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A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO RURAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: TRÊS CASOS

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Academic year: 2019

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CELLY COOK INATOMI

A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS DE

ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO RURAL NO BRASIL

CONTEMPORÂNEO: TRÊS CASOS

Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como requisito para a obtenção do título de Doutora em Ciência Política. Área de Concentração: Estado, Processos Políticos e Organização de Interesses – Processos Governamentais e Cidadania.

Orientador: Prof. Dr. Andrei Koerner

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CELLY COOK INATOMI

A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS DE

ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO RURAL NO BRASIL

CONTEMPORÂNEO: TRÊS CASOS

Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob orientação do Prof. Dr. Andrei Koerner.

Este exemplar corresponde à redação final da tese defendida e aprovada pela Comissão julgadora em 08/03/2016.

Banca:

Prof. Dr. Andrei Koerner (orientador): Prof. Dr. Oswaldo E. do Amaral (membro):

Prof. Dr. Frederico Normanha Ribeiro de Almeida (membro):

Prof. Dr. Valeriano Mendes Ferreira Costa (membro):

Profa. Dra. Débora Alves Maciel (membro):

Prof. Dr. Eduardo G. Noronha (membro):

Suplentes:

Prof. Dr. Paulo César Souza Manduca

Prof. Dr. Daniel Francisco Nagao Menezes

Profa. Dra. Marrielle Maia Alves Ferreira

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Agradecimentos

Começo expondo meus sinceros agradecimentos ao Andrei, que há mais de 10 anos aceitou a tarefa de me orientar na monografia e me acompanhou até hoje no doutorado, sempre com muita sabedoria, paciência e amizade. Agradeço por seu apoio nos momentos em que precisei, pelas oportunidades de participação em seus projetos, e pela confiança em mim depositada nas vezes em que fui sua monitora no Programa de Estágio Docente na Unicamp.

Agradeço também aos professores membros da banca de qualificação, Prof. Dr. Eduardo Noronha e Profa. Dra. Walquíria Domingues Leão Rêgo, pelas críticas, observações e sugestões que contribuíram para a finalização deste trabalho e para o seu aperfeiçoamento.

Sou grata à CAPES pela bolsa de doutorado concedida, sem a qual eu não poderia ter me dedicado exclusivamente para a realização desta pesquisa.

Agradeço também aos funcionários do IFCH, especialmente à Priscila Gartier, da Secretaria da Pós-Graduação de Ciência Política, e ao Sandro Carmo, da biblioteca, pela forma tão solícita, gentil e competente com a qual sempre trabalharam.

Sou grata aos alunos dos PEDs em que fui monitora na Unicamp, pela experiência enriquecedora de dar aula e pelo respeito e paciência com que me receberam. Sou grata especialmente aos queridos Murilo Polato e Ana Clara Rocha, pela docilidade e incentivo com que sempre me trataram.

Agradeço imensamente ao Thiago Trindade, a seu pai Edi Aparecido Trindade, e ao Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Jaguariúna Prof. Fabrízio Rosa, pela oportunidade concedida de trabalhar como professora. Agradeço aos meus alunos pelas experiências e pelo crescimento que tenho vivenciado enquanto docente.

Agradeço às minhas queridas amigas da pós-graduação da Unicamp, Marcia Baratto, Karen Sakalauska e Ariana Bazzano, que foram apoio constante em diversos momentos. Agradeço pelo ombro amigo tantas vezes cedido, pelos conselhos, e pelas tantas risadas e comilanças que já compartilhamos juntas. Sem vocês, tudo teria sido muito mais difícil, solitário e sem graça. Aprendi muito com cada uma de vocês.

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hoje, seja em pensamento ou em uma mensagem de saudade. São todos amigos iluminados, que levo como referência de seres humanos extraordinários.

Sou grata também a minha querida amiga de sempre e de todas as horas Juliana Bertazzo, que com sua generosidade abundante esteve sempre a postos para conversar, ajudar e alegrar. Agradeço por sua amizade sempre e invariavelmente sincera, calorosa e presente.

Agradeço à família Inatomi (pai, mãe, Satye, tia Margo, tia Anézia, tio Roberto, tia Amélia, Cristina, Hugo, Danilo e Daniel), à família Pierotti dos Santos (José Camilo, Eva Catalina, Thomas e Cristiane), à família Cook (Vó Meire, tia Neca, tia Tuca e tia Cheila), e a inúmeros amigos, pelo carinho, pelos tantos presentes recebidos, pela ajuda (especialmente de minha querida mãe), e por terem me proporcionado, ao fim da redação desta tese, uma semana de férias, tão gostosa, da qual nunca vou me esquecer.

Agradeço aos queridos José Camilo e Eva Catalina pelas ajudas que deram sempre que necessário ao longo de todos esses anos, e pelo tratamento tão carinhoso que dão a minha querida Piaf.

Quanto a minha família, meu pai Mario, minha mãe Miriam, e minha irmã Satye, não há palavras que possam expressar a minha gratidão por tudo que já fizeram e ainda fazem por mim. Vocês são o início e o fim de tudo, minha base e meus princípios, e objeto constante das minhas orações.

Por fim, agradeço ao meu querido Chris e a minha linda cachorrinha Piaf. A ela agradeço pela alegria e companheirismo sempre presentes, e por aparecer em minha vida como um verdadeiro presente de Deus. Ao Chris agradeço por seu coração sempre generoso e aberto, por sua paciência, pelo café na madrugada, por sentar comigo e me ajudar a pensar e organizar as ideais, por me acalmar, e por me levar para ver flores. Eu amo vocês.

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Resumo

O objetivo da tese é o de analisar a atuação do Poder Judiciário nas políticas de erradicação do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo, de forma a verificar seus entendimentos acerca do trabalho escravo, suas formas de argumentação e seus posicionamentos frente à necessidade das políticas de erradicação do trabalho escravo rural. Para tanto, a tese empreendeu uma análise em profundidade e em fluxo de três casos que trataram do tema do trabalho escravo rural no Brasil, sempre sob o olhar conjunto de três dimensões de análise: individual ou do jogo político, institucional e estrutural. A tese possibilitou verificar que o Poder Judiciário atuou de forma mitigada no quadro das políticas de erradicação do trabalho escravo rural, apresentando mais limitações do que possibilidades de apoio a essas políticas. Cada caso analisado mostrou que há uma multiplicidade de fatores que permitiram fortalecer a tese sobre a atuação mitigada do Poder Judiciário, embora cada caso tenha revelado um fator como mais expressivo que os demais.

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Abstract

This thesis provides an analysis of the actions taken by the Judiciary in the framework of rural slave labor eradication policies in contemporary Brazil. The key aim of the research work was to determine the understanding held by the Judiciary of what constitutes slave labor, as well as to identify the arguments made by members of the judiciary and stances taken by them in the framework of rural slave labor eradication policies. For that purpose, the research work presented in this thesis produced an in-depth flow analysis of three case studies that dealt with rural slave labor in Brazil, under three simultaneous analytical dimensions: individual (or political game), institutional and structural. The research work generated a central thesis that the Judiciary had limited action in the framework of rural slave labor eradication policies, invariably presenting more limitations than indications of support to such policies. Each case studied revealed the coexistence of individual, institutional and structural factors corroborating the thesis about the limited action of the Judiciary, even though a different key factor stands out in each of the three cases.

