• Nenhum resultado encontrado

O plano da criação Isabel Pacheco Nov 2012

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "O plano da criação Isabel Pacheco Nov 2012"

Copied!
308
0
0

Texto

(1)

!

!"#$%&'"()*+,*)

)

)

)

)

)

-$.$)/$)0"12"'3%$42")$%)567"."863()9'$3)/$)$.:$;6376/3/$)$%)<.2=26;3)

!

>)?734")/$)@'63AB"C))

>42"7"D63)/3)068$'$4A3)$)<.2=26;3)/3.)E42$4.6/3/$.)

$%)F677$.)0$7$1G$)

)

)

(2)

!

!"#$%&'"()*+,*)

)

)

)

)

)

-$.$)/$)0"12"'3%$42")$%)567"."863()9'$3)/$)$.:$;6376/3/$)$%)<.2=26;3)

!

>)?734")/$)@'63AB"C))

>42"7"D63)/3)068$'$4A3)$)<.2=26;3)/3.)E42$4.6/3/$.)

$%)F677$.)0$7$1G$)

)

)

(3)

Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do

grau de Doutor em Filosofia , área de especialidade em Estética, realizada sob a

orientação científica do Professor Doutor José Nuno Gil

(4)

A G R A D E C I M E N T O S

Ao Prof.º Doutor José Gil, agradeço a confiança que em mim depositou e o

privilégio de ter aceite orientar esta tese; o estímulo e o questionamento, bem como a

constante chamada de atenção para o concreto, sem os quais não poderia sequer ter

existido o trabalho que aqui se apresenta.

Agradeço à Universidade do Porto, instituição a que me encontro vinculada

como técnico superior, nas pessoas do Prof.º Doutor José Carlos Marques dos Santos, e

do Prof. Doutor António Marques, terem criado as condições necessárias para que

pudesse dedicar-me à minha investigação.

Cabe-ma ainda agradecer à Dra. Andreia Teixeira, coordenadora do Núcleo de

Doutoramentos da FCSH/UNL, o sempre cuidadoso acompanhamento que soube

prestar em cada fase deste processo.

Uma última palavra, virtualmente primeira: aos meus filhos, Emília e Pedro, à

Emília pelas infindáveis horas de leitura até ao limite, pelas preciosas sugestões e pelo

apoio sem quebras, ao Pedro pela confiança atenta; à minha mãe, cuja força e

inteligência de vida sempre me orientou, ao meu pai e aos meus irmãos, a todos eles

(5)
(6)

O Plano de C riação

.

O ntologia da Difer

ença e E

s

tética da

s

Inte

n

s

idade

s

e

m G ille

s

D

eleuze

M aria I

s

abel da Co

s

ta Re

i

s

Monteiro Pac

heco

R ESU M O

PALAVRAS-CHAVE: Pensamento e experiência da diferença, individuação, intensidade, ser

do sensível, imanência, autonomização da expressão, sensação e composição estética, plano de

criação

Não é possível isolar em Deleuze a problematização filosófica da estética no conjunto

de uma obra que une, consistentemente, filosofia e arte, estabelecendo a sua

singularidade numa fabricação incessante de relações na fractalidade dos planos.

Tomamos como linha condutora de aproximação à obra a ideia de construção de um plano próprio de criação no qual o acto criativo encontraria as suas condições de potência, considerando, do lado da criação, a expressão estética e, do lado do

próprio, o fulcro de uma

ontologia. Neste plano de imanência coexistem o

próprio do pensamento, da criação e da

sensibilidade com o engendramento simultâneo dos processos singulares e das entidades dele resultantes. O engendramento do plano não é separável do processo da criação nas condições da experiência real.

(7)

T h

e

C r

e

ativ

e

Plan

e

.

O ntology of Diff

e

r

e

n

ce

and A

e

s

th

e

ti

c

s

of Int

e

n

s

iti

e

s

in G ill

e

s

D

e

l

e

uz

e

M aria I

s

ab

e

l da Co

s

ta R

e

i

s

Mont

e

iro Pa

c

h

ec

o

A BST R A C T

KEYWORDS:

Thought and experience of the difference, individuation, intensity, being of the sensible, , immanence, autonomy of expression, sensation and aesthetic composition, creative

plane

A BST R A C T

We cannot possibly isolate in Deleuze the philosophical questioning of aesthetics from the ensemble of a work that consistently unit art and philosophy, establishing his singularity in a non-stoppable fabrication of relations in the fractal variety of the planes.

We take as a guide line for the approach of his work the idea of the construction of a proper plane of creation in which the creative act would meet his conditions of potency, considering, from the point of view of

c

r

e

a

t

ion, the aesthetical expression and, from what belongs to the

prop

e

r, the fulcrum of his ontology. On that plane of immanence coexists the proper of thought,

of creation, and of the sensibility with the simultaneous engendering of singular processes and of the entities they produce. The engendering of the plane cannot be separated from the process of creation in the conditions of its real experience.

(8)

ÍNDI C E

IN T R O DU Ç Ã O

...

1

I E MPIRISM O T R A N C E ND E N T A L

...

24

Intróito ... 24

1. Campo problemático e movimento da crítica ... 30

1.1 O avesso da forma... 57

2. O que significa pensar? ... 77

2.1 Condições e campo da experiência real ... 102

3. Figuras do excesso: passagem ao limite e limiar de metamorfose ... 122

³

S

HUGRVHQVtYHO´

e exercício disjunto das faculdades ... 144

Recapitulação ... 166

II EST É T I C A D AS IN T E NSID A D ES

...

170

Intróito ... 170

1. Pensar é criar. O jogo do pensamento e da arte ... 179

2. Actualização do virtual e dramatização ... 194

3. Imanência e construção de um corpo sem órgãos... 214

4. Da função à expressão ... 230

4.1. Primeiro movimento: ritornelo (do caos ao cosmos) ... 230

4.2. Segundo movimento: diagrama (do caos ao acto criativo) ... 246

5. Realidade do criado. Composição estética e

³6

er da sensação

´

... 259

Recapitulação ... 279

C O N C L USÃ O

...

282

(9)

A B R E V I A T U R AS

Critique et Clinique

±

CC

Deux Regimes de Fous

±

RF

Dialogues

±

D

Différence et Répétition

±

DR

Empirisme et Subjectivité

±

ES

Francis Bacon. Logique de la Sensation

±

FB

Image-Mouvement

±

IM

Image-Temps

±

IT

La Méthode de Dramatisation

±

MD

La Philosophie Critique de Kant

±

PCK

Le Bergsonisme

±

B

Le Pli. Leibniz et le baroque

±

P

/¶,OH

Deserte et autres textes

±

I

Logique du Sens

±

LS

Mille Plateaux

±

MP

Pourparlers

±

PP

Proust et les Signes

±

PS

4X¶HVW

-ce-que la Philosophie?

±

QPH

(10)

IN T R O D U Ç Ã O

I

.

Não é possível isolar em Gilles Deleuze a problematização filosófica da estética

no conjunto de uma obra que, estabelecendo a sua singularidade numa fabricação

incessante de relações tecidas sobre a fractalidade dos planos, une consistentemente

filosofia e arte. Esperamos vir a demonstrar esta implicação no decurso da investigação.

Tomamos como linha condutora de aproximação à obra a ideia de construção de

um plano próprio de criação no qual o acto criativo encontraria as suas condições de

potência, considerando, do lado da criação, a expressão estética e, do lado do

próprio

, o

fulcro de uma ontologia. Neste plano, que é um plano de imanência, coexistem

³

o que

diz exclusivamente respeito

´

1

ao pensamento, à criação e à sensibilidade, com o

engendramento simultâneo dos processos singulares e das entidades dele resultantes. É

exactamente um plano de constituição, que não existe anteriormente ao seu traçado e

que dele não se destaca. Sem referência prévia (pré-existente ou fundadora), sem centro,

objecto e finalidade transcendentes, isto é, sem síntese de unificação da consciência ou

termo que se possa desligar da relação em que está envolvido, é

±

também

d

e

dir

e

i

t

o

±

um plano de produção. A sua génese não é separável do processo de criação nas

FRQGLo}HVGDVXDH[SHULrQFLDUHDOFRQGLo}HVHVVDVTXHVHJXQGRRDXWRU³VHFRQIXQGHP

FRPDSUySULDLQWHQVLGDGH´

.

