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Romaria do Bom Jesus da Lapa: prática do catolicismo popular

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Academic year: 2020

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ROMARIA DO BOM JESUS

A igreja da Lapa Foi feita de pedra e luz

Vamos todos visitar Meu senhor Bom Jesus...

S

ob os auspícios do hino dos romeiros em epígrafe é que convidamos vocês à leitura deste estudo. Na língua portuguesa usa-se o termo “romaria”, para identificar o deslocamento de pessoas (populares) para o lugar sagrado em reverência ao santo.

O estudo das romarias como fenômeno que se processa na socie-dade brasileira vem apontando a necessisocie-dade de tornar este objeto como elemento de exploração, não somente no que concerne à pesquisa etno-gráfica, antropológica, mas como um conjunto plural que compreende as transformações econômicas e culturais.

Resumo: as reflexões deste estudo centram-se na análise da importância da romaria do Bom Jesus da Lapa como uma das práticas do catolicismo popular. Buscou-se fazer uma leitura desse contexto resultante da experiência concreta de vida dos romeiros, contrastando com a realidade que aí se encontra e entender/perceber como esses sujeitos se relacionam com o sagrado.

Palavras chave: Romaria. Bom Jesus da Lapa. Prática. Romeiros e catolicismo popular

DA LAPA: PRÁTICA DO CATOLICISMO

Sandra Célia Coelho G. da S. Serra de Oliveira** POPULAR*

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O santuário de Bom Jesus da Lapa sempre foi objeto de interesse, por retratar a fé do sertanejo em sua essência mais mística e litúrgica. A fes-ta de Bom Jesus da Lapa é um dos poucos exemplos de festejos da cultura popular que se mantém praticamente inalterada.

Pode-se identificar três grandes romarias em Bom Jesus da Lapa – da Terra e das águas, do Bom Jesus da Lapa e da Soledade –, que anualmente acontecem de julho a setembro. Cada uma dessas romarias tem seu público específico. A Festa do Bom Jesus da Lapa é uma das maiores romarias do Brasil e suas novenas começam no dia 28 de julho e têm seu ápice no dia 6 de agosto, mês consagrado ao padroeiro. É essa Festa o objeto deste estudo.

Segundo Parker (1996, p. 158), a devoção aos santos ou à Virgem, na maioria dos casos, está ligada à solução simbólica de problemas cotidia-nos relevantes nas culturas subalternas: “a religião dos setores marginaliza-dos está orientada para a satisfação imediata das necessidades mais sentidas pelas pessoas”. Trata-se de pedidos ligados a problemas universais que en-frenta a cultura popular. Geralmente são as mulheres as mais devotas.

Ora, isso sugere, para os que se interessem por estudos dessa natu-reza, a necessidade de um enfoque teórico capaz de propor uma discussão científico-metodológica sobre o assunto, apontando, a partir daí, a relação teoria-prática que se possa identificar na análise da temática e do corpus posteriormente escolhido para investigação.

Portanto este estudo passa pelo seguinte traço metodológico: Ini-ciamos por apresentar Bom Jesus da Lapa, um pouco da sua história e memória; a seguir analisamos a Romaria do Bom Jesus da Lapa, com um perfil dos romeiros; logo após falamos da religiosidade popular, contex-tualizando a romaria do Bom Jesus da Lapa como prática do catolicismo popular - a Fé popular; e as Considerações provisórias.

BOM JESUS DA LAPA: UM POUCO DA SUA HISTÓRIA E MEMÓRIA

Segundo dados do Censo / IBGE 2010, a cidade de Bom Jesus da Lapa está localizada no Centro-Oeste do estado da Bahia, a 900 km da capital, Salvador, em direção ao oeste, e a 800 km de Brasília, dentro do Polígono das Secas. Possui uma população em torno de 63.508 habitantes, que vivem em sua maioria ao pé do morro, como também nos bairros da cidade. A origem do culto se confunde, em grande parte, com o surgi-mento da cidade, razão de o nome e o desenvolvisurgi-mento até hoje estarem relacionados à organização e ao crescimento do culto.

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Castro (2004) observa que o Santuário de Bom Jesus da Lapa está situado no Médio Vale do São Francisco, onde a terra é arenosa, com uma vegetação baixa e rala, característica da caatinga e do cerrado. O clima é tropical, quente e seco. No período da estiagem, entre abril e outubro, não há chuvas, e toda a paisagem se reveste de uma coloração cinza-clara, dando um aspecto de tristeza.

A bacia hidrográfica da região, no entanto, é formada por muitos rios permanentes, que correm em meio ao sertão, banhando cidades, vilas e povoados que se formaram às suas margens. O Vale do São Francisco teve uma grande importância econômica no século XVII, durante o Ciclo do Ouro, ocupando uma posição estratégica na ligação entre o litoral e o interior do país, quando grande número de pessoas das províncias de beira-mar se transportavam com seus escravos para Minas.

Apresentada como a “Meca dos sertanejos” em Os sertões, de Eucli-des da Cunha (1985, p. 375), Bom Jesus da Lapa é o mais celebrado dos santuários sertanejos de peregrinação popular, o que transforma a cidade em um berço cultural baiano. O santuário foi classificado como uma das sete maravilhas do Brasil.

A romaria não apenas colocou o Bom Jesus da Lapa como uma das principais cidades religiosas do Brasil, como também constitui a base da sua economia (STEIL, 1996). A cidade vive em torno do santuário que, de certa forma, é responsável pela sua diferenciação em relação aos demais municípios da região. Atualmente Bom Jesus da Lapa é considerada a “Ca-pital da Baiana da Fé”.

Na concepção de Castro (2004), falar do santuário e não citar a gruta existente próximo a ele é considerado por muitos um grande erro. A Gruta do Bom Jesus da Lapa está localizada numa caverna natural de acesso à esplanada e funciona como a matriz e catedral da cidade, onde são celebradas as missas e os sacramentos fora do período mais intenso da romaria. No interior da gruta se encontra a imagem do Cristo crucificado, principal objeto do culto da romaria.

Nos dias de romaria forma-se uma extensa fila de devotos que pas-sam diante da imagem para rezar, agradecer as graças alcançadas e fazer pedidos. A mesma é formada pela infiltração das águas da chuva que du-rante milênios foram penetrando pela rocha porosa, esta gruta teria sido descoberta no século XVII por um vaqueiro ou pelo Monge Francisco de Mendonça Mar, de acordo com duas versões mais recorrentes sobre as ori-gens do santuário. (STEIL, 1996).

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A ROMARIA DO BOM JESUS DA LAPA

A romaria, ao longo da história, é uma realidade entranhada no coração de todas as religiões, principalmente a católica. Lopes (2006), cita-do por Araújo (2009), diz que alguns antigos grupos primitivos já faziam experiências de peregrinações, a exemplo dos celtas, que partiam em pere-grinações às novas terras, tendo como justificativa a religião.

Para conceituarmos romaria nos embasamos em Sanchis (2006), que a define como: um caminhar muitas vezes penoso, doloroso até, em condições voluntariamente precárias, por isso demorado, mas cheio de encantos, ou seja, uma manifestação religiosa complexa e popular, ao en-contro e à presença do santo, sendo seu ápice a chegada a um santuário. Sanchis observa ainda como a romaria se conservou:

[...] no interior de um conjunto mítico-ritual sem dúvida cristão, ao mes-mo tempo comes-mo instituição mediadora da mudança e da passagem e comes-mo lugar de permanência e continuidade, mais radicalmente ainda, como o espaço onde o recalcado retorna, mas para ser recuperado nos quadros reg-uladores e discriminatórios do estabelecimento institucional (SANCHIS, 2006 p. 387-8).

Castro (2004) e Steil (1996) destacam que a história de Bom Jesus da Lapa está diretamente ligada ao santuário, fator principal que desenca-deia o desenvolvimento local.

De acordo com Steil (1996), a romaria dos peregrinos pelos lugares sagrados dentro e em torno do Morro aponta para uma narrativa sobre o Bom Jesus da Lapa que é mais extensa do que aquela que a racionalidade construída pelo clero é capaz de abarcar. Os relatos bíblicos inculcados no sertão, os valores e princípios morais que foram sendo sedimentados na cultura popular, os mitos católicos e milenaristas anunciados nos púlpitos e difundidos na tradição oral, os rituais e orações repetidas nos cultos ofi-ciais e nos espaços clandestinos, os santos e heróis do catolicismo colonial e moderno, as cosmologias religiosas e as visões de mundo tradicionais e secularizadas são alguns elementos dessa narrativa inscrita na geografia da Lapa e continuamente atualizada nos discursos de peregrinos, moradores e dirigentes do santuário.

Já Castro (2004) diz que há um sentido de pertencimento e de co-munhão com a paisagem que impregna o culto das romarias para Bom Jesus da Lapa. No movimento de milhares de pessoas que cruzam o sertão

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em direção ao santuário, os romeiros vão demarcando um espaço sagrado que torna tal lugar mais próximo de Deus do que outros, sua fé vai impul-sionando e fazendo com que superem quaisquer dificuldades. A sua cons-ciência está associada ao território, de forma que o sagrado se apresenta sempre encharcado de concretude, ao alcance da vista e da mão.

Para analisar a importância da romaria, bem como a diferença entre peregrinação e romarias, recorremos dois autores: Sanchis (2006) e Rosen-dhal (1999).

Sanchis (2006, p.90) pontua que:

Santuários, relíquias, sacramento, clero e suas mensagens institucionais, santos e suas imagens [...] todas essas realidades, que, afinal, compõem uma religião, se constituem em mediações entre o peregrino e o sagrado: o gesto peregrino hesita entre romaria e peregrinação.

Segundo Rosendhal (1999), os deslocamentos periódicos dos pe-regrinos aos lugares sagrados ocorrem de duas maneiras: uma envolvendo um fluxo permanente de romeiros durante todo o ano e o outro que ocorre apenas no período de festa do santo.

Em Bom Jesus da Lapa, podemos verificar visivelmente essa ques-tão, pois, diante das observações feitas, em todos os finais de semana há romeiros visitando a gruta, bem como no período de férias, fora do perío-do festivo, as pessoas da região Centro-Oeste se dirigem para o litoral, mas param em Bom Jesus da Lapa, para reverenciarem o santo.

O Perfil dos Romeiros do Bom Jesus da Lapa

Na visão do Pe Micek (2008), a romaria do Bom Jesus da Lapa é um fenômeno religioso que, apesar de reunir grande contingente de fiéis, apresenta um alcance espacial limitado no território brasileiro: os romei-ros que participam do evento religioso se deslocam de outromei-ros municípios baianos, como também de outros estados, sendo que quase um terço deles vém de Minas Gerais, especialmente do Norte de Minas. A festa se origina na diversidade de grupos humanos que dividem seu tempo entre ritos de passagem, que marcam o dia do Santo.

Segundo Steil (1996), romaria é constituída por uma multiplici-dade de discursos trazidos para o santuário por diferentes categorias de peregrinos, pelos moradores da Lapa e pelos especialistas religiosos. Qual-quer recorte que se faça estará enfocando apenas algumas dimensões desse

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evento complexo e plural. Podemos entender a fala desse autor quando destacamos o perfil do romeiros do Bom Jesus da Lapa, como faremos mais adiante.

A origem das festas está no uso que se encontra em todos os grupos humanos, de dividir o tempo em fases distintas, havendo ritos especiais para marcar o dia que assinala a passagem de um período para outro. Todas as religiões estabelecem datas para comemorar os fatos litúrgicos, apare-cendo através das épocas e dos povos. Entretanto, “o cristianismo foi que deu nova orientação às festas religiosas. A Igreja determinou certos dias para que fossem dedicados ao culto divino, considerando-os dias de festa” (COSTA apud MEGALE, 1999, p. 64).

Dando continuidade às observações do Pe Micek (2008) e de Steil(1996) sobre a origem da festa e o perfil dos romeiros, Castro (2004) destaca: gente de todos os povos, de todas as raças, que geralmente perten-cem às classes mais populares, se dirige anualmente a Bom Jesus da Lapa, em busca de paz, curas, quitação de promessas, entre outros motivos. Vin-do das mais variadas formas, como em caminhões, ônibus, bicicletas e até a pé, transformam a cidade num verdadeiro canteiro religioso, de admiração em todo o mundo. E esse povo não vem a Bom Jesus da Lapa apenas pedir, vem agradecer, reafirmar o seu compromisso com o sagrado.

Outro teórico, Valle (2006), enfatiza que todo bom romeiro vi-vencia, durante a romaria, as seguintes experiências: motivações, busca de alívio para as aflições pessoais mais imediatas, realidade cristã cotidiana e principalmente a experiência de sair de casa, de sua realidade e, ao lado de outras pessoas, ir em busca do sagrado, ou seja, um encontro maior.

Dando continuidade ao pensamento de Valle (2006), Kocik (2000) demonstra que os festejos assumem características populares, os homens usam chapéus de palha forrados de panos e envoltos em fitas multicores. As mulheres cobrem-se de roupas brancas e ramos de flores. Os aspectos profa-nos do evento contrastam com o interior do santuário do Bom Jesus da Lapa.

De acordo com Micek (2008), os romeiros de Bom Jesus da Lapa, em sua grande maioria, apresentam um baixo poder aquisitivo. Esse crente simples, que repete orações, músicas e rituais dos antepassados, se iden-tifica com o santuário do Bom Jesus da Lapa, onde essas práticas são res-peitadas pelos dirigentes locais. Costumes tradicionais, como as romarias de caminhão e as promessas que exigem grande esforço físico, são pouco frequentes nos grandes centros urbanos, nos quais se notam uma forte ingerência do catolicismo formal e uma ampliação crescente do pentecos-talismo e neopentecospentecos-talismo, sobretudo em áreas de baixa renda.

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Castro (2004) complementa o argumento do Pe. Micek (2008), dizendo que: alguns dirigentes do santuário chamam a romaria de Bom Jesus de “romaria dos pobres” e isso se confirma inclusive pela modalidade de transporte utilizada para se chegar à cidade. Por qualquer das estradas que ligam o santuário ao resto do país, o romeiro visualiza o sertão nor-destino, em meio à poeira e a um sol forte com temperatura em torno de 40°. Na maioria dos casos, o ônibus predomina como modalidade de transporte coletivo mais utilizada, por ser considerado mais confortável e seguro. Entretanto o caminhão de romeiros, o chamado “pau de arara”, resiste ao tempo e ainda é utilizado por religiosos. A viagem dentro desta modalidade é vista como uma forma de sacrifício e meio de alcançar a gra-ça prometida. Alguns dos religiosos optam por modalidades de transporte alternativas, como as vans.

Os autores citados concluem que o perfil dos romeiros é muito evi-denciado pela sua simplicidade. Estes peregrinam em busca do conforto da fé e para superar os obstáculos colocados pela razão. Esta fé os impulsiona, a ponto de eles superarem qualquer dificuldade para chegarem até Bom Jesus da Lapa. Geralmente viajam em grupos formados por pessoas conhe-cidas e se hospedam em ranchos improvisados, carrocerias de caminhão, abrigos de lona, hotéis, pousadas, repetindo todos os anos o fervor da de-voção. Reafirmando o compromisso firmado entre o devoto e o santo. A RELIGIOSIDADE POPULAR

Lemos (2008) diz que inúmeras pesquisas surgiram como forma de compreender, analisar e situar o fenômeno religioso no interior das so-ciedades. Na América Latina, a religiosidade popular foi uma das áreas do fenômeno religioso que mereceu destacada atenção dos pesquisadores.

Para desenvolvermos a análise sobre religiosidade popular, nos embasaremos em Lemos (2008), Setton,(2008), Sanchis (2008), Parker (1989), Moro (2010) e Hoornaert (1978). Passaremos pela questão da cultura, mais especificamente do conceito de cultura popular, e pelo o conceito de religião/religiosidade popular e, por último, mencionaremos a pluralidade religiosa e a religião popular.

Conceito de Cultura

Comecemos por entender a cultura dentro da perspectiva antropo-lógica, ou seja: “cultura como produto da atividade material e simbólica

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dos humanos, como capacidade humana de criar significados, potencial humano de interagir e se comunicar com os símbolos” (SETTON, 2008, p. 16).

O conceito de cultura, tomado como parâmetro por Sanchis (2008), considera que é o jeito de ser gente, relativamente diferente de grupo para grupo, que constitui a cultura de cada um. Sendo a cultura permeada de possibilidades humanas, ela carrega e escolhe os diversos sentidos dos seus elementos pois o mundo humano é carregado de valores pontuados de símbolos. O lugar desses elementos na hierarquia de valores, a significação de cada um deles, o resultado final dos grupos poderão ser diferentes.

Segundo Parker (1989), cultura é o conjunto de práticas coletivas significativas baseadas nos processos de trabalho em função da satisfação da vasta gama de necessidades humanas, que se institucionalizam nas estru-turas de signos e de símbolos que são transmitidas por uma série de veícu-los de comunicação e internalizadas em hábitos, costumes, formas de ser, de pensar e de sentir. Já os autores Kroeber e Kluckhohn (apud MORO, 2010, p. 23), afirmam que:

A Cultura consiste nos modelos de comportamento que são explícitos e implícitos, adquiridos e transmitidos por símbolos, e constituem as re-alizações em artefatos. No próprio coração da cultura, encontram-se as ideias tradicionais(isto é historicamente derivadas e selecionadas) e partic-ularmente os valores que se coligam (KROEBER; KLUCKHOHN apud MORO, 2010, p. 23).

Portanto, o conceito de cultura acolhido nessa análise é o de San-chis (2008), mencionado anteriormente. Partiremos agora para pontuar o conceito de cultura popular, embasado nos mesmos autores citados acima.

Cultura Popular

Parker (1989) define a cultura popular como sendo aquela ampla produção cultural da classe dominada, porém de forma alguma anulada, nem totalmente submetida em sua capacidade de resistência e de inovação. Aqui tratamos mais da capacidade criativa do povo em matéria religiosa. Ao analisar a religião popular, muitos a classificam como “religiosidade tradicional”, “ignorante”, “supersticiosa”, “pagã”, em relação à “religião” oficial, julgada, a priori, como “autêntica” e “verdadeira”.

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Na concepção de Setton (2008), a experiência religiosa é uma for-ma de entender o homem com capacidade de produzir símbolos, sendo, portanto, produtor de cultura, crenças e ideias coletivas. Cultura e religião são fenômenos que se correspondem, pois não só têm raízes na nature-za social de produzir sentido e estabelecer relações sociais, como também abrem espaço de diálogo entre indivíduo e sociedade. A cultura e a religião são vistas como espaços de entendimento

Religião/Religiosidade Popular

A religião, segundo Parker (1996), é um componente primordial do campo simbólico-cultural de um grupo ou sociedade que, do ponto de vista de suas significações, remete, de uma forma explícita, a uma realidade extraordinária: o sagrado, o transcendente, o numinoso.

Assim, traz-se em foco aqui o conceito de religião popular, que, para Parker (1996), constitui-se de manifestações coletivas que exprimem, a seu modo, as necessidades, as angústias e os anseios que não encontram resposta adequada na religião oficial ou nas expressões religiosas das elites e classes dominantes. A partir dessas colocações, o autor critica a utilização da expressão “religiosidade popular”, por ser este um conceito vasto e ca-rente de rigor para ser empregado pelas ciências sociais. Nessa perspectiva, percebe-se que existem diferenças entre o conceito de religião popular e o de religiosidade popular, o que nos faz intuir que a opção por um ou por outro se faz mais com base nos critérios políticos do que por divergências propriamente conceituais.

Segundo Lanternari (apud PARKER, 1989, p. 55), ”podemos afir-mar que toda religião popular se articula numa dialética com a religião e com a cultura oficial”. Sendo a mesma construída e reconstruída, levando em conta o contexto social em que se insere.De acordo com Hoornaert (1978), a religião popular pode ser considerada como aquela que não atin-giu um nível de atualização na sua expressão, ou que não é erudita no sentido da palavra, mas isso não é absoluto, pois há práticas religiosas que são seguidas mesmo por intelectuais. Esse tipo de religião possui temas bem conhecidos, tais como: conformidade, paciência, fatalismo. ”A reli-gião popular contém dois momentos: um primeiro momento, o da revolta, e um segundo, de abafamento ou repressão dessa revolta. Como exemplo: a expressão “se Deus quiser” (p. 103).

No que concerne às práticas de religiosidade popular, Lemos (2008) destaca que normalmente são realizadas no âmbito pessoal ou em

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comuni-dades, entretanto têm uma margem de autonomia em relação às institui-ções religiosas. Por isso podem incluir as expressões culturais dos diferentes grupos étnicos que compõem a gama de seus praticantes.

Ainda segundo Lemos (2008), os praticantes de religiosidade popu-lar buscam sentido para a vida na experiência do sagrado, e é nele também que encontram explicações para seus sucessos e/ou fracassos.

A religiosidade popular é uma forma de resistência cultural que se insere no quadro de lutas por sobrevivência de grupos marginalizados. As práticas religiosas são vividas sem muitos questionamentos. Para os indiví-duos praticantes, a religião é para se viver, não para se questionar. Portanto, a resistência cultural que se dá por meio dessas práticas não é sistematizada em vista de transformações político-econômicas. Resistir culturalmente é uma necessidade para que a sobrevivência com dignidade seja possível.

Enfim, o conceito de religiosidade popular adotado nesse estudo é o de Parker (1989), já citado. Teceremos a seguir uma discussão sobre o pluralismo religioso e a religiosidade popular.

Pluralismo Religioso e Religiosidade Popular

De acordo com Setton (2008), cabe trazer para esse estudo a discus-Setton (2008), cabe trazer para esse estudo a discus-são acerca do pluralismo religioso e religiosidade popular. Por pluralismo religioso entendemos as diferentes concepções religiosas. Trata-se de mo-dos diversos de ver religiosamente o relacionamento com o sagrado, de ver o mundo e a vida. Neste sentido, pluralismo religioso implica uma referên-cia à experiênreferên-cia religiosa à luz da qual e a partir da qual o indivíduo tem o seu modo de ver religiosamente as coisas. Podemos encontrar, no interior de um mesmo sistema religioso, modos de ver diferentes, maneiras diver-sas de encarar religiosamente a própria religião, o mundo e as coidiver-sas. Isso nos faz pensar e afirmar a subjetivação da religião, sem que isso também implique negar que ela tenha sua dimensão de objetividade e sua doutrina. Para Hoornaert (1978), nesse terreno pantanoso e imerso em con-testações, pontos como o de religiosidade popular bem como a cotidianida-de cotidianida-dentro da realidacotidianida-de popular são bastante recorrentes para esse entendi-mento. É nas atividades práticas e nas decisões concretas do cotidiano que as pessoas elegem que valores normativos querem adotar. O motivo pelo qual a religiosidade popular exerce a função de responder às necessidades concretas cotidianas da vida é o fato de apresentar uma teologia compre-ensível, que forneça sentido a essas necessidades. ”A religiosidade popular, estudada mais de perto, revela que os pobres normalmente não pensam

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como os ricos, mas passam a falar como eles, porque a única comunicação autorizada passou a ser a dos ricos” (HOORNAERT, 1978, p. 117). A ROMARIA DE BOM JESUS DA LAPA: PRÁTICA

DO CATOLICISMO POPULAR

Azzi (2006) pontua que o censo de 2000, promovido pelo IBGE, trouxe, em seus resultados mais interessantes, a mudança do perfil das op-ções religiosas brasileiras. Essa constatação se repete no censo de 2010. De um país essencialmente católico, como ainda registrado em censos anterio-res, o espectro de alternativas religiosas aumentou, o mesmo acontecendo com o número de seus adeptos. Cresceu também o número dos que se declararam sem religião. Os parâmetros usuais de interpretação apontam para uma valorização do religioso e um maior número de opções entre os brasileiros.

Segundo Huff Júnior (2008), não é possível repensar ou reescrever o todo da historia religiosa do Brasil, a cada vez que se investiga a história do campo religioso, mas se necessita investigá-la devido às mudanças. O es-paço simbólico religioso é reconstruído, ressignificado em meio às relações sociais e políticas. O evento religioso depende das estruturas existentes e da cultura estabelecida.

A especificidade do campo religioso brasileiro está relacionada com a história do nosso país, de acordo com nosso próprio campo e de seus há-bitos religiosos. O campo religioso brasileiro possui dinâmicas e estruturas próprias. A importância do campo religioso brasileiro se dá na existência de bens simbólicos dentro da sua formação histórica. Para Huff Júnior (2008, p.56):

Falar de religião é falar de tradição. Poder-se-ia nessa ótica, por exemplo, enquadrar o campo religioso brasileiro no campo de batalhas e de força de longuíssima duração que é o cristianismo enquanto religião que proporcio-na o material simbólico elementar e aglutiproporcio-nador da maioria das tradições religiosas locais. Importa, por exemplo, considerar além das práticas, cren-ças e métodos, também as ideias sistematizadas em forma de dogma, ou seja, as teologias em questão (HUFF JÚNIOR, 2008, p.56).

Já Hoornaert (1978, p. 13) afirma que “[...] o catolicismo no Brasil, assumiu nos primeiros séculos de sua formação histórica um caráter obri-gatório [...]”. É o catolicismo trazido pelos portugueses pobres que

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come-çou a penetrar no Brasil a partir da colonização. É chamado comumente de catolicismo tradicional popular. Além dos portugueses, esse catolicismo é praticado por índios destribalizados, mestiços, ex-escravos e pequenos pro-prietários. Analisando o nosso modelo de colonização, podemos perceber que as influências europeias são determinantes nesse catolicismo.

Dando continuidade ao pensamento do autor citado acima, o mes-mo, entende o catolicismo popular como o vivido pelos pobres em geral, ou seja, pelo povo. esse catolicismo tem uma cultura própria, original, construída e reconstruída no contexto em que se insere. Dentro do catoli-cismo popular, o leigo ocupa papel central; o especialista, papel secundá-rio, o sacramental não é tão relevante quanto o vocacional; verifica-se uma manipulação do sagrado com finalidades pragmáticas, enfim, nota-se o caráter protetor da religiosidade popular.

O catolicismo popular, na concepção de Lemos (2008), expressa alguns elementos que lhe são peculiares, entre os quais podemos mencio-nar: o santo, que é um dos elementos fundantes e que está na imagem, mas não se confunde, nem se identifica com ela, ainda que a imagem esteja sempre carregada de poder; um outro elemento é o oratório familiar, que é um pequeno altar que ocupa lugar de destaque e anima as devoções dos membros da família; o oratório na rua se torna referência para os vizinhos, o oratório ambulante é trazido por beatos e eremitas que pedem esmolas e ajudam nas ruas; a capela é um outro elemento, que se fixa geralmente nos povoados em que as comunidades locais necessitam de um espaço sagrado. Nessa capela existe a imagem do santo padroeiro, o santo de grande devo-ção. Por fim trazemos o santuário, em âmbito mais amplo. É nele que fica a imagem do santo mais forte, que exige a peregrinação anual de multidões.

Oliveira (1985) cita que, no catolicismo popular, não encontramos um culto especial para Deus, exceto quando ele é representado como o divino pai eterno. Deus é todo-poderoso e tudo que existe é obra sua. Os santos, que são muito fortes no catolicismo popular, têm poder por estarem perto de Deus. Para o catolicismo popular, Jesus é o protótipo dos santos: bom e justo, ele sofre sem ter pecado e por esse sofrimento ele ga-nha a misericórdia divina para com os homens. Sua representação popular é, portanto, a representação do sofredor: O crucificado, o senhor morto, o Jesus da Paixão. Oliveira (1997), citado por Araújo (2009, p. 27), afirma que:

O elemento nuclear do catolicismo popular é o santo. Desde as três pessoas da Trindade, até as almas de inocentes, passando pelas diversas invocações

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de Maria, os apóstolos, mártires e doutores da igreja, muitos são os santos e santas que recebem o culto popular (OLIVEIRA apud ARAÚJO, 2009, p. 27).

Dando sequência ao pensamento da autora, nem sempre no cato-licismo popular se respeita a diversidade; essencialmente no que concerne à religiosidade, ainda há muitos preconceitos com relação às praticas. En-tretanto é muito comum católicos tradicionais frequentarem, mesmo às escondidas, centros espíritas e rituais de umbanda e candomblé. Para os seguidores do catolicismo popular, a humanidade terá um fim, e, se outrora o mundo se acabou com água, agora se acabará com fogo. “O catolicismo popular tem que ser tradicional, já que o progresso significa as mais das vezes o abandono de sua dignidade, aceitação de novas formas de depen-dência” (HOORNAERT, 1978, p.106).

Várias são as formas de manifestação e expressões da devoção po-pular, o que culmina com a visita de pessoas dos mais variados locais aos santuários. O milagre é a principal peça do catolicismo popular brasileiro, que se traduz no culto a religiosos, mortos ou não, e imagens com fama de realizar prodígios, nas peregrinações em locais considerados sagrados. No Brasil, temos como principais santuários: o de Nossa Senhora de Apa-recida, o de Nossa Senhora da Penha, o de Nossa Senhora de Nazaré, o do Divino Pai Eterno, o de Bom Jesus da Lapa e o de São Francisco das Chagas do Canindé e outros. Quanto à relação devoto e santo, Brandão (1986, p.193) diz que:

Cabe ao homem fazer por sua conta o diagnóstico da aflição, determinar a estratégia de resistência, produzir os rituais de mediação sobrenatural, proclamar o tipo de resultado obtido e, finalmente, promover os atos de recompensa ou, até mesmo, de castigo do santo – pagar promessa por um voto válido, reforçar atos devocionais de fidelidade ou de discórdia [...], ou interromper uma relação de troca de serviços preferenciais com um santo (BRANDÃO, 1986, p. 193).

Araújo (2009) relata que a relação entre devotos e santos se dá no movimento de trocas simbólicas, através de pedidos e agradecimentos, como também a caminhada ao encontro com o sagrado, a romaria, re-afirmando e mantendo viva a relação entre devoto e santo. Diante disso, Fernandes (1990, p.118), citado por Araújo (2009, p. 29), referenda que os devotos e romeiros sabem muito bem as razões para fazer a promessa:

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Se o devoto as faz é porque sabe que esta existência é dependente de um poder maior..Faz promessa porque reconhece a dependência da condição humana terrestre. Pagando promessa, cumpre a sua parte na renovação deste vínculo central (ARAÚJO, 2009, p. 29).

A referida autora fala que um evento que faz parte da atividade religiosa do catolicismo popular é a romaria. Essa manifestação independe de classes sociais, pois está ligada ao grau de devoção entre devoto e santo. A romaria conecta o conteúdo universal do catolicismo local e situa os seus significa-dos num espaço concreto que se torna portador significa-dos mitos responsáveis pelas narrativas que circulam em torno do santuário, dando ao espaço uma função metafórica, projetando luz e sentido sobre sua experiência existencial e seu convívio social. Na religiosidade popular, os fiéis se relacionam com o sagrado sem necessitar de mediadores. Os romeiros têm uma celebração diferente da litúrgica independente da proposta pelo santuário, ainda que celebrem sua fé junto ao seu grupo e façam suas orações e cânticos.em frente do santuário,

Percebemos, então, que o catolicismo popular independe da Igreja Católica Apostólica Romana. “O catolicismo popular não é senão a domina-ção interiorizada, ela provoca na alma do pobre a adesão submissa e passiva ao sistema” (HOORNAERT, 1978, p.103).

Elencamos nesse estudo todos esses teóricos acima mencionados para discutirmos o catolicismo popular, mas não destacamos nenhum desses teóri-cos como mais importante por entendermos que um complementa a ideia do outro.

A Romaria de Bom Jesus da Lapa: prática de fé popular

Muitas pessoas chegam a Bom Jesus da Lapa movidas pela curiosi-dade e fazem um pedido ou promessa, estabelecendo um vínculo mediado por um compromisso de retorno ao lugar, estabelecendo, assim, um fluxo periódico de visitações que se estende aos membros da família e à comuni-dade onde moram. Todos eles externam sua fé e “o Concílio Vaticano II deixa clara a importãncia da fé como acolhida obediente a Deus” (MORO, 2010, p. 20).

A promessa aparece como prática religiosa arraigada no imaginário cole-tivo dos romeiros de Bom Jesus da Lapa e se constitui na motivação principal que estimula o deslocamento dos peregrinos. No catolicismo popular, a promessa aparece como um acordo, um pacto firmado entre o fiel e o santo no sentido de se obter uma graça, um pedido, estando relacionada à fé. Parker (1989,p.201), afirma que:

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Em geral, todos os estudos e informes a respeito da mentalidade religiosa em setores populares latino-americanos coincidem em mostrar que a fé acontece como algo evidente em si mesma, como um ditado inquestion-ável do sentido comum (PARKER, 1989,p. 201).

São Tomás de Aquino (apud MORO, 2010, p. 18), define fé como “o ato do intelecto que assente à verdade divina por império da vonta-de, movida pela graça de Deus” O conceito bíblico de fé, segundo Moro (2010), a define como a fonte e o centro de toda a vida religiosa, tendo dois pólos: ”a confiança que se presta em uma pessoa fiel e engaja o homem todo inteiro, e de outro lado, um procedimento da inteligência à qual uma palavra ou sinais possibilitam realidades que não se veem” (p.18).

Conforme Parker (1996), a fé, em sua manifestação dialeticamen-te mediatizada pelo conjunto de práticas diárias e históricas, será uma expressão desta nova cultura que emerge. A modernização e as mutações que gera não ameaçam necessariamente a religião, inclusive ela se revita-liza. As classes subalternas e os setores menos favorecidos neste processo se orientaram para as religiões, buscando renovar suas energias e moti-vações para desejar novas formas de convivência social. Continuando, o autor observa “[...] a religião dos setores marginalizados está orientada para a satisfação imediata das necessidades mais sentidas pelas pessoas” (PARKER, 1996, p. 158).

A fé popular não só acompanha as fases do crescimento da vida como também, em segmentos importantes, acompanha os momentos de crise da vida. Resolve a crise por meio de sua profunda confiança na inter-venção de Deus e de seus mediadores. Luta entre o bem e o mal,.a fé dos indivíduos que vivem numa situação de miséria e de exploração é produto não de um simples costume introjetado nos processos de socialização pre-coce, exteriorizado como atitude habitual arraigada, mas de uma vivência da providência divina, por mais que as explicações verbais a respeito das crenças em Deus sejam de ordem argumentativa.

CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

Para viajar de volta, Novamente me dispus Adeus, até para o ano, Meu amado Bom Jesus.

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Motivada por essa despedida dos romeiros expressa na epígrafe aci-ma, é que faço as considerações provisórias. Ao pensar o campo religioso brasileiro na perspectiva do tempo presente, encontra-se uma lacuna nos estudos, ou seja, com ênfase na história, até então perdura os estudos no campo da sociologia e da antropologia. Faltam ainda alguns estudos es-pecíficos da romaria no campo do fenômeno religioso, principalmente no que concerne à estrita ligação entre religiosidade popular e catolicismo popular.

O estudo sobre a romaria do Bom Jesus da Lapa, prática do catoli-cismo popular, leva a entender que o elemento motivador do deslocamen-to periódico de romeiros para as cidades-santuário é o fadeslocamen-to de esses lugares serem considerados especiais. No caso específico de Bom Jesus da Lapa, cenário onde convivem dois elementos distintos, que são os moradores e os romeiros, observamos essa questão bem presente, por ser uma cidade simples em meio ao sertão ressequido, onde se encontra um Santuário de Oração, lugar de fé, santificado pelo povo simples que o frequenta, pelos chamados “romeiros”. Alguns visitantes, bem como os moradores da Lapa, fazem questão de clarificar seu distanciamento em relação aos romeiros, como afirma Steil (1996, p. 76):

A Lapa dos romeiros é o inverso da Lapa dos moradores. O romeiro faz sua peregrinação para a Lapa, como uma jornada em direção a um mundo de significados [...]. Os lapenses por vez, habitam a cidade como o seu mundo secular e histórico, onde criam seus filhos e tiram seu sustento, é o espaço cotidiano.

Tendo como aporte teórico Oliveira (1985), compreende-se que a manutenção de práticas do catolicismo popular, ressignificadas ao longo do tempo, deve ser vista como um aspecto importante de santuários como o de Bom Jesus da Lapa, uma vez que a própria romaria, com os seus símbolos, cânticos e ambiência cosmológica, se constitui em uma prática devocional recriada. Essas práticas religiosas devem ser entendidas e respei- devem ser entendidas e respei-devem ser entendidas e respei-tadas nos lugares sagrados e comprovam a heterogeneidade do catolicismo brasileiro. A subida ao morro, por exemplo, é uma prática muito exercitada pelos romeiros.

O estudo da romaria como um fenômeno reigioso que se processa no interior da sociedade brasileira, deve-se ater a esse elemento, ressaltan-do os seguintes aspectos: antropológicos, sociológicos, etnográficos, entre outros. Mediante essa questão, devemos pensar esse fenômeno como um

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formato vivo do contexto religioso popular vivido no nosso país. ”Em geral cada tipo de expressão religiosa corresponde e é coerente com cada tipo de subcultura popular, na qual adquire pleno sentido e cumpre funções sociais e simbólicas precisas” (PARKER, 1989, p. 144).

Ainda segundo Parker: “o chamado catolicismo popular, tem como característica os agentes pastorais em seu contato com o povo nas peri-ferias, sendo um modelo de religião popular, dentre vários sendo o mais generalizado e o mais difuso” (PARKER, 1996, p. 157).

A religião foi, historicamente, o instrumento mais amplo e efetivo da legitimação. Toda legitimação mantém a realidade socialmente defini-da. Diante disso Berger (1985, p. 45), diz que:

A religião legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a realidade su-prema as precárias condições da realidade erguida pelas sociedades empíri-cas. As tênues realidades do mundo social se fundam no sagrado, que, por definição, está além das contingências dos sentidos e atividades humanas.

Segundo Girard (1998), a presença da religião na origem de toda sociedade humana é fundamental. De todas as instituições sociais, ela é a única da qual a ciência ainda não conseguiu o objeto real e a verdadeira função. A religião serve como meio de instrução para os homens, guiando-os no que deve ou não deve ser feito para evitar o retorno da violência destruidora.

Tanto Berger (1985) como Girard (1998) percebem que a religião exerce um papel fundamental dentro do contexto social, servindo como legitimadora das instituições sociais. Neste estudo essa questão fica bastan-te evidenciada.

Diante do exposto, referendamos a romaria de Bom Jesus da Lapa como uma das práticas do catolicismo popular. Concluímos provisoria-mente esta análise por entender que ela suscita novas investigações em diversos contextos sociais, não estando pronta e acabada, mas suscetível a novos estudos em olhares diversos.

PILGRIMAGE OF BOM JESUS DA LAPA: POPULAR PRACTICE OF CATHOLICISM

Abstract: the reflexions of this study brings into the analysis of the importance of pilgrimage of Bom Jesus da Lapa as one the practices of the popular Catho-licism. It has been searched a reading of the resultan context of the concrete

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experience of the life of the pilgrims, contrasting with the local reality and and understanding/perception of the way these people interrelate with the sacred. Keywords: Pilgrimage.Bom Jesus da Lapa.Practice. Pilgrims and popular Ca-tholicism.

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* Recebido em: 04.02.2011. Aprovado em: 14.02.2011.

** Doutoranda em Ciências da Religião na PUC Goiás. Mestra em Ci-ências da Religião pela PUC Goiás. Especialista em Sociologia pela UFMG. Graduada em Ciências Sociais pela UNIVALE. Professora auxiliar da Universidade do Estado da Bahia-UNEB/Campus XII – Guanambi (BA). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Religião, Cultura e Saúde (GEPERCS). E-mail: sandraccgs@hotmail. com

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