulação, sua base tecnológica e financeira, sua participação nos mercados interno e externo, suas vantagens e desvantagens competitivas, sua participação na cadeia produtiva. A partir da pesquisa de cada grupo serão elaboradas sínteses que permitirão discutir se há algum padrão desta burguesia e qual é ele.

O trabalho será fundamentado por autores da tradição da formação: Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Florestan Fernandes. Pensamento motivado pela busca pela compreensão dos processos históricos que bloqueiam a capacidade da sociedade brasileira de conquistar uma autonomia relativa frente ao todo e estruturar sua economia em função das necessidades de uma sociedade integrada, a tradição da problemática da formação se fundamenta

8 Cf. Fernandes (1976).

9 Cf. Belluzo e Almeida (2002).

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4

no estudo da História brasileira e na busca das permanências dos traços estruturais herdados do passado colonial e nunca superados: a dependência externa e a segregação social interna11. As hipóteses mais gerais para interpretação da pesquisa dos grupos serão retiradas das análises feitas por estes autores sobre a natureza da burguesia brasileira.

Contudo, não seria possível extrapolar diretamente destes autores os elementos que possam guiar a interpretação dos resultados obtidos. A distância temporal e a necessidade de realizar análises fundamentadas na história exigem elaborações feitas em cima das tendências em curso no século XXI, ou pelo menos sobre as manifestações das tendências de longo prazo. Identificado com a problemática da formação e com o esforço de compreensão de como as tendências da nova ordem mundial pós-Guerra Fria e a transnacionalização do capital impactam as possibilidades da superação da dependência e do subdesenvolvimento, tomaremos como base as reflexões que apontam para o risco de que o Brasil passe por um verdadeiro processo de reversão neocolonial12. A hipótese elaborada para os anos 2000 é que a nova ordem internacional tem impactado a capacidade de sociedades da periferia de se defenderem das tendências antinacionais e antissociais do capital13. O resultado é o aparecimento de fortes tendências a processos de reversão neocolonial, entendidas como o bloqueio da capacidade das sociedades e do Estado nacional de colocarem a acumulação de capital a serviço da integração nacional e de garantia de direitos e a promoção de políticas sociais14. Ao reduzir drasticamente a autonomia relativa das burguesias locais, como a burguesia brasileira, a transnacionalização do capital e a integração das sociedades periferias a esta nova lógica global de acumulação condiciona estas burguesias a se tornarem “burguesias dos negócios”, mais dependentes do capital internacional e altamente dependentes das oportunidades de negócios abertas pela globalização, em especial o comércio exterior, a especulação com ativos financeiros e a venda de patrimônio público e privado.

11 Cf. Ianni (1992) e Sampaio Jr. (1999a, 1999b).

12 A hipóteses de que o processo de liberalização compromete a formação econômica do Brasil foi precocemente levantada por Celso Furtado em livro “Brasil: a construção interrompida” (FURTADO, 1992). A reflexão de Plinio de Arruda Sampaio Jr. sobre o impacto da nova etapa de desenvolvimento capitalista sobre o Brasil desenvolve a ideia sobre os condicionantes e as consequências do processo de reversão neocolonial (SAMPAIO JR., 1999a). 13 Cf. Sampaio Jr. (1999b, 2007, 2011) e Hadler (2012).

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Esta dissertação está dividida em três capítulos e os anexos. No capítulo 1 será feita uma revisão bibliográfica dos autores mencionados, precedida de uma pequena apresentação da problemática da formação, paradigma de compreensão dos problemas da sociedade brasileira que é usado neste trabalho. No capítulo 2, será mostrado como a nova ordem mundial, marcada pela transnacionalização do capital e pelo fim da Guerra Fria, compromete o destino das sociedades dependentes, em particular do Brasil. Será feita breve apresentação do pensamento neodesenvolvimentista, representante máximo da visão de que o Brasil passou por uma mudança histórica nos anos 2000, que será contraposta por leituras críticas aos fundamentos do ciclo de crescimento do período, bem como da natureza de um pensamento desenvolvimentista. O capítulo é finalizado com uma discussão sobre a natureza do processo de reversão neocolonial e a tendência à consolidação das burguesias dependentes como “burguesia de negócios”. No capítulo 3, serão apresentados a seleção dos grupos estudados, a metodologia da pesquisa, a síntese da pesquisa de cada grupo e uma discussão final sobre os resultados. Por fim, serão apresentadas as

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Capítulo 1: Burguesia brasileira: dependência e negócios

1. Introdução

Este capítulo tem como objetivo delimitar um marco teórico de compreensão sobre o papel da burguesia brasileira no desenvolvimento nacional. Serão reunidas reflexões sobre qual é o raio de ação da burguesia brasileira e, dentro dele, quais são as decisões estratégicas e como isso influencia a dinâmica econômica brasileira, para, com isso, lançar hipóteses sobre qual pode ser o espaço histórico desta classe no período estudado neste trabalho. Esta tarefa será executada assumindo como paradigma para a compreensão dos dilemas do desenvolvimento brasileiro a problemática da formação e resgatando a contribuição de quatro dos grandes pensadores desta linha, extraindo deles elementos essenciais para o entendimento da burguesia brasileira.