2

Por isso, e por supor constitutivamente um regime intensivo, o

próprio

, a que

acima aludimos

±

e que procuraremos elucidar, em toda a complexidade do conceito, ao

longo das páginas que se seguem

±

, não é auto-evidente, não pode ser confundido com o

originário

, ou com qualquer essência estável a revelar, núcleo identitário de que partisse

o pensamento. Bem pelo contrário, é apropriativo das inúmeras passagens através das

quais algo

±

uma coisa, um ser, uma maneira, um movimento

±

se afirma como

1

Gilles Deleuze, Différence et Répétition, PUF, Paris (1ère edition 1968), 11ème edition 2003 (ed. consultada=, doravante citada com a sigla DR, p. 186.

2 Op

(11)

diferença que produz

VLPXOWDQHDPHQWH³JpQHVHGDDILUPDomR´H³GLIHUHQoDDILUPDGD´

.

3

Assim sendo, é o que precisamente, conforme adiantámos,

GL]³H[FOXVLYDPHQWHUHVSHLWR´

a algo, a sua

r

e

alidad

e

, na terminologia do autor, ou o que o

³ID]VXUJLUQRPXQGRFRPR

WDO´

,

4

DVXD³GLIHUHQoDUDGLFDO´

5

e positiva.

6

No entendimento que Deleuze defende da noção de intensidade enquanto

³IRUPD

da diferença como razão do sensível

´

7

³SULQFtSLRWUDQVFHQGHQWDO´

8

³LQGLYLGXDQWH´

9

que

afirma a diferença sendo diferença em si mesmo, elemento genético

³GHWHUPLQDQWHQR

SURFHVVR GH DFWXDOL]DomR´

,

10

estado da diferença como disparidade pensada enquanto

³UD]mR VXILFLHQWH GR IHQyPHQR´ H ³FRQGLomR GH WXGR R TXH DSDUHFH´

,

11

pensamos nós

que reside uma linha principal de fractura (e transformação) relativamente à filosofia

transcendental, tal como ele a retoma e reinventa a partir de Kant. Retoma-a, todavia,

numa outra lógica de conjugação das condições dos problemas a que procura responder,

a qual emerge, no seu pensamento, pela consideração da passagem da condição externa

à génese interna, concebida a partir de Maimon,

12

e, divergindo da fenomenologia, na

exigência de uma nova determinação do campo transcendental, de modo a não

pressupor mais como referente a forma unificadora da consciência.

Em que consiste esta nova composição? Simultaneamente na articulação

fundamental entre ontologia e estética, no sentido mesmo da consideração de que a

quan

t

idad

e

in

te

n

s

iva

(intensidade) se encontra implicada em toda e qualquer produção

de existência, ligada a um

³

campo prévio intenso de individuação

´

13

e em

3 Op. cit

., p. 78. 4 Op. cit

., p. 186. 5 Op. cit

., p. 186. 6 Op. cit

., p. 314. A diferença para Deleuze não é convertível ao mesmo como forma de identidade na qual se anularia, nem tem tão-pouco que passar pelo negativo para poder ser pensada. Como analisaremos ao longo deste estudo, é afirmação produtiva.

7 Op. cit

., p. 287. 8 Op. cit

., pp. 298, 310. 9 Op. cit

., p. 317. 10 Op. cit

., p. 316. 11 Op. cit

., p. 287. A obra de Roberto Machado, Deleuze, a Arte e a F losofia, Jorge Zahar Ed, Rio de Janeiro, 2009, é particularmente esclarecedora a este respeito, pp. 124-127.

127DOFRPRUHIHULGRHP'5S³e6DORPRQ0DLPRQTXHSURS}HXPUHPDQHMDPHQWR

fundamental da

FUtWLFD XOWUDSDVVDQGR D GXDOLGDGH NDQWLDQD GR FRQFHLWR H GD LQWXLomR « 2 JpQLR GH 0DLPRQ pR GH

mostrar quanto o ponto de vista do condicionamento é insuficiente para uma filosofia transcendental: os dois termos da diferença devem ser igualmente pensados ± quer dizer que a determinabilidade deve ela própria ser pensada como ultrapassando-se em direcção a um princípio de determinDomRUHFtSURFD´2u, noutra formulação, em Le Pli, Leibniz et le Baroque (doravante citado como P), Minuit, Paris, 1988, pp.

118- ³3DUD DOpP GR PpWRGR NDQWLDQR GH FRQGLFLRQDPHQWR 0DLPRQ UHVWLWXL XP PpWRGR GH JpQHVH interna subjectiva: entre o vermelho e o verde não há apenas uma diferença empírica exterior, mas um conFHLWRGHGLIHUHQoDLQWHUQD«´.

13

(12)

correspondência com a disparidade constituinte de todo e qualquer fenómeno; bem

como na pressuposição de que a diferença

±

a diferença na intensidade como distinção

³

inclusa

´

14

±

,

pSULPHLUDHQmR³DVTXDOLGDGHVHDVH[WHQV}HVDVIRUPDVHDVPDWpULDVDV

HVSpFLHVHDVSDUWHV´

.

15

Consideremos, a título de exemplo, a noção de

³

grandeza intensiva

´

da realidade

do fenómeno, exposta por Kant

QRFDStWXORVREUHDV³$QWHFLSDo}HVGD3HUFHSomR´QD

Crí

t

i

c

a da Razão Pura

,

16

princípio cuja apreensão é instantânea como unidade de um

JUDX TXH QmR SRGH VHU GHFRPSRVWR HP SDUWHV H QR TXDO ³D SOXUDOLGDGH Vy SRGH VHU

representada como aproximação com a negação =

´

.

17

Ainda que um dos pontos de

partida para a teoria da intensidade em Deleuze resida nesta noção, ela é deslocada para

fora do domínio da intuição empírica e, nesse movimento, a intensidade é redefinida

como condição do fenómeno (o que dá a sentir o diverso que cria). Tomada, afinal,

como princípio plástico individuante que se exprime através de dinamismos

espacio-temporais, ela preside à actualização da diferença (virtual) nas qualidades e nas

extensões que assim constitui.

18

14

Gilles Deleuze, Logique du Sens, Les Édition de Minuit, Paris, 1969, a partir de agora referida como LS,

p. 356.

15

DR, p. 318.

16

Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura, trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão,

Int. e notas de Alexandre Fradique Morujão, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2.ª edição, 1989, pp. 201-208.

172SFLW$%$%S³'RXRQRPHGHgrandeza intensiva

àquela que só pode ser apreendida como unidade e em que a pluralidade só pode representar-se por aproximação da negação = 0. Toda a realidade no fenómeno tem portanto grandeza intensiva, isto é, um grau. Se considerarmos esta realidade como causa (quer seja da sensação ou de outras realidades no fenómeno, por exemplo, de uma mudança) então, ao grau da realidade, como causa, chama-se um momento, o momento do peso por

H[HPSORSRUTXHRJUDXGHVLJQDDSHQDVDJUDQGH]DFXMDDSUHHQVmRQmRpVXFHVVLYDPDVLQVWDQWkQHD´HP

itálico no original). Vejam-se a título enumerativo as ocorrências: no seminário de Vincennes sobre Kant de 21.3.78, em www.webdeleuze.com, ³Les cours de Gilles Deleuze´ GLUi ³De cada vez que alguma

FRLVDSUHHQFKHRHVSDoRHRWHPSR«.DQWGLULDHQFRQWUDU-se face a uma intuiçmRHPStULFD«5HFHER algo que é dado e, nesse sentido, tenho uma intuição empírica. Mas na medida em que o que é dado tem uma quantidade intensiva, quer dizer, um grau, capto-o numa relação à sua produção a partir do zero ou à sua extinção´HPF rancis Bacon. Logique de la Sensation, Seuil, Paris, 2002 (1ª edição por Ed. de la

Différence, 1981), doravante citada como FB, sobre a queda e a descida como passagem da sensação, p.

