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AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE E PERSUASIVA MESTRADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

THAIS MATALLO CORDEIRO GOMES

AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE E PERSUASIVA

MESTRADO EM DIREITO

SUBÁREA DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

THAIS MATALLO CORDEIRO GOMES

AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE E PERSUASIVA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial à obtenção do título de Mestre em Direito Processual Civil, sob a orientação da Professora Doutora e Livre-Docente Teresa Arruda Alvim Wambier.

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THAIS MATALLO CORDEIRO GOMES

AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE E PERSUASIVA

Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, que desde o meu primeiro dia no mestrado, tornou-se uma referência de profissional, cuja determinação, conhecimento e energia inspira não somente a mim como diversos novos processualistas. Antes de ser uma excelente professora (e quanto a isso não há dúvidas) é um exemplo de pessoa que não mede esforços para conceder oportunidades incríveis aos novos estudiosos do direito.

Não poderia deixar de agradecer aos mestres que efetivamente fizeram a diferença ao longo dos quatorze anos que frequentei a PUC. Na graduação já pude ter exemplos primorosos: Antonio Carlos Malheiros, Carlos Alberto Ferriani e Marcus Vinícius de Abreu Sampaio. A vocês o meu agradecimento pelo exemplo, em momento tão incerto como é o início do curso de direito. Aos professores João Batista Lopes, Sergio Shimura e Francisco Cahali, que sempre me apoiaram e acreditaram no meu potencial para, um dia, tornar-me aluna mestranda. Por fim, mas nem por isso menos importante, o ilustre professor Cassio Scarpinella Bueno, profissional que somente tive oportunidade de conhecer quando ingressei no mestrado, mas que desde a graduação me apoiou e me ensinou demasiadamente, por meio de suas irretocáveis obras. É um professor digno de muitos aplausos, que transmite em seus olhos a paixão e o gosto em transmitir, sem qualquer receio, o seu amplo conhecimento.

A todos os amigos que fiz ao longo desses anos na PUC. A começar pela “NE”. Turma de amigos que estudavam a noite e que, depois de um dia inteiro de estágio pesado, eram responsáveis pelas risadas e conversas agradáveis que duram até os dias de hoje. São amigos que levarei para o resto da minha vida, com muito orgulho, carinho e dedicação. Após, os amigos de mestrado, que contribuíram efetivamente para a realização de um sonho que é, justamente, a elaboração deste estudo. Agradeço a todo esse grupo, na pessoa do meu padrinho de casamento, Paulo Nasser, as intermináveis discussões, debates e valorosos conselhos.

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nossa parceria, em abril de 2002. A minha dedicação incansável é o mínimo que posso fazer para retribuir tudo o que sempre me foi concedido nesta casa. Tenho orgulho imenso de fazer parte da história da Siqueira Castro Advogados.

Na pessoa da Aline Tomasi, gostaria de agradecer a toda a minha equipe de trabalho, que me deu absoluto apoio para que a elaboração deste trabalho fosse possível. Sem esse time, certamente, o resultado aqui apresentado não seria possível. A vocês, muito obrigada!.

A minha família, na pessoa do meu avô Lauro de Lucca Matallo, por todo o suporte e formação, que, certamente, são os diferenciais que tenho para enfrentar os desafios da vida, independentemente do tamanho que se apresentam.

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“A vitória do autor de ação rescisória é menos provável do que as outras vitórias, mas de si só supõe a luta que se travou, para se desconstituir a res iudicata. A própria Justiça condena e corrige o seu erro. Corrigindo-o, eleva-se a si mesma.”

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RESUMO

GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Ação rescisória com fundamento na violação de súmula vinculante e persuasiva. 2014. 177f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2014.

O objeto deste trabalho é o estudo da possibilidade de ajuizamento de ação rescisória com fundamento na violação de súmula, seja ela vinculante ou persuasiva. O atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça é o de que as súmulas não podem ser equiparadas à lei e, portanto, não podem ser base de ação rescisória, com fundamento no inciso V do art. 485 do CPC. Neste trabalho, que terá como suporte metodológico a técnica de pesquisa bibliográfica, será feita uma análise acerca desse entendimento para, ao final, concluir, de lege lata, se é ou não possível o ajuizamento de ação rescisória por violação de súmula vinculante e/ou persuasiva, tendo como fundamento justamente o inciso V do art. 485 do CPC. Para tanto, optou-se por iniciar a presente dissertação a partir de um breve estudo acerca das principais características da ação rescisória. Como se pretende analisar a possibilidade do ajuizamento de referida ação por violação de súmula vinculante e/ou persuasiva tendo como fundamento legal o inciso V do art. 485 do CPC, no primeiro capítulo será dado um enfoque mais detalhado de referido inciso. Estudos como, por exemplo, envolvendo o sentido de “violação a literal dispositivo de lei” (entre outros) serão amplamente abordados nesta parte do trabalho. Em seguida, as súmulas (tanto as vinculantes como as persuasivas) também serão objeto de análise. Inicialmente, serão estudados aspectos gerais de cada uma das súmulas para, posteriormente, enfrentar temas polêmicos que apresentam relação com o assunto tratado. É o caso, por exemplo, da eficácia e do alcance das súmulas, bem como a polêmica envolvendo eventual usurpação, pelo Poder Judiciário, de poderes que, a princípio, seriam restritos ao Poder Legislativo. Neste ponto do trabalho também será analisada a natureza jurídica das súmulas e a eventual possibilidade de sua equiparação à lei, tudo com base na teoria geral do Direito. Ao final, com esteio em toda a linha argumentativa realizada nos capítulos anteriores, será abordada a possibilidade de ação rescisória por violação de súmula vinculante e persuasiva, e analisados alguns aspectos procedimentais (por exemplo: prazo e termo a quo para o ajuizamento da ação rescisória), necessários à plena compreensão do assunto. Findo o estudo, justamente com fundamento no art. 485, inc. V, do CPC, conclui-se pela possibilidade de ajuizamento de ação rescisória quando constatada violação de súmula vinculante e persuasiva.

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ABSTRACT

GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Action to reverse res judicata based on binding and persuasive precedents 2014. 177p. Dissertation (Master in Law)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2014.

This dissertation has as its aim the study of the possibility of filing an action for the reversal of res judicata based on a Brazilian Superior Court of Justice (STJ) precedent, which may be binding or merely persuasive. The current position of the STJ is in the sense that precedents are not equivalent to legal statutes and, therefore, may not serve as grounds for the action to reverse res judicata, based on article 485, V, of the Brazilian Procedural Law Code (CPC). This paper analyses the aforementioned court position, in order to reach a conclusion (de lege lata) on whether there are grounds for an action to reverse res judicata based on the violation of a binding and/or persuasive precedents. For this purpose, the author opted to initiate the dissertation with a brief study of the main features of the action to reverse res judicata. Emphasis will be given to article 485, V, of CPC, specially to the definition and interpretation of the said "literal violation of the Law" (among others). Subsequently, the precedents (binding and persuasive) will be analysed. The author starts from general aspects towards polemical and practical questions related to the matter under study, e.g., the effects and reach of the precedents, as well as the possible and questionable interference of the Judiciary in the constitutional competence of the Legislature. At this time, the legal nature of the precedents and its possible equivalence to statutory law will be also evaluated under the light of the general law principles. Finally, as a result of the argumentative line developed on the previous chapters, the dissertation will state whether the Brazilian legal system allows an action to reverse res judicata based on binding and persuasive precedents. Procedural aspects of the action will be also tackled (e.g. time limitation and first day of the term to file the action). After the study, precisely on the basis of art. 485, inc. V, of the CPC code, the conclusion is by the possibility of filing a rescission action when observed violation of binding and persuasive precedents.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO 1 – AÇÃO RESCISÓRIA ... 18