A problemática da formação é o paradigma de uma tradição do pensamento brasileiro que teve por base a necessidade histórica de constituição de um Estado nacional como saída construtiva e como solução efetiva para os problemas históricos da sociedade brasileira. Neste trabalho utilizaremos, especificamente, a leitura feita por Plinio de Arruda Sampaio Jr. (SAMPAIO JR., 1999a; 1999b; 2012a) sobre o problema da formação15. Em síntese, trata-se de compreender quais os fatores que bloqueiam a autonomização relativa da sociedade brasileira frente à totalidade do mundo capitalista, que permitirá concluir a longa transição do Brasil colônia de ontem para o Brasil nação de amanhã. Deste ponto de vista, a consolidação do Brasil como nação exige a constituição de bases econômicas, sociais, políticas e culturais que consigam colocar os meios e os fins do desenvolvimento a serviço da coletividade. Para tanto, faz-se urgente o enfrentamento da dupla articulação: a dependência externa e a segregação social interna – os dois nós que atam a sociedade brasileira ao passado, que repõem seus dilemas no presente e que a ameaçam permanentemente de promover um processo de reversão neocolonial, saída negativa deste impasse histórico16.

15 Uma boa panorâmica da tradição da formação pode ser encontrada no trabalho de Octavio Ianni (1992). Alguns trabalhos paradigmáticos da tradição são: Prado Jr. (1942; 1966), Furtado (1959) e Fernandes (1976).

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O ponto de vista da formação foi um dos mais influentes do pensamento brasileiro e mesmo latino-americano17 durante o período do século XX marcado pela industrialização por substituição de importações. Contudo, os acontecimentos motivados na economia pelo aprofundamento do papel do capital transnacional – e consequentemente dos vínculos de dependência – e na política pela rodada de ditaduras militares inaugurada pelo Brasil em 1964 abriu espaço para uma revisão na abordagem dos problemas do desenvolvimento, mobilizando uma abordagem que propunha uma terceira via da conjugação da dependência externa com desenvolvimento18. À crise do desenvolvimento, como vista pela ótica da formação, correspondeu uma crise da teoria do desenvolvimento19, que por diferentes caminhos subestimou os alertas feitos aos limites do desenvolvimento dependente e superestimou as possibilidades do capitalismo latino-americano, em particular o brasileiro20. As décadas de crise econômica, social e política que se seguiram aos anos 1970 e os processos acelerados de crise social, rural e urbana, fiscal e externa, abertura, desnacionalização e privatização, entre outros processos, só deixam claro que os problemas próprios do subdesenvolvimento e da dependência estiveram e estão longe de ser resolvidos.

O retorno a alguns dos pensadores da formação se faz necessário e urgente para ajudar a lançar luz acerca de qual é o raio de ação do capitalismo brasileiro e quais podem ser as escolhas das classes envolvidas nos conflitos que decidirão o futuro do país. Estudaremos em particular as contribuições de Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Florestan Fernandes acerca dos problemas do país, suas possíveis soluções e em particular o papel histórico cumprido neste processo pela burguesia brasileira – entendida como a classe burguesa local, sem qualificativo21. Suas visões contribuirão para montar o marco teórico

17 Na América Latina, o correspondente esforço teórico, intelectual e político do pensamento da formação teve como expressão a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL).

18 Para conhecer uma obra que sintetiza a inauguração desta nova abordagem, ver Cardoso e Faletto (1970). Para uma das principais referências dos desdobramentos desta abordagem no pensamento econômico brasileiro, ver as obras da escola do “Capitalismo Tardio”: Cardoso de Mello (1982), Tavares (1986), Lessa e Dain (1984).

19 Cf. Sampaio Jr. (1999c).

20 Para uma abordagem crítica de uma tradição distinta da formação que também superestimou as possibilidades do capitalismo brasileiro, ver Marini (1969, 1973a, 1973b, 1977a, 1977b). Para uma crítica às abordagens da dependência de Cardoso e Marini por uma ótica da formação, ver Hadler (2013).

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necessário para buscar as explicações dos fenômenos que encontramos na pesquisa empírica realizada no trabalho. A conclusão fundamental é que a burguesia brasileira é uma classe cuja constituição histórica e suas bases objetivas e subjetivas a levam a ser dependente do capital internacional. Dentro desta dependência, cujos termos variam de acordo com os condicionantes de cada período histórico, a burguesia possui um papel ativo caracterizado por uma estratégia rentista e especulativa de aproveitamento e geração de negócios em cima dos dinamismos irradiados pelo imperialismo, utilizando da superexploração do trabalho, dos recursos naturais e dos vínculos com o Estado. O problema é quando os condicionantes externos se tornam desfavoráveis, tornando a economia nacional suscetível a crises de reversão.

