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A "Verdade" e o "Ato Histórico" nas Escrituras Sagradas

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Academic year: 2020

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A “VERDADE” E O “ATO

HISTÓRICO” NAS ESCRITURAS

SAGRADAS*

DOUGLAS OLIVEIRA DOS SANTOS**

Q

uando nos referimos à interpretação dos escritos sagrados, nos deparamos com

várias questões estabelecidas em nossa contemporaneidade, percebemos que há uma certa delicadeza na abordagem da temática quando a mesma é discutida entre os teólogos de princípios fundamentalista e ortodoxo, “A ortodoxia procurava ser tão objetiva quanto possível, muito embora nem sempre conseguisse alcançar plenamente o intento” (TILLICH, 1999, p. 45). É importante ressaltar que a compreensão da hermenêu-tica é fundamental no que se refere a interpretação, também é preciso compreender que a verdade se torna absoluta ao que crê, no entanto o pesquisador precisa observar as diversas hermenêuticas e métodos, para que os mesmos consigam estabelecer um dialogo o mais coerente possível. Em determinados momentos, percebemos que os métodos ou os princípios interpretativos possuem mais sacralidade do que o próprio escrito em si.

Paul Tillich em seu livro “Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX”, descreve a construção do pensamento protestante afirmando que a ortodoxia, ao

Resumo: o debate estabelecido no período da Reforma traz a tônica da “verdade”. A

tenta-tiva de atestar a verdade dos “ensinamentos bíblicos” com a Reforma deu origem ao prin-cípio de interpretação ortodoxo, que logo em seguida estabelece um confronto direto com o positivismo, traçando aí uma disputa emblemática entre a “ fé” e “ciência”. A partir desse discurso, um dos fundamentos estabelecidos por parte do discurso teológico é a comprovação da “verdade” pelo “Ato Histórico”. A partir da problematização de Nietzsche acerca dos dois métodos discutiremos a desconstrução das verdades preestabelecida tanto pela ortodoxia como pelo positivismo, buscando ligar os princípios de Schleiermacher com os fundamentos de Ankersmit, na tentativa de estabelecer novos parâmetros que não dependa da construção da verdade pelo “Ato Histórico” em si.

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Palavras-chave: Verdade. Escrituras Sagradas. Ato Histórico. Interpretação .

* Recebido em: 02.04.2014. Aprovado em: 20.02.2014.

** Mestrando em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: pr.douglasdossantos@ hotmail.com.

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questionar os padrões da Igreja Católica, acaba abrindo um precedente, a possibilidade de ser questionada. Os primeiros a questioná-la foram os Pietistas, que travaram inúmeros dis-cursos, dentre os quais pressupostos de interpretação sobre a interpretação dos “regenerados” e os “irregenerados”. Percebemos que neste período a grande preocupação se concentra com o método, “A teologia da Reforma suscitou um problema educacional próprio que a levou para o racionalismo” (TILLICH, 1999, P.50), no entanto não se pode negar que de fato esse momento trouxe grandes avanços ao processo de interpretação.

A ortodoxia estabeleceu pressupostos que segundo ela seria impossível uma inter-pretação correta, dentre eles “a inerrância” e a “não contradição dos escritos”, porém o que nos intriga é exatamente a ideia de que a veracidade das escrituras sagradas se dá a partir do “ato histórico”. Para darmos continuidade à temática precisamos entender a que nos referimos como “ato histórico”.

Ankersmit (2006) retoma o discurso da interpretação buscando responder questões sobre o historicismo moderno, no entanto neste momento nos reteremos ao discurso do “Ato histórico”. No seu texto Historicismo, pós-modernidade e Historiografia ele relembra a terminologia de Gadamer sobre “história efeitual”, apesar de declarar a complexidade de definir a terminologia, deixa claro que a “historia efeitual” retrata o acontecimento em si. Pela dificuldade de conceituação da “historia efeitual”, preferimos utilizar o termo “ato histórico”, para buscarmos a simplicidade do acontecimento, pois entendemos que essa terminologia se refere aos atos dos atores do texto, esses atores seriam entendidos de forma concreta e suas personalidades estariam intactas pela historiografia.

No “ato histórico” os personagens e os acontecimentos são reais no sentido concreto, a afirmativa estabelecida sobre o “ato histórico” é que: aconteceu daquela maneira e pronto! Isso significa que as narrações são reconhecidas como fatos semelhantes ao “agora”. A partir desta compreensão do “ato histórico” a ortodoxia entende que ele comprova a verdade e a sacrali-dade do documento, o seu pressuposto é que a “sacralisacrali-dade” ou a “inspiração” se dá porque o texto é de fato um “Ato histórico”, porém se o documento não consegue legitimar-se como “ato histórico”, a “sacralidade” ou a “inspiração” do Escrito Sagrado comprovaria indiscuti-velmente o “ato histórico”.

Um dos funda mentos da Reforma é a busca da “verdade”, dentro desse processo a ortodoxia contribuiu e contribuiu muito para o processo interpretativo dos escritos sagrados. Isso não significa que ela é detentora da “verdade”, mas na busca da mesma ela passa a ter um direcionamento interpretativo e é através desse direcionamento que se estabelece um combate as interpretações “fundamentalistas”, que consideravam a “verdade” a partir da revelação do Espí-rito Santo no indivíduo que lia o escEspí-rito, o mesmo possuía o mesmo poder que o documento sacro, dessa maneira a fala do indivíduo seria a “palavra de Deus” assim como o documento. A ortodoxia não nevava a ação do Espírito Santo no leitor, mas entendia que o documento era “sagrado” e não o leitor. Partindo desse principio, o processo interpretativo ortodoxo concentra-va-se no “cristocentrismo”, e para que isso fosse considerado “real” todos os seus fundamentos dependiam da existência do “ato histórico”.

Segundo Paul Tillich (1999), os questionamentos que a ortodoxia proporcionou às outras interpretações das Escrituras Sagradas estimulou outros olhares sobre a os escrito, isso fez com que a própria ortodoxia gerasse um problema para si propria, pois possuía muitos problemas com a “crítica textual” e com o surgimento do “Positivismo” desenvolvido por Auguste Comte. O método de Comte buscava a comprovação do “ato histórico”, a verdade

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histórica dependia do “ato histórico”, nessa perspectiva a ortodoxia e o positivismo entraram em confronto, pois o método positivista acaba desconstruindo vários acontecimentos bíblicos como “ato histórico”, contribuindo para o grande debate que permeou o fim do século XIX e todo século XX, intitulado “Fé x Ciência”. A pesar de serem tão contrastantes o positivismo e o ortodoxismo reformado possuem o mesmo ponto de partida, que é a verdade fundamen-tada no “ato histórico”, porém esse processo de comprovação da “verdade” se esvai na rela-tivização do ato, do escrito e do próprio indivíduo que observa o documento. A partir disso muitos discursos foram estabelecidos nesse sentido, porém alguns pensadores possibilitaram questionamentos sobre esse pressuposto.

Nietzsche levanta o problema estabelecido por esse principio de interpretação, primeiro porque o próprio Nietzsche vinha de família de luteranos e iniciou teologia, isso fez com que ele conhecesse literalmente os fundamentos e princípios da teologia ortodoxa. Posteriormente fez filosofia e teve contato com a filosofia clássica e com os fundamentos do historicismo moderno. Nietzsche observa a dicotomia entre “fé” e “ciência”, em seu livro “Considerações Intempestivas” e faz uma crítica ao método histórico, classificando-o de três maneiras.

A história é própria do ser vivo por três razões: porque é activo e ambicioso, porque tem prazer em conservar e vencer, e porque sofre e tem necessidade de libertação. A esta tripla relação corresponde a tripla forma da história, na medida em que é possível distingui-las: história monumental, história tradicional, história critica (NIETZSCHE, 1977, p. 117).

