• Nenhum resultado encontrado

SECULARIZAÇÃO (AINDA) COMO RACIONALIZAÇÃO? PROPOSTA DE CONSTRUÇÃO DE UM ÍNDICE DE RACIONALIZAÇÃO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "SECULARIZAÇÃO (AINDA) COMO RACIONALIZAÇÃO? PROPOSTA DE CONSTRUÇÃO DE UM ÍNDICE DE RACIONALIZAÇÃO"

Copied!
19
0
0

Texto

(1)

Jorge Botelho Moniz**

Resumo: este trabalho procura dar resposta a dois argumentos essenciais: a ideia de

que se chegou a um ponto morto no debate sobre a secularização e de que são necessárias novas abordagens teóricas e empíricas para se entenderem os efeitos dos processos da modernidade na religião. Para tanto, inspirando-nos nos pressupostos de uma das teorias clássicas mais proeminentes da secularização – a racionalização – propomos a criação de um índice de racionalização que seja correlacionável com uma medida de religiosidade individual. Concluímos que, para o conjunto de países europeus selecionados e para o período tem-poral analisado (1999-2014), a teoria da secularização, que assevera que as sociedades mais racionalizadas são menos religiosas, tem validade empírica.

Palavras-chave: Secularização. Nacionalização. Índice. Religiosidade. Sociologia da religião.

O

s debates sobre religião têm-se caracterizado, nas últimas décadas, por um embate

teórico entre duas narrativas sobrepostas, embora aparentemente antitéticas. De um lado, a narrativa de uma perda de relevância social da religião, preconizada pe-los defensores das teorias da secularização, na maioria cientistas sociais europeus; e, de outro lado, a narrativa do regresso do (significado social do) religioso ou das religiões, maioritariamente defendido pelos teóricos norte-americanos.

Todavia, como nos diz Casanova (2007, p. 3), chegou-se a um “ponto morto neste de-bate”, pois a teoria tradicional da secularização adequa-se, relativamente bem, à realidade europeia, mas não à americana, enquanto a narrativa da vitalidade dos mercados religiosos (desregulados) é relativamente eficaz para explicar a

SECULARIZAÇÃO (AINDA) COMO

RACIONALIZAÇÃO? PROPOSTA

DE CONSTRUÇÃO DE UM ÍNDICE

DE RACIONALIZAÇÃO*

–––––––––––––––––

* Recebido em: 20.02.2018. Aprovado em: 16.05.2018.

** Doutor em Ciências Políticas pela UFSC. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da UNL. Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais pela FCSH/NOVA. E-mail: jobomoniz@gmail.com.

(2)

realidade dos Estados Unidos da América, mas não a da Europa. Os teóricos afirmam ser necessária uma mudança de rumo das pesquisas sobre este fenó-meno (HALIKIOPOULOU, 2011), porque, chegados a este “beco sem saída para o estudo sociocientífico da religião” (WOHLRAB-SAHR; BURCHAR-DT, 2017, p. 144), o debate sobre a secularização tornou-se “infrutuoso” (CA-SANOVA, 2007, p. 1, 3).

Tendemos a concordar com estes argumentos; porém, relembramos que, com a in-tegração, aplicação e desenvolvimento da ideia das múltiplas modernidades de Eisenstadt (2000) no debate sobre a secularização surgiram uma série de inovações conceptuais e epistemológicas sobre o lugar do religioso no mundo. Em particular, as ideias de dessecularização (BERGER, 1999), pós-seculari-zação (HABERMAS, 2008), múltiplas secularizações (MARTIN, 1978, 2005; NORRIS; INGLEHART, 2004; DEMERATH, 2007; CASANOVA, 2011) ou secularidades (WOHLRAB-SAHR; BURCHARDT, 2012) e secularização contextual (CASANOVA, 2007; PICKEL, 2011; BEN-PORAT; FENIGER, 2013). O problema desta miríade de inovações ou renovações teóricas e con-ceptuais é que, segundo Pickel (2017), mantêm em suspenso uma questão que ainda não foi decidida definitivamente. Ou seja, que processos da moderni-dade, se é que algum consegue descrever as atuais mutações ou deslocações do religioso nas sociedades contemporâneas? Efetivamente, a maioria destas conceptualizações mais recentes é sustentada cientificamente pela análise de fatores históricos, pelas reflexões de cariz sociológico e/ou filosófico ou pela descrição de fenómenos sociopolíticos. Ou seja, raros têm sido os estudos que têm associado a dimensão teórica a uma dimensão mais empírica – esta-tística – que analise com rigor os desenvolvimentos (positivos ou negativos) dos fenómenos religiosos. Mesmo nos casos em que isso sucedeu (NORRIS; INGLEHART, 2004; PICKEL, 2017) os estudos basearam-se, não raras vezes, em variáveis uni ou bidimensionais, negligenciando a sistematização das vá-rias teová-rias da secularização e das suas alternativas teóricas para compreender e interpretar os fenómenos de deslocação e recomposição do religioso nas sociedades contemporâneas.

Essa análise avulsa, ainda que longitudinal, de perguntas de inquéritos de bancos de da-dos internacionais – por exemplo, a crença em Deus ou a frequência a serviços

religiosos – não só não capta as dimensões da religiosidade (individual e difu-sa) contemporânea, como não examina a fundo os argumentos dos teóricos da secularização. Por conta dessa incúria, desconhecemos a existência de algum estudo que tenha procurado e que tenha logrado (como nós tentaremos) con-densar esses argumentos teóricos em variáveis empíricas mensuráveis e que, além disso, as tenha contraposto a níveis multidimensionais e abrangentes de religiosidade. Consideramos que só através de uma tal metodologia

(3)

podere-mos responder à supracitada interrogação de Pickel e, assim, compreender se as teorias da secularização ou as suas alternativas teóricas são válidas para justificar as mutações do religioso, sobretudo, ao nível micro (individual). Neste trabalho, focar-nos-emos na teoria da racionalização, não só porque é uma das

teorias nucleares da secularização – concomitantemente com as da diferencia-ção funcional e da societalizadiferencia-ção –, mas também porque é apontada como um dos fatores-chave da modernização que explicam a diminuição do significado microssocial da religião.