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Sumário

Introdução ... 2

Apresentação do tema e relevância da pesquisa ... 2

Objetivos ... 5

Tese e argumentos ... 6

Metodologia de pesquisa ... 10

Estrutura da tese ... 11

PARTE I... 13

Capítulo 1 – Dimensões para uma análise política do Poder Judiciário ... 15

1.1 – Introdução ... 15

1.2 – A dimensão individual: os interesses políticos dos atores ... 18

1.3 – A dimensão estrutural: a função e a contradição do direito ... 32

1.4 A dimensão institucional: as regras do jogo político ... 38

1.5 – As análises do Poder Judiciário no Brasil e o despertar da multidimensionalidade... 42

1.6 –Conclusões: “Let a hundred flowers bloom” ... 47

Capítulo 2 Um panorama das políticas governamentais de erradicação do trabalho escravo rural ... 49

2.1 Introdução ... 49

2.2 Primeiras denúncias e sua visão sistêmica (1970-1984) ... 50

2.3 Políticas embrionárias e o jogo político (1985-1995) ... 63

2.4 Reconhecimento público e as limitações institucionais (1995-2002) ... 76

2.5 Políticas integradas, “consensos” e as contradições do direito (2003-2012) .. 91

2.6 Conclusões ... 109

PARTE II ... 112

Preliminares para os estudos de caso ... 113

Critérios para a escolha dos casos ... 113

Os casos escolhidos ... 120

Critérios para a análise dos casos na Justiça ... 129

Capítulo 3 –O Caso do “gato”: aquele que “cai sempre em pé” (1996-2015) ... 131

3.1 Introdução ... 131

3.2 – A fuga, a denúncia e as fiscalizações (1996-2004) ... 131

3.3 O Caso no Judiciário (2004-2015) ... 140

3.4 - Conclusões ... 156

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4.2 – A denúncia e a fiscalização ... 159

4.3 – O caso entra no Judiciário ... 165

4.3.1 – O Caso do Senador João Ribeiro na Justiça do Trabalho ... 167

4.3.2 – O Caso do Senador João Ribeiro no Supremo Tribunal Federal ... 180

4.4 – Conclusões ... 190

Capítulo 5 – O Caso Pagrisa: “modelo internacional” (2007-2015) ... 195

5.1 – Introdução ... 195

5.2 – A denúncia e a fiscalização ... 195

5.3 – Senadores se rebelam e o caso entra no Judiciário ... 212

5.4 – O caso no Judiciário ... 248

5.4.1 – O Caso Pagrisa na Justiça do Trabalho ... 249

5.4.2 – O Caso Pagrisa na Justiça Federal ... 262

5.5 – Conclusões ... 286

Conclusões ... 294

Tese e resultados ... 294

Diálogos teóricos e metodológicos ... 296

Desdobramentos ... 302

Referências Bibliográficas ... 304

Apêndices ... 327

Apêndice 1 – Relatórios produzidos sobre trabalho escravo após 2003 ... 327

Apêndice 2 – Espectro dos casos nas políticas de erradicação do trabalho escravo328 Apêndice 3 –Espectro temporal do Caso do “gato” ... 329

Apêndice 4 Lista de notícias sobre o Caso do Senador João Ribeiro ... 337

Apêndice 5 – Espectro temporal do Caso Pagrisa ... 338

Apêndice 6 Lista de notícias sobre o Caso Pagrisa no Senado ... 350

Lista de Tabelas

Tabela 1 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1940-1969) ... 53

Tabela 2 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1985-1994) ... 65

Tabela 3 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1995-2002) ... 79

Tabela 4 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (2003-2012) ... 92

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Tabela 6 - Atividades rurais com trabalho escravo que foram parar no TST ... 115

Tabela 7 - Atividades rurais com trabalho escravo que foram parar no STJ ... 116

Tabela 8 - Autores das ações sobre trabalho escravo no TST ... 116

Tabela 9 - Autores das ações sobre trabalho escravo julgadas pelo STJ ... 117

Tabela 10 - Tempo de duração dos processos no TST em função dos autores das ações ... 118

Tabela 11 - Tempo de duração dos processos do STJ em função dos autores das ações ... 118

Tabela 12 - Respostas do TST em função dos autores das ações ... 119

Tabela 13 - Respostas do STJ em função dos autores das ações ... 119

Tabela 14 - Espectro do cenário do trabalho escravo nos casos escolhidos ... 120

Tabela 15- Trabalhadores resgatos por estado federativo (1995-2014) ... 121

Tabela 16 - Operações de Fiscalização realizadas no Caso do "gato"... 133

Tabela 17 - Quadro de Inquéritos Policiais abertos para o Caso do "gato" ... 138

Tabela 18 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso do "gato" ... 140

Tabela 19 - Características Gerais dos Processos Judiciais no Caso do "gato" ... 141

Tabela 20 - Redesignação de Audiências, Motivos e Autores - Caso do "gato" ... 144

Tabela 21 - Natureza dos motivos de redesignação de audiências - Caso do "gato" 145 Tabela 22 - Natureza dos argumentos dos juízes - Caso do "gato" ... 155

Tabela 23 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso do Senado João Ribeiro ... 166

Tabela 24 - Características Gerais dos Processos na Justiça Trabalhista no Caso do Senador João Ribeiro ... 167

Tabela 25 - Natureza dos argumentos dos juízes trabalhistas - Caso do Senador João Ribeiro ... 168

Tabela 26 - Características Gerais dos Processos no STF no Caso do Senador João Ribeiro ... 180

Tabela 27 - Natureza dos argumentos dos ministros do STF - Caso do Senador João Ribeiro ... 180

Tabela 28 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso Pagrisa ... 249

Tabela 29 - Características Gerais dos Processos na Justiça Trabalhista no Caso Pagrisa ... 249

Tabela 30 - Redesignações de audiências na Justiça Trabalhista de 1º Grau - Caso Pagrisa ... 251

Tabela 31 - Motivos das Redesignações de audiências na Justiça Trabalhista de 1 º grau - Caso Pagrisa ... 251

Tabela 32 - Redesignação de audiências na Justiça Trabalhista - Caso Pagrisa ... 254

Tabela 33 - Natureza dos argumentos dos juízes trabalhistas - Caso Pagrisa ... 255

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Tabela 35 - Características Gerais dos Processos na Justiça Federal para o Caso

Pagrisa ... 263

Tabela 36 - Natureza dos argumentos dos juízes da Justiça Federal - Caso Pagrisa265

Lista de Figuras

Figura 1 - Atividades rurais em que foi encontrado trabalho escravo ... 114

Figura 2 - Mapa dos trabalhadores escravos resgatados ... 123

Figura 3 - Mapa do índice de probabilidade de escravidão e resgates em 2007 ... 124

Figura 4 - Fluxos dos trabalhados escravos ... 125

Figura 6 - Trabalho escravo e a cana-de-açúcar ... 127

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Introdução

Apresentação do tema e relevância da pesquisa

Como nos mostra a socióloga Maria de Nazareth Baudel Wanderley (2011), o tema do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo não é novo na literatura brasileira das ciências sociais, pois está entre os diversos temas abordados pelos estudos rurais que vieram se desenvolvendo desde os anos 1960 até os dias de hoje. Podemos encontrar, assim, diversos trabalhos, especialmente no campo da Sociologia, que buscaram entender as causas desse fenômeno, e que acabaram por fornecer contribuições muito importantes para o entendimento de processos macroestruturais da sociedade brasileira, tais como o avanço do capitalismo no meio rural e seu consequente processo de modernização conservadora. São trabalhos, portanto, que nos ajudam a entender a conformação da cidadania no meio rural brasileiro.

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consequentemente, possibilita que a questão seja definida e manipulada de acordo com os valores e interesses particulares dos atores envolvidos.