Este primeiro capítulo se divide em três seções além desta introdução. No item 2, apresentaremos em linhas breves o que entendemos por problemática da formação, paradigma que fundamenta a forma de compreender os problemas brasileiros de todo o trabalho. No item 3, serão apresentadas, em quatro subitens, as visões de Sodré, Prado Jr., Furtado e Fernandes. No item 4 e último, será feita a reflexão que tentará extrair das contribuições apresentadas as linhas mestras para interpretação das possibilidades e limites do papel da burguesia brasileira no desenvolvimento do país.

2. A problemática da formação

A problemática da formação22 explica os dilemas do Brasil contemporâneo à luz do processo – e dos bloqueios ao processo – de constituição de um Estado nacional capaz de conciliar capitalismo, democracia e soberania. Sob esta ótica, a conclusão da transição do Brasil colônia para o Brasil nação - uma formação social relativamente diferenciada do todo e portadora de força própria e existência autônoma - emerge como necessidade histórica para a resolução dos problemas crônicos que prendem o país ao círculo da dependência externa, da desigualdade social, da instabilidade e do autoritarismo. O nó reside no fato de que a constituição das bases da formação é permanentemente bloqueada pela dupla articulação que polariza as sociedades

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dependentes: a condição de dependência econômica e política do capital internacional e a segregação social. Diante disto, compreender como o processo histórico de formação pode atingir sua conclusão, a revolução brasileira, exige uma reflexão teórica que explique os parâmetros de funcionamento do Estado nacional e uma leitura histórica capaz de explicar os problemas do presente à luz do passado. É de posse destes elementos que se torna possível propor um programa de transformações e identificar o conjunto de forças historicamente comprometidas e capazes de levar a revolução brasileira até fim, evitando que a formação inconclusa leve à uma outra saída histórica, regressiva: a reversão neocolonial.

Fruto do amadurecimento da reflexão de pensadores brasileiros frente às transformações pelas quais passa o Brasil no século XX, em especial a partir dos anos 1930, o problema da formação da nação polarizou a consciência crítica e política nacional sobre a natureza das contradições econômicas, sociais e culturais, suas origens na permanência de traços do passado colonial e sobre a possibilidade desta sociedade controlar os meios e os fins de seu destino23. As mais distintas visões de matrizes diferentes que se somaram nesta elaboração convergem para a necessidade de entender a especificidade da condição histórica brasileira, entendem ser necessária a integração do conjunto da sociedade às modernas conquistas materiais e culturais e concluem serem necessárias transformações de fundo, estruturais, para atingir tais objetivos24.

23 "O pensamento brasileiro polariza-se em torno do problema central de sua formação econômica e social: a necessidade de consolidar as condições objetivas e subjetivas que permitam à sociedade controlar o seu destino" (SAMPAIO JR., 2012a: p. 30). “Desde a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, mas em escala crescente ao longo das décadas posteriores, muito estavam preocupados com a questão nacional. Interessados em recriar o país à altura do século XX. Queriam compreender quais seriam as condições e possibilidades de progresso, industrialização, urbanização, modernização, europeização, americanização, civilização do Brasil. Apaixonados ou indiferentes, aflitos ou irônicos, perguntavam-se sobre os dilemas básicos da sociedade nacional, de uma nação que se buscava atônita depois de séculos de escravidão: agrarismo e industrialização; cidade, campo e sertão; preguiça, luxúria e trabalho; mestiçagem, arianismo e democracia racial; raça, povo e nação; colonialismo e nacionalismo; democracia e autoritarismo” (IANNI, 1992: p. 26).

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Em linhas gerais, a questão é a incapacidade de o Brasil se autonomizar frente ao todo, concluir a transição da colônia à nação25 e romper a dupla articulação que condiciona a perpetuação do subdesenvolvimento: as relações subordinadas frente ao capital internacional e a segregação social. O mecanismo de perpetuação da condição transitória do Brasil pode ser assim resumido:

A questão central reside na continuidade de relações de produção que comprometem a instauração das condições necessárias, objetivas e subjetivas, para a internalização do circuito de valorização do capital. Em última instância, o problema fica reduzido à impossibilidade de consolidar a burguesia e o proletariado como sujeitos históricos plenamente constituídos. O controle dos elos estratégicos da economia pelo capital internacional e a presença de uma imensa superpopulação relativa em estado latente e intermitente ou que simplesmente se encontra em estado de pauperismo geram um vazio econômico e social que impede a internalização do circuito de valorização do capital. Nessas condições, a formação do proletariado e da burguesia como sujeitos históricos capazes de lutar pelos seus interesses estratégicos como classe social é solapada pela reprodução de um padrão de relação entre as classes sociais marcado pela segregação social e pela extraordinária debilidade econômica e política da burguesia em relação às suas congêneres do capitalismo avançado. A impotência da burguesia para enfrentar o imperialismo e a cristalização de um regime de classes que separa, em dois mundos antagônicos, as classes proprietárias e não proprietárias levam o padrão de concorrência econômica e de luta de classes a reproduzir as condições objetivas e subjetivas que solapam a formação da economia e da sociedade nacional. As especificidades do padrão de acumulação de capital e de dominação de classe daí decorrentes imprimem ao desenvolvimento capitalista características próprias que comprometem seu caráter civilizatório (SAMPAIO JR., 2012a: p. 32).