Nietzsche em sua obra mostra que a história passa a ser utilizada como um instru-mento para a formação da mentalidade --- sua finalidade não é utilizada para a compreensão do momento e nem do presente, mais para a legitimação dos objetivos e interesses dos grupos que a elabora, para ele a história ergue monumentos de referências e estipula tradições como manipulação de massa, nesse sentido a “verdade” em Nietzsche não se estabelece pelo “ato histórico”, “Nietzsche é ‘pós-moderno’, primeiro, porque desconstrói as pretensões universa-lista da ‘verdade moderna’. Ele sustenta que esta ‘verdade’ é apenas um produto de um siste-ma que produz discursivelmente o certo e o errado, o falso e o verdadeiro” (REIS, 2011, p. 145), na realidade ele não está preocupado se os acontecimentos foram “reais” ou não, ele se preocupa com a ideia de retórica “Nietzsche buscou na retórica um instrumento para refletir ‘sobre a verdade e a mentira e a mentira em sentido extra moral’” (GINZBURG, 2002, p. 23), nesse sentido ele se preocupa com a construção de como as interpretações eram dadas, seu diferencial estava centrado nas suas opiniões que desconstruíam o pensamento religioso, bem como o pensamento da história positivista, na realidade podemos perceber que ele ia contra os métodos modernos de interpretação, pois os métodos possuíam fundamentos para o controle social.

Com a desconstrução desse principio de “verdade”, a concepção do “ato histórico” acaba se tornando inviável, pois a comprovação do mesmo se torna improvavel, não existe mecanismos que possam fazer voltar ao tempo e rever os acontecimentos. Por outro lado, mesmo se houvesse a possibilidade, contamos com a subjetividade do indivíduo. O indivÍduo que narra os acontecimentos esta preso aos seus próprios sentimentos, cultura e construção social, isso significa que se dez testemunhas tivessem presenciado o mesmo acontecimento, haveria dez relatos completamente distintos. Friedrich Scleiermacher ao perceber a impos-sibilidade da comprovação da “verdade histórica”, começa a relatar sobre os fundamentos

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hermenêuticos, apesar de entender que os métodos ortodoxos e positivistas não respondiam ao problema da verdade, não descartou uma análise desassociada dos fundamentos religiosos.

A religião foi o corpo maternal, em cuja sagrada obscuridade se alimentou a minha vida juvenil e se preparou para o mundo, que toda vida constituía para ela uma realidade não decifrada; na realidade tem respirado o meu espirito, antes mesmo que ela houvesse encontrado seus objetos externos, a experiência e a ciência; ela me ajudou quando comecei a examinar a fé paterna e a purificar o coração dos desejos do passado; ela permanece em pé pra mim quando Deus e a imortalidade se enfumaça-ram ante os olhos vacilantes; ela me conduziu a vida ativa; ela me tem ensinado a manter-me a mim mesmo como algo sagrado, com minhas virtudes e meus defeitos, em minha existência individual, e só mediante ela tenho realizado a aprendizagem da amizade e do amor (SCLEIERMACHER, 2000, p.14).

Scleiermacher não discute a sacralidade do documento, mas para ele a sacrali-dade não dependia do “ato histórico”, nesse sentido seus fundamentos hermenêuticos se fun-damentavam na relação entre documento e leitor, o leitor poderia obter várias interpretações, porém isso não significava que qualquer interpretação poderia ser considerada.

Scleiermacher transpôs um vestíbulo de uma hermenêutica filosófica; foi ele quem percebeu que não podemos interpretar um texto se não compreendermos a obra à qual aquele texto nos remete, penetrando por identificação no mesmo processo criador de que nasceu a obra; só compreendemos uma obra quando conseguimos penetrar no mesmo pensamento criador do autor (GIBELLINI, 1998, p.60).

Scleiermacher vaz uma distinção entre “entender” e “compreender”, o entendimen-to está ligado ao restrientendimen-to sentido da língua e comunicação, aquilo que é perceptível natu-ralmente, sem que haja uma relação com aquilo que está sendo dito, já a compreensão é ter a possibilidade de discutir o assunto com o autor partindo da ideia do que se trata. Para obter a com-preensão do texto Scleiermacher diz que a hermenêutica se estabelece a partir da pré-comcom-preensão, “A pré-compreensão se manifesta no interesse pela coisa da qual se trata no texto; ela não coincide necessariamente com a intenção do texto” (GIBELLINI, 1998, p.61). Para Scleier-macher existe uma relação íntima entre o leitor e o texto. Os textos sagrados nesse sentido não perderiam sua sacralidade porque já existe uma “verdade” motivadora do observador, e essa verdade que vai levá-lo ao observar e buscar, porém existe um outro indivíduo que fala no documento.

É ai que observamos a análise da história pós-moderna de Frank Rudolf Ankersmit, ele desconstrói a possibilidade da existência do “ato histórico”, mas não elimina a importância do documento, afirmando que se não é possível estabelecer a verdade do “ato histórico” como realidade concreta, então ela não deve ser considerada como tal. Isso não faz o documento desprezível, pois o documento traz uma verdade em si mesmo, dessa maneira ele configura o documento historiográfico como uma metáfora.

...devemos apenas à metáfora a ao aparto epistemológico, cuja origem é a metáfora, a possibilidade de imputar unidade e coerência ao passado [...] a metáfora gera uma organização do conhecimento (histórico), a essa organização metafórica deve espelhar e incorporar a unidade que o historiador procura descobrir ou projetar no passado (ANKERSMIT, 2006, p. 102).

Para Ankersmit assim como a metáfora é documento histórico e pode ser analisada historicamente, qualquer documento pode ser analisado, pois em cada documento existe

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suas intenções, por mais que a sua narrativa se torne absurda, a mensagem esta em seu conteúdo.

O emblemático discurso entre “fé x ciência”, se perde nas particularidades dos pres-supostos da ortodoxia e do positivismo, porém a observação da epistemologia nos possibilita vários caminhos para compreender as narrativas bíblicas, sem que isso tenha que obrigato-riamente desconstruir os padrões religiosos do indivíduo, sabendo que a verdade é um ins-trumento do que crer, sendo ele religioso ou não. Independentemente de como os Escritos Sagrados foram escritos, eles possuem informações e objetividade e isso faz com que esse escrito possua sua credibilidade, no entanto o olhar depende de quem observa, isso significa que as considerações são dadas pelo observador, isso não faz dele o detentor da verdade, mas com certeza das suas convicções.

THE “TRUTH” AND “HISTORICAL ACT” OBSERVED IN THE HOLY SCRIPTURES Abstract: the discussion which took place during the Reformation brings the tone of the “truth”.

Attempting to attest to the truth of “biblical teachings” with the Reformation gave rise to the prin-ciple of orthodox interpretation, which then immediately establishes a direct confrontation with positivism, tracing around a flagship dispute between “faith” and “science.” From that speech, the grounds set forth by the theological discourse is proof of the “truth” by “Act History”. From the ques-tioning of Nietzsche both methods we discuss the deconstruction of pre-established truths by both orthodoxy by positivism, seeking to link the principles of Schleiermacher with the fundamentals Ankersmit, in trying to establish new parameters that do not depend on the construction of the truth “History act “itself.

Keywords: Truth. Scripture. History Act. Interpretation. Referências

ANKERSMIT, Frank R. Historicismo, pós-modernidade e historiografia. In: _____. A

histó-ria escrita: teohistó-ria e históhistó-ria da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.

GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998.

GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retorica, prova. Tradução de Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

NIETZSCHE, Friedrico. Considerações intemoestivas. Tradução de Lemos de Azevedo. Por-tugal: Presença, 1977.

REIS, josé Carlos. História da “consciência” Ocidental Contemporânea: Hegel, Nietzsche, Ricoeur. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

SCLEIERMACHER, Friedrich. São Paulo: Novo Século, 2000.

TILLICH, Paul. Perspectiva da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE, 1999.

Referências

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