³.DQW GHVWDFRX R SULQFtSLR GD LQWHQVLGDGH TXDQGR D GHILQLX FRPR XPD JUDQGH]a apreendida num instante: concluía que a pluralidade contida nessa grandeza só podia ser representada pela sua

DSUR[LPDomR GD QHJDomR ´ Deleuze retoma esta formulação kantiana, com um deslocamento fundamental de sentido que a recoloca na génese da própria sensibilidade e do sensível, em inúmeras passagens das suas obras e nos seus seminários. Ver, por exemplo, Gilles Deleuze, Felix Guattari, Mille Plateaux, capitalisme et schizophrénie 2, Minuit, Paris, 1980 (que citaremos sob a sigla MP), sobre a

construção do corpo sem órgãos, pp. 44, 189; em Gilles Deleuze, Cinéma 1, /¶Image-Mouvement, Minuit,

Paris, 1983 (que citaremos como IM), sobre o movimento intensivo, p. 74; ou finalmente em Gilles Deleuze, ³/¶pSXLVp´, in Samuel Beckett, Quad et Autres Pièces pour la Television, Les Éditions de

Minuit, Paris, 1992, sobre a imagem como intensidade pura, p. 97.

18

(13)

A intensidade torna-se pois, desse modo, um princípio genético positivo na base

de toda e qualquer formação ou produção do real. Deixando de ser considerada a partir

do empírico (do constituído, actual), como preenchendo o fenómeno, ela passa a ser

pensada na sua diferença transcendental,

19

como o que permanece virtualmente

implicado em si, enquanto se explica criando o empírico, ou seja, a actualidade da

experiência.

20

Elaborando uma ontologia

que afirma o contínuo engendramento do sensível

como acontecimento, Deleuze propõe uma crítica da representação fazendo-lhe

corresponder uma estética da resistência (ética e política) como abertura real de um

espaço (virtual, inconsciente) das intensidades, campo de experimentação permeável à

circulação de forças, afectos e ritmos vitais. Assim, destitui a ontologia do original

v

e

r

s

u

s

modelo, nos termos daquilo que designa, na continuidade de Nietzsche, como a

WDUHID GD ILORVRILD GH ³LQYHUVmR GR SODWRQLVPR´

21

e liberta, concomitantemente, a

experiência de uma funcionalidade mimética, criando amplitude para outro movimento

±

o da expressão

±

sempre a produzir-se.

Essa crítica pretende, pela sua mobilização, ir ao encontro do que no pensamento

é modo intensivo, produtivo, enfim. Como escreve em

Di

ff

é

r

e

n

ce

e

t

R

é

p

é

t

i

t

ion:

³4XDQGR D GLIHUHQoD VH HQFRQWUD VXERUGLQDGD SHOR VXMHLWR SHQVDQWH j LGHQWLGDGH GR

conceito (mesmo que essa identidade seja sintética), o que desaparece é a diferença no

pensamento, essa diferença do pensar com o pensamento

´ GR PHVPR PRGR ³TXH R

GHVLJXDO´RLQWHQVLYR³WHQGHD

igualar-

VHQDH[WHQVmRHPTXHVHUHSDUWH´

.

22

preenche esse extenso. Mas essa qualidade, bem como esse extenso, é a diferença que os cria. A intensidade explica-se, desenvolve-se numa extensão [extensio]. É essa extensão que a refere ao extenso [extensum] no qual aparece fora de si, recoberta pela qualidade. A diferença de intensidade anula-se ou tende a anular-se nesse sistema; mas é ela que, explicando-VHFULDHVVHVLVWHPD´'5S³2TXHp extensivo é a intuição empírica. O erro de Kant, no próprio momento em que recusa ao espaço bem como ao tempo uma extensão lógica, é o de manter-lhe uma extensão geométrica, e reservar a quantidade intensiva SDUD XPD PDWpULD SUHHQFKHQGR XPD H[WHQVmR HP WDO RX WDO JUDX « 2 HVSDoR HQTXDQWR intuição pura, spatium, é quantidade intensiva «´

19

É em DR que o filósofo usa o conceito de diferença transcendental, num longo desenvolvimento em que atribui a Kant a sua descoberta pela ultrapassagem do impasse dos dois valores lógicos cartesianos concorrentes na estrutura do cogito ± determinação e indeterminado (a existência) ± na forma do GHWHUPLQiYHOS³(VWHWHUFHLURYDORUpVXILFLHQWHSDUDID]HUGDOyJLFDXPDLQVWkQFLDWUDQVFHQGHQWDO Constitui a descoberta da Diferença, não mais como diferença empírica entre duas determinações, mas diferença transcendental entre A determinação e o que ela determina ± não mais como diferença exterior que separa, mas Diferença interna, e que reporta a priori RVHUHRSHQVDPHQWRXPDRRXWUR´

20

DR. pp. 294, 298, 310-311; MP, pp. 44, 177, 189. 21

LS, pp. 347 e 352. 22

(14)

Envolvendo, portanto, a constituição de um plano de imanência

±

entendido não

como pré-existente, dizíamos, mas como o que não existe fora de cada um dos actos,

enquanto lhes define as suas condições internas

23

±

, a criação, o pensamento e a arte são

construções dinâmicas no tempo e espaço segregados pelos processos. Mas como

procedem estas construções?

O trabalho da criação liga-se à energia que passa en

t

re as coisas, ao e

s

paço-en

t

re

(cria um meio próprio), procurando o elemento diferencial genético e de composição

das intensidades que permite o auto-posicionamento do bloco de

s

en

s

açõe

s

, a aquisição

de consistência dos materiais-forças

24

TXH VH ³DJXHQWDP´

[

t

iennen

t

] em conjunto,

capturando forças na heterogénese das formas. Ao par matéria-forma (que pressupõe

uma função individualizadora da forma assente na sua valorização para a representação)

substitui-se a dinâmica materiais-forças,

25

através da qual a matéria em movimento

(fluxo) adquire autonomia expressiva. Sensação e percepção ganham, então, uma

GLPHQVmRRQWROyJLFD³QDVVtQWHVHVTXHOKHVVmRSUySULDV´

26

e os agregado

s

de

s

en

s

açõe

s

(as obras de arte) sustentam-se porque, precisamente, se auto-posicionam,

27

criando

desse modo a sua realidade. Daqui resulta o engendramento da sensibilidade

na

sensibilidade e do acto do pensamento

no pensamento, pois em nenhum domínio da

experimentação o produzido pré-existe ao processo de que resulta.

O comentário de Jacques Rancière segundo o qual os princípios estéticos de

Deleuze estariam mais aptos para compreender a obra de arte moderna, cumprindo o

que o autor designou como o

³UHJLPH HVWpWLFR GD DUWH´

,

28

será aqui reflectido.

23

Gilles Deleuze, Felix Guattari, Quest-ce que la Philosophie?, Minuit, Paris, 1991, p. 43. Esta obra será sempre citada em notas pela sigla QPH.

24

MP, S³$FRQVLVWrQFLDID]-se necessariamente GHKHWHURJpQHRDKHWHURJpQHR´7DPEpPS 25

MP, pp. 120-121, p. 422; P, p. 49. 26

DR, p. 373. 27

QPH, p. 154-155. 28-DFTXHV5DQFLqUH³([LVWH

-t-LOXQHHVWKpWLTXHGHOHX]LHQQH"´LQGilles Deleuze

. Une Vie Philosophique,

dir. E, Alliez, Ed. Shynthélabo, Paris, 1998, pp. 532-RQGHVHOr³«UHDOL]DURGHVWLQRGDHVWpWLFD tornar coerente a obra moderna incoerente, não é destruir a sua consistência, não é fazer uma simples SDUDJHPQRFDPLQKRGDFRQYHUVmRXPDVLPSOHVDOHJRULDGRGHVWLQRGDHVWpWLFD"´ No mesmo sentido vai DHQWUHYLVWDFRP'DYLG5DERXLQ³'HOHX]HDFFRPSOLWOHGHVWLQGHO¶HVWKpWLTXH´LQMagazine littéraire, nº 406, fev. 2002, número dedicado ao tema ³O¶Effet Deleuze. Philosophie, Esthétique, PROLWLTXH´SS-40. Ressalve-se que, emborD HVWH SURSRQKD R FRQFHLWR GH ³UHJLPH HVWpWLFR´ GDV DUWHV SDUD FRQWUDULDU XP FRQFHLWR TXH FRQVLGHUD GHPDVLDGR YLFLDGR H PHQRV LQWHUHVVDQWH TXH pR GH ³PRGHUQLGDGH´ ± estética, nomeadamente ±, a ideia de realização do destino da estética contém, por si, a carga de uma historicização da questão estética. Sobre a sua diferenciação de três regimes da arte e sobre a passagem do UHJLPH ³UHSUHVHQWDWLYR´ DR ³UHJLPH HVWpWLFR´ YHU HP SDUWLFXODU R VHX OLYURLe Partage du Sensible.