A RACIONALIZAÇÃO COMO CONCEITO MULTIDIMENSIONAL

A racionalização é, de acordo com Berger (1990 [1967], p. 132-133), a variável decisiva da secularização. Grosso modo, esta subteoria diz-nos que fenó-menos sociais como ciência ou a consciência tecnológica promovem uma cosmovisão racional sobre as sociedades que, por consequência, reduzem a credibilidade das explicações religiosas, metafísicas ou místicas do mundo. Com isso, a religião torna-se obsoleta e implausível nas sociedades racio-nalizadas.

Os fatores habitual e mais sistematicamente enunciados pelos teóricos da racionalização são quatro: o espírito do capitalismo ou a expansão do capital (WEBER, 2003 [1904/1905]; BERGER, 1990 [1967]) e o seu impacto na credibilidade da re-ligião; o controlo técnico e burocrático estatal altamente racional e a criação e manutenção de legitimações que lhe sejam adequadas (BERGER, 1990 [1967], LUCKMANN, 1967; WILSON, 1976); a educação (WILSON, 1969 [1966]; BERGER, 1990 [1967]) que passou a formar recursos humanos científicos e tec-nológicos, levando à racionalização da sua estrutura psicológica; e o crescimento da ciência e da tecnologia e o desenvolvimento duma consciência tecnológica (BERGER, 1990 [1967]; WILSON, 1976) que promove um novo saber e um sentimento de controlo do mundo.

Ou seja, podemos dizer que a subteoria da racionalização tem quatro dimensões inter-nas essenciais: o capitalismo/consumismo, a burocracia, a educação e a ciên-cia/consciência tecnológica.

Determinadas estas dimensões internas da racionalização, pudemos proceder à reco-lha de dados (itens/indicadores) que integrassem e dessem corpo a cada uma das quatro dimensões. Assim sendo, recorremos a dados de quatro fontes: do World Bank Open Data, do UNDP - United Nations Development Programme, do Eurostat e da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. O primeiro disponibiliza, desde a segunda década do século XX, de forma mais sistemática, dados de 189 países. O trabalho estatístico é gerido por um grupo de desenvolvimento de dados que, em colaboração com a

(4)

co-munidade estatística internacional, coleciona, compila e atualiza uma série de bancos de dados financeiros, macroeconómicos e sectoriais.

O UNDP é um programa da ONU - Organização das Nações Unidas que, desde o início da década de 1990, estuda os índices de desenvolvimento humano em cerca de 170 países e territórios. Os seus dados compreendem, no essencial, dados esta-tísticos sobre educação, rendimentos, pobreza ou desigualdade. Por seu turno, o Eurostat, fundado em 1953, é a divisão estatística da UE - União Europeia. O seu estudo longitudinal existe desde meados do século XX, mas tem-se solidificado e sistematizado desde o final dessa mesma centúria, focando-se, entre outros, em estatísticas sobre economia e finanças, população e condições sociais, indústria, comércio e serviços e ciência e tecnologia, essencialmente, na UE dos 28. Por fim, a OCDE (iniciada em 1948, mas oficialmente fundada em 1961) recolhe e trata, longitudinalmente (desde a década de 1950), os dados de mais de 30 paí-ses espalhados pelo mundo. Os dados estatísticos aí recolhidos cobrem diversas áreas, nomeadamente o desenvolvimento, a educação e formação, a ciência e tecnologia, as finanças ou a produtividade. Pela sua experiência, qualidade e ri-gor e pelo extenso número de investigações científicas (mas também de decisões governamentais) que baseiam os seus trabalhos nestes bancos de dados, consi-deramos que estas fontes são fidedignas e úteis para a criação de um índice de racionalização que, ulteriormente, venha a ser contraposto a um de religiosidade. Considerando as fontes supramencionadas, o nosso período de análise é 1999-2014. A esco-lha destas datas não é casual. Com efeito a sua escoesco-lha deve-se ao facto de as for-mas mais modernas (individualizadas e indeterminadas) de religião e a diversidade das suas expressões só terem sido estudadas, pelas ciências sociais de forma mais sistemática, nas últimas década do século XX. Ou seja, se só a partir desse período os investigadores mostraram maior sensibilidade para a difusão e diversidade das expressões religiosas modernas, isso significa que, até então, os dados estatísticos disponíveis dificilmente contemplariam dimensões da religiosidade individual que se pudessem contrapor a variáveis independentes como a racionalização.

Esclarecidas as questões teóricas, fontais e temporais e adaptando-as às fontes dispo-níveis nos bancos de dados, ponderámos os seguintes indicadores para medir cada uma das dimensões teóricas da racionalização:

A Consumo/capitalismo:

1. Despesa de consumo final das famílias (% do PIB – Produto Interno Bruto)

(fonte: OCDE).

2. Dívida das famílias (% dos rendimentos líquidos disponíveis) (fonte: OCDE). 3. Consumo individual atual (% do PIB) (fonte: OCDE).

4. Despesa por propósito: pessoal (% do PIB) (fonte: OCDE).

5. Despesa por propósito: lazer, férias e recreação (% do PIB) (fonte: OCDE). B Burocracia:

(5)

1. Procedimentos iniciais para registar um negócio (fonte: World Bank).

2. Procedimentos necessários para registar uma propriedade (fonte: World Bank). 3. Tempo necessário para resolver um contrato (fonte: World Bank).

4. Tempo para preparar e pagar impostos (fonte: World Bank).

5. Tempo necessário para ter acesso a eletricidade (fonte: World Bank). 6. Tempo necessário para registar uma propriedade (fonte: World Bank). 7. Procedimentos para construir uma propriedade (fonte: World Bank). 8. Procedimentos para construir um armazém (fonte: World Bank).

C Educação:

1. Despesa do governo com educação em % do PIB (fonte: World Bank). 2. Taxa bruta de inscrição: ensino primário (fonte: UNDP).

3. Taxa bruta de inscrição: ensino secundário (fonte: UNDP).

4. População pelo menos com alguma educação secundária (fonte: UNDP). 5. Média de anos de escolarização (fonte: UNDP).

D Ciência e consciência tecnológica:

1. Investigadores em I&D (fonte: World Bank).

2. Despesa em investigação e desenvolvimento (% do PIB) (fonte: World Bank). 3. Revistas científicas e técnicas (por habitantes) (fonte: World Bank).