1.1 BREVE HISTÓRICO ... 18

1.2 CONCEITO DE AÇÃO RESCISÓRIA NA DOUTRINA BRASILEIRA ... 22

1.3 SENTENÇA DE MÉRITO ... 24

1.4 TRÂNSITO EM JULGADO E COISA JULGADA ... 34

1.5 DO PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA ... 39

1.6 SOBRE A EXPRESSÃO “VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSITIVO DE LEI” ... 53

CAPÍTULO 2 SÚMULAS ... 68

2.1 BREVE HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO ... 68

2.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DAS SÚMULAS ... 71

2.2.1 Súmulas vinculantes ... 79

2.2.2 Súmulas persuasivas ... 85

2.3 CLASSIFICAÇÃO DAS SÚMULAS ... 97

2.4 SÚMULA: NATUREZA JURÍDICA ... 99

2.4.1 Súmula: norma jurídica geral e abstrata ... 100

2.4.2 Súmulas como norma jurídica: violação à tripartição de poderes? ... 106

2.5 EFEITO VINCULANTE DAS DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL ... 111

2.6 RECLAMAÇÃO ... 113

2.6.1 Cabimento ... 113

2.6.2 Natureza jurídica ... 118

2.7 COMMON LAW ... 121

2.7.1 Precedentes vinculantes no Brasil: uma aproximação do common law? ... 121

(11)

CAPÍTULO 3 AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE E PERSUASIVA: QUESTÕES (POLÊMICAS)

RELACIONADAS ... 131 3.1 CABIMENTO ... 131 3.1.1 Desconstituição da coisa julgada constituída anteriormente e

contrariamente à publicação da súmula ... 137 3.1.2 A eficácia imediata da súmula e o direito material: análise necessária para solução de problemas intertemporais ... 148 3.2 PRAZO PARA AJUIZAMENTO ... 150 3.3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA SÚMULA ... 151 3.3.1 Ação rescisória fundamentada em súmula inconstitucional ou

cancelada ... 156

CONCLUSÃO ... 160

(12)

INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico brasileiro é pautado principalmente na lei, que, por sua vez, é editada por seres humanos integrantes do Poder Legislativo. Trata-se de pessoas que, não sendo necessariamente nem operadores nem conhecedores do direito, algumas vezes, podem cometer excessos no que tange à não observância do nosso ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional.

Da mesma forma, podem ser editadas leis (e, de fato, são editadas) que, na medida em que são aplicadas ao caso concreto geram dúvidas com relação a sua “correta” interpretação1.

A análise das leis – seja para dar a elas a correta interpretação, seja para verificar a sua harmonia com o ordenamento jurídico existente – é tarefa dos tribunais superiores2.

É com muito pesar que assistimos, a cada dia, a deturpação da efetiva função dos tribunais superiores. Hoje, infelizmente, os referidos tribunais são mais utilizados como “terceira instância” de julgamento de um caso específico do que, efetivamente, como órgão responsável por guardar a Constituição Federal e as leis federais, com vistas a lhes garantir a correta interpretação e utilização.

Inúmeros institutos foram criados pelo nosso legislador para que a função precípua dos tribunais superiores voltasse a ser seguida. É o caso, por exemplo, do instituto da repercussão geral dos recursos extraordinários, interpostos perante o

1

“A rigidez que poderia se esperar encontrar nos sistemas de civil law, como uma de suas principais características, tem um contrapeso, que pode gerar um imenso desequilíbrio (como ocorre no Brasil):

juízes podem decidir de acordo com suas próprias opiniões a respeito do sentido da lei.” WAMBIER,

Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, RT, ano 34, n. 172, jun. 2009. p. 137.

2

“Há, agora, preocupação em fixar, através do próprio Judiciário, a unidade do direito, ou, mais

precisamente para aquela época, a uniformidade da interpretação da lei no país e nos vários tribunais inferiores. Basicamente, isso se tornou possível por dois motivos. Primeiramente, adquiriu-se consciência de que a leitura do texto da norma implica um ato de compreensão que, assim, abre oportunidade para várias definições e, portanto, interpretações. Outrossim, tornou-se inquestionável que o ato de compreender a lei era incumbência do judiciário e não do legislativo. O que passou a importar, em verdade, foi tão somente se seria conveniente admitir que o judiciário exprimisse, em um

mesmo momento histórico, várias interpretações para a mesma lei.” MARINONI, Luiz Guilherme.

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12 Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse particular, a preocupação do STF está relacionada com situações em que a solução jurídica irá alcançar toda a coletividade e não apenas particulares, como ocorre em uma lide.

Com o mesmo objetivo, verificou-se a criação das súmulas vinculantes. Assim, a partir do momento em que o STF, analisando determinada divergência sobre o entendimento de uma lei, fixa um entendimento e edita um enunciado resultante desta interpretação, é natural que todos os demais órgãos do Poder Judiciário (subordinados a ele), respeitem e sigam esta orientação.

Independentemente de previsão legal neste sentido, como ocorre no caso do art. 103-A da Constituição Federal (CF), o ideal seria que os órgãos hierarquicamente inferiores às cortes superiores observassem a orientação fixada e sedimentada, curvando-se a ela. Bem aqui, surge a primeira indagação: isso engessaria o Poder Judiciário? Não. Há situações em que será conferida ao juiz a ampla possibilidade de julgar determinado caso de acordo com o seu livre convencimento.

Da forma como o Poder Judiciário está sobrecarregado, existirão inúmeros casos complexos que o juiz poderá julgar de acordo com a sua convicção3, desde que mediante decisão fundamentada e nos limites dos preceitos constitucionais. E não é demais observar que:

A utilização de súmula não diminui juiz nenhum, isso libera o juiz para estudar questões que ainda não foram estudadas. Em vez de o

3“Continuamos a viver uma ilusão: a de tratar os processos de massa como se fossem processos

individuais de conflitos inter partes, como se fosse o desquite de João com Maria ou o homicídio de Antonio, que matou Joaquim. [...] tem-se que questões decididas pelo Tribunal há três, quatro, cinco anos continuam a congestionar suas pautas, em homenagem à independência do juiz das instâncias inferiores, que não se vincula à decisão e pode, então, por amor à sua própria convicção, permanecer anos, anos e anos a decidir contrariamente à decisão absolutamente tranquilizada no Supremo

Tribunal. Isso é o que chamo de uma ‘visão romântica’ que se recusa a ver os mecanismos do

processo e da jurisdição para as questões individuais. Pode haver acerto, consenso sobre essa ou aquela questão jurídica, mas a questão de fato é necessariamente única. Não se pode transportar para essa litigiosidade de massa, sobretudo na área previdenciária, que tem trazido, a cada ano, centenas de milhares de processos que nenhuma máquina judiciária comporta. O que chega ao Supremo – nesses números absolutamente astronômicos, indecentes – é uma parcela do que

congestiona a Justiça Federal.” PERTENCE, Sepúlveda. Efeito vinculante das decisões do STF: uma

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13

juiz continuar examinando questões sobre as quais o Supremos já se debruçou, vai estudar o que ainda não foi estudado.4

Não é sempre que os tribunais superiores fixam entendimento em um ou em outro sentido. Ao contrário disso, infelizmente, há inúmeros casos que a divergência de opiniões se mantém dentro do mesmo tribunal. Há, ainda, situações fáticas novas que aos tribunais ainda não foi dada oportunidade de manifestação. Em casos como estes, o juiz terá liberdade para proferir julgamento de acordo com o seu livre convencimento.