(15)

Consideramos que esta interpretação crítica da estética deleuziana e o questionamento

da sua existência não deixam de radicar na representação de uma periodização histórica

da arte e, paralelamente, do pensamento sobre a arte, situação a que Deleuze se furta,

desde logo pelo deslocamento que defende ao afirmar o conceito de

d

e

vir, e,

simultaneamente, o acaso, em detrimento da história, da sedimentação da história

±

e da

sua ordenação vectorializada

±

, no núcleo de uma teoria do tempo e da temporalidade

paradoxal própria do acontecimento.

29

Para Deleuze, as

t

ran

s

-

f

orma

ç

õ

e

s

ocorrem como processos de diferenciação e

criação, e não através de rupturas, ou transportes metafóricos, no que configuram pontos

críticos

³ItVLFR

s

´ GR DFRQWHFLPHQ

to.

30

São metamorfoses que se destacam da

continuidade intensiva (

³

um mesmo

philum maquíni

c

o

´

)

±

depois seccionada e

modulada por variações inerentes à vitalidade [nomo

s

]

GD³PDWpULDHPPRYLPHQWR´

31

±

,

e arrastam, do ponto de vista da sua apreensão, a passagem para outros limiares

perceptivos.

Não podemos esquecer que para o nosso autor o tempo do acontecimento não é

cronológico, sendo que as sínteses do tempo expostas em

Di

ff

é

r

e

n

ce

e

t

R

é

p

é

t

i

t

ion

coerência de que as palavras de Rancière não dão conta, a coerência do excesso, do excessivo, nunca a da conversão a uma identidade, mas a que reporta o mesmo, o semelhante, o convergente, à diferença sem tradução para a representação, aquilo que, com o humor e a liberdade que lhe são característicos, Deleuze

VLQWHWL]D QD H[SUHVVmR ³Cao-HUUDQFH´A este respeito ver DR, pp. 59-60, 77, e particularmente p. 80:

³-R\FHDSUHVHQWDRvicus of recirculation como aquilo que faz girar um caosmos e Nietzsche já dizia que

o caos e o Eterno Retono não eram duas coisas distintas, mas uma mesma afirmação. O mundo não é finito, nem infinito, como na representação, ele é acabado e ilimitado. O Eterno Retorno é o ilimitado do próprio acabado, o ser unívoco que se diz da diferença. No Eterno Retorno a caos-errância opõe-se à coerência da representação, ela exclui a coerência de um sujeito que se representa, bem como de um

REMHFWRUHSUHVHQWDGR´

2903S³(VVDVWUrV³LGDGHV´RFOiVVLFRRURPkQWLFRHRPRGHUQRQDIDOWDGHXPRXWURQRPHQmR devem ser interpretadas como uma evolução, nem como estruturas, com rupturas significantes. São agenciamentos, que envolvem Máquinas diferentes, ou relações diferentes com a Máquina. Num certo sentido, tudo o que atribuímos a uma idade estava já presente na idade precedente. Assim com as forças

«O que estava composto num agenciamento, o que ainda não estava, devem componente de um novo agenciamento. Nesse sentido não há história a não ser da percepção, enquanto que aquilo de que fazemos

DKLVWyULDpDQWHVPDWpULDGHXPGHYLUHQmRGHXPDKLVWyULD´9HUWDPEpP43+S³2³GHYLU´QmR

é a história, ainda hoje a história designa apenas o conjunto de condições, por mais recentes que sejam, de que nos afastamos para devir, quer dizer, para criar qualquer coisa GHQRYR´

30

Sobre a importância da noção de ponto crítico do acontecimento em Peguy, que se articula com uma

constelação de outras noções fundamentais para a compreensão da nossa matéria de estudo, como as de

ponto de viragem da experiência, metamorfose ou mudança da natureza de uma multiplicidade, ver DR,

pp. 244-245, e também LS, p. 75. 31

MP, p. 506; p. 384, mas também pp. 471-³O trajecto nómada bem pode seguir as pistas ou os caminhos habituais, não tem a função de um caminho sedentário que é a de distribuir pelos homens um espaço fechado, atribuindo a cada um a sua parte, e regulando a comunicação das partes. O trajecto nómada faz o contrário, distribui os homens (ou os animais) num espaço aberto, indefinido, não comunicante. O nomos acabou por designar a lei, mas em primeiro lugar porque era distribuição, modo de

(16)

correspondem efectivamente à inversão da cronologia,

32

no plano da autonomização da

obra produzida e do movimento como obra de que procede o

in

c

ondi

c

ionado

.

33

À

sucessão linear de estados substitui-se a coexistência de dimensões, nas quais se joga,

no paroxismo da anacronia, o tempo da criação, em sínteses que preparam o surgimento

da diferença

±

o

novo

34

±

na repetição.

Assim se esclarece a inadequação do acoplamento matéria/forma para dar conta

da individuação. Porque coexistem dimensões, estratos e níveis, tempos, em suma, a

³IRUPD´VXUJH

meramente como termo transitório de um processo que, levado ao limite,

é relançado: metamorfose de forças (intensidades, afectos), tal como dissemos acima.

Por essa razão, talvez convenha falar antes de

in

f

orm

e

35

, na base do processo criativo,

FRQWUDDULJLGH]GD³IRUPD´RXRVHXFDUiFWHUDFDEDGRUHDOL]DGR

. Deleuze descreve-o

como intenso e resistente ao acabamento, nascendo da germinação virtual de linhas e

formas em formação incessante. E, mesmo, mais do que no

³

informe

´

±

como

32

Esta será a questão de Gilles Deleuze em &LQHPD /¶,PDJH-Temps, Les Édition de Minuit, Paris,

1985 (obra doravante citada sob a sigla IT), ainda que através do recurso a outras noções, nesta obra polarizadas em torno do conceito de imagem-cristal, S³eQHFHVViULRTXHDLPDJHPFRPSUHHQGDR

antes e o depois, que reuna assim as condições de uma nova imagem-tempo directa, em vez de estar no SUHVHQWH«eVREHVVDVFRQGLo}HVGDLPDJHP-tempo que uma nova transformação arrasta o cinema de ILFomRHRFLQHPDGHUHDOLGDGHHPLVWXUDDVVXDVGLIHUHQoDV«eWRGRRFLQHPDTXHGHYém um discurso LQGLUHFWROLYUHRSHUDQGRQDUHDOLGDGH«eXPDWHUFHLUDLPDJHP-WHPSRTXHVHGLVWLQJXHGDV«TXH GL]LDPUHVSHLWRjRUGHPGRWHPSR«Diz respeito à série do tempo, que reúne o antes e o depois num GHYLUHP YH]GHRVVHSDUDU«. As três imagens-tempo têm em comum romper com a representação indirecta, mas, também, quebrar o curso e a sequência empíricos do tempo, a sucessão chronológica, a VHSDUDomRGRDQWHVHGRGHSRLV´.

33

DR, pp. 379-3³6yKi(WHUQR5HWRUQRQRWHUFHLURWHPSRpDtTXHRSODQRSDUDGR[figé] se anima novamente ou que a linha recta do tempo, como que empurrada pelo seu próprio comprimento, faz um círculo [boucle] estranho, que não se assemelha de modo nenhum ao ciclo precedente, mas que desemboca no informal, e não vale senão para o terceiro tHPSRHSDUDRTXHOKHSHUWHQFH«9LPR-lo, a condição da acção por deficiência não retorna, a condição do agente por metamorfose, não retorna; só UHWRUQDRLQFRQGLFLRQDGRQRSURGXWRFRPRHWHUQRUHWRUQR´

34

DR, pp. 103 e 122.