4. Utilizadores de internet (% da população) (fonte: UNDP). 5. Famílias – nível de acesso à internet (%) (fonte: Eurostat).

6. Famílias – aparelhos para aceder à internet: computador desktop ou portátil % das famílias) (fonte: Eurostat).

7. Indivíduos – acesso à internet móvel: telemóvel ou smartphone para aceder à internet (% dos indivíduos) (fonte: Eurostat).

8. Indivíduos – uso do computador (nos últimos 12 meses) (% dos indivíduos) fonte: Eurostat).

9. Indivíduos – uso do computador (nunca) (% dos indivíduos) (fonte: Eurostat). 10. Indivíduos – frequência de uso do computador (diária) (% dos indivíduos) fonte: Eurostat).

11. Compras por comércio eletrónico – Empresas que compraram através de redes mediadas por computador (fonte: Eurostat).

12. Compras por comércio eletrónico – Empresas que compram online (pelo menos 1% das encomendas) (fonte: Eurostat).

13. Utilização de computadores e internet por empregados (fonte: Eurostat). 14. Indivíduos que possuem proficiência digital geral acima do nível básico fonte: Eurostat).

Assim sendo, apresentamos um índice com 32 itens. Consideramos que um tão vasto número de indicadores ajuda-nos a maximizar a fiabilidade de cada dimensão e,

(6)

por conseguinte, da própria variável racionalização. No ver de Wilkes, Burnett e Howell (1986), em princípio, quanto maior o número de itens para medir as diferentes dimensões da racionalização, maior a sua consistência interna. PROPOSTA DE COMPOSIÇÃO E MEDIÇÃO DO ÍNDICE DE RACIONALIZAÇÃO Após a determinação das dimensões e dos itens, procedemos à edificação de um índice

de racionalização que nos permitirá correlacionar a sua intensidade face à (eventual falta) de intensidade da religiosidade e testar, mais empiricamente, as teorias da secularização.

Com efeito, desde há uns anos que vimos estudando o fenómeno religioso em um gru-po de países europeus. Temos investigado os fenómenos da secularização na Áustria, Eslováquia, Espanha, Itália, Polónia e Portugal. No entanto, tivemos sempre dificuldades com o conceito de religião e, sobretudo, com as formas de medir a sua centralidade na vida dos indivíduos. Por conta disso propusemos, no passado recente, a criação teórica e empírica de um índice de religiosidade que servisse de variável dependente e que fosse correlacionável com variáveis independentes como a racionalização.

Assim sendo, na construção deste índice seguiremos a estratégia metodológica que apli-cámos no índice de religiosidade. Isso permitirá comparar com os mesmos ins-trumentos os dois índices e desenvolver um marco teórico e empírico sobre a construção de um índice de racionalização, algo sem precedentes no debate da secularização. No mundo anglófono, sinófono ou germanófono encontramos alguns trabalhos como, por exemplo, o investment rationality index (2005) de Xiaoyuan Chu que analisa e mede a sensibilidade dos indivíduos à informação de ruído e à material e outros trabalhos, como os de John Powers e Xiaosui Xiao, que falam muito superficialmente, da ideia de um índice de racionalidade apli-cado à perceção individual da síndrome respiratória aguda grave (2008). Temos ainda os de Hans-Georg Köglmayr e Joachim von Stockhausen (1990) ou David Müller (2017) sobre um Rationalitätsindex para a gestão de pequenas e médias empresas, mas também a ideia de Mark Deany e Daniel Martinz sobre a medição da racionalidade concernente aos níveis de consumo dos agregados familiares (2015). Mesmo nos casos, como o de Gordon Barnes e Brent Vulcano em que se fazem estudos mais aprofundados, multidimensionais e sistemáticos sobre a medição da racionalidade (1982), as dimensões de análise são meramente psico-lógicas, não englobando as dimensões macrossociais da racionalização citadas pelos teóricos da secularização e que aqui nos interessam analisar.

Deste modo, afigura-se-nos imprescindível a composição (de raiz) de um índice capaz de medir as dimensões da racionalização supramencionadas. Cada indicador de cada dimensão do nosso índice foi redimensionado para um intervalo de 1 a 10

(7)

(correspondentes ao valor mínimo e máximo de religiosidade, respetivamente) e codificado mediante a escala criada para cada indicador. Cada um dos 32 itens do nosso modelo da racionalização foi encontrado através de um processo bas-tante simples, mas fiável. Primeiro multiplicamos por 100 o valor mais baixo (vb) de cada item e depois dividimo-lo pelo valor mais alto (va) [X = (vb x 100) ÷ va]. Veja-se, por exemplo, a tabela 1 sobre o item Dívida das famílias (% dos

rendimentos líquidos disponíveis).

Tabela 1: Exemplo de medição do item: dívida das famílias (% dos rendimentos líquidos

disponíveis)

Ao olharmos para a Tabela 1, importa referir que os dados que a compõem (bem como

Dívida das famílias (% dos rendimentos líquidos disponíveis) Valor médio bruto Pontuação

Áustria 86 Itália 75 Eslováquia 37 Espanha 124 Polónia 45 Portugal 136 Fonte: Eurostat (1999-2014)

Nota: valores arredondados às unidades.

os de outros itens da racionalização) nem sempre são analisados tão longitu-dinalmente quanto desejaríamos. Isso sucede, porque nem todos os indicado-res, considerados relevantes para cada dimensão da racionalização, têm dados estatísticos para todos os anos de análise. No caso da tabela 1, não nos faltam dados relativamente a nenhum dos anos selecionados, mas, por vezes, como sucede no caso de um item enquadrado na dimensão ciência e consciência tecnológica – Domicílio: nível de acesso à internet (%) –, só temos dados disponíveis para um intervalo temporal de oito anos (2007-2014). Contudo, na sua maioria, os dados recolhidos e analisados abrangem um intervalo temporal maior. Quer tenhamos, para cada item, um período temporal de apenas oito anos ou o intervalo temporal completo de 16 anos, os valores que, posterior-mente, foram codificados são fruto da média aritmética simples de cada indi-cador. Por exemplo, no caso da tabela 1, o valor final de 136% para Portugal foi encontrado através da média dos 16 valores anuais, sendo esse o valor que foi acrescentado à tabela de codificação e que depois foi calculado através da nossa escala de normalização.