Não se defende, aqui, o fim de qualquer tipo de discussão (e até mesmo divergência) entre os operadores do direito, mas há situações em que o entendimento consolidado dos tribunais superiores deve necessariamente ser seguido por todos e esta afirmação, infelizmente, parece trazer grande desconforto.

Possivelmente por resquícios de um período de ditadura vivenciado no Brasil, e não faz muito tempo, a outorga dessa autoridade a um dos três poderes brasileiros (no caso, ao Judiciário) gera desconfiança e preocupação com a proteção da democracia conquistada a “duras penas”.

Ocorre que tanto a Corte Suprema do país como o Superior Tribunal de Justiça (STF) são órgãos máximos do nosso Poder Judiciário e, como tais, devem, sim, ter certos poderes, sem que isso signifique desrespeito ao nosso Estado Democrático de Direito. Aliás, ao contrário disso, aceitar que existam decisões judiciais opostas em casos idênticos, isso, sim, é deveras desrespeitoso com os jurisdicionados. É desrespeito com o cidadão deixá-lo sem uma orientação de conduta5, uma vez que a interpretação de determinada lei, ora é dada em um sentido, ora em outro.

4 VILLELA, João Guilherme. Efeito vinculante das decisões do STF: uma solução para o Judiciário.

Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 128, out.-dez. 1995. p. 187.

5

“Efetivamente, o nosso País, após ter conquistado a estabilidade monetária, precisa agora também

da segurança jurídica para que as empresas possam planejar o seu futuro e fazer os investimentos necessários e imprescindíveis para a sua sobrevivência numa economia globalizada, dinâmica e cada

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14 Não se pode ignorar que atualmente a população pode estar descrente com a atuação desses tribunais. Isso se deve, principalmente, ao fato de que, com certa frequência, verifica-se alteração de entendimentos na Corte, em um mesmo momento histórico. Bom exemplo disso foi o julgamento proferido no início do ano de 20136 perante o STJ, no sentido de que não era cabível o ajuizamento de ação rescisória com fundamento em violação de súmula. Meses depois, o mesmo tribunal entendeu que é, sim, cabível o ajuizamento de referida ação quando à época da decisão determinada súmula deixou de ser observada.7

A situação jurídica apresentada, embora apresente certo grau de profundidade teórica, não justifica entendimentos divergentes (na verdade, opostos) em tão pouco tempo, dentro de um mesmo tribunal.

Se as cortes superiores não são completamente confiáveis (pelas razões aqui apresentadas), trata-se de outro problema que merece reflexão (como por exemplo, a forma de indicação dos nossos ministros ou mesmo a maior transparência no momento de editar uma súmula8), mas é certo que deturpar a função destes tribunais para corrigir tal fragilidade não parece ser a solução mais adequada.

Sabe-se que, no presente, o Poder Judiciário vive em estado de colapso. Também é cediço que não se trata de um problema atual. Em 2004, ou seja, há quase dez anos, houve a reforma conhecida como “A reforma do Poder Judiciário”, em que as preocupações eram praticamente as mesmas que afloram nos dias de hoje, ou seja, conferir aos jurisdicionados maior efetividade na prestação jurisdicional estribada no pilar da celeridade.

De forma alguma se aponta, aqui, um eventual “fracasso” da mencionada reforma, mas é fato que o caminho de uma justiça mais efetiva, mais célere, com

6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Rescisória 4112-SC (2008/0248523-4), Terceira Seção.

Relator Min. Marco Aurélio Bellizze. Brasília, DF. Julgamento 28.11. 2012. Publicação 26.04.2013.

7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1163267 RS (2009/0206097-0), Quarta

Turma. Relator Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, DF. Julgamento 19.09.2013, aguardando publicação de acórdão.

8

“Cada vez mais e mais transparentes devem ser os critérios de escolha dos ministros do STF, se a eles agora cabe editar súmulas, que só devem prestar a gerar mais segurança e previsibilidade,

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15 maior respeito a princípios como isonomia, igualdade, segurança jurídica, ainda não foi encontrado.

A conscientização da verdadeira função dos tribunais superiores, em especial do STF, parece ser o primeiro passo para alcançar tal ideal e isso por diversos motivos.

A fixação de uma tese jurídica pelas cortes superiores faz com que os jurisdicionados não necessitem bater à porta do Poder Judiciário para definir, por exemplo, se devem ou não recolher determinado tributo em certa operação. Da mesma forma, eventuais ações ajuizadas serão julgadas em um único sentido, respeitando a isonomia entre os jurisdicionados. As consequências dessas teses são, inegavelmente, positivas.

Em sentido oposto, hoje, ainda é possível notar decisões proferidas em total dissonância com entendimentos consolidados e fixados pelos tribunais superiores em súmulas que, conforme será verificado no presente estudo, estratificam o entendimento fixado pela Corte acerca de determinada tese jurídica.

Em contrapartida, conforme mencionado linhas atrás, há entendimentos no sentido de que tais decisões não poderiam ser rescindidas, na medida em que apenas eventual “violação de lei” autorizaria a utilização do instituto.

Visto o problema por esse ângulo, decisões de mérito transitadas em julgado proferidas sem a devida observância de súmulas, portanto, ficariam imutáveis. É justamente sobre esta problemática que se debruça o presente trabalho.

Sem deixar de lado as raízes romano-germânicas do direito pátrio nem a tradição de civil law, o objetivo precípuo deste estudo é analisar, de lega lata, a possibilidade de rescisão de decisões de mérito que violem súmulas vinculantes e persuasivas.

(17)

16

sensu) que violarem as súmulas? Há alguma diferença, neste aspecto, para o caso de a violação ter sido a sumula vinculante ou persuasiva? Essas são, pois, algumas das perguntas que terão suas respostas apresentadas ao longo deste estudo, na tentativa de alinhavar a sua solução.

No que tange ao desenho da metodologia, o trabalho monográfico terá como base a abordagem de raciocínio dedutivo – assim entendido aquele que parte de proposições mais gerais sobre determinado assunto para, então, vislumbrar uma explicação para a problemática definida – e como técnica de procedimento a pesquisa bibliográfica, necessária para arregimentar um referencial teórico consistente sobre o tema abordado. Os dados, de natureza secundária, serão extraídos da doutrina especializada, principalmente livros, revistas, artigos e sites afins, e jurisprudências emanadas das cortes pretorianas pátrias.

Tendo em vista que o tema proposto é a possibilidade de ajuizamento desta ação e o fundamento de que a violação de súmula vinculante e persuasiva, não se mostra pertinente nem mesmo possível9 tratar de todos os aspectos relacionados à “ação rescisória”, de modo que a abordagem se voltará para assuntos efetivamente relevantes ao entendimento do tema aqui proposto como é o caso, por exemplo, do conceito de ação rescisória e respectivo prazo para ajuizamento. Também extrapola o contorno deste trabalho abordar com profundidade, por exemplo, cada um dos incisos elencados no art. 485 do CPC, uma vez que não se relacionam com a presente temática, tampouco se pretende, aqui, elaborar um manual sobre a ação rescisória.