35

A noção de informe em Deleuze remete-nos para um estado sub-representativo da matéria, da vida, ou da vida da matéria, no qual as forças ± o intensivo ± não se encontram ainda anuladas por uma qualquer organização que as estratifique ± o extensivo. Pertence à esfera do virtual, tal como o conceito de corpo

sem orgãos ou o de vida inorgânica$HVWHUHVSHLWRpIXQGDPHQWDORWH[WR³$/LWHUDWXUDHD9LGD´HP Gilles Deleuze, Crítica e Clínica, ed. Século XXI, Lisboa, 2000 (que passaremos a citar pelo sigla CC), de que destacamos um excerto, p 11³(VFUHYHUQmRpFHUWDPHQWHLPSRUXPDIRUPDGHH[SUHVVmRDXPD matéria vivida. A literatura está, ao invès, do lado do informe, ou do inacabamento, como Gombrowicz o GLVVHHIH]´S12: ³'HYLUQmRpDWLQJLUXPDIRUPDLGHQWLILFDomRLPLWDomR mimésis), mas encontrar a zona de vizinhança, de indiscernibilidade ou de indiferenciação tal que já não nos podemos distinguir de uma mulher, de um animal ou de uma molécula: não imprecisos, nem gerais, mas imprevistos, não pré-existentes, tanto menos determinados numa forma quanto mais sLQJXODUL]DGRVQXPDSRSXODomR´. Neste sentido cf. também F. Zourabichvili, Le Vocabulaire de Deleuze, ed. Ellipses, Paris, 2003, pp 84-89: ³Vie (ou vitalité) non-organique´. Do máximo interesse, pela articulação do informe e do sub-representativo, é ainda DFRQVXOWDGH*LOOHV'HOHX]H³/Dméthode de dUDPDWLVDWLRQ´GRUDYDQWHFLWDGRFRPR0'LQ/¶Île Déserte et Autres Textes, ed. David Lapoujade, Les Éditions de Minuit, Paris, 2002 (doravante citada

(17)

ind

e

t

e

rminado

±

, será talvez sobretudo no

³

informal excessivo

´

de Hölderlin,

36

multiplicidade caótica, virtual, que se enxerta e desenvolve o processo de actualização

estética

«

Mas até que ponto esta compreensão se poderá aproximar do in

f

orm

e

batailliano

(retomado por Rosalind Krauss e Yves-Alain Bois, ou, de outro modo, por Georges

Didi-Huberman, para pensar as categorias estéticas da Contemporaneidade? Se criar,

pensar, é produzir real, poderemos hoje dizer, com Deleuze, que uma obra de arte é um

modulador que encontrou um determinado estado de equilíbrio numa determinada

composição de forças? Poderemos afirmar que, sustentando-se na sua heterogénese, ela

está animada por uma vida inorgânica

37

que conserva o virtual no actual? E que

vida

será esta que se confunde com a conservação da potência? Qual é, afinal, o próprio do

objecto artístico, admitindo que ele possa, pelo menos, ser sondado?

Deleuze recusou toda a espécie de transcendência afirmando a imanência

absoluta de um plano de criação, desfazendo as formas organizadas

±

s

uj

e

i

t

o,

au

t

or,

c

on

s

c

i

ê

n

c

ia, p

e

r

ce

p

ç

ão, r

e

pr

e

s

e

n

t

a

ç

ão

±

em prol de um regime de experimentação que

emerge do sub-representativo, articulando linhas divergentes e criadoras de

diferenciação. É a compreensão desse regime que nos interessa sobretudo explorar, nas

suas várias dimensões e facetas, nomeadamente enquanto nos permite aceder a uma

UHDOLGDGH³PDLVSURIXQGDHPDLVDUWLVWD´

.

38

36

Este conceito é trabalhado pelo nosso autor em DR, pp 122-123, quando o autor expõe a terceira síntese do tempo, como síntese do futuro em ligação com o conceito de Eterno Retorno de Nietzsche, aqui afirmado afectar apenas o novo produzido por intermédio da metamorfose, HQTXDQWR ³UHSHWLomR SRU H[FHVVR´. Na mesma obra, em passagem anterior sobre a obra de arte moderna e o abandono da UHSUHVHQWDomR R WHUPR LQIRUPDO TXDOLILFD R FDRV FRPR ³FDRV LQIRUPDO DIXQGDGR´p. 94. De novo, a noção de informal aparece em LS, a propósito do novo discurso introduzido por Nietzsche, p. 145. 37

Este tema, a que regressaremos, é de fundamental importância para a compreensão da estética das intensidades. De momento vejamos apenas o que Deleuze e Guattari escrevem em MP, p. 623, a SURSyVLWRGH:RUULQJHUGDOLQKDJyWLFDHGDRSRVLomRHQWUHRUJkQLFRHDEVWUDFWR³(VVDOLQKDIUHQpWLFDGH YDULDomR«HPHVSLUDOHP]LJXH]DJXH«OLEHUWDXPDSRWrQFLDGHYLGDTXHRKRPHPUHFWLILFDYDRV organismos encerravam, e que a matéria exprime agora como o traço, o fluxo ou o élan que a atravessa. Se tudo está vivo, não é porque tudo é orgânico e organizado, mas ao contrário porque o organismo é um desvio (détournement) da vida. Em suma, uma intensa vida germinal inorgânica, uma potente vida sem yUJmRVXP&RUSRWDQWRPDLVYLYRTXDQWRpVHPyUJmRVWXGRRTXHVHSDVVDHQWUHRVRUJDQLVPRVµXPD YH]URPSLGRVRVOLPLWHVQDWXUDLVGDDFWLYLGDGHRUJkQLFDMiQmRH[LVWHPOLPLWHV¶´9HUWDPEpP)%SS 48-49, 121; QPH, p. 200. Vt. a entrevista a Deleuze por Raymond Bellour e François Ewald, ³6LJQHVHW pYpQHPHQWV´, Magazine Littéraire, septembre de 1988, n.º 257, p. 20, retomada e revista em Gilles Deleuze, Pourparlers 1972-1990, Minuit, Paris, 1990, que doravante citaremos sob a sigla Pp.

38

(18)

Nada pré-existindo à singularidade (pr

é

-individual e a-

s

ubj

ec

t

iva), a consciência

é levada (expandida) pelo traçar do plano de imanência.

39

A violência que força a

pensar,

40

como encontro e relação com o

Fora,

41

pura exterioridade, suscita o

movimento dos processos e a heterogénese das formas e reconfigura-se pela

diferenciação expressiva como criação do novo e afirmação das potências de

vida não

orgâni

c

a.

A consistência do processo criativo está directamente associada à constituição de

meios adequados a tornar sensível o anteriormente

in

s

e

n

s

ív

e

l, visível o

invi

s

ív

e

l,

pensável o

imp

e

n

s

áv

e

l, outros tantos modos de atingir a vida aquém e além do

organismo, tocar a diferença absoluta,

42

e não a relativa, mediatizada na representação.

Este tema, que Deleuze retoma de Klee, e glosa em

Mill

e

Pla

t

e

ux,

F ran

c

i

s

Ba

c

on

.

Logiqu

e

d

e

la S

e

n

s

a

t

ion,

4X¶HV

t

-

ce

qu

e

la Philo

s

ophi

e

, entrosa completamente na

questão do afrontamento do limite próprio

±

limite imanente

±

de cada faculdade,

amplamente trabalhado em

Di

ff

e

r

e

n

ce

e

t

R

é

p

é

t

i

t

ion,

Logiqu

e

du S

e

n

s

e

Prou

st

e

t

l

e

s

Sign

e

s

,

43

por exemplo, como acontecimento constitutivo de cada uma na sua

contra o ordinário, uma instantaneidade contra a variação, uma eternidade contra a permanência. A todos os títulos, a repetição é a transgressão. Põe em questão a lei, denuncia-lhe o carácter nominal ou geral, em proveito de uma realidadHPDLVSURIXQGDHPDLVDUWLVWD´ Veja-se o que escreve em 1977 a pretexto dos novos filósofos, Gilles Deleuze, Deux Regimes de Fous