(8)

o va (valor absoluto) é 136. Assim sendo, 37x100 é igual a 3700 que dividido por 136 dá o resultado aproximado de 27. A diferença entre este valor (27) e 100 equivale à porcentagem de 73% que difere entre o vb e o va. Para con-firmarmos que o valor de X (73%) corresponde exatamente à diferença entre

va e vb, basta outro cálculo simples [(X ÷ 100) x va]. Neste caso, o resultado

é de 99, correspondendo precisamente à diferença de 73 pontos percentuais que separa o va e o vb. Obtido o valor de X, procedemos à codificação dessa diferença através da nossa escala de 1-10. A premissa básica da nossa codi-ficação é fazer corresponder às diferenças percentuais ou não percentuais (relembrem-se os itens englobados na dimensão burocracia) dos valores ori-ginais, a mesma diferença percentual na nossa escala. Deste modo, a dimen-são percentual original dos nossos itens foi reduzida, mas a proporção da sua diferença foi mantida. No caso específico da tabela 2, como de tantas outros indicadores da racionalização, em que as porcentagens não correspondem di-retamente aos valores normalizados (por exemplo: entre 20-29 ou 30-39 não equivalem necessariamente a um valor de 2 ou 3, respetivamente), o que pro-curámos foi fazer corresponder a diferença da porcentagem que separa os va e

vb (73%). Veja-se a tabela 2.

Tabela 2: Exemplo de pontuação do item: dívida das famílias (% dos rendimentos líquidos

disponíveis)?

Na Tabela 2 o vb foi codificado com a pontuação 3 e o va com a pontuação 10. A

dife-Dívida das famílias (% dos rendimentos líquidos disponíveis) Valor médio bruto Pontuação

Áustria 86 6 Itália 75 5 Eslováquia 37 3 Espanha 124 9 Polónia 45 4 Portugal 136 10

Legenda: Escala de normalização 1-10: 01-15 = 1 ponto; 16-30 = 2 pontos; 31-45 = 3 pontos; 46-60 = 4 pontos; 61-75 = 5 pontos; 75-90 = 6 pontos; 91-105 – 7 pontos; 106-120 = 8 pontos; 121-135 = 9 pontos; 136 = 10 pontos

Fonte: Eurostat (1999-2014)

Nota: valores arredondados às unidades.

rença de 7 pontos entre eles está muito próxima da real diferença percentual que os separa e que correspondeu, neste item da racionalização, ao nosso valor de X (73%). Importa sublinhar a relevância da aplicação desta metodologia de aplicação universal. Por exemplo, dificilmente poderíamos incluir itens com valores brutos como o ‘tempo para preparar e pagar impostos’ ou os ‘aparelhos

(9)

para aceder à internet’ para compor as nossas dimensões da racionalização e, muito menos, para medi-las e compará-las com a religiosidade das pessoas. Ou seja, com o recurso a estes cálculos e com o respeito à proporcionalidade das diferenças entre os valores originais de cada item, logradas pelas escalas de normalização e pelas suas pontuações, conseguimos analisar de forma com-parativa a intensidade da racionalização e da religiosidade e entender, futura-mente, quais os (eventuais) impactos de uma na outra, como sugerido pelos teóricos da secularização.

Depois de descobrimos o valor de X para cada indicador, utilizando a mesma fórmula matemática e a mesma metodologia científica, codificámos todos os itens da racionalização, tal como demonstrado na Tabela 3.

A pontuação máxima possível para o conjunto dos nossos 32 indicadores é de 320

Tabela 3: Codificação dos itens da racionalização em todas as dimensões Racionalização

Áustria Itália Eslováquia Espanha Polónia Portugal Item Consumo/capitalismo

7 8 8 8 9 9 Despesa de consumo final das famílias

6 5 3 9 4 10 Dívida das famílias

8 9 7 8 9 10 Consumo individual atual 10 4 5 5 2 2 Despesa por propósito: pessoal

10 3 4 4 3 2 Despesa por propósito: lazer, férias e recreação Burocracia

8 8 8 7 8 9 Procedimentos iniciais para registar um negócio 9 5 9 5 3 9 Procedimentos necessários para registar uma

pro-priedade

8 1 6 6 3 6 Tempo necessário para resolver um contrato 7 3 3 5 1 3 Tempo para preparar e pagar impostos 9 2 2 1 1 7 Tempo necessário para ter acesso a eletricidade 9 9 9 10 1 8 Tempo necessário para registar uma propriedade 9 5 8 6 3 8 Procedimentos para construir uma propriedade 5 6 6 4 1 3 Procedimentos para construir um armazém Educação

7 5 4 5 7 7 Despesa do governo com educação 5 5 5 7 5 5 Taxa bruta de inscrição: ensino primário 4 4 3 6 4 5 Taxa bruta de inscrição: ensino secundário 8 6 8 5 7 3 População com alguma educação secundária 9 8 10 9 10 6 Média de anos de escolarização

Ciência e consciência tecnológica

(10)

pontos, sendo que o valor mais aproximado desse máximo corresponderá ao maior índice racionalização. No conjunto dos países selecionados, a Áustria destaca-se, em valores absolutos, como o país mais racionalizado (262 pontos em 320 disponíveis), seguindo-se, bem mais atrás, da Espanha, Eslováquia e Portugal. Inversamente, a Itália e a Polónia devem ser destacados pelo facto de, segundo os critérios dos teóricos da secularização, serem menos racionali-zados. A Polónia, o país com menor índice de racionalização deste conjunto, apresenta menos de metade do nível máximo de racionalização desta tabela (153 pontos em 320 disponíveis).

Estes valores brutos permitem-nos já ter uma noção de quais as diferenças entre os países. Todavia, visto que existem dimensões da racionalização com mui-to mais peso do que outras (por exemplo, a dimensão ciência e

consciên-cia tecnológica tem 14 itens, enquanto as educação e consumo/capitalismo têm, respetivamente, cinco indicadores), procedemos ao cálculo da média aritmética simples de cada dimensão, de modo a que todas tenham o mesmo peso. Atente-se à Tabela 4.