Assim, para demonstrar e comprovar a possibilidade do ajuizamento de ação rescisória com fundamento na violação de súmula, a presente dissertação foi estruturada em três capítulos.

No primeiro capítulo, a análise do tema será iniciada com o estudo dos aspectos relacionados à ação rescisória. Aqui, a atenção se voltará para a hipótese específica do inciso V, que trata do ajuizamento da ação rescisória por “violação a literal dispositivo de lei”, absolutamente importante para o estudo em pauta.

9 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda escreveu um Tratado de quase oitocentas páginas para

(18)

17 Em seguida, no segundo capítulo, é a vez de discorrer sobre a súmula vinculante e, também, persuasiva. Com base no seu histórico no direito brasileiro, conceito, características e natureza jurídica, será avaliada a possibilidade de equiparação da súmula à lei, momento em que se enfrentará, por exemplo, a problemática envolvendo a tripartição de poderes e a possibilidade de o Poder Judiciário editar normas jurídicas. Neste ponto do estudo também será analisada a possibilidade de precedentes vinculantes (como no caso da súmula vinculante) no Brasil, país de tradição romano-germânica, tendo a lei como fonte de direito.

(19)

18 CAPÍTULO 1 – AÇÃO RESCISÓRIA

1.1 BREVE HISTÓRICO

No direito romano encontramos as raízes da ação rescisória. Naquela época, os romanos já conviviam com um instituto denominado restitutio in integrum10.

Nas palavras de José Carlos Moreira Alves, restitutio in integrum significa reposição à situação anterior11, ou seja, o magistrado (pretor) poderia considerar como não realizada determinada formalidade processual ou negócio jurídico, restituindo as partes ao estado anterior. E completa a lição:

A restituição in integrum era o ato do magistrado pelo qual ele

considerava não realizado o negócio jurídico ou formalidade processual, aos quais o ius civile reconhecia efeitos jurídicos, por

considerar que esses efeitos eram contrários à equidade.

Assim sendo, a restituição in integrum era, dos meios

complementares do processo formulário, o mais radical, pois tinha como não realizados negócios jurídicos legalmente celebrados, ou formalidade processuais regularmente observadas. Em virtude dela, retornava-se ao estado anterior ao da celebração do negócio jurídico ou do cumprimento da formalidade processual. Por isso o magistrado denegava as ações civis que surgiam desses negócios jurídicos, bem como concedia aquelas que, em virtude deles, tinham deixado de existir para o ius civile. [...]

No direito clássico, na parte inicial do Edito, uma lista das causas que davam margem à concessão do restitutio in integrum, eram as

seguintes: ob aetatem (por causa de idade), ob absentiam (por causa

da ausência), ob capitis deminutionem (por causa do capitis deminutio), ob errorem (por causa de erro), ob metum (por causa de

coação), ob dolum (por causa de dolo) e ob fraudem creditorum (por

causa de fraude contra credores). Mas o magistrado podia conceder a restitutio in integrum mesmo quando ocorressem causas não

previstas no Edito.

Por outro lado, a restitutio in integrum era concedida se solicitada

dentro do prazo de um ano útil, a contar, porém, não da data da

10

“Em certos casos previstos no Edito, o descontente com o julgamento podia pedir ao pretor que lhe concedesse contra a sentença uma restitutio in integrum, a qual, uma vez concedida, fazia com que se considerasse como não tendo havido julgamento algum, dando margem, então, a que se

promovesse novo processo.” ALVES, José Carlos Moreira. História do direito romano. Instituições de direito romano. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971. v. I. p. 250.

(20)

19

celebração do negócio jurídico ou do cumprimento da formalidade processual, mas daquela em que fosse possível a solicitação da medida (assim, por exemplo, quando o menor se tornasse maior; quando o ausente regressasse; quando o dolo fosse descoberto).12

Identifica-se, portanto, instituto similar ao da atual ação rescisória, na medida em que certa decisão poderia ser considerada como “não realizada”, dando margem, em seu lugar, à elaboração de um novo decisum.

À mesma conclusão chegou Ronaldo Cramer, apoiado em estudos desenvolvidos por Moacyr Lobo da Costa e José Rogério Cruz e Tucci:

A restitutio in integrum tinha contornos bastante parecidos com a

nossa ação rescisória. O pedido podia ser julgado em duas fases. Na primeira, chamada de iudicium rescindens, o pretor apreciava se

rescindia o julgado, e na segunda, denominada iudicium rescissorium, que nem sempre ocorria, o pretor decidia novamente o

conflito ou determinava que o magistrado privado decidisse conforme determinadas regras. Esses dois juízos perduram até hoje como as fases de julgamento da ação rescisória.13

Com relação à restitutio in integrum, contudo, duas peculiaridades merecem ser observadas. A primeira alude ao fato de que poderia ser concedida a restitutio in integrum, mesmo quando a hipótese não estivesse prevista no Edito, ou seja, caso o pretor considerasse como não realizada certa decisão, poderia assim fazê-lo, independentemente de qualquer previsão para tanto. A segunda refere-se ao caráter excepcional do instituto14.

Além da restitutio in integrum, existiam outras formas de impugnação da sentença no direito romano, como, por exemplo, a infiatio, a appellatio e a querela. Estudos demonstram, entretanto, que, em razão das coincidentes características, foi a restitutio in integrum que efetivamente serviu de base para a nossa ação rescisória.

12 ALVES, José Carlos Moreira. História do direito romano. Instituições de direito romano, v. I. p.

266-267.

13 CRAMER, Ronaldo; Ação rescisória por violação de norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM,

2012. p. 129.

14

“O magistrado, porém, por via de regra, só concedia a restitutio in integrum quando não havia meio normal para a reparação do meio normal para a reparação do prejuízo decorrente do negócio jurídico

(21)

20 Há quem sustente, contudo, que a origem da ação rescisória no Brasil seria a querela nullitatis, prevista no direito italiano.

Alguns autores, como Barbosa Moreira, apontam a querela nullitatis

do direito estatutário italiano como o ascendente da ação rescisória brasileira. O instituto comportava duas modalidades, conforme a natureza do vício da sentença: a querela nullitatis sanabilis e a querela nullitatis insanabilis. A primeira assemelhava-se a um

recurso e a segunda tinha por objetivo atacar a coisa julgada.

No direito intermédio é que se criou, nos estatutos italianos, a

querela nullitatis, destinada a atacar as sentenças que contivessem errores in procedendo. Ensina importante estudioso deste instituto

que o mesmo se desdobrava em duas modalidades: querela nullitatis sanabilis, para vícios menos graves e querela nullitatis insanabilis,

para os mais graves, sendo certo que aquela primeira modalidade acabou por ser absorvida pela apelação, enquanto a segunda modalidade continuou adequada para o ataque a vícios da sentença que não se sanavam com a coisa julgada.15

Seja originário do direito romano, seja originário do direito italiano, fato é que a preocupação com a rescisão de decisões com vícios não é recente e, na linha do que afirmou José Carlos Barbosa Moreira16, é possível que ambos os institutos

tenham servido de base para a ação rescisória que temos hoje no ordenamento pátrio.

No Brasil, em 1850, a ação rescisória já era prevista no Regulamento n. 737, como mecanismo capaz de “anular” a sentença17. Mesmo após a edição de Códigos Estaduais, a ação rescisória foi mantida (ao menos na maioria dos Códigos Estaduais) como forma de anular a sentença.