. Textes et Entretiens 1975-1995, ed. David Lapoujade, Minuit, Paris, 2003 (doravante RF), S³WHQWDPRVIRUPDUconceitos de articulação fina, ou muito diferenciada, para escapar às grandes noções dualistas. E tentamos destacar funções-criadoras, que não passariam mais pela função-DXWRUQDP~VLFDQDSLQWXUD«QRFLQHPDPHVPRHPILORVRILD´, ou adiante, p.133: ³reencontrar com o seu próprio trabalho o trabalho dos músicos, dos pintores ou dos sábios, é a única combinação actual que não se reduz nem às velhas escolas, nem ao neo-marketing. São esses pontos singulares que constituem núcleos de criação, de funções-criadoras independentes da

função-DXWRU´ Em Proustet les Signes, PUF, Paris, 1986 (obra que citaremos a partir de agora como PS), escreve VREUHRVVLJQRVLPDWHULDLVHPTXHFRQVLVWHDREUDGHDUWHGL]HQGRTXH³MiQmRWrPQDGDGHRSDFRSHOR

menos para o oOKRHRRXYLGRDUWLVWDV´, p. 64. 39

Escreve com Guattari em MP, p. 348: ³7XGRPXGDVREUHXPSODQRGHFRQVLVWrQFLDRXGHLPDQrQFLD que é necessariamente percebido por sua conta ao mesmo tempo que é construído: a experimentação substitui-se à interpretação, o inconsciente que deveio molecular, não figurativo e não simbólico, é dado como tal às micro-percepções; o desejo investe directamente o campo perceptivo em que o imperceptível

DSDUHFH FRPR R REMHFWR SHUFHELGR GR SUySULR GHVHMR «. O inconsciente já não designa o princípio escondido do plano de organização transcendente, mas o processo do plano de consistência imanente, enquanto que aparece sobre este, à medida que vai sendo construído. Porque o inconsciente é para se fazer, não para reencontrar. Já não há uma máquina dual consciente-inconsciente, porque o inconsciente

«SURGX]-se aí onde chega a FRQVFLrQFLDOHYDGDSHORSODQR´. 40

DR, pp. 182-184; PS, por exemplo, nas pp. 24, 41, 117. 41

Em MP, numa passagem em que Deleuze e Guattari retomam o tema da imagem do pensamento e das suas definições e figuras, do ponto de vista político da sua estatização, na qual percorrem autores e questões abordados por Deleuze em DR e PS, aferem os contornos de uma nova imagem de pensamento, p. 467: ³Em relação LPHGLDWDFRPRIRUDFRPDVIRUoDVGRIRUD´, remetendo a noção de fora [déhors]

para Foucault.

4236S³0DVRTXHpXPDGLIHUHQoD~OWLPDDEVROXWD"1mRpXPDGLIHUHQoDHPStULFDHQWUHGXDVFRLVDV

RXREMHFWRVVHPSUHH[WUtQVHFD´

43

(19)

singularidade que as torna aptas a apreender a realidade diferencial mais profunda de

que falámos antes.

O nosso trabalho pretende seguir o movimento do pensamento de Deleuze nas

passagens que indicia, de concreto a concreto

±

funções, territórios, operadores, relações,

agenciamentos, singularidades

±

, na construção da paisagem

44

de uma outra

imag

e

m do

p

e

n

s

am

e

n

t

o

, não separável de uma sensibilidade a engendrar a múltiplas velocidades,

arrostando a criação do sensível; da emergência daquilo que designou como

³

novas

condições perceptivas

´

;

45

e da determinação do

próprio

do pensamento.

II

.

E o que é o

próprio

do pensamento de Deleuze? Quais os problemas que lhe

dizem directamente respeito? De que forma contribuiu, então, para uma compreensão

nova do moderno e do contemporâneo? Qual o seu potencial de transformação? É

possível aproximar a criação artística por outra via que não a das intensidades, da

heterogénese das forças na formação das formas e sustentabilidade das sensações, por

ele sugerida? No contexto da sua compreensão paradoxal na charneira da filosofia e da

arte, em que consiste a experiência estética? Quais são finalmente as suas condições de

potência e qual o meio / plano em que se constituem?

Kierkegaard, Les Miettes Philosophiques, Traduction de Paul Petit cap. III ³/HSDUDGR[HDEVROX ± une FKLPqUHPpWDSK\VLTXH´pp. 79-80: ³1mRGHYHPRVSHQVDUFRPOLJHLUH]DRSDUDGR[RSRUTXHRSDUDGR[Rp a paixão do pensamento e o pensador sem um paradoxo é como um amante sem paixão: uma pobre PHGLRFULGDGH « 2 VXSUHPR paradoxo de todo o pensamento é a tentativa de descobrir algo que o pensamento não pode pensar. Essa paixão é um limite presente em todo o pensamento, e também no do indivíduo, na medida em que, quando ele pensa, não é apenas ele mesmo. Mas o hábito impede-o de se aperceber disso´

44

As noções de paisagem, imagem e ideia correspondem-se quando o pensamento procura as multiplicidades, a diferença sob o sentido único do mesmo e do semelhante. A paisagem de que Deleuze fala é animada e preenchida por forças, afectos e perceptos, a-presentação de um campo perceptivo dilatado com zonas de vizinhança e indiscernibilidade, deslocamentos, passagens e evoluções a-paralelas; ³SDLVDJHPYLWXDO´WDOFRPR'HOHX]HH*XDWWDULDGHVFUHYHPHP03SS-³GHVWHUULWRULDOL]DGD´ 03SYLGHQWHH³GHDQWHVGRKRPHP´QRVWHUPRVGH43+S$H[SUHVVmR³paisagem do transcendental´WRGDYLDpMiLQWURGX]LGDHP'5S

45

(20)

Ao desenvolver o presente trabalho, deixaremos de lado as questões que relevam

dos modos como, na obra do autor, se cruzam genealogicamente influências. Esta opção

não diz respeito à relevância que estas possam ter, ou não, na leitura de Deleuze mas,

antes, à convicção de que distingui-las e apontá-las não serve o nosso propósito de

aproximação à sua singularidade, a partir da sua diferença. Poder-se-á aduzir, ainda,

outra razão. De facto, o uso livre e sincrético dos autores da tradição filosófica (mas

também literária e outras) e dos problemas que levantam, sob o prisma do que interessa

e respeita a Deleuze, vai plenamente ao encontro do que erige como aquisição

fundamental (d

e

dir

e

i

t

o) da filosofia transcendental kantiana: a assunção da natureza

imanente da crítica. As aporias dos anteriores sistemas filosóficos, os seus pontos

críticos de resolubilidade, a sua casuística, os conceitos, pertencem à memória material

do pensamento.

Por outro lado, relativamente à produção da obra propriamente dita, e às

questões que a atravessam e mobilizam, consideramos que o seu nexo é de molde a

permitir-nos a liberdade de a abordar como um diagrama assinado. E, por isso, a opção

que tomamos implica, directamente, a ecologia deste estudo e a necessidade de, para

melhor servir os objectivos propostos, isolar

±

independentemente da colaboração do

autor por exemplo com Guattari ou, de outro forma, com Claire Parnet

±

, o que cremos

pertencer a um corpo de questões e problemas mobilizadores da sua filosofia que

pretendemos destacar.

A filosofia de Deleuze tem, pensamos nós, um desígnio orientador: o de

reintroduzir o movimento (da vida) no pensamento, sem mediação. Quer dizer,

³SURGX]LU QD REUD XP PRYLPHQWR FDSD] GH PRYHU R HVStULWR SDUD IRUD GH WRGD D

UHSUHVHQWDomR´ ³ID]HU GR PRYLPHQWR REUD´ REMHFWLYR TXH QDV SiJLQDV LQLFLDLV GH

Di

ffé

r

e

n

ce

et

R

é

p

ét

i

t

ion atribui a Nietzsche e Kierkegaard,

46

e que entendemos que faz

seu, deixando neste ponto clara uma linhagem de pensamento.

Assim sendo, traz para primeiro plano da reflexão a questão da diferença, não

reportada ao idêntico mas considerada

e

m-

s

i, absoluta, como um

imp

e

n

s

ado no

(21)

pensamento

47

e, concomitantemente, a questão da sua apreensão, a que associa um

plano de experiência singular. Se o elemento da diferença e o elemento da reflexão não

se correspondem, mesmo porque as exigências da representação submetem a diferença à

³IRUPDGD

identidade, sob a dupla relação da coisa vista e

GRVXMHLWRYLGHQWH´

,

48

pensar a

diferença em-si,

49

isto é, no seu elemento próprio, exige duas tarefas críticas:

A primeira, tem como principal objectivo a denúncia da representação como

³OXJDUGDLOXVmRWUDQVFHQGHQWDO´

tal como Deleuze a define em

Di

ffé

r

e

n

ce

et

R

é

p

ét

i

t

ion,

QDV VXDV IRUPDV ³TXH FRUUHVSRQGHP DR SHQVDPHQWR DR VHQVtYHO j LGHLD H DR VHU´ H

,

correlativamente,

H[LJHPTXHVHUHVWDXUH³DGLIHUHQoDQRSHQVDPHQWR´

; a diferença

³QD

LQWHQVLGDGHFRPRVHUGRVHQVtYHO´

;

³RGLIHUHQFLDOQD

ideia, e a diferença na afirmação

TXHGHOHGHFRUUH´

. Obriga ainda a

RXWUDGLVWULEXLomRGDGLIHUHQoDTXHQmRDWUDLoRH³D

natureza do ser (como conceito colectivo e cardinal), e a natureza das próprias

distribuições (como distribuições nómadas, e já não sedentárias

HIL[DV´

.