Tabela 4: Médias aritméticas simples de cada dimensão da racionalização Racionalização

Áustria Itália Eslováquia Espanha Polónia Portugal Item

10 2 6 7 3 8 Investigadores em I&D

8 4 2 4 3 4 Despesa em investigação e desenvolvimento 4 6 9 6 10 7 Revistas científicas e técnicas

9 6 8 7 6 6 Utilizadores de internet

10 7 9 8 8 7 Famílias – nível de acesso à internet 8 4 3 4 3 3 Famílias – aparelhos para aceder à internet 10 4 8 10 5 6 Indivíduos – acesso à internet móvel

10 7 10 9 8 7 Indivíduos – uso do computador (nos últimos 12 meses) 7 2 7 5 4 3 Indivíduos – uso do computador (nunca) 10 8 10 7 7 7 Indivíduos – frequência de uso do computador

(diária)

10 7 3 4 3 4 Utilização de computadores e internet por empre-gados

10 4 4 5 4 4 Empresas que compraram através de redes media-das por computador

10 7 7 9 6 6 Empresas que compram online

8 3 6 7 2 6 Indivíduos que possuem proficiência digital

Totais 262 167 200 202 153 190

conclusão

(11)

Como não existe, na teoria, qualquer argumento que indique que alguma destas dimensões da

Racionalização

Áustria Itália Eslováquia Espanha Polónia Portugal Consumo/capitalismo 8.2 5.8 5.4 6.8 5.4 6.6 Burocracia 8.0 4.9 6.4 5.5 2.6 6.6 Educação 6.6 5.6 6.0 6.4 6.6 5.2 Ciência e consciência tecnológica 8.9 5.1 6.6 6.6 5.1 5.6 Médias 7.9 5.3 6.1 6.3 4.9 6.0 Nota: compilação do autor, considerando as fontes já citadas.

racionalização tem mais relevância do que outra, cada uma delas tem, na nossa análi-se, o mesmo peso de um quarto (25%) da média final. Assim sendo, não priorizamos qualquer dimensão em detrimento de outra. Qualquer um dos argumentos dos teóri-cos da secularização que advogam que a racionalização tem efeitos (tendencialmente negativos) para a religiosidade recebe a mesma atenção na nossa investigação. Através da observação da Tabela 4, verificamos que a hierarquia dos países com maior

índice de racionalização não se alterou, relativamente à classificação da tabela 3. Todavia, a diferença entre países aumentou. Isso é importante, porque permite en-contrar valores de racionalização mais rigorosos, acentuar as diferenças nos seus níveis e definir intervalos/níveis de classificação entre os países. Deste modo, esta-belecemos cinco níveis de racionalização: entre 1,0 e 2,9 – muito baixa; entre 3,0 e 4,9 – baixa (caso da Polónia); entre 5,0 e 6,9 – média (casos da Itália, Portugal, Eslováquia e Espanha, por esta ordem crescente); entre 7,0 e 8,9 – alta (caso da Áustria); e entre 9,0 e 10 – muito alta. Nenhum dos países se enquadra nos níveis extremos destes intervalos de classificação; porém, a Polónia destaca-se por ser o país com baixo nível de racionalização e a Áustria por ter um alto nível de raciona-lização. Os outros quatro países, integrados na dimensão média da racionalização, podiam ser separados em três subgrupos: a Itália, claramente o menos racionaliza-do, depois Portugal e a Eslováquia, numa posição intermédia, e, por fim, a Espanha como o país com maior nível de racionalização deste conjunto.

Se observarmos, individualmente, as quatro dimensões internas da racionalização, ve-rificamos que a Áustria, o mais racionalizado do conjunto dos seis países, tem destacadamente maiores índices de racionalização em todas as dimensões, à exceção da dimensão educação – onde todos os países têm, mais ou menos o mesmo nível –, estando em primeiro lugar ex aequo com a Polónia, curio-samente o país com menor índice de racionalização. Deve ainda ser destaca-do que a Polónia, se não considerarmos o caso austríaco, apresenta níveis de racionalização, mais ou menos, em linha com todos os seus homólogos, não sendo, pelo menos de forma isolada, a menos racionalizada nas dimensões

(12)

en-tanto, a sua diferença para os outros países na dimensão burocracia é muito significativa, em especial, nos itens sobre o tempo necessário para preparar e pagar impostos, para ter acesso a eletricidade, para registar uma propriedade e sobre os procedimentos para construir um armazém. Nestes itens o caso pola-co destaca-se pelo facto de ser o ou um dos mais pesados burocraticamente (ao nível de tempo e procedimentos) e, por conseguinte, por ser o menos raciona-lizado ao nível da gestão dos aparelhos burocráticos estatais.

A RACIONALIZAÇÃO TEM INFLUÊNCIA NA RELIGIOSIDADE?

Após o cálculo dos níveis de religiosidade e de racionalização para cada país, chegamos ao derradeiro momento desta nossa etapa investigacional. Queremos testar o ar-gumento dos teóricos da secularização que argumentam que a racionalização tem efeitos negativos na religiosidade das pessoas. Ou seja, segundo o seu argumen-to, maiores níveis de racionalização significam menores índices de religiosidade. Antes de testarmos essa proposição, analisemos comparativamente, através da Figu-ra 1, os resultados desses dois índices. A Polónia, o país com maior índice de religiosidade, é também o com menor índice de racionalização. Itália e Portugal, os segundos países com maior taxa de religiosidade, apresentam, respetivamente a segunda e terceira menor taxa de racionalização. Por seu turno, a Áustria e a Espanha, aqueles com maior taxa de racionalização, são, respetivamente, os que têm menores índices de religiosidade.

Figura 1: Colunas com a relação entre os níveis de religiosidade e de racionalização. Nota: compilação do autor, considerando as fontes já citadas.

(13)

racionaliza-ção parece ter ainda validade, pelo menos para o conjunto de países selecio-nados. Com efeito, parece existir uma correlação negativa forte entre os níveis de religiosidade e de racionalização. Vejamos a Figura 2.

Figura 2: Religiosidade vs. Racionalização (posição relativa dos países na respetiva ordenação).

Nota: cálculos do autor, considerando as fontes já citadas.