Como aponta José de Souza Martins (1999), a confusão sobre a definição do trabalho escravo rural vem, de fato, permitindo sua manipulação de acordo com interesses particulares e, com isso, constituindo um problema para a atuação das instituições. Mas o autor ressalva que enfatizar somente essa questão é deixar de olhar para algo mais importante, que é a ação e a capacidade das instituições políticas de lidar com a exploração do trabalho no campo em seu sentido mais genuíno e amplo. Segundo o autor, essa discussão sobre o trabalho escravo rural, pautada em sua definição, fragmenta o sentido de cidadania, pois acaba estabelecendo gradações acerca do que é

uma exploração aceitável (uma questão “apenas” trabalhista) e o que é uma

exploração inaceitável (que atinge o ser humano em sua dignidade). Assim, a busca indiscriminada por uma definição única pode ser tão problemática quanto a sua própria inexistência, pois as instituições podem deixar de fora novas situações de exploração do trabalho rural que não se encaixam em definições previamente estabelecidas e que precisam igualmente de uma constante atenção e atuação das autoridades públicas.

A questão central, portanto, não está na definição, mas no entendimento que as instituições sustentam acerca das relações e das condições de trabalho no campo. Como argumenta o autor, as relações de trabalho e de produção no campo estão em constante modificação e, com elas, também caminham diferentes formas de exploração do trabalhador, no que a atuação institucional deveria ter a postura crítica de tentar acompanhar essas mudanças, de modo a evitar que a exploração ocorra em qualquer nível. No entanto, Martins (1999) aponta que quase nada tem sido feito em termos de pesquisas mais sistemáticas que possibilite acompanhar e analisar a atuação das instituições políticas, inclusive a atuação das instituições do Judiciário.

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não adentrando de forma mais crítica na lógica de funcionamento e de atuação das instituições. São relatórios que atribuem os problemas institucionais existentes à falta de recursos ou à falta de leis objetivas e claras que definam o que é o trabalho escravo rural. Os relatórios das organizações da sociedade civil, por sua vez, quando falam das instituições, acabam personalizando-as na figura de atores particulares, de modo a mostrar a correlação de forças e de interesses no jogo político, tratando a questão da erradicação do trabalho escravo majoritariamente como uma questão de vontade política. Com isso, acabam desconsiderando a ideia de que as vontades particulares dos sujeitos podem não se traduzir necessariamente na atuação das instituições. Ou seja, acabam negligenciando o caráter organizativo e coercitivo das instituições sobre a vontade particular dos indivíduos.

Assim, tanto os relatórios dos órgãos públicos quanto das organizações da sociedade civil se apresentam de forma claramente parciais e engajadas, constituindo materiais empíricos a serem analisados e não pesquisas sistemáticas sobre a atuação das instituições políticas no problema do trabalho escravo rural. É nesse ponto que a tese, no campo da ciência política, pode apresentar algumas contribuições.

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questões trabalhistas e o nosso antigo sistema escravista. Assim, o estudo sobre a atuação do Judiciário sobre o trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo pode facilmente fornecer pistas sobre sua atuação (ou ao menos sobre seu pensamento) em outras questões de exploração do trabalho no campo. Mais importante, trata-se de um tema que nos permite expandir os estudos empíricos sobre o Judiciário brasileiro e sobre o seu papel na defesa e garantia dos direitos de cidadania.

Objetivos

O objetivo central da tese é o de realizar uma análise de caráter exploratório através do estudo de três casos de trabalho escravo rural de expressividade teórica e que foram parar nas instâncias do Poder Judiciário. Escolhemos três casos de trabalho escravo cujas atividades rurais em questão são significativamente representativas no quadro do trabalho escravo rural no Brasil, e nos quais os acusados possuem perfis distintos ou capacidades litigatórias variáveis. Os casos compreendem, assim, acusações de trabalho de escravo no setor sucroalcooleiro e no setor pecuário; e tem por acusados um

“gato” (o Caso do “gato”), um senador da República (o Caso do Senador João

Ribeiro) e uma grande empresa do setor sucroalcooleiro (o Caso Pagrisa)1. O intuito é o de realizar uma incursão em profundidade e em fluxo nos casos selecionados, de forma a delimitar e analisar as formas pelas quais o Poder Judiciário vem pautando suas decisões e atuando no cenário das políticas de erradicação do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo, especialmente entre 1995 e 2012, quando as políticas se tornam mais institucionalizadas.

Queremos saber que avanços, retrocessos ou interferências ele tem empreendido nesse cenário; como vem entendendo esse problema crítico da exploração do trabalho no campo; e que instrumentos e ações institucionais vem apresentando para lidar com esse problema. Queremos identificar e

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analisar, também, as respostas que ele tem dado às expectativas de outros atores e instituições; a que ou a quem sua atuação tem propiciado ganhos diretos ou indiretos; e de que formas vem respondendo e se alinhando às políticas governamentais implementadas. Queremos, ainda, explorar e compreender os argumentos e critérios que ele tem se valido para justificar sua atuação. Em resumo, queremos saber como que o Judiciário vem se apresentando e se portando neste quadro, e se nele podemos enxergar possibilidades de entendimentos mais críticos sobre a exploração do trabalho no campo, que considerem seu aspecto sistêmico e que permitam romper com a reprodução de padrões desiguais de cidadania.

Tese e argumentos

A hipótese de pesquisa trabalhada pela tese resultou da realização de duas explorações empíricas preliminares (que serão expostas ao longo da análise), e que auxiliaram, inclusive, na opção pelo método dos estudos de caso e também na própria delimitação dos casos analisados. Na primeira exploração empírica realizada (exposta no Capítulo 2 da tese), foi feita a leitura e análise de um conjunto de documentos legislativos, políticas, relatórios e pesquisas elaborados por diversos atores políticos e sociais acerca do tema do trabalho escravo rural e acerca das políticas governamentais implementadas. E na segunda exploração empírica (exposta nas Preliminares para os estudos de caso na Parte II da tese), foi realizado o levantamento e análise de alguns processos judiciais envolvendo o tema do trabalho escravo rural em função de variáveis gerais de análise.

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Tais ilustrações primárias foram problematizadas e fortificadas pelos estudos de caso empreendidos, que nos mostraram de forma ainda mais clara a atuação mitigada do Poder Judiciário e a importância de se considerar diferentes dimensões de análise para se compreender as possíveis razões dessa atuação.

No que tange às possibilidades de apoio às políticas de erradicação por parte do Poder Judiciário, os estudos dos casos nos mostraram que embora tenha sido possível encontrar sentenças e entendimentos judiciais que considerassem os aspectos mais sistêmicos acerca da exploração no campo, tais entendimentos acabaram se dando de forma isolada e provisória, na medida em que foram ou questionados ou anulados através de recursos julgados por instâncias judiciais superiores. Tais situações, no entanto, apresentaram um ponto positivo importante, no sentido de que as sentenças e entendimentos mais amplos acabaram servindo como instrumentos de mobilização por parte de outros atores políticos, especialmente pela mídia ativista no campo.

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de forma explícita (como nos casos citados de amenização da exploração encontrada e de questionamento de medidas de outras instituições) e também de forma implícita à sua lógica de funcionamento institucional (como nas tergiversações processuais e na postergação dos casos até serem amenizados ou anulados).

Assim, na medida em que fomos ganhando mais contato com os materiais empíricos e, simultaneamente, com os diversos estudos e abordagens de análise sobre o Poder Judiciário (apresentadas no Capítulo 1 da tese), também fomos percebendo a importância de vê-lo a partir de lentes ou dimensões mais variadas de análise. Fomos percebendo que uma hipótese e uma explicação dicotômica, que simplesmente mostrasse a atuação do Judiciario como sendo o resultado de um fator ou outro, poderia não dar conta de diversos elementos trazidos por nossos materiais empíricos. Ou seja, fomos percebendo que explicar a atuação do Judiciário somente em função do conservadorismo dos juízes, ou somente em função de problemas internos institucionais, ou somente em função da estrutura social e econômica histórica brasileira, poderia negligenciar fatores importantes.