Consoante relato de Ronaldo Cramer18:

Os Códigos Estaduais também acompanharam as regras do Regulamente nº 737, sendo que alguns chegaram a ser cópias fiéis, o que trouxe pouca contribuição ao desenvolvimento da nossa

ciência processual. No dizer de Moacyr Lobo da Costa ‘os

legisladores estaduais acharam mais fácil copiar do que inovar’.

15 MACEDO, Alexander dos Santos. Da querela nullitatis

– sua subsistência no direito brasileiro, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. p. 49-50. Apud CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 2.

16 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 13. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006. v. 5. p. 103.

17 De acordo com o art. 681 do Regulamente 737 de 1850, a sentença poderia vir a ser anulada de

quatro formas diferentes: (i) “appellação”; (ii) “revista”; (iii) “embargos á execução”; (iv) “acção rescisória, não sendo a sentença proferida em grau de revista”.

(22)

21 O Código de Processo Civil de 1939 também previu a ação rescisória como forma de impugnar a coisa julgada, conforme se extrai da disciplina do seu art. 79819. Era hipótese de rescisão a sentença proferida: (i) para juiz peitado, impedido, ou incompetente racione material; (ii) com ofensa à coisa julgada; (iii) contra literal disposição de lei; ou (iv) quando o seu principal fundamento fosse prova declarada falsa em juízo criminal, ou de falsidade inequivocamente apurada na própria ação rescisória.

O artigo 80020 do referido Código, contudo, consignava a impossibilidade de manejo da ação rescisória em caso de injustiça da sentença, má apreciação de prova ou errônea interpretação do contrato.

O artigo seguinte (art. 801) previa o julgamento da ação rescisória em única instância, pelas Câmaras Reunidas do Tribunal de Apelação, cujo procedimento era assim disciplinado:

[...] estando regularmente instruída a petição inicial, esta seria distribuída a um magistrado, a quem incumbia ordenar a citação. No caso de haver necessidade de produção de prova testemunhal ou pericial, o relator delegava sua competência para dirigir a instrução probatória ao juízo de direito da comarca onde residissem as testemunhas, ou onde a perícia tivesse de ser realizada. Em seguida, permaneceriam os autos na secretaria durante dez dias, para oferecimento de razões. Após esse prazo, os autos eram encaminhados ao relator (e, se fosse o caso, ao revisor) e, em seguida, levava-se a ação rescisória a julgamento.21

Com a edição do CPC de 1973, algumas mudanças foram atribuídas ao instituto:

[...] limitou o cabimento para sentença de mérito (caput do art. 485); aumentou as hipóteses de cabimento (incisos do art. 485), previu expressamente os legitimados ativos (art. 487); dispôs sobre a cumulação dos pedidos rescindente e rescisório (inciso I do art. 488);

19

“Art. 798. Será nula a sentença:

I – quando proferida:

a) para juiz peitado, impedido, ou incompetente racione material e; b) com ofensa à coisa julgada;

c) contra literal disposição de lei.

II – quando o seu principal fundamento for prova declarada falsa em Juízo criminal, ou de falsidade

inequivocamente apurada na própria ação rescisória.”

20“Art. 800. A injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato

não autorizam o exercício da ação rescisória.”

(23)

22

condicionou o ajuizamento da ação ao depósito de 5% do valor da causa (inciso II do art. 488); e estabeleceu o prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado, para a propositura da rescisória (art. 495).22

Verifica-se, portanto, que não é recente a preocupação do nosso ordenamento com a possibilidade de rescisão de sentença com autoridade de coisa julgada. Desde 1850, o ordenamento jurídico brasileiro já previa a possibilidade de rescindir eventual decisão que violasse dispositivo de lei, ou seja, há muito o legislador demonstrou que entre a proteção da coisa julgada e a exclusão de decisões violadoras de lei do cenário jurídico brasileiro, a opção foi a segunda alternativa.

Tal orientação permanece até hoje, na medida em que, consoante o atual CPC, editado em 1973, a violação a literal dispositivo de lei continua como fundamento para o ajuizamento de ação rescisória, nos termos do inciso V do seu artigo 485.

O conceito de “literal dispositivo de lei” será oportunamente abordado. Antes, contudo, é relevante aprofundar o conhecimento sobre o instituto da ação rescisória no direito processual brasileiro.

1.2 CONCEITO DE AÇÃO RESCISÓRIA NA DOUTRINA BRASILEIRA

Observados alguns aspectos históricos, nada mais oportuno do que continuarmos a exploração do tema, trazendo o conceito de ação rescisória, de acordo com os doutrinadores brasileiros.

Para José Carlos Barbosa Moreira23, por exemplo, a ação rescisória visa

à “desconstituição da sentença transitada em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada”.

22 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 135.

23 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Eficácia da

(24)

23 Aproveitamos a definição trazida pelo referido doutrinador para evidenciar algumas premissas com relação a conceitos como “trânsito em julgado” e “coisa julgada material”.

A doutrina usualmente utiliza a expressão “trânsito em julgado” para sentenças com autoridade de “coisa julgada material”. No presente trabalho, utilizaremos a expressão “trânsito em julgado” tanto para sentenças com autoridade de “coisa julgada formal” como “coisa julgada material”. Como, tecnicamente, ambas as situações envolvem “trânsito em julgado”, ao utilizar tal expressão, havendo necessidade, cuidar-se-á de indicar se se trata de sentença com autoridade de coisa julgada material ou apenas formal.

Tanto as sentenças que analisam o mérito do direito pleiteado como as terminativas transitam em julgado. Referida observação é necessária para que não existam dúvidas acerca da terminologia adotada em determinadas situações ao longo do presente trabalho.

A observação mostra-se relevante na medida em que, conforme demonstraremos nos próximos capítulos, parte da doutrina sustenta a necessidade de ajuizamento de rescisória para casos em que, a princípio, resultariam em uma sentença terminativa. É o que ocorre, por exemplo, com a extinção da ação sem julgamento do mérito pelo reconhecimento da “impossibilidade jurídica do pedido”.

Independentemente da discussão doutrinária acerca desse aspecto, o caput do artigo 485 do CPC é claro ao dispor que pode ser rescindida “sentença de mérito, transitada em julgada”, ou seja, ao menos em princípio, apenas as sentenças (e decisões com conteúdo de sentença) de mérito poderiam ser objeto de ação rescisória.

Retornando às definições, o processualista Ronaldo Cramer24 apresenta o seguinte conceito de ação rescisória: “uma ação impugnativa autônoma, que tem por finalidade a desconstituição da sentença de mérito transitada em julgado, com eventual rejulgamento da matéria nela decidida”.

24 CRAMER, Ronaldo. Ação Rescisória por violação de norma jurídica, 2 ed. Salvador: JusPODIVM,

(25)

24 Referida definição é bastante semelhante àquela elaborada por Alexandre Freitas Câmara25, para quem a ação rescisória pode ser definida como “demanda autônoma de impugnação de provimentos de mérito transitados em julgado, com eventual rejulgamento da matéria neles apreciada”.

Nas definições trazidas pelos doutrinadores cariocas, portanto, além da natureza de ação autônoma26, fica consignado que a rescisória tem como finalidade a desconstituição de decisão de mérito transitada em julgado.