A Figura 2 ilustra a relação entre os valores da série de Y (o índice de religiosidade) e os de X (o índice de racionalização). A análise da posição relativa dos países, por meio de quatro quadrantes, face às duas dimensões mostra que existe uma correlação negativa forte (r(6)=-0,825;p<0,05)eestatisticamentesignificativa entre religiosidade e raciona-lização. Esta correlação linear simples mostra, tal como o gráfico 1 já denun-ciava, que os países com maiores índices de racionalização (os três inseridos no quadrante 4 – Eslováquia, Espanha e Áustria) apresentam menores taxas de religiosidade. Pelo contrário, os países com maiores índices de religiosidade (os três que se encontram no quadrante 1 – Polónia, Itália e Portugal) têm menores taxas de racionalização. Por um lado, o exame da Figura 2 permite-nos entender que, pela ausência de casos nos quadrantes 2 e 3, não se podem considerar as se-guintes hipóteses: menos racionalização significa menos religiosidade e de que mais racionalização significa mais religiosidade; por outro lado, pela sua forte

(14)

segmentação nos quadrantes 1 e 4, podemos afirmar que a racionalização tem um forte impacto negativo nos níveis de religiosidade dos indivíduos.

A nossa grelha classificativa de cinco níveis é-nos, novamente, útil para a análise do gráfico, porque nos permite notar, por exemplo, que o único país com uma taxa de religiosidade muito alta é, coincidente e isoladamente, o que tem uma taxa de racionalização baixa. Essa tendência adensa-se com a observação de classi-ficação de outros países. Por exemplo, a Espanha e a Áustria, os únicos países com taxa de religiosidade média (a classificação mais baixa para o conjunto dos países) são os territórios com maiores índices de racionalização, ainda que o segundo se destaque do primeiro, sendo o único dos países selecionados a entrar na categoria de alta racionalização. Mais abaixo, encontramos os casos intermédios que também acompanham esta tendência. Portugal e Itália, que apresentam aproximadamente a mesma taxa de religiosidade alta, são menos racionalizados do que a Eslováquia que, por seu turno, apesar de se enquadrar nas mesmas categorias destes dois países em matéria de religiosidade (alta) e racionalização (média), é significativamente menos religiosa do que ambos. Se analisarmos individualmente, tal como fazemos na Tabela 5, a correlação entre a

religiosidade e cada uma das dimensões internas da racionalização, conse-guimos entender qual delas tem uma correlação (negativa) mais forte com a variável dependente.

Tabela 5: Correlações entre a religiosidade e as dimensões da racionalização

Como se verifica pelo exame da Tabela 5, a dimensão educação é, de longe, a que menos

Religiosidade Racionalização

Consumo/capitalismo Burocratização Educação Ciência e consciência tecnológica Correlação de Pearson -,702 -,748* -,244 -,790* Sig. (bilateral) ,120 ,087 ,642 ,062

N 6 6 6 6

correlação tem com a religiosidade. As outras dimensões correlacionam-se, mais ou menos, ao mesmo nível moderado forte e forte, destacando-se a ciência e consciência tecnológica e, depois, a burocratização e o consumo/

capitalismo, ainda que nem todas sejam estatisticamente significativas1.

Mesmo não considerando a dimensão educação, a correlação com a variável dependente seria menor (r(6) = -.816; p <0,05) do que quando consideradas todas as dimensões da racionalização (como vimos, r(6) = -.825; p <0,05), sendo ambas estatisticamente significativas. Não podemos deixar de sublinhar ainda que duas dimensões como a educação e a ciência e consciência

(15)

tecnológica, apresentadas como próximas pelos teóricos da secularização, se analisadas individualmente, tenham posições tão distintas no que concerne à sua influência sobre a religiosidade. Por um lado, isso pode ser justificado pelo facto de a Polónia, o país com maior índice de religiosidade e menor de racionalização, ter, em simultâneo com a Áustria, a pontuação mais elevada para a dimensão educação. Por outro lado, pode querer dizer que, contrariamente à associação feita pelos teóricos da secularização, a formação dos indivíduos não leva, necessariamente, ao desenvolvimento de uma consciência tecnológica eventualmente mais distante dos significados religiosos do mundo.

Billiet et al. (2003) e Billiet (2011) já tinham alertado para a complexidade e falta de

clareza da análise da relação entre educação superior e religiosidade2. Aliás,

vários estudos têm apontado em direções ambíguas entre a religiosidade e, por exemplo, as crenças religiosas fortes (NORRIS; INGLEHART, 2004), o com-promisso com as instituições religiosas (BILLIET et al., 2003) e a frequência a serviços religiosos (BILLIET, 2011). Mesmo que esses trabalhos não refi-ram exatamente os mesmos itens por nós elencados no estudo das diferentes dimensões de análise, parece-nos relevante a comparação dos seus resultados com os nossos. Os primeiros dizem que mais educação conduz a menos reli-giosidade (na Europa Ocidental), os segundos asseveram que os países com menores índices de educação são os menos religiosos, enquanto o último de-clara que não se pode confirmar que o nível de educação tenha impacto na religiosidade, embora reconheça que as pessoas com mais educação são me-nos propensas a acreditar que a ciência e, consequentemente, a consciência tecnológica podem, por si só, dar sentido à vida. Isso significa, implicitamente que mais educação não corresponde, necessariamente a menos religião, algo que está em linha com os nossos resultados. Assim sendo, tal como Billiet, Dobbelaere, Riis et al. (2003, p. 145) concluíram, as cosmovisões científicas dos indivíduos não estão relacionadas com níveis mais elevados de educação. Seguindo o seu argumento, o fator mais forte para explicar a variação (negati-va) da religiosidade é a ciência e a consciência tecnológica; ou seja, as pessoas que defendem a ciência como sistema de sentido. Este argumento de inspira-ção weberiana de que a ciência e a tecnologia destroem a crença no mágico e metafísico, parece ainda válido para os nossos casos de estudo, visto que a dimensão ciência e consciência tecnológica é a aquela que apresenta uma correlação mais forte entre racionalização e religiosidade.