A saída histórica possível e necessária é a revolução brasileira, conclusão do processo de formação de um Estado nacional. Nesta visão, a noção de desenvolvimento é intrinsecamente ligado à constituição de um Estado nacional, pois este é o instrumento por excelência que as sociedades possuem para se defender das tendências antissociais e disruptivas do capitalismo na etapa imperialista26. No entanto, a consolidação do Estado nacional não é um objetivo tomado a priori, nem é uma fatalidade histórica. Em sociedades como a brasileira, com problemas estruturais (os dilemas da formação) e um conjunto de conflitos que tendem a repor tais questões, subnação e de aproximar-se de uma situação paradigmática, associada ao funcionamento ideal do Estado nacional” (SAMPAIO JR., 1999b: p. 415).

25 Para a leitura do sentido da História do Brasil como processo de transição da colônia para a nação, ver Prado Jr. (1942).

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a nação emerge como necessidade histórica para que possam se defender das tendências desagregadoras vindas de fora e de dentro27. Não se trata de um problema de como compreender ou impulsionar o desenvolvimento capitalista28, mas sim de colocá-lo a serviço dos interesses maiores da coletividade, de lhe impor limites, de subordiná-lo ao Estado nacional e à vontade coletiva nele inscrita. Por isso que é tão importante entender teoricamente como pode funcionar um Estado nacional e quais são os condicionantes históricos, concretos, da existência dos Estados na periferia latino-americana e, mais precisamente, no Brasil.

O fundamental, desta forma, é compreender quais são os parâmetros que norteiam teoricamente a constituição de um Estado nacional29, entendido como uma formação social relativamente diferenciada, com uma autonomia perante a totalidade e portadora de força própria

e existência autônoma. Uma referência para entender esta questão é Furtado (1981) que explica o desenvolvimento como um processo de adequação entre meios e fins de uma sociedade30. A adequação passa fundamentalmente pela correspondência entre estruturas econômicas e estruturas sociais. As estruturas econômicas são caracterizadas pelo processo de inovação, baseado na constituição de um sistema econômico nacional integrado e fundado na industrialização (incorporação de progresso técnico) e na concorrência. As estruturas sociais são caracterizadas pelo equilíbrio de forças entre capital e trabalho que dê condições objetivas e subjetivas (organização sindical e política) de os trabalhadores imporem a difusão dos ganhos de produtividade (salários reais e direitos coletivos). O mercado interno é o início e o fim do sistema econômico nacional e é o que permite a reprodução ampliada do capital e a força econômica necessária para a ascensão de uma burguesia nacional. No centro do processo, comandando o todo, devem existir centos internos de decisão, submetidos à vontade coletiva (suposta

27Enfim, a nação surge como produto de uma necessidade histórica. Sua formação é o resultado das forças sociais que se mobilizam para enfrentar os problemas que decorrem da falta de instrumentos para impor parâmetros sociais ao desenvolvimento capitalista. Não se trata de um destino manifesto determinado metafisicamente. O processo de formação é um início, o marco zero de um ciclo histórico, que aponta para um devenir possível, que pode ou não se realizar” (SAMPAIO JR., 2012: p. 33).

28 No Brasil, o desenvolvimento capitalista atinge uma larga expressão em termos de relações de produção e de desenvolvimento de forças produtivas, a despeito das debilidades legadas pela sua ocorrência sob o solo de uma sociedade de origem colonial. Não é um problema, desta forma, de “insuficiência” de desenvolvimento capitalista, mas dos resultados deletérios do ponto de vista da integração nacional, social e regional.

29 Para uma elaboração mais completa sobre esses parâmetros, consultar o capítulo 2 de Sampaio Jr. (1999a).

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democrática) e de posse de instrumentos e força para fazer política econômica e planejamento. Amparada por uma força econômica – técnica e financeira – de bases nacionais que a permitam enfrentar a concorrência externa e suportada por um Estado com capacidade de executar política industrial, a burguesia nacional se torna protagonista do desenvolvimento capitalista. Neste tipo ideal construído por Furtado, há condições de conciliar o progresso material do capitalismo com a integração e soberania nacionais.