Assim, das lições colacionadas, pode-se concluir que para o manejo da “ação rescisória” a decisão a ser rescindida deve: (i) versar sobre o mérito e (ii) ter transitado em julgado.

Não obstante esses conceitos possam parecer simples, alguns aspectos tormentosos podem surgir e serão considerados no escopo do presente estudo.

1.3 SENTENÇA DE MÉRITO

Encontra-se disposto no caput do art. 485 do CPC, que, entre outros requisitos, são rescindíveis as “sentenças de mérito”27.

O conceito de sentença sofreu alteração em 2005, com a edição da Lei n. 11.232/2005. Antes de referida legislação, o §1º do artigo 162 do CPC definia

25 CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 19. 26 Com relação à natureza da ação rescisória

– se ação autônoma ou recurso – entendemos ser ultrapassada essa discussão na doutrina. Se não a totalidade da doutrina, a maioria já consignou entendimento no sentido de que se trata de ação autônoma e não recurso. Estamos absolutamente de acordo com esse entendimento, até porque uma das exigências da rescisória é a sentença de mérito com autoridade de coisa julgada material, ou seja, não sendo passível de recurso.

27“Consoante disposto no caput do art. 485 do CPC, o objeto do pedido de desconstituição é a

‘sentença de mérito’. Portanto, para determinar se o ato é, ou não, passível de desconstituição por

ação rescisória, a primeira das questões a resolver é saber se o ato se enquadra no modelo previsto pela norma legal. Aliás, talvez aí resida uma das mais importantes projeções da distinção entre sentenças definitivas e terminativas, na medida em que estas, em tese, estão excluídas da previsão

(26)

25 sentença como “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”.

A definição de sentença era feita com base no critério topológico, contudo, tratava-se de um equívoco. Isso porque, proferida a sentença de primeiro grau, as partes (ou apenas a parte vencida) poderiam interpor recurso, não havendo que se falar em encerramento do processo (termo ao processo). Da mesma forma, um acórdão não encerraria o processo se a parte interessada interpusesse recurso especial e/ou extraordinário ou, ainda, a parte vencedora poderia iniciar a execução, não havendo, igualmente, o que se cogitar em pôr fim ao processo.28

Com a Lei n. 11.232/2005, sentença passou a ser conceituada como “ato do juiz que implica alguma das situações previstas no arts. 267 e 269 desta Lei”29. A

definição deixa de lado o critério topológico e, acertadamente, passa a se relacionar com o conteúdo da decisão30.

Dessa maneira, independentemente do recurso cabível 31 contra a

decisão, se ela for de mérito, é possível a utilização de ação rescisória para rescindir a sentença, desde que presentes os requisitos legais32. Da mesma forma,

independentemente de estarmos diante de uma sentença propriamente dita, um

28

“A antiga redação do referido §1º do art. 162 do CPC, com base no critério topológico, definia sentença como ‘o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa’.

Muito embora satisfatório para o sistema recursal, o antigo conceito não correspondia à realidade processual. Sentença não é ato que põe fim ao processo, porque, se a parte vencida interpuser apelação, o processo continua no tribunal. Da mesma forma, se for prolatado um acórdão com conteúdo de sentença, esse pronunciamento não encerra o processo, porque a parte vencida pode interpor recurso especial ou extraordinário. E, ainda que não seja interposto nenhum recurso, a sentença, mesmo transitada em julgado, não constitui o último ato do processo, uma vez que a parte

vencedora ainda pode executar as verbas de sucumbência.” CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 29-30.

29 Artigo 162, §1º, do CPC. 30

“O único elemento por meio do qual se pode identificar as sentenças é o seu conteúdo. Dizer poder distinguir-se a sentença das demais manifestações judiciais a partir do critério topológico significava, a nosso ver, endossar a tautologia a que se chegava pela anterior redação do texto legal: o lugar em que a sentença se encontra é o fim do procedimento em primeiro grau. [...] Sempre nos pareceu, portanto, ser esta a nota marcante das sentenças, ou seja, é o seu conteúdo, preestabelecido por lei

de forma expressa e taxativa, que distingue dos demais pronunciamentos do juiz.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 32-33.

31

“Nada impede, portanto, que seja cabível ação rescisória contra pronunciamentos agraváveis.”

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 484.

32 Como, por exemplo, ter havido uma das hipóteses previstas no art. 485 do CPC ou, também, estar

(27)

26 acórdão, uma decisão monocrática ou mesmo uma decisão interlocutória, tratando-se de decisão de mérito, é possível o manejo da ação rescisória33.

Com base no conteúdo da sentença podemos, desde já, classificá-las como processuais (terminativas) –a princípio, são aquelas previstas no art. 26734 do CPC – e as sentenças de mérito – elencadas no art. 26935 do CPC. Ao menos em tese, apenas as hipóteses previstas no art. 269 do diploma processual civil dão ensejo à sentença de mérito36 e, portanto, são rescindíveis via ação rescisória37.

33

“Fala o caput do art. 485 do CPC em sentença de mérito. Ocorre que a palavra sentença esta aí empregada em sentido bastante amplo, a querer significar provimento judicial. Desse modo, é perfeitamente possível o cabimento da ação rescisória contra acórdãos (e, aliás, pode-se mesmo arriscar dizer que é mais frequente a utilização da ação rescisória contra acórdãos que contra sentenças). E também contra decisões interlocutórias é cabível a ação rescisória, desde que esse provimento verse sobre o meritum causae [Grifo do autor].” CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 37.

34Art. 267 do CPC. “Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

I - quando o juiz indeferir a petição inicial;

Il - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;

III - quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;

Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

Vll - pela convenção de arbitragem; Vlll - quando o autor desistir da ação;

IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal; X - quando ocorrer confusão entre autor e réu;

XI - nos demais casos prescritos neste Código.

§ 1o O juiz ordenará, nos casos dos ns. II e Ill, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do

processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas.

§ 2o No caso do parágrafo anterior, quanto ao no II, as partes pagarão proporcionalmente as custas e, quanto ao no III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e honorários de advogado (art. 28).

§ 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a

sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento. § 4o Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu,

desistir da ação.”

35

Art. 269 do CPC: “Haverá resolução de mérito: I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor; II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido; III - quando as partes transigirem;

IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.”

36 Cabe, aqui, fazer uma breve observação acerca das sentenças de mérito típicas e atípicas. A

sentença de mérito típica é aquela que se encontra prevista no inciso I do referido dispositivo legal. Isso porque, é a única em que o juiz expõe a sua própria convicção acerca do acolhimento, ou não,

(28)

27 No que tange às hipóteses previstas no art. 267 do CPC, tratando-se de vício na relação processual (a princípio, sem contato efetivo com o plano substancial da causa), entende-se não serem suscetíveis de ação rescisória. O próprio art. 268 do mesmo diploma legal institui que a extinção do processo pelas hipóteses do art. 267 do CPC – à exceção da perempção, da litispendência ou da coisa julgada – “não obsta a que o autor intente de novo a ação”, não havendo o que se falar, portanto, em ação rescisória.

Questão um pouco mais polêmica diz respeito à extinção do processo por carência de ação, hipótese prevista no inciso VI do art. 267 do CPC. Em que pese estar claro na legislação processual que referida hipótese enseja extinção do processo sem análise de mérito, há quem sustente que a sentença, ao declarar a carência da ação, seria equiparável à sentença de improcedência da ação38 e, como

tal, somente seria desconstituída por ação rescisória. Isso porque, diferentemente do que ocorre com as outras hipóteses do mesmo dispositivo legal (art. 267 do CPC), a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual, conforme sustentam alguns doutrinadores39, guardariam relação com o mérito da causa.

ou irá se limitar a pronunciar a prescrição e a decadência, hipóteses em que estaremos diante de sentenças de mérito atípicas.