Como apontamos, trata-se da existência tanto de limitações quanto de possibilidades de sustentação, sobre as quais supomos uma predominância das limitações e não uma simples exclusão das possibilidades de sustentação das políticas de erradicação por parte do Judiciário. Julgamos relevante, assim, construirmos nossa argumentação através da ênfase conjunta em três dimensões de análise: uma voltada para o processo político ou para a ação dos atores envolvidos, uma segunda de ordem estrutural, e uma terceira dimensão institucional. Ou seja, pensamos e nos questionamos sobre a contribuição ou peso explicativo de cada dimensão, de forma a empreendermos um estudo aprofundado da atuação do Poder Judiciário sobre o problema do trabalho escravo rural.

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poderes e relações. É olhar mais de perto as coalizões de forças, de ideias e de programas de ação. É se voltar para as aproximações e distanciamentos entre os atores, e para a sua inserção no cenário conflitante das políticas de erradicação do trabalho escravo rural. É ver que as polarizações resultantes de um olhar mais estrutural podem ser esmiuçadas e detalhadas em suas nuances e efeitos. É olhar o resultado final dos processos macro-estruturais a partir de uma lupa, para vermos as possibilidades abertas no seio das relações entre os atores, para entendermos como elas são pensadas e alcançadas, e de que forma podem impactar no posicionamento de outros sujeitos e no próprio cenário de políticas voltadas para o combate ao trabalho escravo rural.

Ver o Judiciário a partir de uma lente estrutural, por sua vez, nos possibilita resgatar, com auxílio da bibliografia, a ideia de função do Judiciário nas mudanças estruturais das relações sociais e do desenvolvimento da cidadania no campo no Brasil. É entender seu papel hoje em função de sua inserção em importantes marcos históricos da ordem política, econômica e social brasileira no passado. É recordar, por exemplo, o papel atribuído ao Judiciário para lidar com as consequências diretas da política desenvolvimentista do regime militar, do processo de redemocratização no final dos anos 1980, e das reformas neoliberais implementadas a partir dos anos 1990. É lembrar, portanto, do seu papel no avanço da empresa capitalista no campo, na acentuação da concentração da propriedade da terra e na expulsão de camponeses de suas terras e sua consequente submissão a condições indignas e degradantes de trabalho. É recordar também a sua função de repressão institucional sistemática das mobilizações renovadas por reforma agrária, e a sua função de criminalização dos movimentos sociais rurais. Assim, ver o Judiciário a partir de uma lente mais estrutural é vê-lo a partir de sua funcionalidade para a defesa e manutenção desses marcos históricos fundamentais, ajudando na conformação de uma cidadania de caráter peculiar no meio rural.

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lo enquanto dotado de regras, organização e lógica próprias de funcionamento e de atuação. É entendê-lo na complexidade de suas relações intra-institucionais que regem a ação de seu corpo de funcionários. Trata-se de uma dimensão que nos permite, por exemplo, trabalhar as inovações das instituições judiciais, especialmente no que diz respeito à sua independência, prerrogativas e aos instrumentos de promoção de cidadania adquiridos após 1988 e, mais fortemente, após a reforma judicial de 2004. Isso, por sua vez, nos possibilita estudar as relações conflituosas que se abriram com os outros poderes do Estado do ponto de vista da formulação e da implementação de políticas públicas. O que essa dimensão nos traz de essencial, portanto, é um

maior conhecimento da “máquina” judicial brasileira e de seus efeitos sobre o

processo político.

Podemos observar, assim, que são três dimensões de análise que nos chamam atenção para elementos igualmente importantes para explicar as possibilidades e as limitações (bem como suas relações) da atuação do Judiciário brasileiro na questão do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo.

Metodologia de pesquisa

A tese se pautou centralmente pela metodologia dos estudos de casos e da análise de fluxo dos processos judiciais selecionados2, mantendo um diálogo com os achados empíricos preliminares e com as diversas abordagens analíticas sobre o Poder Judiciário. Entendemos que os estudos de casos nos permitem analisar o problema com maior profundidade, no que podemos levantar e trabalhar com variáveis que abordem as três dimensões de análise citadas. A análise de fluxo, por sua vez, nos permite acompanhar os processos em toda a sua trajetória, percursos, atalhos, interferências e pausas. Assim, acompanhamos cada caso desde a denúncia até o julgamento e sentenciamento, passando por diferentes esferas e graus do Judiciário.

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Trata-se, sobretudo, de um estudo de caráter exploratório, que não busca dar explicações fechadas ou unilaterais sobre a atuação do Poder Judiciário, mas sim levantar elementos que, em conjunto, permitem entender essa atuação em fluxo e em profundidade. A partir do estudo exploratório não se toma uma variável única que seja capaz de explicar todo e qualquer caso de trabalho escravo rural, muito embora seja possível estabelecer alguns critérios gerais e comuns de análise, que tomam forma particular em função do fluxo singular a cada caso.

Estrutura da tese

A tese foi divida em duas partes. Na Parte I (formada pelos Capítulos 1 e 2), colacionamos um conjunto de questões e respostas, tanto no plano teórico e metodológico quanto no plano empírico, que ajudam a compreender a atuação política do Poder Judiciário na questão do trabalho escravo rural. Assim, no Capítulo 1 apresentamos um mapeamento de várias abordagens teóricas sobre o Poder Judiciário, em que tentamos identificar quais dimensões analíticas cada abordagem enfatiza e que relações ela estabelece com as demais dimensões. Procuramos, ainda, verificar as metodologias de pesquisa mobilizadas e suas possibilidades analíticas. No Capítulo 2, traçamos um panorama das políticas de erradicação do trabalho escravo rural no Brasil, de forma a descrever as caracterizações e os entendimentos institucionais acerca do problema e de que forma essas políticas e entendimentos foram avaliados por diferentes atores políticos e sociais.

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e naturalizadoras das condições degradantes de trabalho no campo. No Capítulo 5, por fim, analisamos o Caso Pagrisa, que é o caso mais de descrição mais longa, mais complexo e de maior repercussão política entre os três casos estudados, e no qual se mostrou de forma mais evidente a importância de fatores de ordem estrutural sobre o andamento do caso na Justiça, dada a visível permeabilidade dos juízes às influências de ordem socioeconômica exercidas pela empresa.

Nas conclusões, por fim, fazemos um resgate dos resultados apresentados nos estudos dos casos em função da tese defendida, assim

como também procuramos “fechar” diálogos teóricos e metodológicos abertos

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Capítulo 1

Dimensões para uma análise política do

Poder Judiciário

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“It’s the vague people who are the pioneers”

(Richard Rorty)

1.1 Introdução

O objetivo deste capítulo é o de apresentar o esquema teórico-metodológico que nos auxilia neste trabalho e que resulta de um esforço em discutir a importância de diferentes dimensões analíticas para se pensar o Poder Judiciário brasileiro. Para tanto, destinamos boa parte deste capítulo para discutir o debate norte-americano em Ciência Política sobre o Poder Judiciário. A essencialidade deste debate reside na sua própria formação e desenvolvimento, que nos mostra um embate constante entre diferentes abordagens analíticas com diferentes explicações sobre a atuação do Poder Judiciário. A exploração desse debate nos ajuda não apenas a entender suas possibilidades e limites como também a entender as possibilidades e limites do debate brasileiro, que, em sua maioria, incorporou alguns pressupostos do debate norte-americano de forma acrítica, especialmente através das teses da judicialização da política.

Apresentamos o debate norte-americano de forma a tornar menos nítidas as linhas teórico-metodológicas que separam as diferentes abordagens analíticas presentes nesse debate. Expomos uma visão mais abrangente das abordagens, saindo do que lhes é padrão e nuclear para caminhar em direção às suas margens e, assim, ver os contatos que estabelecem com outras abordagens. O intuito, portanto, é o de verificar os pontos de semelhança, de continuidade ou mesmo de complementaridade entre as diversas perspectivas, mostrando que o debate pode ser apresentado menos como um jogo de oposições e mais como um diálogo fluido de trocas teóricas e metodológicas.