Em parte, isso pode ser consequência daquilo que Taylor (2007) chama de quadro ou

referencial imanente (secular), no qual a ciência e a tecnologia se assumem como marco cósmico e ontológico pelo qual as sociedades modernas se regem. Isto é, tornam-se no marco imanente subjacente à ordem social contemporâ-nea que, por defeito, leva as pessoas a optar por valores e práticas seculares,

(16)

afastando-se, assim, das esferas religiosas.

Em suma, esta relação entre racionalização e religiosidade será sempre controversa e estará sempre aberta a debate, quer seja teórico, estatístico ou filosófico. Contudo, pela análise dos nossos dados, podemos dizer que nenhuma das di-mensões da racionalização, à exceção da dimensão educação, tem um impacto muito mais significativo na variação negativa da religiosidade, pelo menos neste conjunto de países. As quatro dimensões da racionalização, em conjunto, parecem ser ainda bons preditores para explicar a variação da religiosidade dos indivíduos.

COMENTÁRIO FINAL

A nossa investigação permitiu-nos aferir três coisas essenciais. Primeira e principal-mente ajudou-nos a entender que, para o conjunto dos países analisados e através da metodologia aplicada, a teoria da secularização, que diz que as sociedades mais racionalizadas são menos religiosas, tem validade empírica. Com efeito, os nossos dados mostram que a racionalização explica cerca de 83% da variação (negativa) na religiosidade. Ou seja, a racionalização tem, em todas as suas dimensões, um impacto negativo na religiosidade. As propo-sições de Wilson (1969 [1966]) ou Berger (1990 [1967]) sobre o modo como a racionalização, por meio das suas várias dimensões, tende a reduzir a cre-dibilidade das explicações religiosas do mundo, tornando a religião obsoleta e implausível, têm portanto ressonância empírica. O segundo ponto é o facto de, à semelhança do que estes teóricos da racionalização advogavam, a ciência e a consciência tecnológica – as principais perspetivas seculares do mundo – serem os fatores que mais impacto (negativo) têm na religiosidade.

Esta dimensão da racionalização explica 79% da variação negativa na religiosidade.

Isso justifica-se, em Wilson ou Berger, pelo facto de ela ajudar no

desenvol-vimento de um sentimento de controlo e manipulação dos ambientes social e natural que, ao restringir o papel da contingência e a influência da metafísica, tornam a religião obsoleta e implausível em condições modernas. Por último, o nosso trabalho provou que é mais recompensador repensar, rever ou atualizar a teoria da secularização, à luz da realidade social contemporânea, do que abandoná-la. Ou seja, por oposição aos críticos da secularização que admi-tem largar totalmente o modelo da secularização ou mudar a direção das suas pesquisas, por conta do acúmulo de críticas aos seus pressupostos teóricos e

empíricos, consideramos que a secularização ainda nos oferece um quadro útil

para a perceção da situação religiosa nas sociedades modernas e, por isso, as suas proposições não devem ser descartadas levemente.

(17)

ne-cessário aumentar as bases de dados disponíveis e, por consequência, refinar os modelos de construção de índices. Será preciso estudar outras variáveis independentes relevantes, como as restantes teorias clássicas (diferenciação funcional e societalização) ou contemporâneas (segurança existencial) da se-cularização. Será fundamental explorar novas grelhas analíticas, como as mi-grações internacionais, a diversidade cultural, o terrorismo ou a nova mídia digital. Será inevitável explorar diferentes contextos regionais, englobando mais países (cuja comparação se justifique e seja cientificamente relevan-te) nas análises empíricas. No fundo, como nos disse profeticamente Berger (2014), será necessário estudar os vários altares da modernidade, religiosos ou não religiosos, e entender o paradigma (mutável) da religião nas sociedades hodiernas. Esses são, portanto, os reptos que deixamos aos cientistas sociais que estejam tão engajados quanto nós em entender os efeitos (positivos ou negativos) dos processos da modernidade na religiosidade.

SECULARIZATION (STILL) AS RATIONALIZATION? PROPOSAL FOR THE CREATION OF A RATIONALIZATION INDEX

Abstract: this paper seeks to answer two fundamental arguments: the idea that we have

reached a deadlock in the secularization debate, and that we need new theo-retical and empirical approaches to understand the effects of the processes of modernity on religion. In order to do this and inspired by the assumptions of one of the most prominent classical theories of secularization – rationaliza-tion – we propose the crearationaliza-tion of an index of rarationaliza-tionalizarationaliza-tion that can be corre-lated with a measure of individual religiosity. We conclude that, for the set of selected European countries and for the time period considered (1999-2014), the secularization theory, which asserts that more rationalized societies are less religious, has empirical validity.

Keywords: Secularization. Rationalization. Index. Religiosity. Sociology Of Religion.

Notas

1 Dada a pequena dimensão da nossa amostra, apenas seis países, consideraremos significa-tivas as correlações que tenham um intervalo de confiança de até 90%: p <0,10. Ainda que procuremos sempre dar maior ênfase às correlações com intervalos de confiança menores, nomeadamente àquelas dentro do valor convencionado de 95%, p <0,05, pela nossa pequena dimensão amostral, pelo foco exploratório deste trabalho, um limite de referência p <0,10 pode sugerir um efeito significativo que deverá ser alvo de maior aprofundamento futuro. Todavia, devemos sublinhar que, mesmo que algumas das dimensões da racionalização não sejam estatisticamente significativas (mesmo ao nível p <0,10), todas serão consideradas para efeitos da nossa análise. Isso deve-se ao facto de, num trabalho de ciências sociais

(18)

como este, haver necessidade de testar todas as teorias e modelos citados pelos teóricos da secularização.

2 Pela aparente dicotomia entre as dimensões educação e ciência e consciência tecnológica, analisaremos neste espaço, mais profundamente, apenas essas duas. Isso não significa que as dimensões consumo/capitalismo e burocracia não sejam também complexas. Todavia, pela análise dos nossos resultados elas apresentam resultados menos interessantes do que a relação entre as duas primeiras dimensões citadas.

Referências

BEN-PORAT, G.; FENIGER, Y. Unpacking secularization: Structural changes, individual choi-ces and ethnic paths”. Ethnicities, v. 14, n. 1, p. 91-112, 2014.

BERGER, P. The sacred canopy: elements of a sociological theory of religion. Nova Iorque: Anchor Books 1990 [1967].