37

“Sabe-se que a sentença de mérito é aquela de que trata o art. 269 do CPC. No art. 269, I, tem-se

o que chamamos de sentença de mérito típica, em que o juiz, por ato de sua ‘autoria’, acolhe ou

rejeita o pedido do autor. Nos incisos II e III temos os atos das partes que, separadamente ou em conjunto, uma vez homologados, levam à extinção do processo COM julgamento de mérito. No inciso IV diz a lei que o juiz decidirá o mérito quando acolher a alegação de prescrição (ou decretar de ofício, em se tratando de direitos não patrimoniais) ou decretar a decadência. Sabe-se que, segundo a melhor doutrina, a prescrição e a decadência seriam preliminares que integrariam o próprio mérito. Todas as sentenças do art. 269 são rescindíveis, já que têm aptidão para fazer operar a coisa julgada material. Estes são os dois pressupostos básicos para que se admita a ação rescisória: sentença de

mérito e trânsito em julgado.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? p. 261.

38

“Este problema, de identificar ou não a força de coisa julgada na sentença proferida, é o que

realmente tem relevância; não fora esse crucial envolvimento, careceria de maior importância a

discussão em torno da identidade ou dessemelhança entre as locuções ‘carência da ação’ e

‘improcedência da ação’ (ou do pedido, como seria de melhor terminologia). FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Extinção do processo e mérito da causa. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais,.v. 58, abril 1990. p. 23.

39

“O exame das condições da ação implica análise da relação jurídica material. Para o juiz verificar,

por exemplo, se o autor é parte legítima, tem de voltar os olhos para a situação da vida apresentada na inicial e verificar quem a integra. Também em relação às demais condições da ação,

(29)

28

A doutrina, de um modo geral – e certamente firme na premissa de que, à exceção da ressalva legal (coisa julgada), todas as hipóteses de extinção sem julgamento de mérito devem ser tratadas igualmente

– não parece fazer distinções ou ressalvas. Contudo, na jurisprudência encontram-se decisões restritivas à nova propositura da mesma demanda nos casos, por exemplo, de impossibilidade jurídica do pedido e de ilegitimidade ad causam; o que, mais uma

vez, reforça a ideia de que assim se entende porque tais fundamentos são identificados no – ou quando menos a partir do –

plano substancial.40

Diante de uma sentença que reconhece a carência da ação, tem-se o seguinte impasse: ou o decisum não analisa o mérito e, nesta hipótese, nos termos do art. 268 do CPC, deve ser autorizada a repropositura da ação (a princípio com identidade, nas ações, de partes, causa de pedir e pedido) ou, se analisa o mérito da causa, permite a sua rescisão pela utilização da ação rescisória.

A lição de Flávio Luiz Yarshell aponta no seguinte sentido:

Aparentemente, a solução mais adequada e segura – com a ressalva do quanto expendido na sequência – é a de seguir a literalidade do texto legal (CPC, art. 268) e não fazer distinções que não aquela feita pela própria lei. Nesse particular, ainda que se reconheça, como acima reconhecido, que a categoria das condições da ação represente ponto de estrangulamento entre processo e direito material, se a lei não a distinguiu, não parece, nesse caso, caber ao intérprete distinguir.41

Teresa Arruda Alvim Wambier entende que a sentença que pronuncia a carência da ação não é de mérito. A doutrinadora processualista também destaca que a propositura de nova ação somente é viável se sanado o vício, o que originará, em última análise, uma nova ação (diferente da primeira). Nas suas palavras:

Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 121.

“Quando a extinção sem julgamento do mérito dá-se pelo reconhecimento da carência de ação e precisamente pela ligação da categoria das condições da ação com o plano substancial do ordenamento, dúvida surge acerca da possibilidade de propositura – de novo –da mesma demanda.”

YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 159.

40 YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 160.

41 YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 162. No mesmo

sentido: “Pronunciamentos judiciais como o do indeferimento liminar da reconvenção, da oposição e

de outras tantas ações incidentais, ainda que não encerrem a atividade cognitiva realizada pelo juiz de primeiro grau, têm natureza jurídica de sentença. Não é, efetivamente, a circunstância de, ocasionalmente, impor a Lei o agravo como recurso cabível contra determinado pronunciamento judicial que determinaria que, no caso, se estaria diante de pronunciamento diverso de sentença.

Nada impede, portanto, seja cabível ação rescisória contra pronunciamentos”. WAMBIER, Teresa

(30)

29

[...] é interessante observar que, se a sentença pronuncia a ausência de uma condição da ação, haverá fenômeno assimilável à coisa julgada, porquanto somente poderá propor nova ação se corrigido o vício – e não mais se poderá falar, no caso, que se está diante da mesma ação [...]. Sob este prisma, a sentença que acusa a ausência de uma condição da ação é, a rigor – embora se diga estar diante de sentença que extingue o processo sem julgamento do mérito – algo até mais grave, perante o ordenamento jurídico, que a sentença que julga improcedente o pedido. A sentença terminativa aí proferida declara que a ação sequer poderia ter sido proposta, pois que ausentes os requisitos minimamente exigidos pelo sistema, para que isso ocorresse.42

Para José Roberto dos Santos Bedaque, há identidade entre a improcedência e a impossibilidade jurídica do pedido. Já o exame da legitimidade e o interesse, apesar de não se identificarem plenamente com o mérito, produzem efeitos no plano material, fazendo com que a decisão adquira qualidade de coisa julgada material.

Até a 3ª edição deste estudo sustentei que ‘ademais, o exame das

condições da ação distingue-se do mérito em substância. Enquanto no primeiro o juiz se limita a verificar determinados elementos apenas da relação processual (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade e interesse), no segundo aprofunda-se ele na análise de toda a relação, naquilo que interessar para o objeto do processo e a

tutela representada pela sentença’. Alterei em parte esse

entendimento. Hoje, penso haver identidade entre impossibilidade jurídica do pedido e improcedência. Legitimidade e interesse não se identificam plenamente com o mérito. Mas o exame desses elementos produz efeitos no plano material, razão pela qual deve adquirir qualidade de coisa julgada.43

Mesmo não estando no escopo deste estudo aprofundar esse aspecto, vale registrar que, de lege lata44,quando há a extinção do processo por carência da ação, não se pode falar em análise de mérito.

42 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada

hipótese de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 32.

43 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o

processo, p. 106.

44 O projeto de novo Código de Processo Civil, na última versão aprovada pela Comissão Especial do

(31)

30 Nesse sentido, ainda que as condições da ação tenham uma relação próxima ao mérito da causa (e isto é certo) e que a extinção do processo por ausência de condição da ação seja mais grave do que a própria improcedência (neste aspecto concordamos com Teresa Arruda Alvim Wambier), não há razão para rescisão da decisão por ação rescisória.

Mas a polêmica envolvendo sentenças de mérito e, portanto, rescindíveis por ações rescisórias não se esgota aqui. Inúmeras são as situações em que se questiona a possibilidade (ou não) de rescisão de determinada sentença de mérito, por ação rescisória. É o que ocorre quando se está diante, por exemplo, de decisões proferidas em execução45 ou mesmo processo cautelar.