3 Este capítulo é o resultado resumido de um trabalho mais extenso sobre o debate

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Defendemos a tese de que conhecer esse debate para além do que lhe é padrão nos ajuda a perceber que a adoção de uma abordagem analítica particular para estudar o Poder Judiciário não deve necessariamente nos prender a uma linha única de pensamento, pressupostos e métodos de trabalho. Isso acontece justamente porque as abordagens conversam muito mais entre si do que geralmente se reconhece, extrapolando os esquemas teórico-metodológicos por demais rígidos e fechados. A reconstrução do debate em termos mais abrangentes possibilita verificar a existência de uma margem de ação para o pesquisador transitar de forma mais livre e exploratória entre as diversas abordagens analíticas sobre o Poder Judiciário, buscando realizar tentativas de síntese e não o aprofundamento de análises unilaterais.

A identidade que cada abordagem sustenta no campo dos estudos judiciais norte-americanos geralmente é construída e defendida em oposição às abordagens já existentes, até mesmo para que ela se coloque como diferente e inovadora. Esse processo de diferenciação se dá através da defesa ou da ênfase de uma dimensão de análise específica: algumas abordagens defendem que para entendermos a atuação política do Judiciário é preciso que nos voltemos para as ações dos juízes, para os seus valores e preferências políticas particulares, levando-nos, assim, para dimensões individuais de análise; outras abordagens, por sua vez, defendem que a atuação do Judiciário só pode ser inteiramente compreendida se conseguirmos descobrir a sua função dentro de uma determinada sociedade, fazendo-nos pensar em dimensões analíticas mais estruturais; e outras, ainda, defendem que uma análise sobre o Poder Judiciário tem que levar em conta suas regras e formas de funcionamento, no que é preciso reconhecer a importância da dimensão institucional.

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institucionalistas. Podemos encontrar, por exemplo, abordagens individualistas, mas que apresentam características teórico-metodológicas que se desviam do padrão de uma análise individualista, trazendo argumentos de caráter institucional ou estrutural e, com isso, desenvolvendo análises mais multidimensionais. O que se pode perceber é que até mesmo as abordagens

mais “puras” ou mais unidimensionais possuem trabalhos ou estudiosos que

fogem à regra e empurram os limites de suas próprias abordagens, testando ao extremo sua capacidade analítica.

Para realizar o que estamos propondo, este capítulo se divide da seguinte forma. Na primeira parte, discutimos um conjunto de abordagens norte-americanas que enfatizam a dimensão individual para analisar o Poder Judiciário. Falamos sobre as abordagens mais tipicamente ou puramente

“individualistas”, como o Modelo Atitudinal e o Modelo Estratégico; e sobre as

abordagens mais abrangentes, como o Realismo Jurídico, a Jurisprudência Política e a Mobilização do Direito. Além disso, mostramos que até mesmo dentro das abordagens mais puramente individualistas, como no Modelo Atitudinal e no Modelo Estratégico, é possível encontrar exemplos que não somente se aproximam das abordagens individualistas mais abrangentes, como também extrapolam os limites do próprio conjunto de abordagens individualistas, caminhando em direção a considerações de caráter mais institucional e/ou estrutural.

Na segunda parte do capítulo, discutimos os trabalhos norte-americanos de cunho estruturalista vindos do movimento dos Critical Legal Studies, novamente pensando em termos de trabalhos mais puros e mais abrangentes. Dentre os mais puros, vemos o posicionamento radical das teses da

“indeterminação” do direito. Dentre as mais abrangentes, vemos o

posicionamento de trabalhos que se aproximam tanto das abordagens individualistas quanto dos trabalhos estruturais de origem marxista.

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que ele não foi o único e nem o primeiro a tentar fazer uma síntese analítica entre as três dimensões de análise.

Na quarta e última parte, por fim, buscamos fazer alguns apontamentos sobre o debate brasileiro de acordo com o que foi discutido nos itens anteriores, de forma a entender as possibilidades e os limites das abordagens mais recorrentes sobre o Poder Judiciário brasileiro, bem como as questões trazidas por novos trabalhos.

Nas conclusões, por fim, recuperamos algumas considerações centrais feitas ao longo do capítulo, para mostrar que o desenvolvimento das diferentes abordagens analíticas se deu não apenas através de um jogo de oposições, mas também através de uma fluidez significativa de questões, pressupostos e metodologias, que acabam ofuscando a nitidez das linhas que separam as abordagens em quadros rígidos e fechados de análise e abrindo um campo grande de perguntas de pesquisa.

1.2 A dimensão individual: os interesses políticos dos atores

Na Ciência Política norte-americana, as abordagens de cunho individualista são geralmente identificadas como behavioristas ou como abordagens que têm por unidade de análise os indivíduos ou grupos de indivíduos, cujas ações, comportamentos, interesses e valores particulares são os elementos que explicam o jogo político. Em outras palavras, são abordagens que procuram explicar a política através do comportamento ou da ação dos indivíduos, ação esta voltada para a realização de objetivos particulares. Para essas abordagens, as instituições, assim como as regras mais estruturais de uma sociedade, seriam basicamente reflexos sedimentados dessas preferências individuais em ação e em interação; e funcionariam auxiliando os indivíduos com informações ou previsões sobre como melhor agir para alcançar seus objetivos.

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que o behaviorismo trouxe para o campo dos estudos judiciais (Pritchett, 1968; Smith, 1988; March e Olsen, 1989; Whittington, 2000; Maveety, 2003b; Segal, 2003), dividindo-o em “estudos judiciais no Direito” (Public Law) e “estudos

judiciais na Ciência Política” (estudos do Judicial Process).

O behaviorismo representou um marco importante da “emancipação” da Ciência Política frente ao Direito. Se antes os cientistas políticos se encontravam de alguma forma dependentes do Direito e das categorias jurídicas e institucionais para analisar o Judiciário, aparecendo como meros

“comentadores” de leis e de decisões judiciais, eles passam, agora, a constituir

um campo próprio de estudos, construindo uma teoria e metodologia própria. A ideia central que se funda, portanto, com a emergência do “behaviorismo

judicial”, particularmente através do Modelo Atitudinal e do Modelo Estratégico, é a ideia de análise “política” do Judiciário, análise esta que requer uma

mudança radical de foco, métodos e materiais empíricos de pesquisa (Schubert, 1963).

A atuação do Judiciário e as decisões judiciais não podem mais ser explicadas com base nas regras e normas jurídicas, ou com base na ideia do

legalismo jurídico de que os juízes são meros “aplicadores” das leis, neutros e

apolíticos. Agora, a atuação do Judiciário e as decisões judiciais somente se explicam em função dos valores e das preferências políticas particulares dos juízes. O juiz passa a ser visto como um verdadeiro ator político, que tem na decisão judicial a sua possibilidade de ação política; ele não decide conforme as regras, mas conforme seus interesses políticos particulares (Schubert, 1963; Segal e Spaeth, 1993; Segal, 2003). As regras jurídicas só tem importância para a análise caso exerçam alguma influência sobre o comportamento dos juízes, que podem instrumentalizar tais regras de forma estratégica para atingir seus objetivos (Schubert, 1964, 1974b; Segal e Spaeth, 1993, 1996a, 1996b; Rohde, 1972a, 1972b; Rohde e Spaeth, 1976; Murphy, 1964; Epstein e Knight, 1998).

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também se dá uma mudança no método e no material empírico de pesquisa. O cientista político não deve mais se voltar para uma análise descritiva do conteúdo das leis, códigos e constituições, limitando-se a comentar as diferentes interpretações que foram dadas pelos juízes em contextos políticos distintos. Agora, ele deve observar os votos que os juízes deram e suas frequências em uma massa de decisões, quantificando as vezes em que deram votos liberais e votos conservadores4. O importante é localizar o juiz no jogo político, verificar de que “lado” ele está, e mostrar, através de métodos

quantitativos cada vez mais sofisticados5, que a atuação política do Judiciário

deve ser entendida unicamente a partir do comportamento político dos juízes.

Isso seria fazer uma análise “política” e “científica” do Judiciário, análise esta

que configuraria o mainstream dos estudos judicias na Ciência Política norte-americana.

Nesse processo de construção de uma análise “política” do Judiciário ou

de fortalecimento dos estudos judiciais em Ciência Política frente aos estudos judiciais no Direito, o Modelo Atitudinal e o Modelo Estratégico tiveram cada qual papéis importantes e, sob nosso ponto de vista, complementares. Se o Modelo Atitudinal foi o responsável por firmar a ideia do “juiz político”, que

decide conforme seus valores e preferências políticas particulares, o Modelo Estratégico procurou resgatar para a análise behaviorista a importância de se olhar novamente para as normas e para as regras institucionais, de forma a enfatizar que os juízes podem atuar de forma estratégica frente a elas para alcançar seus objetivos particulares. Em seus desenvolvimentos mais recentes,

inclusive, os trabalhos estratégicos (agora reconhecidos como do “Neo

4 Esses estudos produziram um grande conjunto de bases de dados estatísticas para

demonstrar o caráter político da atuação dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos. Para exemplos, consultar Spaeth (1999a, 1999b) e Segal e Spaeth (2000).

5 Um das técnicas mais comumente utilizadas é a

scalogram analysis, através da qual o

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Institucionalismo da Escolha Racional”) analisam o envolvimento de elites

governamentais na formulação e na alteração das regras constitucionais e de funcionamento das instituições judiciais, mostrado o caráter político do próprio direito e as suas relações com o comportamento estratégico dos juízes e de outros atores políticos (Ginsburg, 2003; Helmke, 2004, Hirschl, 2004; Finkel, 2008).

A ideia de estratégia, contudo, não é exclusividade ou pioneira do Modelo Estratégico ou do Neo-Institucionalismo da Escolha Racional, muito embora o contrário seja propagado pela literatura6. Emprestada de teóricos da

escolha racional ou de teorias econômicas da política (Downs, 1957; Riker, 1962; Elster, 1986), a ideia de estratégia já se encontrava presente entre os primeiros trabalhos do Modelo Atitudinal, influenciando de forma significativa não apenas o desenvolvimento dos próprios trabalhos atitudinalistas7, como também o nascimento dos trabalhos estratégicos, alguns inclusive em parceria com os atitudinalistas8. A diferença entre uma abordagem e outra parece se

dar muito mais no plano da “gradação” do que da “inovação”: enquanto entre

os atitudinalistas a ideia de estratégia aparece de forma rarefeita e esparsa, para explicar casos em que a preferência política particular do juiz não se encontrava tão explícita na decisão judicial, entre os estratégicos, a ideia ganha

estatuto de “conceito”, permitindo explicar tais “contra-casos” de forma mais

sistemática.

6 Como mostram Epstein e Knight (2000), é em função da questão estratégica e da

consideração de questões institucionais para a análise comportamental dos juízes que o Modelo Estratégico é geralmente entendido e se porta como um movimento revolucionário diante do Modelo Atitudinal.

7 Glendon Schubert (1964, 1974a, 1974b), considerado o pai fundador do Modelo Atitudinal,

preocupava-se, assim como os estratégicos, com questões de caráter institucional, de forma a mostrar o comportamento estratégico dos juízes diante dessas questões. Para incorporar tais elementos à análise comportamental, Schubert procurou aperfeiçoar gradativamente os métodos quantitativos de pesquisa, de modo a considerar as regras e outros elementos de forma sistemática, quantificável e não mais de forma descritiva.

8 A semelhança entre o Modelo Atitudinal e o Modelo Estratégico são reconhecidas pelos

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Tanto para os atitudinalistas quanto para os estratégicos, portanto, a ideia de estratégia se encontra presente, e, em ambas as ocasiões, para manter a análise com foco na dimensão individual ou na questão comportamental. O uso da ideia de estratégia lhes possibilitou considerar elementos institucionais, mas sem abandonar a dimensão individual de análise, que era o diferencial de seus trabalhos frente às pesquisas no Direito. Assim, não se trata de olhar para as regras e para as instituições de forma independente, mas sempre tendo como referência primeira o comportamento dos juízes. Por isso dizemos, portanto, que tanto o Modelo Atitudinal quanto o Modelo Estratégico ajudaram a estabelecer e a fortalecer a ideia padrão de

análise “política” do Judiciário, diferenciando os estudos judiciais na Ciência

Política dos estudos judicias no Direito. Seu olhar voltado para o comportamento individual, assim como sua metodologia quantitativa sofisticada, conformaram na Ciência Política norte-americana um padrão

“científico” a ser seguido e implementado.

Contudo, podemos encontrar entre os próprios modelos behavioristas, trabalhos atitudinalistas e estratégicos que fogem a esse padrão e apresentam outras formas de se fazer uma análise política do Judiciário, alargando os limites de suas abordagens e dialogando com outras dimensões analíticas. Existem trabalhos atitudinalistas e estratégicos que dizem que, para entendermos a atuação política do Judiciário, não basta olharmos para os juízes, para os seus valores e comportamentos. É preciso também olhar para os aspectos institucionais e estruturais como elementos independentes das vontades e das estratégias individuais, e que cercam e limitam de fato a atuação do juiz.

Entre esses trabalhos, encontramos estudos que defendem que a atuação política do Judiciário deve ser compreendida também a partir da

função do juiz e do Judiciário dentro de um sistema ou “espírito” democrático

(Pritchett, 19489; Howard, 1968). É preciso não apenas mostrar quais são os

9 Para alguns, o caráter multidimensional de Pritchett é visto como ambíguo e como um

resquício da crise inicial (teórica e metodológica) que a Ciência Política enfrentou para se desvencilhar do Direito (Schubert, 1963; Maveety, 2003; Segal, 2003). Embora Pritchett seja reconhecido como o precursor do Modelo Atitudinal (Maveety, 2003), seu trabalho não é visto

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valores políticos que guiam o comportamento decisório dos juízes, mas também investigar como que se formam tais valores (Pritchett, 1948, 1968; Danelski, 1960). O juiz e o Judiciário, dentro de um sistema democrático, teriam funções políticas específicas, normativamente estabelecidas, no que as regras jurídicas poderiam sim formar e guiar seu comportamento. Assim, um juiz que decide intervir no Executivo ou no Legislativo em defesa dos direitos e das liberdades individuais pode resultar não diretamente de seus valores políticos particulares, mas antes da sua própria função dentro de um sistema constitucional democrático, cujas regras lhe dão independência e poder político para esse tipo de intervenção.

Também encontramos trabalhos behavioristas que questionam a ligação direta que se faz entre os valores particulares dos juízes e as decisões judiciais, mostrando que a direção e a intensidade desse link mudam ao longo do tempo, especialmente em função de constrangimentos institucionais (Ulmer, 1969, 1979b). São estudos que se voltam, por exemplo, para a análise das regras de funcionamento das cortes, de outros momentos do processo decisório (Ulmer, 1972, 1979a; Ulmer, Hintze e Kirklosky, 1972), das regras judiciais de acesso aos tribunais (Ulmer, 1978), e da pressão exercida por grupos e lideranças dentro da Corte sobre o comportamento dos juízes (Danelski, 1960; Ulmer, 1963). Tudo para mostrar que esse comportamento varia conforme questões outras que não somente os valores políticos particulares dos juízes10.

Outros estudos behavioristas questionam um problema central dos atitudinalistas e estratégicos padrões, que é a separação que eles fazem entre

“direito” e “política”. Passa-se a questionar se “decidir conforme as regras” é de

fato diferente de “decidir conforme valores e interesses políticos”, observando -se que as próprias regras ou que o próprio direito é um elemento político em si

10 Ulmer reconhece a importância das abordagens tradicionais (institucionais) e se coloca mais

numa posição de complementaridade do que de oposição a elas. Bradley (2003) cita, inclusive,

uma passagem de um livro de Ulmer em que ele confirma essa ideia: “A abordagem

behaviorista não substitui outras perspectivas, mas complementa o conhecimento que tem sido

e continua a ser a marca de modelos analíticos mais tradicionais” (Ulmer, 1961: I apud Bradley,

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e não apenas uma roupagem que é estrategicamente utilizada ou instrumentalizada pelos juízes para alcançarem seus objetivos particulares.

Alguns estudos mostram “a política no direito” ao enfatizarem a

importância dos valores culturais e políticos de uma sociedade na formação não somente do comportamento dos juízes, como também das próprias regras de funcionamento das instituições judiciais. Encontramos, assim, preocupações com a questão da socialização judicial e com as experiências profissionais e políticas dos juízes, que estruturam e institucionalizam padrões de comportamento (Cook, 1971). Também encontramos análises sobre as relações entre os tribunais com a opinião pública e as expectativas culturais e sociais sobre o papel do juiz e do Judiciário (Cook, 1977, 1979). Vemos, ainda, trabalhos em que se demonstra a importância dos valores políticos, culturais e sociais de uma sociedade na formulação das regras de seleção dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos11, mostrando que os valores manifestos nas decisões dos juízes podem ser culturalmente e institucionalmente selecionados (Cook, 1977, 1981, 1982, 1984).

Vemos, assim, que são trabalhos que procuram mostrar que, embora haja uma relação entre valores políticos pessoais dos juízes e suas decisões, há muitas outras questões institucionais e estruturais anteriores e contínuas ao processo decisório que influem na efetivação dos valores pessoais dos juízes. Assim, existiria uma muldimensionalidade latente na atuação política do Judiciário, que deve ser estudada a partir de um entrelaçamento de questões individuais, institucionais e estruturais, de modo semelhante ao que apontam os estudos do Neo-institucionalismo histórico12.

Do ponto de vista metodológico, esses trabalhos behavioristas não-padrões ajudam a quebrar com a ideia que se fundou com o Modelo Atitudinal

11 Cook mostra o processo de aceitação da primeira mulher como juíza da Suprema Corte dos

Estados Unidos. Segundo seus estudos, isso só foi possível quando a cultura política do país se alterou e passou a considerar plausível a presença de uma mulher na Suprema Corte.

12 Como apontou Epstein e Matther (2003: 186), o interesse de Beverly Blair Cook em

diferentes dimensões da atuação política do Judiciário “moveu intelectualmente as barreiras do

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de que uma análise “política” e “científica” do Judiciário requer obrigatoriamente

um foco unidimensional sobre o juiz, juntamente com a aplicação de uma metodologia quantitativa sofisticada. Ainda que o uso desta metodologia não tenha sido descartada, e em alguns casos tenha sido estimulada e aperfeiçoada, o reconhecimento de outras dimensões analíticas e a utilização de metodologias qualitativas parece ser um traço comum entre esses estudos13. Eles vêm conquistando espaço e importância crescentes no

mainstream dos estudos judiciais na Ciência Política norte-americana, dada a capacidade de mostrar os limites das análises políticas padrões e a possibilidade de inaugurar novas hipóteses, agendas de pesquisa, e até mesmo novas abordagens analíticas.

Assim, se entre as abordagens individualistas puramente behavioristas nós podemos encontrar tantos trabalhos que fogem ao padrão, vejamos o que acontece entre as abordagens individualistas que não são behavioristas, ou

que podemos chamar de “mais abrangentes”, como o Realismo Jurídico, a

Jurisprudência Política e a Mobilização do direito. Através delas podemos encontrar trabalhos que tratam a relação entre política e direito não apenas pela chave da instrumentalidade (pressupondo a centralidade do juiz e a separação entre direito e política), mas também pelo seu caráter histórico e constitutivo, considerando cada vez mais a importância das dimensões institucionais e estruturais de análise para se entender a atuação politica dos juízes e do Judiciário como um todo. É a partir de seus trabalhos que podemos ver semelhanças e diálogos cada vez mais claros tanto com o Marxismo e com os Critical Legal Studies, quanto com o Neo-institucionalismo Histórico e com o próprio Legalismo Jurídico. Ou seja, é a partir dessas abordagens individualistas mais abrangentes que podemos ver que as tentativas de

13 Destaca-se, por exemplo, a capacidade dos métodos qualitativos como os estudos de caso de realizar uma espécie de “anatomia” do processo judicial, permitindo ver a existência de

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“despolarização” ou de “des-unidimensionalização” (que vimos entre alguns

atitudinalistas e estratégicos não-padrões) ganham ainda mais força.

Não se pode negar que todas as três abordagens possuem trabalhos que insistem na unidimensionalidade e na chave da instrumentalidade (na importância das ações individuais dos juízes) para entender e explicar a atuação política do Judiciário. Contudo, todas as três abordagens são caracterizadas por uma marcante diversidade interna, que é onde se abrem e se mostram os avanços em direção a pesquisas multidimensionais e a um diálogo com abordagens de cunhos diferenciados.

No Realismo Jurídico, foi onde a unidimensionalidade e a ideia de instrumentalidade se deu de forma mais ampla, ao passo que foi com o advento das análises realistas que se introduziu pela primeira vez (antes mesmo do surgimento do behaviorismo judicial em Ciência Política, com o Modelo Atitudinal) a dimensão individual no campo dos estudos judiciais, tomando o juiz como um ator político, que julga conforme seus interesses próprios e não conforme as regras e as leis (Holmes, 1897; Llewellyn, 1930).

Contudo, alguns trabalhos realistas importantes não incorporam acriticamente a ideia de que as atitudes individuais dos juízes explicam por si as decisões judiciais e a atuação do Poder Judiciário. Argumenta-se que, por trás das atitudes e valores individuais, há a presença consciente ou inconsciente de uma ideologia dominante. Os interesses e os comportamentos individuais dos juízes refletem interesses e comportamentos dos grupos nos quais eles estão inseridos. Esses grupos, por sua vez, estão mergulhados em seus próprios interesses materiais e econômicos, que, por fim, influenciam no tempo e no espaço a formulação das leis e o funcionamento das instituições governamentais como um todo (Bentley, 2008 [1908]; Beard, 2006 [1938]). Dessa forma, questões de caráter estrutural se fazem igualmente necessárias

para desvendar e entender a “realidade” que está por trás das decisões judiciais14. Mantem-se uma certa relação de instrumentalidade e de importância

14Fisher, Horwitz e Reed (1993), ao empreenderem o que chamam de uma “visão generosa”

sobre o Realismo Jurídico, analisam a diversidade analítica presente na abordagem, mostrando seus diversos desdobramentos e suas diferentes formas de definir e entender o que

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das ações do indivíduo ou de um grupo de indivíduos, mas enfatiza-se questões estruturais, materiais e econômicas, e também ideológicas, como sendo os elementos que estão por trás das ações e das próprias regras jurídicas, formando-as e constituindo-as, no que “decidir conforme as regras”

não se diferencia de “decidir conforme valores”.

Na Jurisprudência Política, a ideia de instrumentalidade também aparece, na medida em que se colocam os interesses individuais ou das elites como as forças motoras que constroem, mantêm e transformam as regras e as instituições judiciais ao seu favor. O elemento da escolha ou da decisão dos indivíduos continua a ser um elemento central para o estudo político judicial (Shapiro, 1963)15. Contudo, não se pode esquecer que os estudos da Jurisprudência Política não surgiram em completa concordância com o behaviorismo judicial (Danelski, 1983; Stumpf, 1983), mas como uma alternativa entre o institucionalismo do Legalismo Jurídico e o individualismo do behaviorismo judicial16.

Para os estudos da Jurisprudência Política, caberia uma dupla preocupação: em função do legado deixado pelo behaviorismo judicial, não se poderia mais seguir acreditando que os juízes eram meros “aplicadores” das

regras jurídicas; contudo, as análises políticas também não poderiam mais seguir fazendo economia de conceitos jurídicos (Shapiro, 1963). Seria preciso pensar nos elementos que ocupam o espaço existente entre esses dois pólos de explicação, de forma a entender e a ver a política não somente no

15 Segundo Martin Shapiro (1963: 295), que cunhou o nome da abordagem (

Political Jurisprudence), “a nova jurisprudência compartilha com todo o pensamento jurídico americano

moderno [realistas e behavioristas] a premissa de que os juízes fazem mais do que simplesmente descobrir a lei. Sem essa premissa, não poderia existir nenhuma jurisprudência política, pois uma das preocupações centrais da política é o poder, e o poder implica na escolha. Se o juiz não tem nenhuma escolha entre alternativas, se ele simplesmente aplica as regras fornecidas pelas compilações jurídicas e chega a uma conclusão comandado por uma lógica jurídica inexorável, ele não seria de mais interesse político do que uma máquina da IBM que poderia substituí-lo em breve”.

16 Como descreve Stumpf (1983), a Jurisprudência Política sustenta uma visão de indivíduo

distinta do behaviorismo judicial. Este último defende uma visão mais psicológica dos juízes,

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comportamento dos juízes, mas na própria história de criação, manutenção e transformação das regras e das instituições jurídicas, vendo-as também como agências políticas governamentais (Shapiro, 1986).

Em função dessa dupla preocupação, a Jurisprudência Política pode ser vista e entendida a partir de diferentes perspectivas, denotando a multidimensionalidade presente em seus estudos. Alguns a vêem como uma abordagem behaviorista por manter a centralidade e a importância das escolhas individuais (Smith, 1988); outros a vêem como uma abordagem funcionalista, dada a ênfase que seus estudos dão ao caráter funcional das regras e instituições judiciais para determinados grupos políticos (McCann, 2010); e outros, por fim, a vêem como uma clara abordagem institucionalista e precursora do Institucionalismo Histórico, dada a recuperação histórica e política da criação das regras e das instituições judiciais, sem desconsiderar, contudo, a importância das ações estratégicas dos grupos governamentais (Gillman e Clayton, 1999; Kritzer, 2003; Gillman, 2004).

Na Mobilização do Direito, por fim, a ênfase na dimensão individual e

instrumental também se mantém, mas, agora, a partir de uma visão “de baixo para cima”, ou seja, não apenas considerando os valores, interesses e ações

de juízes e de governantes, mas também daqueles que mobilizam o direito, os

“usuários” da Justiça (McCann, 2008, 2010). Alguns vão se preocupar em

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O primeiro tipo de estudo toma o direito como uma entidade mônada e separada dos sujeitos, que podem instrumentalizá-lo caso tenham as capacidades e as oportunidades necessárias de assim fazê-lo. Se as decisões judiciais geralmente favorecem aqueles que possuem melhores condições, não é tanto em função das preferências particulares dos juízes, mas em função dos obstáculos institucionais que se colocam ao acesso dos cidadãos com poucas condições. Estando eliminados ou contornados esses obstáculos institucionais, através de reformas de ampliação do acesso à Justiça e de diminuição das desigualdades de capacidades, os valores particulares dos juízes já não importam tanto. A pressão exercida pelas demandas individuais por direitos, associada a uma maior abertura institucional do Judiciário, leva a uma mudança nas agendas de julgamento das cortes, resultando em uma

“revolução dos direitos” (Epp, 1998). O Judiciário pode, assim, produzir

mudanças sociais, tendo como condição o aumento crescente das demandas dos indivíduos por direitos e uma estrutura institucional adequada para ajudá-los.

As críticas centrais que foram direcionadas a esse primeiro tipo de trabalho se deram, principalmente, em função de eles enfatizarem mais a questão do acesso do que da “saída” ou dos resultados concretos das decisões

judiciais, que acabam mostrando que as Cortes ou que o Poder Judiciário como um todo não são capazes de produzir mudanças sociais (Rosenberg, 1991). Não se poderia negar a importância das mobilizações e das possibilidades de sucesso judicial, mas seria um erro tomar esses ganhos judiciais como a palavra final que leva de fato a uma mudança social, ou como uma decisão que coloca um ponto final em situações de disputas na sociedade e de destituição de direitos17. Os processos judiciais seriam apenas parte de um funcionamento político maior das instituições, e sobre eles agiriam

17 Rosenberg (1991) analisa, por exemplo, o caso de uma decisão histórica (

Roe vs. Wade) da

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constrangimentos de caráter estrutural ou sistêmico, como a falta de prerrogativas e de poderes do Judiciário que lhes possibilite de fato implementar transformações sociais. Segundo essa crítica, portanto, os ativistas e as mobilizações sustentariam uma esperança ingênua nas táticas

judicias, caindo no que ficou conhecido como o “mito dos direitos” (Scheingold,

2004 [1974]).

Diante disso, o segundo tipo de estudos da Mobilização do direito se coloca no limiar entre o primeiro tipo e a crítica a ele dirigida, como que dizendo

“nem tanto ao céu nem tanto à terra”. Influenciados, sobretudo, pelos trabalhos do “indeterminismo” dos Critical Legal Studies (que veremos mais adiante entre as abordagens estruturalistas), esses trabalhos vão dizer que as decisões judiciais, de fato, não são o ponto final ou o fim dos conflitos e das disputas na sociedade. Mas vão argumentar que elas nem poderiam ser o ponto final dos conflitos, na medida em que o direito comporta dentro de si uma constante disputa entre princípios conflitantes, que perpassam não apenas o processo judicial, como a ordenação e a constituição da sociedade como um todo. O importante é ver, em função das mobilizações populares, de seus entendimentos e de seu histórico de lutas políticas por direitos, qual é o significado e o que representa a mobilização judicial. Seria preciso, inclusive, relativizar o que é visto como “sucesso judicial”, na medida em que apenas o

ato de entrar com uma ação na Justiça já poderia representar uma conquista simbólico-concreta para os movimentos sociais, fazendo as instituições da Justiça olharem para os seus problemas, e catalizando ou impulsionando lutas e mobilizações em outras arenas políticas (McCann, 1994)18. O direito e as

instituições judiciais não seriam, assim, apenas um mito, pois teriam significado e impactos tanto simbólicos quanto concretos para os indivíduos e para os

18 Ao estudar o movimento das mulheres pela igualdade salarial nos Estados Unidos, McCann

(1994) fala sobre a importância da mobilização judicial para o aumento dos movimentos e dos debates políticos. Ele fala, por exemplo, de uma decisão judicial que mudou o foco de tratamento da equidade salarial, que retirou o foco individual sobre a questão para colocá-la no plano do que seria não mais uma discriminação individual, mas uma discriminação sistemática das mulheres no mundo do trabalho. Essa decisão gerou argumentos suficientes para impulsionar os movimentos, novas leis e a mobilização judicial pelo reconhecimento desse caráter sistemático e institucional da discrimação contra as mulheres, ainda que as respostas

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Tabela 1 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1940-1969)
Tabela 5 - Operações de Fiscalização e Inclusões na "Lista Suja" do Trabalho Escravo  (1995-2012)
Figura 1 - Atividades rurais em que foi encontrado trabalho escravo
Tabela 6 - Atividades rurais com trabalho escravo que foram parar no TST
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Referências

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