50

A segunda, implica o esforço de, na esteira

GH %HUJVRQ DFHGHU DR ³LPHGLDWR´

subrepresentativo.

51

Tal objectivo

FRORFD R SHQVDGRU QXP ³SRQWR GH YLUDJHP GD

H[SHULrQFLD´

,

52

impelindo-o a

³LUSURFXUDUDH[SHULrQFLDQDVXDIRQWHRXPHOKRUDTXpP

desse ponto de viragem decisivo em que, inflectindo-se no sentido da nossa utilidade, se

torna

SURSULDPHQWH H[SHULrQFLD KXPDQD´

, uma vez que

³DR GHVID]HU R TXH DV QRVVDV

47

A este respeito ver DR, p. 188³«2TXHKiDSHQVDUpGRPHVPRPRGRRLPSHQViYHORXRQmR

SHQVDGR´. Ver também DR, pp. 157, 164, 183-184, 198, 293. Ver também IT, pp. 221, VREUH ³R

LPSHQVDGR´H43+SVREUH³RQmRSHQVDGRQRSHQVDPHQWR´ 48

DR, p 94.

49

DR, p. 154: ³eQDVPHVPDVFRQGLo}HVTXHRHPVLGDGLIHUHQoDVHHVFRQGHHTXHDGLIHUHQoDFDLQDV

FDWHJRULDVGDUHSUHVHQWDomR´ 50

DR, pp. 341-346.

51

DR, p. 79. Henri Bergson, La Penséeet le Mouvant38)3DULV³$RDIDVWDUHVWHYpXLQWHUSRVWR

UHJUHVVDPRVDRLPHGLDWRHWRFDPRVQXPDEVROXWR´S'HOHX]HUHIOHFWHVREUHesta noção de imediato

SRU H[HPSOR QR DUWLJR ³%HUJVRQ -´ , SS -31, ou em Le Bergsonisme (doravante citado

como B), PUF, Paris, 1966 (1989), p. 24. O tema está também presente em DR, S ³$ IRUPD GD repetição no Eterno Retorno é a forma brutal do imediato, a do universal e do singular reunidos, que destrona toda a lei gera, dissolYH DV PHGLDo}HV «´ ou p. 79: ³1mR p HQWmR PXOWLSOLFDQGR DV

UHSUHVHQWDo}HVHRVSRQWRVGHYLVWDTXHVHDWLQJHRLPHGLDWRGHILQLGRFRPRVXEUHSUHVHQWDWLYR«$REUD

de arte moderna realiza as condições de deformação, desvio e descentramento para atingir o imediato sub-representativR«´; ou ainda a propósito da penetração no sub-representativo, MD, p. 161.

52

Henri Bergson, Matièreet Mémoire, PUF, Paris. 1939 (1985), p. 206³5HQXQFLDUDFHUWRVKiELWRVGH SHQVDUH PHVPRGHSHUFHEHUp MiGLItFLO«(quando o tivermos feito, quando nos tivermos situado naquilo que nós chamamos de ponto de viragem da experiência, quando tivermos aproveitado do luar nascente que, aclarando a passagem do imediato ao útil, dá lugar à aurora da nossa experiência humana, resta reconstituir com os elementos infinitamente pequenos da curva real de que assim nos apercebemos,

(22)

necessidades fizeram, restabeleceríamos a intuição na sua pureza primeira e

UHWRPDUtDPRVFRQWDFWRFRPRUHDO´

53

Neste sentido diremos que a apreensão da diferença obriga a um conjunto de

operações do pensamento: reportar o constituído ao processo de constituição e articular

a experiência singular às suas condições e processos de produção; considerar a

passagem à existência (que Deleuze define como

e

xpr

ess

ão) de uma produtividade pura

a partir da matriz intensiva de todos os processos, nomeadamente o da produção do

real

54

como positividade. O que assim se altera, e se espelha no desdobramento destas

operações noutras que se possam adequar à transformação perceptiva que lhes é

concomitante, é precisamente aquilo que Deleuze designa por imag

e

m do p

e

n

s

am

e

n

t

o.

55

A matriz intensiva do real

±

a intensidade zero como princípio de produção

±

corresponde, assim o entende, à agregação de um meio próprio de experimentação de

que é contemporânea.

56

Neste ponto de vista, a criação/produção do real sobrepõe-se a

todas as formas de pré-existência: sejam elas as de uma ontologia das essências, de cariz

metafísico, sejam as das condições da experiência possível, no quadro da lógica

53 Henri Bergson, op

.cit. , p. 205. Deleuze evidencia esta orientação em inúmeras passagens da sua obra,

em B, p. 93, PDV Mi QR DUWLJR ³%HUJVRQ -´ DFLPD FLWDGR OKH GHGLFD DOJXPDV SiJLQDV fundamentais não apenas para a compreensão da intuição em Bergson como para a compreensão das linhas que definem a ontologia da diferença no seu próprio pensamento.

54

Esta questão será posteriormente tratada na segunda parte desta dissertação, dedicada à estética das intensidades. Importa aqui referir a ancoragem crítica da sua teorização na obra de Kant, e particularmente na Crítica da Razão Pura, no capítulo ³$QWHFLSDo}HV GD SHUFHSomR´, no qual o autor

diferencia a grandeza extensiva da grandeza intensiva e trata da apreensão da realidade da sensação, por exemplo, p. 202. A discussão deste entendimento e a noção de diferença de potencial como relação a zero, tema nuclear do pensamento de Deleuze, ocupa um lugar de charneira em DR, pp. 298-299. Será fundamental para a sua exposição sobre a realidade intensiva da sensação como descida em profundidade ou queda, não no espaço, mas como diferença de nível ou passagem na sensação, aproximação do zero = queda, tal como a pensa por exemplo em FB, p. 78.

55

Deleuze ocupou-se sistematicamente daquilo que designou SRU ³,PDJHP GR 3HQVDPHQWR´que se prende com a sua consideração do pensamento como problema, associado às suas condições intrínsecas, e por isso, concretas, de produção. Em Nietzsche et la Philosophie, Paris, PUF, 1962 (N), capítulo III,

parágrafo 15; DR, capítulo III, pp. 169-217; PS, Conclusão, pp. 115-124; QPH, cap. 2, pp. 38-59; MP, capítulo I, pp. 9-37; IT, cap. 7, pp. 203-245. Sobre esta questão ver infra I, 2: ³2TXHVLJQLILFDSHQVDU"´S 77 e seguintes. Deleuze refere continuamente, em entrevistas e textos ao longo da sua obra, essa preponderância do tema no seu pensamento. Ver, por exemplo, RF, S³«SDUHFLD-me que não se poderia atingir as potências da diferença e da repetição, senão pondo em questão a imagem do SHQVDPHQWR´ H, na página seguinte, ³XPD QRYD LPDJHP GR SHQVamento, ou antes, uma libertação do pensamento por relação com as imagens que o aprisionam, foi o que havia já procurado com Proust. Mas em Différenceet Répétition essa procura torna-se autónoma e devém a condição para a descoberta dos dois conceitos. Assim é o capítulo III que hoje me parece mais necessário e mais concreto e introduzir aos livros seguintes, até às investigações com Guattari, quando invocamos para o pensamento um modelo YHJHWDOGHUL]RPD«´

56 Tal como expresso, por exemplo, em MP, p. 20³2&V2pRRYR0DVRRYRQmRé regressivo: pelo

(23)

transcendental, como acima já apontámos. A apreensão da diferença

±

da novidade

±

,

põe em jogo a indicação bergsoniana, expressa, por exemplo, em

La P

e

n

s

ée

e

t

l

e

Mouvan

t

, relativa à

QHFHVVLGDGHGH³LQYHUWHU

a direcção

KDELWXDOGRSHQVDPHQWR´

.