Do ponto de vista histórico, o problema é o de identificar os fatores que bloqueiam a formação do Estado nacional, a sua origem e a maneira de superá-los. Da independência à abolição, da imigração à industrialização, o Brasil acumulou passos, mas não atingiu a condição de nação31. O país não superou aquilo que de essencial herdou do passado colonial, que repõe permanentemente sua condição transitória e que, por isso mesmo, torna tão importante o estudo da História para os problemas do desenvolvimento32: a dependência externa e a segregação interna. O problema se torna mais grave quando estes dois fatores – a “dupla articulação” de Florestan Fernandes – se cristalizaram como base do capitalismo brasileiro, constituído como capitalismo dependente, dando à revolução burguesa no Brasil um caráter de contrarrevolução permanente a partir de 196433. Embora a estabilidade política adquirida pela dominação burguesa, dados condicionantes muito especiais do momento, tenha permitido abafar as contradições que mobilizam a formação, ela não foi capaz de resolvê-las. As tendências à saída destrutiva para o impasse, a reversão neocolonial, voltam com força redobrada na medida em que muda o caráter

31 “O Brasil ainda não é propriamente uma nação. Pode ser um Estado nacional, no sentido de um aparelho estatal organizado, abrangente e forte, que acomoda, controla ou dinamiza tanto estados e regiões como grupos raciais e classes sociais. Mas as desigualdades entre as unidades administrativas e os segmentos sociais, que compõem a sociedade, são de tal monta que seria difícil dizer que o todo é uma expressão razoável das partes – se admitirmos que o todo pode ser uma expressão na qual as partes também se realizam e desenvolvem” (IANNI, 1992, p. 177). 32 No caso brasileiro, e em favor da preferência pela abordagem historiográfica da questão do desenvolvimento, há que acrescentar o pequeno recuo no tempo de nossa história e a intensidade com que por isso um passado ainda tão recente pesa na situação atual cuja análise e interpretação não podem assim prescindir de suas premissas históricas. (…) o Brasil de hoje, apesar de tudo de novo e propriamente contemporâneo que apresenta – inclusive estas suas formas institucionais modernas, mas ainda tão rudimentares quando vistas em profundidade – ainda se acha intimamente entrelaçado com o seu passado. E não pode por isso ser entendido senão na perspectiva e à luz desse passado (PRADO JR., 1972, p. 18).

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das estratégias do grande capital internacional que possibilitaram a industrialização brasileira34 e o contexto político de Guerra Fria que tornou a burguesia brasileira uma aliada necessária35.

A longa crise pela qual passa o Brasil desde os anos 1980 recoloca na agenda brasileira a compreensão de como o impasse da formação se manifesta hoje, como as tendências de reversão neocolonial solapam as bases objetivas e subjetivas constituídas para o Estado dependente e como condiciona a atuação das classes. Estes são os desafios do pensamento crítico comprometido com os dilemas da formação e é dentro deste quadro que este trabalho busca dar uma contribuição36.

3. A burguesia brasileira sob a ótica da formação

O objetivo deste trabalho é compreender que papel tem cumprido a burguesia brasileira no desenvolvimento brasileiro atual, em particular a sua base material e sua estratégia de acumulação. Para isso, buscamos resgatar que papel esta burguesia brasileira, entendida como a burguesia local e não como uma burguesia nacional37, cumpriu ao longo do nosso desenvolvimento, em particular no meio século de 1930 a 1980, período que animou debates sobre os rumos do país. Em particular, desejamos entender como esta burguesia participou do processo de formação, de modo a jogar luz no que pode ser seu comportamento atual, considerados os determinantes – profundos – legados do passado.

Nossa referência para uma burguesia comprometida com o desenvolvimento nacional é a do modelo apresentado no item anterior. Esta burguesia tem como principal caractere dirigir um sistema econômico nacional, uma estrutura integrada, baseada na indústria e cujo mercado estratégico é o interno38. É a interação desta burguesia com o mercado interno – suposto baseado no equilíbrio da correlação de forças entre capital e trabalho – que lhe impulsiona a inovar

34 Ver Furtado (1987; 1992). Para uma visão global de Furtado sobre o tema, ver Hadler (2012). 35 Ver Sampaio Jr. (1999b: pp. 434-436).

36 Ver Furtado (1992) e, na mesma perspectiva, Sampaio Jr. (1999).

37 O termo “burguesia nacional” é uma categoria que carrega uma profunda caracterização sobre o papel, as possibilidades e o destino da burguesia brasileira. A polêmica a respeito dela pode ser sintetizada no confronto entre as posições de Nelson Werneck Sodré e Caio Prado Jr., como será mostrado adiante. Por isso utilizaremos o termo “burguesia brasileira”.

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(ampliar a produtividade) e o que a força à difusão (generalizando e socializando os ganhos de produtividade). Orquestrado por um Estado nacional capaz de fazer política econômica e industrial, com poder de decisão, o sistema econômico dá base financeira e técnica para esta burguesia enfrentar a concorrência internacional. O modelo serve como uma referência teórica para confrontar os requisitos exigidos por uma burguesia nacional, comprometida com o desenvolvimento, com a burguesia brasileira.