BERGER, P. The Desecularization of the World, a Global Overview. In: BERGER, P. (Ed.).

The Desecularization of the World: Resurgent Religion and World Politics, Michigan: Grand Rapids, p. 1-18, 1999.

BERGER, P. The Many Altars of Modernity: Toward a Paradigm for Religion in a Pluralist Age. Boston/Berlim: De Gruyter, 2014.

BILLIET, J. et al. Church Commitment and Some Consequences in Western and Central Euro-pe. In: PIEDMONT, R.; MOBERG, D. (Eds.). Research in the Social Study of Religion, v. 14, Leiden, Boston, MA: Brill, p. 129-159, 2003.

BILLIET, J.; MEULEMAN, B. Religious Involvement: Its Relation to Values and Social Atti-tudes: A Simultaneous Test of Measurement and Structural Models Across European Countries. In: DAVIDOV, E.; SCHMIDT, P.; BILLIET, J. (Eds.). Cross-Cultural Analysis Methods and

Applications, p. 173-206, 2011.

CASANOVA, J. Reconsiderar la Secularización: Una perspectiva comparada mundial. Revista

Académica de Relaciones Internacionales, n. 7, p. 1-20, 2007.

CASANOVA, J. The secular, secularizations, secularisms. In: CALHOUN, C.; JUERGENS-MEYER, M.; ANTWERPEN, J. (Eds.). Rethinking Secularism. Nova Iorque: Oxford Universi-ty Press, p. 54-74, 2011.

DEMERATH, J. Secularization and Sacralization, Deconstructed and Reconstructed. In: BECKFORD, J.; DEMERATH, J. (Eds.). The Sage Handbook of the Sociology of Religion. Londres: Sage Publications, p. 57-80, 2007.

EISENSTADT, S. Multiple modernities. Daedalus, v. 129, n. 1, p. 1-29, 2000.

HABERMAS, J. Between Naturalism and Religion: philosophical essays. Trad. Ciaran Cronin. Cambridge: Polity, 2008.

HALIKIOPOULOU, D. Patterns of Secularization: Church, State and Nation in Greece and the Republic of Ireland. Farnham: Ashgate, 2011.

LUCKMANN, T. The invisible religion: the problem of religion in modern society. Nova Ior-que: Macmillan, 1967.

(19)

MARTIN, D. A general theory of secularization. Oxford: Blackwell, 1978.

MARTIN, D. On secularization: Towards a revised general theory. Nova Iorque: Routledge, 2005.

MONIZ, J. B. A secularização na ultramodernidade católica europeia: uma proposta de análise contextual e multidimensional do fenômeno da secularização. Em Tese, v. 13, n. 1, p. 188-219, 2016. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/emtese/article/view/1806-5023.2016v13n1p18/0>.

MONIZ, J. B. Índice de Religiosidade: Uma proposta de teorização e medição dos fenómenos religiosos contemporâneos. Revista Brasileira de História das Religiões, v. 11, n. 32, p. 191-219, 2018.

NORRIS, P.; INGLEHART, R. Sacred and Secular: Religion and Politics Worldwide. Cam-bridge: Cambridge University Press, 2004.

PICKEL, G. Contextual secularization. Theoretical thoughts and empirical implications.

Reli-gion and Society in Central and Eastern Europe, v. 4, n. 1, p. 3-20, 2011.

PICKEL, G. Secularization – an empirically consolidated narrative in the face of an increasing influence of religion on politics. Política & Sociedade, v. 16, n. 36, p. 259-294, 2017.

TAYLOR, C. A Secular Age. Cambridge: Harvard University Press, 2007.

WEBER, M. The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism. Trad. Talcott Parsons. Nova Iorque: Dover Publications, 2003 [1904-1905].

WILKES, R.; BURNETT, J.; HOWELL, R. On the meaning and measurement of religiosity in consumer research. Journal of the Academy of Marketing Science, v. 14, n. 1, p. 47-56, 1986. WILSON, B. Religion in secular society: A sociological comment. Harmondsworth: Penguin Books, 1969 [1966].

WILSON, B. Contemporary transformation of religion. Oxford: Oxford University Press, 1976.

WOHLRAB-SAHR, M.; BUCHARDT, M. Multiple Secularities: Toward a cultural sociology of secular modernities. Comparative Sociology, v. 11, p. 875-909, 2012.

WOHLRAB-SAHR, M.; BUCHARDT, M. Revisitando o secular: secularidades múltiplas e trajetórias para a modernidade. Política & Sociedade, v. 16, n. 36, p. 143-173, 2017.

Imagem

Tabela 1: Exemplo de medição do item: dívida das famílias (% dos rendimentos líquidos  disponíveis)
Tabela 2: Exemplo de pontuação do item: dívida das famílias (% dos rendimentos líquidos  disponíveis)?
Tabela 3: Codificação dos itens da racionalização em todas as dimensões
Tabela 4: Médias aritméticas simples de cada dimensão da racionalização
+4

Referências

Documentos relacionados

Habermas afirma que o conceito de racionalização de Max Weber, apesar de, nos Ensaios sobre sociologia da religião, apontar para esses dois caminhos (distin- tos entre si),

Será particularmente interessante para os muitos estudiosos da secularização que há muito procuram entender que processos da modernidade (racionalização, diferenciação

Obs.: Apresentar na sequência documentação probatória de cada artigo listado, ou seja: a página inicial do documento + página de introdução (constando o nome do(s) autor(es),

IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efe- tiva integração na vida em sociedade, inclusive con- dições adequadas para os que não revelarem capaci- dade de

Objetivo: Analisar os achados tomográficos fortuitos em seios maxilares por meio de exames de Tomografia Computadorizada por Feixe Cônico, bem como sua correlação

Para aceder aos ficheiros no seu disco rígido utilizando a imagem live do spin Fedora Xfce, primeiro deve montar o disco utilizando o Gigolo9. Para montar um disco rígido ou

Se você utiliza o sistema operativo Windows no seu computador e não tem software instalado de gravação de discos (ou se você não tem a certeza se o software pode gravar discos a

O direito à informação, enquanto integrante da robusta coluna principiológica de sustentação do Direito do Consumidor, visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente,