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Arte xávega na comunidade da praia da Vieira de Leiria: a sua patrimonialização

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Academic year: 2021

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I

Escola de Ciências Sociais e Humanas

Departamento de Economia Política

Arte Xávega na Comunidade da Praia da Vieira de Leiria: a sua

Patrimonialização

Hélia Carla Amado Rodrigues

Trabalho de projeto submetido como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Desenvolvimento, Diversidades Locais e Desafios Mundiais

Orientador:

Doutor Fernando Paulo Oliveira Magalhães, Professor Adjunto, Instituto Politécnico de Leiria

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I

Escola de Ciências Sociais e Humanas

Departamento de Economia Política

Arte Xávega na Comunidade da Praia da Vieira de Leiria: a sua

Patrimonialização

Hélia Carla Amado Rodrigues

Trabalho de projeto submetido como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Desenvolvimento, Diversidades Locais e Desafios Mundiais

Orientador:

Doutor Fernando Paulo Oliveira Magalhães, Professor Adjunto, Instituto Politécnico de Leiria

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II AGRADECIMENTOS

Em jeito de agradecimento:

Ao Professor Doutor Fernando Paulo Oliveira Magalhães pelo apoio, disponibilidade e orientação.

Ao Instituto Politécnico de Santarém pela disponibilidade concedida na publicação do trabalho realizado e pela cedência dos documentos existente no arquivo bibliográfico do Gabinete da Cultura Avieira. Um reconhecimento, muito especial, à Dr.ª Maria de Lurdes Véstia e ao Dr. João Serrano, Coordenador do Projeto de Candidatura da Cultura Avieira a Património Nacional e da UNESCO.

À Associação Portuguesa De Xávega, na pessoa do presidente José Vieira, por todos os esclarecimentos e convites para conferências e reuniões com o tema Arte Xávega.

À junta de freguesia de Vieira de Leiria, nas pessoas do presidente Joaquim Tomé e do tesoureiro Ilídio Faustino, pela disponibilidade demonstrada e cedência da bibliografia publicada, existente na Junta de Freguesia.

À câmara municipal da Marinha Grande, na pessoa do vice-presidente Paulo Vicente. À câmara municipal de Mira, nas pessoas do presidente Dr. João Reigota e vereador Luís Miguel Grego pelos esclarecimentos dados.

A todos os professores e professoras que estiveram presentes na minha caminhada académica

Aos meus familiares.

A todos os meus amigos que de alguma foram me ajudaram.

A toda comunidade da Praia da Vieira de Leiria, especialmente aos pescadores.

Para agradecer narro a minha memória descritiva, o largar da rede na primeira pessoa, da minha ida ao mar. No dia 6 de Setembro de 2012 tive a primeira vivência da ida ao mar no barco do mar meia-lua Lusitano.

Poder-se-á falar da Arte Xávega, mas não sem antes vivenciar, pelo menos uma vez, o ir ao mar e passar a rasa, intervalo entre a rebentação das vagas, e largar a rede no barco meia-lua, o Lusitano.

Que rasa, que tantas ondas tinhas!… E tanta pancada nos deste!... O “motorista” gritava: - “…está seguro, está seguro, agarrem-se…”

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III

Eu, pequena, estava protegida à direita, à esquerda e atrás pelos Homens do Mar mas, mesmo assim, o vazio do estômago pairou e nem o coração cheio de uma vivência, que espero repetir, amainou esse vazio…

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IV

R

ESUMO

O presente projeto tem como objetivo perceber a metamorfose da Arte Xávega em património cultural, a sua relação com o desenvolvimento local assim como com a construção da identidade da comunidade da Praia da Vieira de Leiria.

O passado e o presente da Praia da Vieira, as suas gentes e saberes foram o mote de partida para este estudo de caso. Neste trabalho procuro, recorrendo a bibliografia especializada nos domínios da identidade, património cultural, valor de uso e valor simbólico dos objetos, entender o processo de patrimonialização da Arte Xávega na Praia da Vieira e o seu contributo para o desenvolvimento local.

Esse processo implicou o estudo da Arte Xávega na Praia da Vieira de Leiria enquanto atividade económica que, confundindo-se com a génese da comunidade, se continua a praticar na atualidade. Aferi sobre a hipótese da transformação de objetos de uso em objetos simbólicos, criando, a partir deles uma rota cultural e um centro de interpretação da Arte Xávega. Por um lado espero contribuir para a preservação da memória nesta comunidade, bem como proporcionar algum dinamismo e empreendedorismo local.

Palavras-Chave: Valor de uso do objeto/ valor simbólico, património cultural,

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V

A

BSTRACT

This project aims to understand the Arte Xávega metamorphosis in cultural heritage, is relationship with local development as well as the construction of the Praia da Vieira de Leiria identity.

The Praia da Vieira past and present, their people and knowledge were the starting point for this case study. In this work I try, using specialized literature about identity, cultural heritage, use value of objects and symbolic value of objects, to understand the Arte Xávega transformation in heritage at the Praia da Vieira and its contribution to the local development.

This process involved the Praia da Vieira de Leiria Arte Xávega study while economic activity that, mingling with the genesis of the community, still practiced nowadays. I studied the possibility of transforming utilitarian objects in symbolic objects, creating from them a cultural route, and an Arte Xávega interpretation center. I hope to contribute to the memory preservation of this community as well as providing some local development and entrepreneurship.

Key words: Utilitarian objects in symbolic objects, cultural heritage, identity, local

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VI

Í

NDICE

Resumo ... IV Abstract ... V INTRODUÇÃO... 1 CAPÍTULO I ... 7

ARTE XÁVEGA O CASO DA PRAIA DA VIEIRA DE LEIRIA: ONTEM E HOJE ... 7

Arte Xávega: as Origens na Praia da Vieira de Leiria ... 9

As companhas da Arte Xávega de Ontem ... 11

A Arte Xávega de Hoje ... 13

1. Viking ... 15 2. Lusitano ... 17 2.1. Princesa do Liz ... 18 2.2. Maroto ... 20 3. Deus TE Salve ... 22 4. Eu só ... 24 5. Senhora Da Luz ... 26 CAPÍTULO II ... 29

ARTE XÁVEGA: IDENTIDADE, PATRIMÓNIO CULTURAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL ... 29

Identidade ... 30

Valor De Uso E Valor Simbólico Dos Objetos ... 32

Património Cultural ... 33

Promoção Turística ... 34

Desenvolvimento Local ... 36

CAPÍTULO III... 38

PATROMONIALIZAÇÃO DA ARTE XÁVEGA... 38

Arte Xávega: Laços De Pertença ... 38

Roteiro/ Passeio Turístico Na Praia Da Vieira de Leiria ... 41

O Centro De Interpretação Da Arte Xávega: Sua Criação Numa Casa Palafítica ... 44

CONCLUSÃO ... 51

BIBLIOGRAFIA ... 56

OUTRAS FONTES ... 61

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VII

LEGISLAÇÃO ... 61

ANEXO EM CD-ROM ... 62

Í

NDICE DE

F

OTOGRAFIAS

FOTOGRAFIA 1-CASAS PALAFITICAS EOS BARCOS DO MAR ROBALEIRAS NA PRAIA DA VIEIRA DE LEIRIA,ANO 1930. 4 FOTOGRAFIA 2–PAREDÃO DA PRAIA DA VIEIRA DE LEIRIA,ANO 2013 ... 8

FOTOGRAFIA 3–AREAL DA PRAIA DA VIEIRA DE LEIRIA COM AS COMPANHAS LUSITANO,VINKING E DEUS TE SALVE 14 FOTOGRAFIA 4–BARCO DO MAR MEIA-LUA VIKING ... 15

FOTOGRAFIA 5–1º DIA DE PESCA DO BARCO DO MAR MEIA-LUA LUSITANO DE 2013 ... 17

FOTOGRAFIA 6–BARCO DO MAR MEIA-LUA PRINCESA DO LIZ ... 18

FOTOGRAFIA 7–BARCO DO MAR MEIA-LUA MAROTO,2011 ... 20

FOTOGRAFIA 8–BARCO DO MAR MEIA-LUA DEUS TE SALVE ... 22

FOTOGRAFIA 9-BARCO DO MAR MEIA-LUA EU SÓ ... 24

FOTOGRAFIA 10–BARCO DO MAR MEIA-LUA SENHORA DA LUZ MAIS CONHECIDO POR PELES ... 26

FOTOGRAFIA 11-AVIEIRAS A FAZER REDES PARA A APANHA DA ENGIA NO RIO LIS, NASSAS CONHECIDAS NA GIRIA POR NARÇAS, E A VENDER CAMARINHAS, ANO 1955. ... 36

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INTRODUÇÃO

As minhas memórias de infância da Praia da Vieira de Leiria e a vivência da safra nas suas companhas, Lusitano, Viking, Deus Te Salve, no verão de 2012, levaram-me a realizar uma pesquisa que espero relevante e de interesse para esta comunidade. Centrei-me no entendimento da hipótese de metamorfose da Arte Xávega em Património Cultural, assim como na pertinência de este ser incluído no Dossier de Candidatura da Cultura Avieira a Património Nacional, a apresentar à Secretaria de Estado da Cultura e à UNESCO, por enaltecer a origem dos avieiros e as suas migrações para as margens do Tejo e do Sado.

Passar a zona de rebentação, a cabeça do mar, foi uma vivência que me fez sentir que a Xávega é uma Arte de desafio, que desperta o Eu sou capaz!

Passar a crista da onda e cair no vazio do mar, nas vagas, é um tumulto de emoções. Ver a proa alta, ainda mais alta, lembra o quão pequenos somos. A Xávega é uma atividade piscatória qualificada como profissão de alto risco, leva a pensar no infortúnio, no que pode vir acontecer. O otimismo é, por isso, o maior amigo destes Homens do Mar.

A vivência da incerteza de que vamos ultrapassar a zona de rebentação, a cabeça do mar, e que vamos entrar na acalmia do mar, contrabando, é rompida com o meio lago que nos indica que temos de esperar por uma nova rasa.

A respiração foi uma aliada para que tivesse sido conseguida a expetativa depositada na ida ao mar.

É claro que os Homens do Mar, com a sua sabedoria, jogam com o saber para que a possibilidade do acaso das próximas ondas não rebentem provocando o infortúnio.

O barco, Lusitano, cavalgava as ondas como se as tratasse por tu, capricho ou sorte da sabedoria do arrais e dos restantes Homens do Mar.

Já em alto mar a rede era lançada com a expetativa, por parte dos Homens do Mar, que o peixe habitasse as águas que o Lusitano cavalgava com a sua proa, e, era esperado um golpe de sorte em que ele fosse arrastado até à costa e lá se entregasse ao saco. Um golpe de sorte pois a Arte Xávega é apelidada de pesca cega.

Os Homens do Mar transpõem todos os dias o seu destino e o acaso, ultrapassam a escassez que vem na rede e/ou a abundância que a mesma pode trazer. No sentido de que esta expetativa se confirme, o barco tem que arribar, ou seja, tem que sair do mar, para isso terá que encontrar uma rasa, os motores terão que trabalhar no seu limite máximo para que cheguem a terra, o Lusitano e os Homens do Mar.

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Em terra ficou uma corda, o recebeiro, com ligação às mangas e ao saco, a chamada rede Xávega, que se encontra dentro do Lusitano. Após os Homens do Mar lançarem as últimas boias da corda/cabo de alagem antes das mangas, com a finalidade de se certificarem que a rede vem orientada, e os calões a si presos, indicam o início da manga, seguindo-se as mangas e o saco que a entrada tem a folha de boca com boias e a panda-mestra ao centro e no fim, a calima que indica o fim do saco.

Depois da azáfama de largar a rede há que arribar, voltar a terra, levando outra parte da corda, mão-de-barco, que está presa à manga e ao saco para assim dar início ao puxar a corda; calões ou cabos de alagem, chamados de reçoeiro e de mão-de-barco, isto é alar a rede com os aladores que estão presos ao eixo do motor dos tratores. Enquanto os Homens do Mar aducham a corda, puxá-la e dobrá-la em semicírculos, que sai do mar, voltam a colocar tudo dentro do barco o que se denomina de aparelhar o barco, para voltar a dar um lanço.

Presenciar a azáfama dos Homens do Mar aquando da recolha das redes, os gritos entre si e a sua tolerância para com os veraneantes é uma dicotomia de emoções. Ver nos seus rostos o alento ou o desalento da abundância ou da escassez dos reflexos prateados da sardinha, da cavala e do desejado carapau, é uma tela viva!

Em suma, vivenciar esta experiência não deveria ser privilégio de alguns mas sim de todos, por isso porque não pensar na elaboração de um roteiro turístico baseado no trajeto histórico e atual da Arte Xávega?

Serve o presente estudo de caso o objetivo de perceber a transformação da Arte Xávega em património cultural, a sua relação com o desenvolvimento local e com a construção da identidade da comunidade da Praia da Vieira de Leiria. Subjacente a este objetivo, pretende-se estudar formas e condições de preservação deste tipo de património cultural. Outro dos objetivos consiste, ainda, em identificar um possível roteiro cultural, cuja matriz seja o património cultural associado à Arte Xávega da comunidade piscatória da Praia da Vieira de Leiria. Pretende-se, por fim, criar condições para a edificação no terreno de um centro de interpretação da Arte Xávega, de forma a possibilitar aos cidadãos o conhecimento desta arte de pesca.

O local de estudo é a comunidade da Praia da Vieira. Relativamente ao processo de transformação dos objetos associados à Arte Xávega em património cultural, a construção do roteiro e do centro de interpretação dependem de financiamento e de decisores políticos, económicos e culturais, entre outros. Mas a eficácia destas medidas mede-se pela aderência de toda a comunidade, em geral, e dos pescadores em particular, aos projetos denominados. Bourdieu (1989: 116) refere que a representação é um ato que reconhece e tenta trazer à

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existência a coisa nomeada, pode resultar se aquele que o realiza for capaz de fazer reconhecer a sua palavra e o poder que ela assume por uma usurpação provisória ou definitiva, o de impor uma nova visão a uma nova divisão social. O objeto de estudo centra-se nos indivíduos da comunidade da Praia da Vieira que praticam a Arte Xávega, pescadores que sejam, em simultâneo, gerentes das companhas existentes. São eles que enunciam e mantém viva a Arte Xávega.

A metodologia adotada centra-se no estudo de caso, que é definido por Yin (em, Carmo e Ferreira, 1998: 216) como “uma abordagem empírica que: investiga um fenómeno atual no seu contexto real; quando, os limites entre determinantes fenómenos e o seu contexto não são claramente evidentes; e no qual são utilizadas muitas fontes de dados.” Neste sentido procedi a recolha documental.

A seleção documental é fundamental para a credibilidade do estudo. De acordo com Bell (1997), esta fase da investigação assume relevante importância para a elaboração de um documento credível. Na recolha documental é importante colocar questões relacionadas com a existência de outras fontes que corroborem a data do documento. A recolha de informação escrita assenta em diferentes instrumentos tais como estudos académicos, brochuras, folhas informativas, livros, internet e documentos individuais datados e existentes no Arquivo Distrital de Leiria assim como nas bibliotecas Municipais de Leiria e da Marinha Grande e na Associação para a Promoção da Cultura Avieira. A confrontação da informação contida nas diferentes fontes permite fazer a ponte entre uma época distante e a atualidade. A informação conseguida pela análise de documentos tem como intuito a confrontação e fundamentação da informação recolhida na observação direta e participante, nas entrevistas exploratórias e com as conversas informais registadas em diário de campo.

Todo este processo de investigação será complementado com a observação participante na comunidade a ser estudada. Num estudo de caso importa ter presente as entrelinhas da mensagem. Observar é mais que ver, é estar atento e ativo à mensagem, sendo que para realizar a observação direta participei com os pescadores na atividade da escolha e venda do pescado e por várias vezes estive presente no largar da rede, em alto mar, no barco do mar meia-lua. Assim, foi possível a integração e participação no grupo em observação, sendo a mesma registada em diário de campo e em registo fotográfico. A minha participação permitiu, por um lado, a recolha de informação, por outro, o acesso aos informantes para a elaboração das entrevistas exploratórias.

A opção seguinte, entrevistas exploratórias, fixa-se na importância de confirmar a observação direta participante com as ideias e pensamentos dos atores sociais da comunidade.

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Desta forma, tem-se acesso aos informantes privilegiados, podendo recorrer-se à comunicação verbal entre duas pessoas, que possibilita uma melhor recolha de dados. As entrevistas foram gravadas em registo áudio, com autorização dos informantes. Posteriormente foram transcritas, sem revisão de texto e na íntegra. O seu conteúdo foi lido, analisado e organizado por temas1 segundo Bardin (2009).

No presente estudo de caso os entrevistados, para serem diferenciados entre si, são identificados por informantes, associados ao nome das companhas que representam. A entrevista é baseada em partes da história de vida que é sempre individual e única, sendo contada a partir da perspetiva e à luz da vivência do indivíduo que narra a sua história. Ela está, portanto, imbuída de subjetividade inerente ao narrador.

O investigador deve ter um conhecimento relativo sobre o problema de partida, fazendo o menor número de perguntas. O entrevistado, por seu lado, tem liberdade total para expressar os seus pensamentos (Quivy & Campenhoudt, 2003).

Enquanto observadora procurei estudar de que forma a Arte Xávega se poderia manter como memória viva para as gerações futuras enquanto atividade mais simbólica, do que económica, de um grupo. Com esta investigação procuro contribuir para a patrimonialização daquela arte de pesca. O espírito presente é o de que as gerações atuais não deixem de lado a herança que lhes foi cedida pelos seus antepassados, desenvolvendo a consciência de que devem agir para a legar às gerações vindouras.

Entendamos por Arte Xávega o processo dinâmico em volta da atividade da pesca de cerco e arrasto para terra. Envolve o barco, as redes e todos os utensílios associados à pesca, assim como a forma de pescar, a gastronomia, o vestuário, as migrações e toda a sua forma de viver e estar (Nunes, 1993, 2004, 2005; Nunes, 2008; Salvado,1985; e Lopes e Lopes, 1995).

FOTOGRAFIA 1- CASAS PALAFITICAS E OS BARCOS DO MAR ROBALEIRAS2 NA PRAIA DA VIEIRA DE LEIRIA, ANO 1930.

Fotografia de Autor Desconhecido

1 Ver anexo I, guião de entrevistas, e anexo II entrevistas registadas em áudio, a sua transcrição sem revisão de

texto e grelha de análise de conteúdo, em CD-ROM.

2 Os barcos do mar robaleiras usavam como rede de cerco e arrasto uma manga da rede Xávega que cercava os

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Lopes e Lopes (1995: 7) referem que “esta gente continua a lutar por um modo de vida aparentemente condenado pelo progresso e pelas autoridades (…) Com isto vai-se perdendo uma tradição que foi a razão de ser de muitas praias.” Da mesma forma, Alfredo Pinheiro Marques refere que a Arte Xávega:

Está a ser sacrificada no altar de um “progresso” que, afinal, tem sido simplesmente aculturação: estúpido desinteresse (socialmente complexado), e boçal ignorância (doutoral) perante todas as tradições genuínas e todos os saberes antigos. Um “progresso” que, afinal, tem sido, uma vez mais (ainda e sempre, como em tantas outras épocas anteriores da História de Portugal...), sinónimo de desleixo, desprezo e arrogância perante tudo o que cheire a povo e a sal e a pobreza (Marques, 2010: 2).

A observação realizada na Praia da Vieira confirma que a Arte Xávega corre o risco de se extinguir, por ser uma atividade que o poder local vai tolerando sem tomar medidas de promoção e defesa. Importa, pois, promover a Arte Xávega junto do poder local para que este, democraticamente sufragado pelo voto popular, a possa proteger.

No trabalho de campo notou-se a falta de objetos culturais patrimonializados e de um local que ancore esse mesmo património cultural da comunidade da Praia da Vieira de Leiria enquanto referência para a identidade da mesma. Nos contactos informais com o poder autárquico e local foi visível o desapego e a pouca atenção dada ao património local. Mostraram, contudo, interesse em estabelecer uma rota turística que promova a Arte Xávega conjugada com a Cultura Avieira.

Durante a elaboração do presente projeto senti dificuldades que, de alguma forma, explicam as opções tomadas para a sua elaboração. A recolha de informação foi condicionada pela desconfiança dos pescadores, que no presente momento se encontram em luta por melhores condições nos apoios à Arte Xávega. Mais especificamente, na legalização da venda do peixe imaturo que sai no primeiro lance e na primeira venda, ou seja na venda fora da lota. As autoridades não concordam com essa atividade e têm feito fiscalização intensiva, o que dificultou a minha pesquisa. Os pescadores pensavam que eu colaborava com as autoridades. Para colmatar esta desconfiança durante a safra do ano 2012 e início da safra de 2013 envolvi-me com os pescadores na faina. Assim pude realizar a observação que permitiu quebrar barreiras com os informantes. Apliquei as entrevistas exploratórias ao invés de questionários que me davam a conhecer a população de pescadores quantitativamente, que neste caso

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seriam um dado acessório. Friso a dificuldade sentida na transcrição e interpretação das entrevistas devido ao vocabulário próprio dos pescadores.

Um outro ponto é a questão de género, ou seja a nudez na troca de roupa para fatos de mergulho e vice-versa, a robustez física exigida nas atividades piscatórias, bem como certos comentários que dificultaram inicialmente o convívio e a integração. Este ponto foi colmatado ao fazer-me acompanhar com pescadores que já conhecia.

Outra questão que interferiu na investigação foi o intervalo de tempo compreendido para recolha de informação que limitou o levantamento detalhado de todo o património considerado pelos informantes, bem como a questão económica.

No sentido de concretizar os objetivos a que me proponho, o projeto encontra-se estruturado em três capítulos, antecedidos da introdução e precedidos pela conclusão.

Na introdução abordo o diagnóstico, os aspetos e as justificações que me levaram à realização do presente projeto. Apresento os objetivos e o objeto de estudo, como a metodologia utilizada e ainda as dificuldades encontradas.

No capítulo I ocupo-me em compreender as origens da comunidade da Praia da Vieira, da Arte Xávega e das companhas da Arte Xávega até a atualidade.

No capítulo II explano alguns dos conceitos chave desta investigação. Importa enquadrar teoricamente no presente capítulo os factos historiados no capítulo anterior. Neste sentido, consultou-se bibliografia que permitiu fundamentar os conceitos de identidade, património cultural e de desenvolvimento local. Está subjacente a estes, o conceito de valor de uso e valor simbólico dos objetos e de sua patrimonialização, bem como a promoção turística. Importa clarificar e articular estes conceitos entre si para que se fundamente teoricamente o estudo de caso e, deste modo, se obtenha conexão entre os dados obtidos na investigação e as conclusões da fundamentação teórica.

No capítulo III apresento os resultados do presente estudo de caso com base nas respostas conseguidas nas entrevistas exploratórias, bem em como a utilização do diário de campo onde efetuei recolha de informação proveniente da observação direta participante e recolha fotográfica das atividades diárias na dinâmica local.

E, por fim, na conclusão realizo algumas considerações com base em todas as informações obtidas e analisadas.

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CAPÍTULO

I

ARTE

XÁVEGA

O

CASO

DA

PRAIA

DA

VIEIRA

DE

LEIRIA:

ONTEM

E

HOJE

Não foram imagens de um filme, esses tempos! Fizeram de um cenário onde a realidade de miséria, trabalho, fome, morte e desesperança, foram a companhia desta gente (…) É importante que não seja esquecida e apagada da memória a lembrança de um povo que viveu quase sempre no limite do impossível (Vicente, 2008: 11).

A Praia da Vieira de Leiria é uma localidade da freguesia da Vieira de Leiria que pertence ao concelho da Marinha Grande e ao antigo distrito de Leiria, situando-se no litoral centro português. Os dados recolhidos na junta de freguesia de Leiria, aludem que a população residente na Praia da Vieira é de 729 pessoas sendo 342 homens e 387 mulheres.

A história e o surgimento desta localidade, sendo resultado da conquista dos homens e das mulheres às revoltas águas do mar, são indissociáveis do ofício da pesca. De acordo com Nunes (2008) a arte da pesca iniciou-se antes do povoamento da Praia da Vieira de Leiria. Por outro lado o aparecimento das companhas3 gera alguma controvérsia, não pudendo ser necessariamente associado ao começo da Arte Xávega. Contudo, o trabalho nesta arte piscatória implicava a angariação de pescadores para a formação das companhas.

No verão de 2012 encontravam-se a laborar seis companhas (Lusitano, Viking, Deus Te Salve, Princesa do Liz, Eu Só e a Senhora da Luz). Segundo a observação efetuada, a conversa informal e as entrevistas realizadas aos informantes, conclui-se que em cada uma delas laboram perto de trinta pescadores, oriundos da Praia e Vila da Vieira de Leiria.

A Arte Xávega é, também, uma atração turística, como é percetível na fotografia 2, com os veraneantes a observar, junto do paredão, a praia e a faina. Ao fundo da fotografia é visível a lota e o aglomerado de pessoas a assistir e/ou a comprar o peixe acabado de sair das redes, contribuindo, dessa forma, para a economia e desenvolvimento local.

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FOTOGRAFIA 2 – PAREDÃO DA PRAIA DA VIEIRA DE LEIRIA, ANO 2013 Fotografia da Autora

A Arte Xávega faz parte do passado mas também do presente do futuro, quanto mais não seja, pretende-se que faça parte do quadro de memórias das gerações vindouras. Assim, importa perceber a transformação da Arte Xávega em património cultural e a sua relação com o desenvolvimento local, bem como a construção da identidade da comunidade. Como refere Nunes (2009: 2) a comunidade da Praia da Vieira de Leiria é guardiã “de uma memória colectiva, ímpar no contexto da história nacional, um arquivo vivo e dinâmico”. Véstia (2012) defende que os representantes mais antigos destas populações são considerados como porta-vozes da memória que importa ouvir para salvaguardar e evitar mais perdas das memórias dos saberes, do saber fazer e dos fazeres, bem como assim fica a garantia que este conhecimento passa às gerações vindouras.

Da dinâmica do meio ambiente marítimo costeiro resultaram atividades particulares e únicas que estiveram na base da construção da identidade daquela comunidade piscatória, que se pretende estudar para melhor compreender os costumes e as mentes do povo dessa zona geográfica. A Arte Xávega é uma dessas atividades marítimas. De acordo com Alfredo Pinheiro Marques, a Xávega era exclusiva do Algarve tendo-se extinguido em meados do século passado, no que é corroborado por Mano (1997: 350) que refere a “Xávega, que era praticada no Algarve, e cuja designação veio a ser abusivamente alargada a todo o Portugal por via administrativa e burocrática”. Não se podendo afirmar ao certo quando e onde começou a Arte Xávega, sabe-se no entanto, que esta arte de pesca continua a ser praticada na

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comunidade da Praia da Vieira de Leiria. Ao logo da presente investigação, Arte e Xávega surgem a par, para designar a mesma realidade cultural, a da Arte Xávega.

ARTE XÁVEGA: AS ORIGENS NA PRAIA DA VIEIRA DE LEIRIA

O Centro de Portugal (…) [povoado por] homens e mulheres «sozinhos com Deus e o Mar» nascidos da expansão setecentista, para sul dos pescadores da Arte, com os seus palheiros palafíticos e os seus fabulosos barcos («o mais belo barco do mundo»…) em forma de meia-lua (uns e outros, os palheiros e os barcos, construídos com a mesma madeira da mesma árvore, o pinheiro marítimo dos litorais atlânticos) (Marques, 2012: 2).

Nunes (2008: 17) afirma a existência de registos “documentais que atestam a prática da pesca em diversas localidades da zona xávega”, nos séculos XVI e XVII. As zonas de pesca eram exploradas pelos lavradores das regiões agrícolas que se localizavam nos estuários dos rios, como o caso do rio Lis. No séc. XV, os lavradores desciam o rio Lis para capturar o pescado, existindo menções a uma embarcação que entrava e saía do mar pelo rio ou atravessava a praia à força de braços. É deste movimento que se dá o povoamento da Praia de Vieira de Leira, no século XVI.

Por outro lado, o rei Dinis, no século XII, não herdou um reino muito extenso e com terras férteis à sua disposição. Como Marante (2005: 68) refere “os reguengos, terras do domínio do rei ou da Coroa, encontravam-se por esta altura bastante fragmentados em unidades de exploração familiar, à exceção do extenso reguengo de Ulmar, em Leiria”. O rei Dinis traçou o ordenamento do território, para que se tornasse mais produtivo. No caso de Leiria, iniciou a intervenção com a secagem de vários pântanos, procedendo à reorganização dos cerca de 2000 hectares que compõem o Pinhal de Leiria. Substituiu os pinheiros mansos por bravos e plantou-os onde não existiam, com o objetivo de travar a destruição das dunas, a erosão pelos ventos da costa, a subida da água salgada do mar e ainda de servir os interesses comerciais marítimos, pela construção naval, a partir dos pinheiros ali cortados. As caravelas realizavam a exportação de produtos agrícolas e peixe salgado para Inglaterra e França (Cruz, 1995; Marante, 2005; Magalhães, 2012; Margarido, 1988; Nogueira, 2006; Pinto,1938; Pinto,1939; Nunes, 2004; Serrão, 1971).

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A pesca e a extracção de sal eram actividades muito importantes para a economia ao tempo de D. Dinis. Para o seu desenvolvimento contribuíram não só a extensão e a configuração do litoral do País, dotado de bons portos, como também o regime dos ventos, correntes e marés, rios navegáveis e uma costa rica em peixe (Marante, 2005: 86).

Em suma, o desenvolvimento do litoral centro português, correspondente à região de Leiria, teve o rei Dinis como seu grande percursor, que o desenvolveu e o povoou com homens agricultores, lenhadores e pescadores.

O povoamento efetivo desta região remonta ao reinado do rei Dinis, que incentivou o modo de vida a partir da agricultura, do Pinhal e das Artes da pesca. Para Lopes e Lopes (1995: 18) “o grande areal que vai de Espinho a Vieira de Leiria era praticamente deserto e rodeado de terras inférteis até ao dia em que chegaram os pescadores da arte xávega”.

Álvaro de Campos, leiriense, realizou um filme/documentário amador denominado, Gentes da Praia Da Vieira, em que recolhe testemunhos das Gentes da Vieira, em 1975. O filme documenta que na zona da Praia da Vieira, junto ao rio Lis, existiam muitos estaleiros para a exploração da madeira, o que exigia a permanência de muitos homens que trabalhavam com a mesma. A sua alimentação era assegurada pelos pescadores. Assim, o Estado ofereceu facilidades aos pescadores que para ali se deslocassem4, concedendo-lhe madeira para a construção dos barcos e das casas e as dunas como local para a edificação das mesmas.

A madeira começou a ser utilizada para outros fins que não os transportes, levando o Estado a abandonar os estaleiros. O vento destruía as casas, o rio alagava-as e tudo quanto estava no seu caminho e os invernos rigorosos impediam a pesca. Estes fatores obrigaram as Gentes da Praia da Vieira a migrar, uns foram para o norte e beiras serrar lenha, outos para o Alentejo, mas, a maior parte, ia para a borda-d’água, para o rio Tejo5.

Estando extinto o ofício de serrador e permanecendo ainda hoje em menor escala o ofício de agricultor, destaca-se, ainda, o ofício de pescador, que permanece como testemunho vivo de um modo de vida que levou ao povoamento e ao desenvolvimento local a partir de um recurso endógeno, o pescado. A Arte Xávega teve um papel preponderante na génese da Praia da Vieira de Leiria.

4

Os pescadores deslocavam-se de várias localidades: Quiaios, Leirosa, Mira, Ílhavo, entre outras. As suas famílias eram, frequentemente, alcunhadas com os nomes das terras de onde vinham.

5

Carriço (2013: 13) refere “a faina da pesca na arte xávega, deixada pelos nossos antepassados, era uma profissão ocupada na época da primavera, verão e, por vezes, parte do outono. Estas gentes (…) passavam o resto do ano dedicando-se à pesca do sável e das enguias nos rios do Alentejo e do Ribatejo. Outros com as suas serras braçais, deslocavam-se para os pinhais na Beira Alta, abatendo e serrando os pinheiros dessas matas, deixando nesses locais toda a cultura e costumes destas gentes de Vieira.”

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AS COMPANHAS DA ARTE XÁVEGA DE ONTEM

As companhas da Arte Xávega da Praia da Vieira agregam todo um conjunto de indivíduos e artes ligadas à pesca. Destas fazem parte pescadores carpinteiros que constroem os barcos e os mantêm em condições de ir ao mar, pescadores remendões que fazem as redes e as remendam, pescadores vendedores, pescadores que vão ao mar largar a rede e pescadores que fazem os trabalhos de terra, assim como os materiais. O informante da companha Senhora da Luz lembra:

Os pescadores passaram muito! Esta gente passou muito! Porque foram muitos anos, foram muitos anos de miséria, (…) até se erguerem e de repente q’ando conseguem alguma coisa tá-se-lhe a ser retirado tudo e mais alguma coisa. E isto requereu muito trabalho, muita luta, (…) muita luta!

Nunes (2004: 15) apresenta três períodos temporais da evolução e organização das companhas da Arte Xávega: o tempo dos senhorios, tempo das sociedades e o tempo de resistência.

O primeiro, o tempo dos senhorios, que vai desde o liberalismo até aos anos 30 do século XX é marcado pela “liberalização progressiva, pela penetração do capitalismo na pesca e pela proletarização dos pescadores”. As companhas passaram de sociedades constituídas por vários investidores para um número reduzido de investidores/patrões.

Um outro período surge após a especulação capitalista, denominado, o tempo das sociedades. Nesta altura desapareceram várias companhas, despontando novas sociedades que se desagregam dando lugar a companhas mais reduzidas. Este período vai desde o final dos anos 30 até aos anos 50 e 60, do século XX, onde desaparecem as duas últimas grandes embarcações, os Raposeiros e os Falcões.

O último período, o tempo de resistência, em que se dá a multiplicação das pequenas sociedades e a redução das companhas, barcos e redes. Nunes (2004) diz-nos que, este tempo abrange as últimas três ou quatro décadas do século XX até aos dias de hoje6.

Esta evolução das relações e da dinâmica da Arte Xávega tem um papel importante no desenvolvimento da identidade local e regional e numa leitura de percursos sazonais a nível nacional.

6Ver Nunes, Francisco Oneto (1993), Vieira de Leiria. A História, O Trabalho, A Cultura, Vieira de Leiria: Junta

de Freguesia de Vieira de Leiria. Capítulo A Pesca da Xávega pp. 203-225. Nesta parte do texto, o autor realiza uma investigação e enuncia os barcos existentes do tempo da resistência.

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Nos três séculos passados, XVIII, XIX e XX, a comunidade piscatória da Praia da Vieira de Leiria, conhecidos como os Avieiros, iniciaram um dos processos migratórios para os rios Tejo e Sado, difundido assim pelo país a Cultura Avieira com raízes na Arte Xávega. Redol (1967: 34) na sua obra Avieiros menciona que “ir para o rio de Lisboa tornara-se viagem de muitos; era caminho antigo da gente da Vieira.”

O presidente da junta de freguesia de Vieira de Leiria aquando da entrevista afirma:

A Cultura Avieira está viva ainda. Mas digamos que tomou um novo alento com este movimento da apresentação da Cultura Avieira a Património Nacional. Restam ainda alguns avieiros ou pessoas que nasceram ainda no Tejo e outros que foram em pequenos avieiros e essas pessoas tem um interesse muito particular em avivar, em sobre tudo não deixar morrer essa que é uma parte importante da história da Praia da Vieira.

A minha investigação permitiu contactar os porta-vozes da Cultura Avieira: Primavera Lourenço Mira, Maria Secundina Botas Rego Farto, Augusto Pelena, Idalina Tomé Pedrosa, Maria de Lurdes Penela, Adriano Tomé e Adriano Tomé Pereira. Recolhi dados de uma parte da sua história de vida, que possibilitou a concretização da brochura informativa7 entregue a cada um dos avieiros mencionados, numa homenagem realizada no dia 29 de junho de 2013, na Praia da Vieira de Leiria, aquando da festa de abertura da época balnear.

Salvado lembra:

Quando o inverno chegava e o vento punha em movimento as areias brancas e trazia as nuvens negras carregadas de chuva dos lados do mar, parecia também dar movimento a toda a população da praia: os homens do mar tornavam-se serradores, comerciantes, comerciantes de peixe, pescadores doutros rios (Salvado, 1985: 11).

O movimento migratório dos avieiros foi perdendo intensidade entre os anos 30 e 50 do século XX. Após um período de epidemias, seguiram-se anos de escassez de peixe, dificuldade da pesca pelas águas revoltas do mar, a incerteza da continuidade das companhas devido à mudança frequente de donos, o aumento do número de filhos e as despesas inerentes às deslocações influenciaram os avieiros a fixarem-se nas margens dos rios Tejo e Sado, e na praia (Nunes, 2004; Nunes, 2008; Véstia & Rafael, 2012).

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Este movimento migratório está extinto. Os Avieiros entrevistados mencionam que iam para o rio Tejo por ser um processo migratório de linhagem, nos meses de inverno não se praticar a Arte Xávega e para ter o que comer.

Como a sazonalidade da Arte Xávega ainda se mantém, urge perguntar do que vivem hoje os pescadores? Uma das formas é a pesca do meixão, atividade ilegal da Praia da Vieira de Leiria; da apanha do perceve, da enguia, da lampreia, do berbigão e da amêijoa no rio Mondego; da pesca com o auxílio da rede: majoeira8, branqueira e tarrafa, sendo esta ilegal, e do corrimão 9.

O inverno 2012/2013 foi particularmente rigoroso, com consequências na faina piscatória, como testemunhado pelo informante da companha Senhora da Luz:

Alguns [pescadores] tem licenças das majoeiras, é pá e este íano facto foi fraco (…) custa-me também a aceitar como é que eles conseguiram sobreviver este inverno, mas prontos são pessoas que ariscam outra área, vamo lá ver, são pessoas que nã conseguem tar paradas, o vão com as ameijoeiras ou vão com a cana ou fazem sempre qualquer coisa p’ra tentarem sobreviver. Mas este inverno foi um bocado doloroso!

Esta dinâmica contribuiu para o desenvolvimento local da comunidade da Praia da Vieira de Leiria deixando como testemunho vivo um conjunto de bens que devem constituir hoje o património cultural de comunidade.

A ARTE XÁVEGA DE HOJE

As companhas de hoje evoluíram a partir dos usos e mestrias dos Homens do Mar de ontem. As suas memórias trouxeram até aos dias de hoje um conjunto de bens associados à Arte Xávega que importa salvaguardar. Marcaram também as vidas dos trabalhadores desta vila costeira.

8 Meijoeira ou ainda ameijoeira, nomes que se dão à rede de emalhar que os Homens do Mar colocam nos

bancos de areia, coroas, mar adentro na baixa-mar.

9Trabalho de investigação realizado pela autora e publicado pelo Instituto Politécnico de Santarém com

coordenação do Gabinete Coordenador do Projeto. Rodrigues, Hélia Carla Amado (2013), “Artes de subsistência dos pescadores da Vieira de Leiria”, em Cultura Avieira Um Património, Uma Identidade, Folha informativa (34), Santarém, Instituto Politécnico de Santarém. Ver anexo IV, em CD-ROM.

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Na Praia da Vieira de Leiria existem cinco sociedades de pescadores ligados à Arte Xávega. São elas Viking, Deus Te Salve, Eu Só, Senhora da Luz e Lusitano.

Estas cinco sociedades estão divididas em sete companhas, correspondentes a outros tantos barcos. Três barcos e respetivas companhas pertencem há mesma sociedade, a do Lusitano, em que para além do barco Lusitano, se incluem o Princesa do Liz e o Maroto.

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FOTOGRAFIA 3 – AREAL DA PRAIA DA VIEIRA DE LEIRIA COM AS COMPANHAS LUSITANO, VINKING E DEUS TE SALVE

Fotografia da Autora

O informante da companha Deus Te Salve historiza as suas memórias e narra o fim dos grandes barcos, Raposeiro e Falcão, nos anos 70, do século passado. Na sua perspetiva deveu-se ao facto de não haver homens nem juntas de bois que puxassem as redes. Para colmatar essa falta, os Homens do Mar construíram barcos e redes mais pequenas puxadas a tirante, atividade que persistiu até ao ano 2004.

Nos últimos quarenta anos verificou-se alguma inovação nas artes de pesca, facto afirmado pelo informante da companha Deus te Salve:

Depois, passados estes 30 e tal anos (…) chegou-se à conclusão que se tava a pescar muito perto, porque com essas redes tinha-se que se pescar muito perto (…) Meia dúzia de pescadores que voltaram novamente a inovar ou a renovar o sistema de pesca e voltaram ao antigo, redes maiores e barcos maiores só que a única diferença (…) eram as redes puxadas por tratores, e pronto houve

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uma companha (...) Viking(…) que fez isso e que começou a dar algum resultado.

(…)

[Os] Viking compraram uma companha à Costa de Lavos e trouxeram-na para aqui, para a Praia da Vieira. Pronto, depois houve mais uns quantos pescadores que acharam que as coisas estavam a resultar e pensaram também em formar uma companha com essas dimensões.

1.VIKING

FOTOGRAFIA 4 – BARCO DO MAR MEIA-LUA VIKING Fotografia da Autora

O Viking era o nome atribuído a este barco na Costa de Lavos. Na Praia da Vieira de Leiria a embarcação e respetivos pescadores são denominados por Moreiras e Talibans.

O informante da companha Deus Te Salve descreve as razões destas alcunhas:

Moreiras, porque também é uma companha que vem de uma licença que era de um outro barco (…) esse barco chamava-se (…) a Princesa do Liz (…) e essa alcunha transitou para os Viking, a quem lhe chame Moreiras. São alcunhas que se vão adquirido umas com nomes de família, nome das famílias que entregam essas sociedades, alcunhas ou rótulos que são colocados às vezes por questões de piada e que pegam.

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As alcunhas nascem do dia-a-dia da faina, não se aplicam só às companhas, mas também aos pescadores que nelas laboram. Uma parte das alcunhas herdada dos pais. Outra parte é inventada no dia-a-dia.

O informante sócio e pescador da companha Viking é filho e neto de pescadores e pescador da Arte Xávega. Inovou, adquirindo uma arte maior, narra:

Isto é assim, eu trabalhava com um barco que era o Princesa do Liz, que era mê e do mê pai (…) e nunca abandonei a Arte Xávega. E depois como a Arte Xávega aqui nã dava muito e a gente sabia que na Costa de Lavos, na Praia de Mira já dava algum dinheiro e então a gente, o pessoal que tínhamos ali a Princesa do Liz, (…) andávamos a procurar de encontramos uma arte maior! Porque era que eles lá faziam muito dinheiro e a gente andávamos ali a trabalhar e praticamente ganhávamos 80€ por cinco meses ou seis, 80€? Oitenta contos! E era muito pouco na verdade fartávamo-nos de trabalhar e nã ganhávamos dinheiro.

O sócio e pescador da companha Viking e seus familiares já tinham inovado anteriormente com o barco Princesa do Liz, ao navegarem a motor. Afirma que o barco Princesa do Liz e o “Eu Só (…) eram esses dois barcos que já tinham motor e ós depois foi o Maroto que começou usar com motor, agora também o (…) Peles (…) agora já tudo tem motor!”

Na companha dos Viking trabalham vinte e seis Homens do Mar dos quais vinte e um são da Praia da Vieira de Leiria e os restantes são da Vila da Vieira de Leiria. Todos trabalharam desde sempre na Arte Xávega. Quatro destes homens só vivem da pesca, sem ter outro meio de subsistência. A idade avançada, que lhes tira a mobilidade física, é um dos principais fatores do seu abandono.

O informante da companha Viking testemunha:

Neste momento acho que é uma necessidade mesmo a gente andar na Arte Xávega, o mar está tão bravo … é uma necessidade como o país está que a gente nã tiver a Arte Xávega? [Contudo, o mesmo lembra:] quando comecei já nã era tanto. Na altura que comecei com o barco Viking nã era tanto, o emprego tava melhor, as coisas tavam muito mais baratas e a partir dai a uns

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sete oito anos para traz nota-se muita a diferença, mesmo na venda do pexe se nota!

2.LUSITANO

FOTOGRAFIA 5 – 1º DIA DE PESCA DO BARCO DO MAR MEIA- LUA LUSITANO DE 2013 Fotografia da Autora

Um dos sócios sugeriu que o nome do barco fosse Nossa Senhora dos Navegantes ou Lusitano. Os pescadores escolheram entre esses, o nome de batismo, Lusitano, numa cerimónia que se realizou na Vila de Vieira de Leiria. O barco é também alcunhado entre os pescadores de Cavalos.

O informante da companha Deus Te Salve relata porquê:

Pelo facto de eles terem os cavalos. Pronto, os cavalos que têm desenhados no barco, fazem alusão ao próprio nome que é Lusitano, o celebre cavalo lusitano (…) talvez seja mais prático, ou não sei? Começaram a referir-se a eles como a companha dos Cavalos (…) portanto já tem a alcunha (…) não se vêm livre dela, penso eu!

Após laborarem com a companha Princesa do Liz, surgiu a ideia de aumentarem o número embarcações. Mantiveram o barco Princesa do Liz e adquiriram o barco Lagoa Azul, mais conhecido por Amarelo, à Praia de Mira, e assim nasceu o Lusitano.

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O barco Princesa do Liz ainda hoje labora e pertence à sociedade do Lusitano, assim como o Maroto partilhando a força braçal dos Homens do Mar.

Na companha do Lusitano laboram trinta e um Homens do Mar. Destes, quatro são da Praia da Vieira de Leiria e os restantes da Vila de Vieira de Leiria.

O informante das companhas Lusitano e Princesa do Liz impulsionou assim o aumento da embarcação, Princesa do Liz, para onze metros.

Na altura nem eramos p’ra fazermos um barco tão grande! Era p’ra construirmos um barco como os que cá estão na Praia da Vieira, que ficava monetariamente muito mais barato que o que gastámos, três vezes mais! Mas prontos, como o investimento era muito grande tentámos arranjar sócios, dez sócios, na altura ficaram onze.

O informante da companha do Maroto lembra o porquê do barco Lusitano ser azul:

Olha, a ideia do barco azul foi minha, (…) sempre quis o barco azul, já o meu Maroto era azul. E eu sempre gostei da cor azul, p’ra mim é a cor mais bonita que há! E gostei de porem o barco azul então arranjaram maneira de pôr o azul com as ondas e os cavalos (…), foi uma boa ideia!

2.1.PRINCESA DO LIZ

FOTOGRAFIA 6 – BARCO DO MAR MEIA-LUA PRINCESA DO LIZ Fotografia da Autora

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Princesa do Liz, foi o nome atribuído à embarcação pela sua madrinha, aquando do batismo na Praia da Vieira de Leiria. Os homens desta companha eram alcunhados de rabezanas e espanhóis, pelos vieirenses.

O informante das companhas do Lusitano e da Princesa do Liz descreve:

Havia muita gente com pouca experiência e na altura com um barco grande, ninguém tinha! Quem trabalhava com um barco maior era eu mas ninguém tinha experiência a trabalhar com um barco maior e com redes tão grandes. E atão os outros chamavam-nos rabezanas quando nos viam trabalhar.

(…)

Quando tava no Pedrogão chamavam-nos os Espanhóis, (…) porque nós não eramos de lá chamavam-nos os espanhóis.

O informante do Lusitano e Princesa do Liz, sócio e pescador comprou-a há oito anos e lembra:

A [companha] Princesa do Liz tem quarenta anos de Praia da Vieira. (…) Era do Rui Mira,(…) é um dos donos do Viking, foi quando eles trouxeram o Viking p’ra cá, depois (…) [a companha] ficou a venda e eu adquiri (…). Eu fiz sociedade com o Pedro Parreira ou Pedro Cagana, (…) eu queria lançar e depois ele também quis. Eu já tinha outras embarcações e trabalhava na fábrica dos vidros que fechou, e atão tinha que me agarrar a alguma coisa, e então agarrei-me a Arte Xávega. (…) Adquirimos a embarcação e construímos quase tudo. Não tinha nada quando a compramos e fomos pescar p’ra Praia do Pedrogão, p’ra zona que pertence à Figueira da Foz.

Este informante fala da pesca com paixão,demonstrando gosto pelas suas artes desde a infância. Refere, “eu também já pescava, já tinha pescado na Praia da Vieira e na altura pescava na Praia do Pedrogão na companhas dos outros (…) no Gaivota da Praia e pesquei [na Praia da Vieira de Leiria] no Maroto”. O seu sócio, por seu lado, tinha o pai com uma companha na Praia do Pedrogão, povoado vizinho. Ambos iniciaram a safra na Praia do Pedrogão, vindo posteriormente para a Praia da Vieira de Leiria. O informante do Lusitano e Princesa do Liz descreve:

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Nós viemos p’ra Praia da Vieira porque nós não fomos bem recebidos na Praia do Pedrogão! Roubaram-nos redes, danificaram-nos tratores era complicado lá estar! … Nós não somos de lá e irmos p’ra lá fomos interferir com os que lá estavam então. [Quando iniciaram na Praia do Pedrogão existiam duas companhas:] uma era do pai do Pedro nessa não havia problemas só que tava uma a pescar no limite da área de jurisdição da Nazaré e nós pescávamos também mas já do lado da Figueira da Foz (…). [Devido a este clima tempestuoso regressou a Praia da Vieira] (…) eu pedi transferência da Praia do Pedrogão, da Princesa do Liz para a Praia da Vieira, a Princesa do Liz já pertencia à Praia da Vieira.

2.2.MAROTO

FOTOGRAFIA 7 – BARCO DO MAR MEIA-LUA MAROTO, 2011 Fotografia de Carlos Monteiro

O Maroto é propriedade do informante, que também é mestre e sócio da sociedade do Lusitano.

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A história do Maroto está interligada com a história de vida do informante. Este é bisneto, neto e filho da família Falcão, proprietária do barco homónimo, um dos últimos grandes barcos da Praia da Vieira.

O informante da companha Maroto revive as suas memórias,

Falcão! Primeiro era o Falcão Velho que era do meu visavô, depois (…) era um barco, muita grande, (…) desistiram porque era muita gente, era muita gente! Muito pessoal envolvido e começaram a abandonar. (…) Depois fizeram o Falcão Novo que foi o meu avô mais o irmão (…) que acabou por morrer aqui assim mais ou menos onde nós estamos, apodrecer aqui (…). Depois acabou-se! (…) Acabou a pesca começaram a comprar barcos mais pequenos houve aí um ano ou dois de interregno, acho eu! Começaram a comprar barcos mais pequenos onde veio a Princesa do Liz (…) mas o Falcão Velho e o Falcão Novo era dos mê’s avós.

A família Falcão foi uma impulsionadora da Arte Xávega na Praia da Vieira de Leiria bem como do movimento migratório para o Tejo. O informante enaltece o avô dizendo que “era avieiro vinha p’ra qui no verão”, mas também já o seu bisavô era avieiro.

O barco Maroto, de modestas dimensões perto dos barcos dos seus avós, é um testemunho dos lendários Falcões da Praia da Vieira. É fruto de uma história e da vontade de ser pescador do informante, que conta:

P’ra mim nã é uma profissão, nem pode ser! Quem fizer profissão da pesca, pelo menos aqui na nossa zona, nã consegue viver, nã consegue sobreviver! P’ra mim é mais um vício que eu tenho porque isto nasceu comigo, pronto está-me no sangue!

É da vontade de ser pescador que este procurou com o sócio, Carocho, um barco:

O Maroto foi aqui à uns 10 anos. Eu mais um colega, havia ai um homenzito na praia que tinha um barco arrumado já à vários anos, não pescava com ele, e eu mais esse colega fomos falar com esse homenzito [Ti Carriça] e compramos-lhe o barco. Que era um barco a remos mais pequenino [tinha 3 metros e 80 centímetros], andámos um ano ou dois com esse barco e depois

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mudámos para um barco grande, um barco maior a motor mais um metro e meio [tinha 5 metros e 30 centímetros], que era o Maroto [o informante mais tarde comprou a parte ao colega] e ainda trabalhámos cinco ou seis anos com ele, até que surgiu esta ideia de formar a companha do Lusitano com mais malta e um barco muito maior.

O mesmo diz que o Maroto “tá a mê nome mas (…) aquela companha que eu tinha foi absorvida pela do Lusitano”. O Maroto está presentemente num barracão na Vila de Vieira de Leiria, não se encontrando a laborar na faina.

O nome de Maroto tem o acaso como padrinho, contando o informante:

Na altura pronto, nós fomos à Capitania e a mulherzita perguntou-nos lá qual era o nome do barco, nós nã íamos preparados e ela chamou lá Maroto na sei aquém e olha fica mesmo Maroto e calhou, ficou Maroto e ficou bem!

3.DEUS TESALVE

FOTOGRAFIA 8 – BARCO DO MAR MEIA-LUA DEUS TE SALVE Fotografia da Autora

Em 2006 existia uma companha com um barco de quatro metros e cinquenta centímetros aparelhado com redes pequenas. Pertencia a dois primos, os Sequeiras, nome pelo

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qual a companha também era conhecida. Hoje, batizado de Deus Te Salve continua alcunhado de Sequeiras. O informante desta companha recorda a sua ligação ao barco e à companha:

Com a licença desse barco, (…) percorremos os parâmetros legais exigidos pela Capitania, tivemos que comprar (…) mais três ou quatro licenças doutras Artes. Só existia uma licença da Arte Xávega (…) mas para podermos fazer um barco com(…) 8 metros e 90, (…) tínhamos que comprar outras licenças, não importava que fossem,(…) d’outras Artes, podia ser das branqueiras ou … da pesca do mexilhão, ou do berbigão ou de qualquer coisa (…). Essas licenças juntas com licença da Xávega podíamos fazer um prolongamento do barco, da embarcação (…). Tratámos de tudo, comprámos redes (…) investimos (…) fizemos esse barco com 9 metros, comprámos três tratores na Praia de Mira, começámos com duas redes, hoje temos oito (…). Éramos dez sócios na altura, agora somos onze, investimos na altura 15 mil euros, 15 mil euros a 6 anos, sim, à 6 anos, e pronto foi assim que nasceu a companha do Deus de Salve.

Na companha do Deus Te Salve trabalham em média vinte e cinco homens pescadores, o informante relata, todos têm ligação à Arte Xávega desde a infância:

Trabalhos que eram feitos pelos miúdos nas companhas antigas. Penso que seja só eu, os outros já trabalharam, começaram a trabalhar realmente na pesca mas nos tais barcos mais pequenos, que houve seis ou sete na Praia da Vieira em que as redes eram puxadas pelos próprios pescadores e eles começaram aí com treze anos, catorze anos com os pais a trabalhar nessas companhas.

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4.EU SÓ

FOTOGRAFIA 9 - BARCO DO MAR MEIA- LUA EU SÓ Fotografia da Autora

A companha Eu Só, alcunhada de Batalha, herança do avô do atual proprietário do barco.

O informante da companha Eu Só é o único proprietário do barco do mar meia-lua com o mesmo nome da companha. Trabalham com ele, doze a treze pescadores. Um é de uma aldeia perto, Outeiro da Fonte, dois são da Vila da Vieira de Leiria e os restantes dez da Praia da Vieira de Leiria.

O informante conheceu e trabalhou nos grandes barcos no tempo das sociedades, recordando:

Lembro-me bem dos barcos grandes: da Redinha [com o nome de batismo Infante D. Henrique] e do Falcão [nome o nome de batismo Conquistador]. Lembro-me desses barcos todos! Cheguei a trabalhar no Falcão e na Redinha cheguei lá a ir mas era puto ia lá à frente, não trabalhava lá [dentro do barco], eram barcos grandes íamos passear!

O mesmo testemunha que tem a sua história de vida indissociada à Arte Xávega. Trabalha desde a infância nestas Artes, com o seu pai:

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Na [Sónia Maria] companha do mê pai eu trabalhei toda a vida, trabalhei na companha do mê pai desde que nasci! E, o Eu Só tanho só há 1 ano, só trabalhei com ele o ano passado [2012], mais nada!

Adquiriu a companha Eu Só com sete metros para acompanhar a inovação dos outros pescadores.

Olha à uma porque os barcos tornaram-se maiores, as redes tornaram-se maiores e a Sónia Maria era pequenina. Então havia aí um barco à venda [que era de Adriano Quiaios mais conhecido por Carocho e de José Morganiça o Ti Carcaça] e eu comprei-o! Fiz redes maiores, não tão grandes como as deles (…) porque se formos ver isto não é Arte Xávega, tás a ver, não é Arte Xávega! Arte Xávega é um barco pequenino a trabalhar sem tratores, como faziam antigamente, isso é que é Arte Xávega! Porque isto já não é Arte Xávega, digo-te já!(…) Isto é uma comercialização, isto é um comércio como outro qualquer, e é verdade!

O informante da companha Eu Só afirma ter trabalhado nos barcos grandes, no tempo das sociedades, maiores que os de hoje. Mas tem bem presente na sua memória o tempo da resistência em que os barcos de tamanho reduzido permitiam o uso de redes mais pequenas e de menos força braçal. Desta árdua atividade recorda:

É preciso gostar daquilo, não é andar lá só por andar. Porque se andares lá por andar nunca aprendes, entendes? Nunca aprendes porque tenho 50 anos nasci ali,(…) eu é que faço as minhas redes, as redes sou eu que as faço! Ando a fazer uma nova agora tive toda a tarde de volta dela, eu é que é que as faço. Anda ali muita gente só por andar só p’ra ganhar algum, entendes? Porque, como é que eu te hei de explicar, mais da metade, só três ou quatro pessoas é que conseguem fazer redes aqui. Há aqui quatro ou cinco barcos, são quantos pescadores aí ao todo vinte, quarenta, sessenta, oitenta (…) sejam cento e tal pescadores, quatro ou cinco é que sabem fazer redes os outros nã sabem, ninguém sabe fazer redes andam lá por andar.

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5.SENHORA DA LUZ

FOTOGRAFIA 10 – BARCO DO MAR MEIA-LUA SENHORA DA LUZ MAIS CONHECIDO POR PELES Fotografia da Autora

A companha Senhora da Luz, alcunhada de Peles, numa herança dos avós e dos pais do atual proprietário, é das únicas herdadas do tempo da resistência.

O informante da companha Senhora da Luz é proprietário, conjuntamente com dois irmãos. Na sua voz fica o testemunho da história desta companha da Praia da Vieira de Leiria.

Isto é uma companha que é herdada do mê falecido pai. Mê pai trabalhou sempre no mar, q’ando já os barcos grandes. Foi sempre um apaixonado p’la pesca local que é a Arte Xávega! E a partir daí (…) com 18 anos já era chefe de um barco grande [Infante D. Henrique conhecido por], (…) a Redinha (…). Depois começaram a surgir os barcos mais pequenos [em 1972, 1973], ele tinha um que era o José Carlos, (…) eu aos 19 anos com outros amigos da me’ma idade formamos o barco Os Jovens [em 1977] e não pude acompanhá-lo na pesca. Depois, mais tarde, ele vendeu esse barco José Caracompanhá-los e comprou um barco pequenino que era o barco mais pequeno que estava na Praia da Vieira. Então de vez enquando ia p’ra lá com a sua dedicação, só podiam ir 3 pessoas, era eu, era o Beto Sapateiro (que era empregado bancário) e era o Paulo Gomes que era massagista (…). Depois mais tarde como ele era um apaixonado p’la Arte Xávega comprou este a um primo dele, que é o Senhora

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da Luz, [com três metros e setenta sentimentos]. E depois nós agora temos o barco para tentar dar continuidade áquilo que ele nos deixou.

O barco, Senhora da Luz, possui motor. Todas as outras funções desta atividade piscatória são realizadas recorrendo à força braçal. É a única onde se pesca junto à foz do rio Lis. Pescam nas zonas concessionadas e vendem o peixe no areal, como outrora. O informante da companha refere:

A gente até vende à beira-mar porque o barco é muito pequeno, traz muito pouco pe’xe e a gente é mais p’ra divertimento e para representar a verdadeira Arte Xávega. Porque nós não usamos nem trator, nem bois, fazemos nós isso tudo. [Na Senhora da Luz todo o processo é braçal] é tudo com o tirante portanto é só para lembrar o que é que é, para continuar! Só que aqui temos uma coisa, enquanto que na Nazaré essa participação p’rós turistas é paga pela Câmara, aqui (…) se nós pensarmos em não trabalharmos este ano, sabe que não há grandes condições para trabalharmos, porque ganha-se muito pouco nessa companha. É mais p’ra atração turística, é uma maneira de eu e os mê’s irmãos mantermos de pé meia dúzia de anos, (…) mas é mais p’ra mantermos a tradição do que propriamente ganhar dinheiro!

Os Homens do Mar que trabalham na companha Senhora da Luz são dez, quatro da Praia da Vieira de Leiria e os restantes da Vila da Vieira de Leiria, como mencionado pelo informante:

Embora seja uma rede pequenina requer quatro pessoas a puxar de cada lado portanto trabalham mais seis ou sete pessoas. (…) A maior parte não tem carta de pescador mas serve p’ra pescar. Porque, é como eu digo, o barco é pequeno só vão três [pessoas] ao mar e tenho os mê’s dois irmãos mais o arrais.

Em resumo, em a Arte Xávega de Hoje, pretendemos apresentar e explorar as sociedades, as companhas e os barcos que laboram na Praia da Vieira de Leiria na atualidade. Ouvimos e observámos as atividades da faina marítima na voz dos seus dinamizadores. As origens, as dificuldades, mas também o prazer de trabalharem no mar, as angústias, os ganhos

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e as perdas associadas à Arte Xávega desta localidade, foram assim relatadas pelos seus atores na sua pessoa.

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CAPÍTULO

II

ARTE

XÁVEGA:

IDENTIDADE,

PATRIMÓNIO

CULTURAL

E

DESENVOLVIMENTO

LOCAL

Ao longo do capítulo anterior observa-se a identificação das gentes da Praia da Vieira com a Arte Xávega e a paixão pela mesma que parte da comunidade piscatória tem. Os informantes evidenciam o desejo de manter viva esta arte, parte das suas vidas sociais e culturais, passando de geração em geração, os saberes da mesma. É mais que um ofício que lhes garante a sobrevivência, é um saber fazer, estar e ser, legado pelos seus antepassados que contribuiu para o desenvolvimento local da Praia da Vieira de Leiria e a ergueu como a conhecemos hoje. Esta dinâmica deixou como herança um conjunto de objetos que contribuem para a identidade coletiva local, e se pretende transformados em património cultural da comunidade.

Os objetos têm um valor de uso, indispensável para os fazeres do dia-a-dia mas constituem também um legado identitário coletivo, participando das festividades comunitárias.10 Pode-se afirmar que a Arte Xávega tem dado um contributo significativo para o desenvolvimento local, do ponto de vista económico, e para a construção da identidade da comunidade da Praia da Vieira de Leiria, na perspetiva simbólica. Os objetos ligados à Arte Xávega são passíveis de transformação num dos principais referenciais da memória identitária coletiva. A partir deste momento, em que os objetos passam a deter um valor simbólico, é-lhes atribuído o estatuto de património cultural (Ballart, 2002).

Torrico (2006) e Peralta (2008) defendem que se pode associar património cultural à identidade, por ser uma síntese simbólica, contudo importa delimitar e definir património pelo seu valor de uso e de pertença ao grupo. Neste sentido, Magalhães (2005: 11) refere que “o investimento que a sociedade local faz no que define como seu património, sendo substancial, demonstra como aquele se tornou basilar na definição de identidade local, regional, nacional, e, mais recentemente, global”, ou seja, o património cultural não é um somatório de bens é

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Todos os anos se realizam as festas em honra dos padroeiros: Nossa Senhora Dos Navegantes e de São Pedro, no terceiro fim de semana de agosto. No anexo V, trabalho de investigação realizado pela autora e publicado pelo Instituto Politécnico de Santarém com coordenação do Gabinete Coordenador do Projeto. Rodrigues, Hélia Carla Amado (2013), “Praia Da Vieira de Leiria: Festas em honra de Nossa Senhora dos Navegantes e de São pedro”, em Cultura Avieira Um Património, Uma Identidade, Folha informativa (34), Santarém, Instituto Politécnico de Santarém, em CD-ROM, no registo fotográfico dos festejos, são visíveis os trajes dos pescadores e a honra e fé com que os empossam.

Referências

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