Para extrair os traços fundamentais da burguesia brasileira, reuniremos e debateremos o pensamento de quatro grandes pensadores comprometidos com a formação. Nelson Werneck Sodré sintetiza o pensamento do PCB e de uma parcela dos nacionalistas comprometidos com a revolução brasileira nos marcos nacionais e democráticos, liderados por uma burguesia nacional. Na crítica à tese anterior, Caio Prado Júnior busca no sentido da história a chave para os dilemas da revolução brasileira e conclui que a burguesia brasileira não é nacional, mas subordinada, associada e oportunista frente aos negócios do grande capital internacional. De uma matriz de pensamento reformista, Celso Furtado explica como uma burguesia cultural e economicamente dependente das empresas transnacionais subordina a industrialização à modernização dos padrões de consumo e é incapaz de promover a superação do subdesenvolvimento. Por fim, Florestan Fernandes, teórico da revolução burguesa no Brasil, explica como a cristalização da dupla articulação é necessária à perpetuação da dominação da burguesia dependente, que é impotente para fora, mas onipotente para dentro, capaz de manejar a superexploração do trabalho, dos recursos naturais e o Estado em benefício próprio.

3.1. Nelson Werneck Sodré: burguesia nacional na revolução democrática e nacional

Nelson Werneck Sodré39 foi um importante teórico da revolução brasileira, contribuindo decisivamente na elaboração da via da revolução democrática e nacional. Nesta concepção, a revolução passaria por uma etapa dirigida pela burguesia nacional e apoiada pelas classes populares contra o latifúndio e o imperialismo, antes de atingir o socialismo. Para

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la, é preciso remontar às diretrizes fundantes do Partido Comunista do Brasil (PCB), partido sobre o qual o autor exerceu relevante influência e cujo programa ele assimilou e desenvolveu em sua obra.

A Internacional Comunista (ou III Internacional), organização da qual o PCB era representante no Brasil, formulou em seu VI Congresso em 1928 uma leitura comum para o conjunto dos países de baixo desenvolvimento econômico:

Sob o influxo do BSA/IC [Birô Sul-Americano da Internacional Comunista] e com a disponibilidade dos comunistas brasileiros conformou-se então uma genérica visão que não discernia a particularidade das formações sociais desse Ocidente subalterno que é a América meridional e que, pelo contrário, observava no Brasil fortes tinturas “orientais”, enfatizando-se a força revolucionária propulsora do campesinato: era como se o Brasil fosse a China do Ocidente (DEL ROIO, 2000: p. 87).

Neste quadro, antes de chegar à revolução socialista, tais países teriam que passar por uma etapa necessária de afirmação do desenvolvimento capitalista nacional.

O caráter da revolução brasileira era definido como democrático-burguês, mas dentro de um país ‘semicolonial’. Sua particularidade se compunha pela questão agrária (luta contra o feudalismo e a grande propriedade territorial) e pelo antiimperialismo (luta pela independência nacional) (DEL ROIO, 2000: p. 87).

A “revolução democrático burguesa de conteúdo antifeudal e antiimperialista” conduziria a um "regime democrático popular”, etapa anterior à revolução socialista propriamente dita (IANNI, 1984: p. 47). A luta pelo desenvolvimento e pelo domínio de forças produtivas e relações de produção capitalistas capaz de inaugurar esse estágio histórico – conclusão da revolução brasileira – sintetiza o problema brasileiros para o PCB e para Nelson Werneck Sodré40.

A dificuldade dessa revolução, afirmava Sodré, é que se passaria em um país de origem colonial e já sob a fase imperialista do capitalismo. Em “Introdução à Revolução Brasileira” (SODRÉ, 1967), faz uma avaliação otimista da formação nacional após décadas de transformações econômicas, dentre as quais menciona: a ampliação de novas técnicas no transporte, na agricultura, na indústria etc., embora com difusão desigual “por força da estrutura colonial a que estávamos subordinados”; as novas fontes de energia, como o carvão mineral e a

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energia hidroelétrica, embora dependente de importações do primeiro e da exploração do segundo por capitais estrangeiros; as alterações no comércio exterior, mais focadas as importação de máquinas e insumos industriais do que nas exportações, ainda concentrada no café e em outros gêneros primários; e, enfim, a industrialização, cujo impressionante crescimento fez seu produto superar o do setor agrícola, com correspondente ampliação do mercado interno (SODRÉ, 1967: p. 103-5). Persistiam, entretanto, diversos desequilíbrios estruturais que ameaçavam impedir a revolução burguesa, como a existência:

(...) de massa camponesa numericamente preponderante e principal como produtora de bens econômicos; de numerosa pequena burguesia, com função política destacada; de proletariado pouco numeroso mas crescente, com formas de organização em desenvolvimento mas ainda fracas; de burguesia recente, ascensional, com amplas perspectivas nacionais. Externamente (...) de um lado, o imperialismo (...) particularmente , em nossos dias, dos Estados Unidos; e, de outro lado, de um país, hoje de alguns países onde se operou a construção do socialismo (SODRÉ, 1967: p. 245) No final dos anos 1950, uma série de pontos de execução fundamental para a revolução era indicada: desenvolvimento técnico e das fontes energéticas; industrialização e ampliação do setor estatal na economia para ampliar o mercado interno; mudança no padrão do comércio exterior e a luta contra o imperialismo (SODRÉ, 1967: p. 112). Dez anos depois, o autor afirmava que o significado da luta pelas reformas de base seria o de “(...) liquidar a dominação imperialista em nossa economia, liquidar o poder dos latifundiários como classe, [levar] à ampliação da base democrática do poder” (SODRÉ, 1967: p. 231). Em sua opinião, a revolução democrática e nacional ainda era possível, justa e necessária.

Para uma realização acertada dessas tarefas, era necessária uma análise detida da luta de classes no país que, segundo o PCB, se polarizava em duas frentes: de um lado, o imperialismo, apoiado pelo latifúndio e na parcela dependente da burguesia brasileira; do outro, o polo da revolução, composto pela burguesia nacional e pelas classes populares (proletariado e campesinato); no período do pós-guerra, tal análise incorporou o fortalecimento de um setor estatal em conflito com o imperialismo e articulado com a burguesia nacional (IANNI, 1984: pp. 48-9).

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(SODRÉ, 1964: p. 368). A ela, e em especial à sua fração industrial, cabe o papel de vanguarda da revolução com uma dupla tarefa de luta, anti-imperialista e anti-latifundiária.

Aprofundando essa análise em “História da Burguesia Brasileira” (SODRÉ, 1964), Sodré esclarece que no tocante ao latifúndio, a burguesia passara da etapa de coexistência à de antagonismo: liquidar a primeira já era uma necessidade para a segunda. O latifúndio brasileiro fundava-se em relações de produção pré-capitalistas, feudais, opostas à constituição de um mercado interno moderno. Durante largo período, essa classe esteve no poder, contrastando sua pujança econômica com as debilidades da economia para o mercado interno e manejando sua influência sobre o Estado para defender-se via “socialização dos prejuízos”. E, mesmo considerando concluída a ascensão da burguesia à classe dominante, o latifúndio manteve impressionante poder baseado na associação de interesses com o imperialismo, uma força que não se poderia subestimar ou desconhecer:

Os vínculos entre latifúndio e o imperialismo, assim, são muito fortes, e a burguesia, em sua contradição com o monopólio da terra e com o que ele representa como estreitamento de mercado e obstáculo à generalização de relações capitalistas, é obrigado a considerar que atrás do latifúndio está o imperialismo e que, portanto, o latifúndio, débil quando encarado isoladamente, tem poderes que a razão não pode desconhecer (SODRÉ, 1964: p. 350).

Portanto, para ampliar o mercado interno, acabando com a servidão via reforma agrária e garantindo o apoio camponês, a burguesia deveria enfrentar o latifúndio. E isso ela não poderia fazer sem enfrentar, também, o imperialismo.

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Porém, o problema reside no fato de a burguesia estar no poder, mas não executar sua revolução até o final. Como diz Sodré (1964: p 364): “As suas vacilações e concessões decorrem de sua debilidade face ao imperialismo, e não de seus interesses, que são contrários aos do imperialismo”. Diz ainda:

Seguir uma política econômica e financeira de conciliação com o Imperialismo, descarregando o fardo na classe trabalhadora e nas camadas médias é, para a burguesia, decorrência da correlação de forças. Na medida em que as forças populares resistirem a uma solução desse tipo, a sua única saída consistirá em enfrentar o Imperialismo (SODRÉ, 1964: p. 365).

A chave para o sucesso da revolução passaria, então, pela relação estabelecida entre burguesia e proletariado. Para o proletariado, não é possível subestimar a força das posições anti-imperialistas e antifeudais e superestimar o potencial revolucionário da burguesia. Aliado ao campesinato (ainda atrasado, mas em processo de ascensão política), o proletariado divergia da burguesia por estar mais interessado no caráter democrático da revolução. Mas Sodré sustentava que as forças populares poderiam e deveriam apoiar a burguesia nacional para superar suas vacilações e a ideologia anticomunista propagada pelo imperialismo, levando até o fim a revolução.

Estava em jogo o futuro da revolução democrática e nacional e a própria existência do Brasil enquanto nação. Ele conclui este texto com um desafio: “(...) não é o proletariado, nem é o campesinato, que está com a sua sorte de classes em jogo. É a burguesia que está decidindo seu próprio destino”. (SODRÉ, 1964: p. 379).

3.2. Caio Prado Júnior: burguesia subordinada e oportunista

A obra de Caio Prado Júnior41 (1907-1990) é outro marco no debate sobre a revolução brasileira, com destaque à compreensão das origens e dos problemas de formação do Brasil contemporâneo. Mesmo sendo militante do PCB, ele dedicou-se a criticar as concepções tradicionais do partido: Caio Prado negou por completo as teses de “restos feudais” no Brasil, a estratégia de apoio e a própria existência da suposta burguesia nacional. O livro A Revolução

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Brasileira (1966), é o acerto de contas com essas concepções e a base para apresentação de sua ideia de revolução.

Caio Prado dedicou parte de sua obra para a crítica aos dogmatismos metodológicos presentes nas teorias do desenvolvimento econômico (PRADO JR., 1972) e nos programas do marxismo e da esquerda brasileira, em especial do PCB (PRADO JR., 1966). O dogmatismo, afirma o autor, foi responsável pela transplantação mecânica de análises baseadas em outras realidades históricas42, originando concepções e programas equivocados. Contra isso, o autor faz um esforço de retorno à história e sintetiza seu método como sendo o de: “(...) pesquisar na evolução histórica brasileira e na formação econômica e social do país, algumas premissas essenciais da problemática atual” (PRADO JR., 1972: p. 17). Isso por que acreditava que o Brasil “(...) ainda se acha intimamente entrelaçado com o seu passado. E não pode por isso ser entendido senão na perspectiva e à luz desse passado” (Idem: p. 18).

Em Caio Prado Jr., a síntese da história do Brasil está no longo e profundo movimento de superação do passado colonial para a constituição de uma nação, que o leva a compreender o problema do “sentido da colonização”, exposto em Formação do Brasil Contemporâneo (PRADO JR., 1942). Para ele, o Brasil esteve inscrito desde o seu início nos processos de expansão do capital mercantil europeu e de constituição do capitalismo como modo de produção dominante mundial43. Como a economia colonial foi constituída em função dos interesses da metrópole, com base na plantation (produção de gêneros primários para exportação em latifúndios monocultores) com trabalho escravo e técnicas rudimentares e predatórias, o país sempre significou um grande negócio para a metrópole (e posteriormente para o imperialismo).

No processo de superação do passado colonial, se destacam quatro marcos históricos no século XIX. O primeiro é a independência política em 1822, que a despeito da manutenção da dependência externa sob a tutela inglesa foi o primeiro passo na constituição de um Estado nacional (com centralização política, constituição de finanças públicas etc.). Segundo, o fim do tráfico de trabalhadores africanos em 1850, diretamente ligado aos outros dois aspectos: a

42 PRADO (1966: p. 36) mostra que foi assumido de maneira geral que o conjunto de países coloniais, semicoloniais ou dependentes se aproximaria da formação social da China e desse movimento foram desdobrados programas e estratégias para partidos comunistas de diversos países do “terceiro mundo”.

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imigração de trabalhadores europeus a partir de 1875, aproximadamente, e a abolição do trabalho escravo em 1888. Do ponto de vista das forças produtivas, destaca-se seu largo desenvolvimento, particularmente a produção de café. Contudo, a ampliação súbita do mercado interno escancarou as fragilidades da economia de tipo colonial, incapaz de suprir mesmo os gêneros essenciais a sua população e fundada em baixíssimos patamares do custo de reprodução da mão-de-obra. Ainda sim, frisa Caio Prado, o período foi marcado pela integração de uma gigantesca massa de trabalhadores, outrora apenas força física explorada, no mercado interno e conclui: “Superava-se, assim, definitivamente, a natureza e a estrutura colonial da sociedade brasileira, abrindo caminho para a sua completa integração nacional” (PRADO JR., 1966: p. 85).

Todavia, havia dois problemas em aberto. O primeiro dizia respeito ao caráter estruturalmente colonial da economia brasileira, primitivo e organizado para exportar gêneros primários, contrastando com as necessidades dos trabalhadores e até as da elite, atendidas somente por importações. A despeito do processo de diferenciação produtiva e industrialização que ocorrem desde fins do século XIX e em especial a partir dos anos 1930, permanecem severos traços que repõem em novas bases o padrão produtivo controlado desde fora e em função dos interesses externos44. Considerada por Prado Jr. um processo positivo dentro da formação até meados do século XX, a industrialização no pós-guerra passa a ser encarada como vetor da renovação da vulnerabilidade externa e da desintegração nacional (SAMPAIO JR., 1999b: pp. 420-421). Os problemas residem no caráter desta industrialização por substituição de importações, voltada para um mercado restrito à elite, pelo controle dos seus elos estratégicos pelos trustes internacionais e, corolário do dois primeiros pontos, o reforço do dualismo entre um setor vinculado ao mercado externo e outro ao interno. A indústria controlada pelos trustes precisa de setores exportadores para gerar superávit comercial e dele extrair a moeda internacional que remunerará os investimentos internacionais – daí o vínculo estratégico entre investimentos externos e o padrão produtivo de tipo colonial, baseado em gêneros primários, latifúndio, trabalho barato, recursos naturais e exportações:

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