Apesar de alguns estudiosos sustentarem a inexistência de análise do mérito em execução, Flávio Luiz Yarshell apresenta um exemplo “polêmico” que seria a apresentação de comprovante de pagamento da obrigação (como prova pré-constituída), na execução. Nesta hipótese, inevitavelmente, o juiz fará uma análise da relação de direito material, ainda que em sede de execução.

Nesses casos, que não parecem ser dogmaticamente irrelevantes, existe cognição sobre a relação substancial. E, se essa cognição é adequada e suficiente para exaurir a controvérsia, levando, inclusive, à extinção do processo, nada parece justificar que o ato daí resultante tenha eficácia meramente processual. Se o juiz, após cognição adequada e suficiente à extensão da controvérsia, reconhece extinta a obrigação, é preciso superar a ideia segundo a qual não há declaração de direito no processo de execução e, portanto, a sentença que lhe põe fim é somente apta a formar coisa julgada formal.46

45 E, aqui, entende-se por execução tanto a liquidação da sentença (arts. 475-A a 475-H) como o

cumprimento de sentença (arts. 475-I a 475-R) como, também, o processo de execução.

46 YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 214. No mesmo sentido

Alexandre Freitas Câmara: “Nunca houve qualquer dúvida acerca do cabimento de ação rescisória

(32)

31 Reflexão semelhante deverá ocorrer quando se está diante de decisões proferidas em processo cautelar. O processo cautelar, em regra, visa a garantir uma providência futura e definitiva, e não se pode falar, ao menos em tese, que se trata de lide propriamente dita.

Certo é que o conceito de ‘mérito’ no processo cautelar é, como

sabido, objeto de considerável controvérsia. Assim, sendo difícil determinar o que é mérito, é igualmente difícil saber se e quando se está diante de uma decisão de mérito e, nessa medida, se em relação a ela pode-se cogitar ação rescisória.

Contudo, sem embargo das dificuldades daí decorrentes, parece possível dizer, até mesmo na tentativa de sistematizar o exame da matéria, que a decisão de mérito no processo cautelar, em primeiro lugar, pode ser considerada aquela que, desviando-se da finalidade clássica desse processo, define desde logo – e não apenas provisoriamente – a relação de direito material e, nesta medida, projeta efeitos para fora do processo.

Tal é o que se constata na sentença que, embora proferida no processo cautelar, não apenas pronuncia a decadência ou prescrição (como dito, mencionadas expressamente pelo art. 810 do CPC), mas também a que reconhece a existência de pagamento ou de outra forma de extinção da obrigação, fundamento do pedido do processo principal, bastando que a cognição seja adequada e suficiente para os termos da controvérsia. Essa parece ser a verdadeira decisão de mérito que, nesse contexto, realmente enseja eventual ação rescisória.47

devedor está obrigado a pagar. Assim, não tenho qualquer dúvida em afirmar que tal provimento é apto a alcançar a autoridade de coisa julgada material e, assim, pode ser impugnado por ação rescisória. O mesmo modo de pensar, a meu juízo, pode ser aplicado à impugnação à execução de sentença. Antes da Lei nº 11.232/2005, essa defesa do executado levava à instauração de um processo de conhecimento autônomo, os embargos do executado. Nesse modelo anterior à reforma, indubitavelmente, havia sentença de mérito apta a alcançar a coisa julgada material e, por conseguinte, ser impugnada por ação rescisória. Após a reforma, a meu ver, mudou apenas o modo de se processar a defesa do executado, que não se examina mais em processo autônomo, mas incidentemente ao processo em que a sentença foi proferida e é executada. Não houve, porém, qualquer mudança na profundidade da cognição judicial exercida pelo magistrado no exame da defesa, nem no conteúdo da decisão que ali profere. O fato de não se ter mais ali uma sentença (ao menos como regra, e ressalvado o caso em que tal provimento resulta a extinção da execução), mas mera decisão interlocutória, em nada modifica o que aqui se sustenta, já que – como visto anteriormente – é perfeitamente cabível a ação rescisória contra decisões interlocutórias de mérito”.

(Ação rescisória, p. 39-40). Teresa Arruda Alvim Wambier também se manifesta: “[...] se o pedido que se faz na execução equivale a seu ‘mérito’ (que seja satisfeita a obrigação nos moldes em que consta do título) e a sentença ‘declara’ que o que foi pedido foi satisfeito, nesse sentido e nessas dimensões, pode-se dizer que há ‘mérito’ e ‘sentença’ na execução”. (Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 482).

(33)

32 Com efeito, inúmeras são as situações em que se pode questionar se a decisão proferida é sentença e, se o é, se julga o mérito, o que, em princípio48, autorizaria o manejo da ação rescisória, caso fosse verificada uma das hipóteses do art. 485 do CPC.

Mais produtivo do que apontar todas essas situações – até porque isso seria impossível – é tentar esclarecer o que se entende por “mérito” e o objetivo é verificar, dado um caso concreto, se estamos ou não diante de uma sentença que analisa o mérito da causa49.

De acordo com Enrico Tullio Liebman: “O elemento que delimita em concreto o mérito da causa não é, portanto, o conflito existente entre as partes fora do processo, e sim o pedido feito ao juiz em relação àquele conflito.”50

Candido Rangel Dinamarco51 também leciona sobre o tema:

Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere) que, entre

outros significados, tem de pedir, por preço (é a mesma origem de meretriz e aqui também há a ideia do preço, exigência). Daí se entende que meritum causae (ou, na forma plural que entre os mais

antigos era preferida, merita causae) é aquilo que alguém vem a

juízo pedir, postular, exigir. O mérito, portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para seu exame. [...] Por tudo quanto foi dito nos itens anteriores, fica portanto a certeza de que é a pretensão que consubstancia o mérito, de modo que prover sobre este significa ditar uma providência relativa à situação tensa representada pela pretensão; eis o escopo social da jurisdição, cumprido mediante a eliminação das incertezas representadas pelas pretensões insatisfeitas.

48

Utilizamos, neste momento, a terminologia “em princípio” porque há casos em que a sentença é de

mérito, mas não formam coisa julgada material, de modo que se mostra impensável a utilização da ação rescisória para rescindir a decisão. É o que ocorre, por exemplo, com as ações coletivas (ação civil pública e/ou popular), quando a improcedência ocorre por insuficiência de provas. Nesta hipótese específica, em que pese haver a análise do mérito da causa, não há a formação da coisa julgada material, não havendo o que se cogitar na utilização da ação rescisória. A mesma situação ocorre com as sentenças proferidas perante os Juizados Especiais Cíveis que, por determinação legal, ainda que presentes as hipóteses do art. 485 do CPC não autorizam a rescisão do provimento judicial por ação rescisória. Neste sentido, ver CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 38-39.

49

“É certo que, de volta ao início, as incertezas acerca do conceito de ‘mérito’ mantêm a

complexidade do tema, e é necessário encontrar parâmetros quanto menos objetivos para determinar

o que seja ‘mérito’ – parâmetros, esses, que parecem ainda longe de ser estabelecidos, quer na

doutrina, quer tanto mais na jurisprudência.” YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 184.

50 LIEBMAN, Enrico Tullio. O despacho saneador e o julgamento do mérito. Revista Forense. Rio de

Janeiro, n. 104, 1945. p. 220.

51 DINAMARCO, Candido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 2. ed. São Paulo: Revista

Referências

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