57

Isto

é, desencadeia uma aproximação crítica, associada a um processo

±

esse da inversão da

direcção habitual do pensamento

±

, que Deleuze não cessará de utilizar como processo

inerente ao seu pensamento e à elaboração da sua obra.

58

No entanto, pensar o engendramento a partir da posição de imanência, isto é,

sem referência nem condicionamento externo, intentando apreender directamente o

processo, como dissemos, conduz a pensar a positividade do acto no processo, a eclosão

do

novo no movimento imanente, como re-começo,

³

segunda origem

´

.

59

É nessa

medida que o engendramento se dá (acontece) a partir do interior, de próximo a

próximo, e arrasta a segregação de um espaço e de um tempo de actualização, tal como

GHXPD³FRQVFLrQFLDHOHPHQWDU´

.

60

Teremos que indagar que tempo é esse que é introduzido pela repetição: do

recomeço, da metamorfose e da retoma da primeira origem pela imaginação,

61

que

sintetiza como tempo do acontecimento, da aquisição do sentido e da autonomização da

57 Henri Bergson, La Penséeet le Mouvant

, p. 214: ³)LORVRIDUFRQVLVWHHPLQYHUWHUDGLUHFomRKDELWXDOGR

SHQVDPHQWR´ D TXH VH SRGH FRQMXJDU R TXHo autor afirmara DQWHV ³UHFRPHQGDPRV XPD GHWHUPLQDGD

PDQHLUDGLILFXOWDGRUDGHSHQVDU´S

58 Uma fórmula que pode sintetizar esse procedimento e torná-lo evidente é a da inversão do platonismo, motivo maior que aflora em momentos chave da obra de Deleuze, por exemplo, em DR, p. 82, quando a tópica é introduzida como tarefa da filosofia, ou na p. 92, quando é HQXQFLDGDFRPRQHJDomRGR³SULPDGR

GHXPRULJLQDOVREUHDFySLDGHXPPRGHORVREUHDLPDJHP´³DIXQGDPHQWRXQLYHUVDO´GRIXQGDPHQWR UHGXomRGDFRLVD³jGLIHUHQoDTXHDHVTXDUWHMDHDWRGDVDVGLIHUHQoDVQHODLPSOLFDGDVSHODVTXDLVSDVVD´

Regressa ao tema na conclusão do capítulo II (³La répétition par ele même´), em jeito de síntese, p. 168:

³3ODWmRWHQWDYD GLVFLSOLQDU R (WHUQR 5HWRUQR ID]HQGR GHOH XP HIHLWR GDV ,GHLDV TXHU GL]HU ID]HQGR-o copiar um modelo. Mas no movimento infinito da semelhança degradada «atingimos esse ponto em que tudo muda de natureza´. Com a mesma questão abre o texto que publica em apêndice à LS,

³6LPXODFUH HW SKLORVRSKLH DQWLTXH´ S 7DPEpP Dt R SURFHVVRé descrito como conduzindo ao afundamento do fundamento (p. 358). O que está em causa, em ambas as obras, é afinal o desfazer da coerência da representação (DR, pp. 165-168; LS, p. 360) e a sua substituição pela coerência do excesso

³LGHQWLGDGH LPDQHQWH GR FDRV FRP R FRVPRV´ '5 S, 166; LS, p. 359). Entendemos, no entanto, que mesmo este tema pode subsumir-se no quadro maior da utilização metodológica da inversão como procedimento crítico determinante para o pensamento, porque como escreve em RF, p. 58, se o pensamento se organiza ³VHJXQGR HL[RV H GLUHFo}HV´ ³FRQIRUPH DV GLUHFo}HV QmR IDODPRV GD PHVPD maneira, nem encontramos as mesmas matérias: com efeito, é também uma questão de linguagem e de

HVWLOR´.

59*LOOHV'HOHX]H³&DXVHVHWUDLVRQVGHVvOHVGpVHUWHV´LQ

I, pp. 16-17: ³1mR é suficiente que tudo comece, é necessário que tudo se repita, uma vez completado o ciclo das combinações possíveis. O segundo momento não é o que sucede ao primeiro, mas a reaparição do primeiro quando o ciclo dos outros momentos se completou. A segunda origem é então mais essencial que a primeira, porque nos dá a lei da

VpULHDOHLGDUHSHWLomRGHTXHDSULPHLUDQRVGDYDDSHQDVRVPRPHQWRV´

60

DR, p. 284.

61*LOOHV'HOHX]H³&DXVHVHWUDLVRQVGHVvOHVGpVHUWHV´

I, p. ³«RPRYLPHQWRGDLPDJLQDomRdas

(24)

obra, isto é, como tempo próprio da criação. Teremos, igualmente, que indagar de que

modo o pensamento apreende as condições do engendramento, tornando-se por seu

turno acto de pensar, quer dizer, de que modo o pensamento pensa a sua própria

génese.

62

III

.

'HOHX]H GL] UHSHWLGDPHQWH ³FRPHoD

-

VH VHPSUH SHOR PHLR´

,

63

tomaremos

literalmente essa indicação. O nosso ponto de partida para a compreensão da construção

do plano de criação

±

na articulação que pressupomos entre a ontologia da diferença e a

estética das intensidades

±

, é, assim, a consideração do que designa por duplo

movimento da imanência,

64

no qual se conjugam a constituição ontológica e a produção

expressiva ou estética.

Mas é aqui imprescindível proceder a um acerto das noções em jogo, que terá

que ir sendo feito e aferido à medida do desenvolvimento desta investigação, desde logo

neste momento inicial de definição de um campo problemático, para identificar as

questões que levantamos num léxico próprio do autor, de molde a evitar colagens com

outros léxicos com os quais se cruza e dialoga, e o obscurecimento do seu pensamento e

das distinções que efectua.

Se Deleuze cria novos conceitos, como veremos, também reutiliza, reactiva e

transforma conceitos de outros pensadores, como é, por exemplo o caso do conceito de

essê

n

c

ia

,

a

c

id

e

n

te

,

t

ran

sce

nd

e

n

t

al

(Kant) ou do

E

te

rno R

et

orno

(Nietzsche). Assim,

esta especificação preliminar é necessária e tanto mais premente quanto procura ir ao

62 DR, pp $t QR FDStWXOR ³,PDJH GH OD SHQVpH´ LQWURGX] D TXHVWmR GD SDVVDJHP QR

pensamento, da possibilidade ao engendramento, que é também a passagem do hipotético ao categórico.

63

MP, p. 36, mas também Gilles Deleuze, Claire Parnet, Dialogues, Flammarion, Paris, 1977 (doravante

citado como D), pp. 50-51.

64 ³&DXVHVHWUDLVRQVGHVvOHVGHVHUWHV´, I, p. ³O élan do homem que o arrasta para as ilhas retoma o

duplo movimento que produz as ilhas em VL SUySULDV´. Fundamental para o esclarecimento do desdobramento expressivo da imanência é a leitura de Gilles Deleuze em Spinoza et le Problème de

Referências

Documentos relacionados

EXPERIMENTANDO E DESCOBRINDO: A CONTRIBUIÇÃO DE UMA OFICINA PARA DESPERTAR ALUNOS DE NÍVEL MÉDIO PARA AS DIMENSÕES DA ÓPTICA COMO DISCIPLINA E CAMPO DE PESQUISA..

The UV-B treatments did not show any important effect on glucose levels of tomatoes at any harvest stages; whereas, UVB8 treatment showed high glucose levels in tomatoes at the

Buscando contribuir para a composição do estado da arte da pesquisa contábil no Brasil, a investigação lançou mão de técnicas de análise bibliométrica para traçar o perfil

However, we found two questionnaires that seemed interesting from the point of view of gathering information about students' perspective on the use of

A proporçáo de indivíduos que declaram considerar a hipótese de vir a trabalhar no estrangeiro no futuro é maior entle os jovens e jovens adultos do que

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

The case studies show different levels of problems regarding the conditions of the job profile of trainers in adult education, the academic curriculum for preparing an adult