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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO MESTRADO EM TEATRO ANDRÉIA PARIS

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

MESTRADO EM TEATRO

ANDRÉIA PARIS

A ESCUTA DO SUSSURRO: PERCEPÇÃO E COMPOSIÇÃO DO

RITMO NO TRABALHO DO ATOR

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P232e Paris, Andréia

A escuta do sussurro : percepção e composição do ritmo no trabalho do ator / Andréia Paris – 2010.

157 p. : il., 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestrado em Teatro, Florianópolis, 2010.

Inclui bibliografia

Orientador: Milton de Andrade Leal Junior

1.Representação teatral – 2. Atores - 3. Ritmo 4. Escuta corporal. – I. Leal Junior, Milton de Andrade – II.

Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestrado em Teatro.

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ANDRÉIA PARIS

A ESCUTA DO SUSSURRO: PERCEPÇÃO E COMPOSIÇÃO DO RITMO NO TRABALHO DO ATOR

Dissertação apresentada como requisito à obtenção do grau de Mestre em Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa: Linguagem, Corpo e Subjetividade.

Orientador: Prof. Dr. Milton de Andrade Leal Junior

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ANDRÉIA PARIS

A ESCUTA DO SUSSURRO: PERCEPÇÃO E COMPOSIÇÃO DO RITMO NO TRABALHO DO ATOR

Esta dissertação foi julgada e aprovada com distinção para a obtenção do Título de Mestre na linha de pesquisa: Poética, Corpo e Subjetividade, em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina em 16 de setembro de 2010.

_______________________________________________________________ Prof.ª Vera Regina Martins Collaço, Dr.ª

Coordenadora do PPGT

Apresentada à Comissão Examinadora, integrada pelos professores:

______________________________________________________________ Prof. Milton de Andrade Leal Junior, Dr.

Orientador

______________________________________________________________ Prof.ª Janete El Haouli Santos, Dr.ª

Membro

______________________________________________________________ Prof. Guilherme Antônio Sauerbronn de Barros, Dr.

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AGRADECIMENTOS

A minha mais sincera gratidão

Ao Prof. Dr. Milton de Andrade, orientador desta pesquisa, pela orientação cuidadosa, pelo diálogo constante, pelas aulas e, principalmente, pela sua postura ética, segundo a qual, tornou este trabalho possível.

À Prof.ª Dr.ª Janete El Haouli Santos e ao Prof. Dr. Guilherme Antônio Sauerbronn de Barros pela generosidade e contribuições preciosas para o amadurecimento do trabalho desde a qualificação.

À Thais Penteado, Danilo do Carmo e Jeferson Vargas pela disponibilidade de mergulharem comigo nesta pesquisa e, por isso, ensinarem-me tanto sobre teatro! Como lhes disse antes: estarei eternamente em dívida com eles!

À bolsa PROMOP que, por um ano, possibilitou-me pesquisar integralmente.

Aos meus grandes mestres: Prof. Ms. Camilo Scandolara, Prof.ª Ms. Adriane Gomes, Prof.ª Dr.ª Fátima Carneiro dos Santos, Prof.ª Dr.ª Sandra Meyer, Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro, Prof.ª Dr.ª Brígida Miranda e Prof. Dr. Nini Beltrame pela escuta cuidadosa, pelas aulas, pelos materiais e pelos exemplos.

Às minhas famílias: primeiramente, à paulista, responsável por todos os meus passos aventureiros e minha eterna fonte de inspiração; à londrinense: Daniel Bortoleto, Junior Romanini, César Bueno, Marcus Jabur, Daniele Pereira, Milene Duenha e Elis Ursa Romualdo pelo eterno incentivo, confiança e amor e, finalmente, à catarinense: Éder Sumariva, Fábio Medeiros, Maurício Biscaia, Luciano Oliveira, Vivian Coronato, Eliana Camassola, Fahya Cassins, Paulo Ragonha e André Sarturi, principalmente, pela paciência, porque, se hoje eu finalizo este trabalho, é por que eles estiveram, incansavelmente, ao meu lado.

À Lyziane Baldo, Bárbara Di Gennaro e Fernanda Stein, minhas irmãs parcas porcas.

À Cintia de Almeida, por tantos anos de amizade e amor que se mantêm, mesmo com a distância.

Eterna gratidão à Mila Leite e Sandra Siggelkow, cuja dedicação e trabalho vão além de suas tarefas. Sem contar o carinho, o apoio e o cuidado.

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companhia, pelas festas, por tudo: Ana Paula, Carlos Crescêncio, Daiane Dordete, Laédio José Martins, Laura Silvana Ribeiro Cascaes, Luiz Gustavo Marques, Marcelle Teixeira, Paula Bittencourt, Rosa Ana Gubert, Samuel Ivan Kuhn, Alex de Souza, Pedro Coimbra, Anderson do Carmo, Rhaysa Muniz.

Ao Luciano Bueno, Luciana Fillipa, Paulo Ragonha e Jeferson Vargas pela paciência de registrar o processo.

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RESUMO

O presente trabalho é uma reflexão teórica-prática na busca de ações pedagógicas para o ator perceber, entender e compor ritmos em seu trabalho de atuação. Para compreender o conceito de ritmo foram consultados estudiosos da área da música como Mário de Andrade, Bruno Kiefer, Sérgio Magnani e Murray Schafer - a fim de apreender a sua estrutura – e do universo teatral, os encenadores Stanislavski e Meyerhold – que tratam o ritmo como um elemento fundamental do trabalho do ator. Como uma possibilidade de ação pedagógica para o ator apreender o ritmo, conjetura-se sobre a “escuta corporal dilatada” ou “escuta do sussurro”, idealizada como meio de ampliar as habilidades do ator de percepção e composição do ritmo. Para pensar esta “escuta dilatada”, os autores pesquisados foram os músicos ocidentais John Cage, Pierre Schaeffer, Dalcroze e, a diretora norte americana, Anne Bogart. Além disso, relata-se a reflexão prática e os exercícios praticados na experimentação criada para esta pesquisa, como possibilidades de ações pedagógicas para o ator compor ritmos para a cena.

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ABSTRACT

This work is a theoretical and practical reflection of pedagogic actions for an actors to notice, understand and to compose rhythms in scenic work. Firstly, to understand the rhythm’s structure, it analyses the concept of rhythm’s concept in theater and in music, starting from researchers like Mário de Andrade, Bruno Kiefer, Sérgio Magnani, Murray Schafer, Stanislavski and Meyerhold. After that, it discusses the concept of “listening” presented and discussed by western musicians like John Cage, Pierre Schaeffer, Dalcroze and by the American director Anne Bogart. The concept of “listening” is used to think and to practice an extensive corporal listening, or “listening of whisper", as a way of enlarging the actor's abilities to compose the rhythm. Finally, it presents the practical exercises created for this research, as possibilities of pedagogic actions for the actors to compose rhythms in scene.

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LISTA DE ESQUEMAS

Esquema I - Esquema stanislavskiano da construção do tempo-ritmo de uma obra e da vida cênica ...37

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Danilo do Carmo - Exercício: autoescuta...86

Imagem 2: Danilo do Carmo e Thais Penteado - Exercício: Escuta externa...88

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...14

CAPÍTLO 1 - O RITMO: A ALMA DO MOVIMENTO...18

1.1 Ânima e Métrica ...23

a) O tempo, o ritmo e duração: conceitos inseparáveis ...25

b) Intensidade, acento e outras cositas más...27

1.2 O TEMPO-RITMO NO TRABALHO DO ATOR STANISLAVSKIANO...30

1.2.1 O termo tempo-ritmo ...30

1.2.2 Tempo-ritmo externo e o tempo-ritmo interno...32

1.2.3 Tempo-ritmo como material de improvisação ...38

1.3 O RITMO EM MEYERHOLD ...44

1.3.1 Meyerhold: o pedagogo do movimento ... 45

1.3.2 A Biomecânica ...49

CAPÍTULO 2: ESCUTA...55

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2. 2 ÉMILE JAQUES-DALCROZE: PEDAGOGIA MUSICAL COM MOVIMENTO

CORPORAL...68

2.3 A ESCUTA NO TEATRO ATUAL: ALGUMAS LINHAS SOBRE A PRÁTICA TEATRAL DE ANNE BOGART...75

CAPÍTULO 3: POR UMA ESCUTA DO SUSSURRO: A ORGANIZAÇÃO DA REFLEXÃO-PRÁTICA ...83

3.1 A ESCUTA DO SUSSURRO...86

3. 2 A COMPOSIÇÃO COMO EXERCÍCIO RÍTMICO...90

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...101

APÊNDICE I ...106

Encontro!...107

a) Alongamento...108

b) Escuta...112

c) Articulação...121

d) Tempo-ritmo...133

e) Composição de ritmo...143

APRENDENDO A ESCUTAR...150

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INTRODUÇÃO

[Tantã! Tantã! Trrrrrrrrrrrrrrrrrr,Tantã! Tantan tannnnnnnnnnn, tan tantantan

tantantantantantantantantantantantaaaaaaaaaann, tantantan taaaaaaaaaaaaaaaaan (tantan tan),

tantantan taaaaaaaaaaaan (tantan tan), tan tan tan taa

aaa

aaaaan

(tantan tan tan taa

aaa

aaaaan

)!!!!!]

Uma pequena brincadeira cageana. Fiz muitos destes exercícios/brincadeiras a la John Cage (1912-1992) nos dois primeiros anos do curso de Artes Cênicas na Universidade Estadual de Londrina. Aula de Expressão Sonora I e II, inicialmente, com a Prof.ª Dr.ª Fátima Carneiro dos Santos e, depois, com a Prof.ª Dr.ª Janete El Haouli Santos. Caminhadas pelo campus universitário, em silêncio absoluto e, ouvidos atentos. Práticas de composição e improvisação, explorando a sonoridade dos objetos, do ambiente, do texto, do corpo-voz e da escuta. Exercícios do compositor e professor H. J. Koellreutter (1915-2005). Alice no País das Maravilhas. Audições das peças de John Cage, Luciano Berio (1925-2003); sons gravados da cidade de Londrina, da feira e do trânsito de São Paulo; do entardecer no campo onde o coaxar dos sapos e o cricrilar dos grilos pareciam chamar ou cumprimentar a noite.... e muitos outros exercícios que a minha memória, no momento, infelizmente, silenciou.

Não é saudosismo. Foi um susto para mim o primeiro contato com todo este material. Quase dez anos estudando violino, teoria musical e canto de forma estritamente tradicional, deixaram-me um conceito de música restrito ao universo erudito. A voz só podia explorar a sonoridade de uma escala à outra sem nenhuma ranhura. Escrita musical era apenas aquela que estivesse numa pauta devidamente delineada com os elementos notacionais da música. O ritmo deveria ser absolutamente marcado, no tempo exato, como exigia a partitura. Foram muitos anos para eu começar a entender o ritmo exato da tercina, a divisão matemática das notas pontuadas. Metrônomo. Marcação do maestro. Bate o pé, bate o pé, bate o pé.

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tratada com) musicalidade. Temporalidade. Ritmicamente. Portanto, de certa forma, ela é música. Uma música visual. Entendi, ainda, que o ritmo faz parte da nossa existência. Bastava concentrar-me numa lembrança, nos sons que chegavam aos ouvidos e estimular a minha percepção para captar tudo o que se repete dentro de um determinado momento e modo ao nosso redor. Um minuto nesta dinâmica, onde se podia vagar, tanto para o aqui e o agora, assim como para alguma memória que se faz presente, elencando um número considerável destes eventos:

As batidas do coração. O subir e descer do peito movido pelos pulmões, enchendo e esvaziando-se de ar. A dança realizada pelo sangue, ao percorrer nosso corpo, marcada pelo pulsar das artérias. O tremular da folha da árvore em resposta ao vento.

Os sons que caracterizam cada sílaba das palavras. As batidas descompassadas e contagiantes do samba. O sotaque que colore todas as regiões do país.

As características de cada fase da lua. O ar que sustenta o choro do recém nascido. A ladainha de uma oração. Presente, ainda, quase como um peso esmagador no pulso,

o tic-tac do relógio. Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac. E sua força condensada na angústia de um tempo marcado pela loucura atual, presente no

peso da fala cansada e desesperada: “Tô sem tempo....”

Contudo, todo este universo descoberto durante o início da graduação ficou restrito apenas aos exercícios das disciplinas de Expressão Sonora. Não havia um intercâmbio entre elas e as demais disciplinas de interpretação, expressão corporal, direção e encenação. Logo, estas experiências foram substituídas pela demanda de outros trabalhos e, por um momento, a pausa. Ritmo da cena, da ação, do movimento corporal e do jogo voltou a ser uma questão estritamente musical. A maioria dos exercícios de ritmo era feita sob o acompanhamento de música, de batidas ritmadas com bastão. Sempre se falava de ritmo, mas era o último elemento a ser trabalhado. Portanto, pouco tempo era dedicado a ele. Como é dito no meio

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teatral: “o espetáculo só ganha ritmo depois que estréia”. Há verdade nisso, afinal o ritmo de uma ação e de um espetáculo é dependente de diversos fatores, exclusivamente de tempo, ou melhor, de amadurecimento. Mas será mesmo este o melhor momento para trabalhar o ritmo?

Como coloca Eugênio Kusnet (1898-1975), em seu livro Ator e Método (2003), o ritmo é um dos poucos elementos teatrais perceptíveis a todos. Qualquer pessoa consegue avaliar se falta ou se está justo numa apresentação. A pesquisadora Jacyan Castilho de Oliveira (2008: 13) ressalta ainda: no universo teatral, “todos o desejam, mas poucos se dedicam a tomá-lo como objeto de estudo”. De fato, todos que fazem teatro, seja qual for a sua área de atuação, estão sob as leis rítmicas e ao julgamento do público. Contudo, há poucos escritos sobre como o ritmo é explorado no meio teatral. Ao iniciar esta pesquisa, foi muito fácil entender os motivos desta falta!

Um dos motivos fundamentais se deve à própria complexidade que é o fenômeno rítmico. A sua estrutura dupla, métrica, exata e também vibrante, fluida, com características de propagação, de surpresa e de descontinuidades, faz pensar: como abraçar estes dois universos tão distintos, quando o assunto é expressividade do ator? Como fazer com que o ritmo assuma sua função de alma do movimento, sem matá-lo com a rigidez de uma marcação precisa, também importante e fundamental para uma expressão clara? Há práticas que cuidam destas particularidades? A partir da minha experiência nas disciplinas de Expressão Sonora, que considerava o ritmo latente ao redor, no corpo, no gesto, na movimentação ou estaticidade, não seria possível fazer um trabalho de conscientização do ator para percebê-lo, por meio de uma escuta diferenciada, mais profunda e receptiva? E, assim, a partir deste trabalho de “escuta” do ritmo do próprio corpo, do movimento corporal, estabelecer ações pedagógicas para que o ator desenvolva habilidades de percepção e composição do ritmo no seu trabalho?

Entendo que são muitas perguntas. Mas, desta maneira, começa uma pesquisa e, na tentativa de respondê-las, componho esta busca.

No primeiro capítulo, devido à constituição dupla e peculiar do ritmo, inicialmente se discute o próprio fenômeno rítmico, os elementos, desdobramentos e características que o edificam, a partir de estudiosos do teatro e da música como Mário de Andrade (1893-1945), Bruno Kiefer (1923), Murray Schafer (1933), Constantin Stanislavski (1863-1939) e Vsévolod Meyerhold (1874-1940). A discussão no teatro se centraliza nos encenadores russos, porque são dois exemplos marcantes de como o ritmo foi idealizado no teatro do início do século XX, cujos pensamentos influenciam pesquisas ainda hoje. Além disso, ambos

tac tac

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respeitam o pensamento delineado pela música sobre o ritmo, o que contribui muito para entender a sua transposição para o teatro, ao mesmo tempo em que, cada um, constrói uma pedagogia muito particular para o ator, cujo papel do ritmo é fundamental.

O segundo capítulo aborda as perguntas: já que o ritmo está presente ao nosso redor, no corpo e em todo o nosso gestual, movimentação ou estaticidade, não seria possível fazer um trabalho de conscientização do ator sobre este conceito, por meio de uma escuta diferenciada, mais profunda e receptiva? Para isso, abordam-se os conceitos de escuta que a música ocidental elaborou e que se reflete nos pensamentos de músicos como John Cage (1912-1992), Pierre Schaeffer (1910-1995) e do filósofo Roland Barthes (1915 - 1980). Conceito que se encontra, também, na fundamentação do trabalho da diretora norte- americana Anne Bogart (1951), cujas diretrizes demonstram como ela (a escuta) poderia ser explorada no teatro. Além disso, chega-se ao trabalho do músico austríaco Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950), cuja pesquisa está toda fundamentada na pedagogia do ritmo por meio do movimento do corpo do músico.

O terceiro e último capítulo trata da estruturação da reflexão-prática, organizada para esta pesquisa, resultado dos estudos e da ponderação de todas estas referências apontadas nas primeiras partes. A parte prática da pesquisa objetivava ser um espaço no qual o ator pudesse entender, manipular e compor ritmos em seu trabalho, por meio de exercícios teatrais e do desenvolvimento do conceito de “escuta corporal dilatada”. No entanto, não foi a aplicação da prática destes estudiosos no trabalho, nem a aplicação do aporte teórico na prática, em vez disso, a proposta era a de que o ator experimentasse ou experienciasse, corporalmente, todos estes conceitos para compor ritmos em seu trabalho.

Para tal, foi criado um grupo de trabalho com três atores que se interessaram pela proposta: Jeferson Vargas, Thais Penteado e Danilo do Carmo, cujos encontros eram realizados duas vezes por semana, por três horas cada um, num total de onze meses. Todo o processo está descrito no terceiro capítulo e o no apêndice I.

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1 O RITMO: A ALMA DO MOVIMENTO

A cada oscilar do pêndulo algo se apaga ou para nós termina.

De segundo em segundo, algo germina ou para nós floresce.

Helena Kolody.

Para iniciar qualquer discussão neste trabalho, é fundamental a apresentação do conceito de ritmo. Tarefa nada simples e que exige cautela. Dificuldade aparentemente comum, presente em todos os trabalhos acadêmicos que consultei sobre o assunto, como a tese de Jacyan Castilho de Oliveira, O Ritmo Musical da Cena Teatral (2008: 37) que, diante deste fato, escreve: “impossível parece ser a tarefa de encontrar definições pontuais e unívocas sobre o conceito de ritmo, sua etimologia e derivações”. Divergências estas que, além de conceituais e interpretativas, localizam-se no próprio fenômeno rítmico - em sua etimologia, composição e relação com outros fenômenos no tempo e no espaço - possibilitando inúmeros pontos de vista. Diante disso e para não perder o foco da discussão, chegou-se à conclusão de que, na primeira parte deste trabalho, seria mais interessante apresentar o conceito de ritmo e todas as suas implicações relevantes a este estudo.

Na língua portuguesa ritmo é originado de rhythmus, palavra latina correspondente à grega rhythmòs. Todos os autores parecem concordar com o fato de que rhythmòs é da mesma raiz de rhéo1 (rio) que significa fluir, correr e escorrer. (BUENO, 1974: 3545 e 3550). Raiz que aparece, também, nas grafias da palavra ritmo de vários outros idiomas, como o inglês (rhythm), francês (rythme) e alemão (rhythmus). Esta informação, inserida na etimologia da palavra ritmo, portanto, sugere interpretações como a de Eugenio Barba (1936) e Nicola Savarese (1945): “Literalmente, ritmo significa ‘um meio particular de fluir’” (1995: 211).

1Encontraram-se outras duas formas de escrever a mesma palavra: rhein e rheein. Ambas, também, referindo-se à raiz grega que significa fluir. Mantém-se neste trabalho rhéo porque é a forma apresentada no dicionário português Grande Dicionário Etimológico – Prosódico da Língua Portuguesa (1974), de Francisco da Silveira Bueno.

tic

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Assim como a de Murray Schafer: “originalmente, ‘ritmo’ e ‘rio’ estavam etimologicamente relacionados, sugerindo mais o movimento de um trecho do que sua divisão em articulações” (1991: 87). Rapidamente, é possível concluir que ritmo significa, refere-se e caracteriza eventos contínuos, fluidos, sucessivos e ininterruptos, ou seja, que não preveem pausas e rompimentos. Um infinito ir e vir de vida, movimento e sopro.

Contudo, há outras fontes, as quais apontam que ritmo, etimologicamente, não prevê apenas o fluir. O The New Grove Dictionary of Music and Musicians (1980: 805) coloca que o conceito de fluir, vastamente difundido, foi sendo substituído por outro mais antigo que aproximava rhéo da raiz “ry (ery) ou w’ry” que significa puxar, prender, deter. Contudo, no dicionário, não são apresentados os motivos da mudança. Há, ainda, como demonstra a pesquisa da Prof.ª Dr.ª Jacyan Castilho de Oliveira (2008: 40), o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1989), no qual consta a palavra grega rhythmòs como originária da palavra arithmetiké (aritmética), uma vez que esta contém “o elemento de composição

arthimós que significa ‘número’”. Além disso, o trabalho da pesquisadora Vilma Leni Nista Piccolo, tese intitulada Uma Análise Fenomenológica da Percepção do Ritmo na Criança em Movimento (1993), problematiza a interpretação do conceito rhéo em sua acepção de fluência, ao citar Georgiades, estudioso da língua grega e de música. Segundo a pesquisadora, Georgiades acreditava que a descoberta do ritmo, para o grego, não estava vinculada apenas aos conceitos de fluir e correr, mas também a um movimento limitado, já que, neste período, “tinha-se a idéia de medida, como uma ordem rígida do movimento” (PICCOLO, 1993: 17).

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foram valorizadas e mantidas por vários estudiosos, principalmente, no campo da pedagogia musical, ao substituir fluência por rigor matemático, conforme consta no Dicionário Grove.

O ensino musical europeu, nos séculos XVIII, XIX e início do século XX privilegiou a técnica, a eficiência, a escrita, a notação musical, cujo repertório era fundamentalmente ocidental2 (SANTOS, 2001: 12-13). Metodologia que influenciou o encenador russo Constantin Stanislavski, o qual definia ritmo como uma “relação quantitativa das unidades – de movimento, de som – com o compasso determinado como unidade de extensão para certo tempo e compasso” (2005: 252). Além de gerar uma série de métodos - de acordo com José Eduardo Gramani (1996: 11) - preocupavam-se apenas com os elementos métricos do ritmo e com a duração dos sons.

Os pensamentos e metodologias musicais que previam o ritmo como um fenômeno estritamente métrico, cuja percepção máxima, domínio e entendimento seriam daquele que melhor dominasse sua contagem ou batida exata, começaram, efetivamente, a ser questionados no início do século XX. Resultado de uma série de transformações gradativas que o pesquisador Cintra localiza ainda no século XIX, com a atitude de alguns compositores como o alemão Richard Wagner (1813-1883), o russo Igor Stravinsky (1882-1997), assim como os brasileiros Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e Chiquinha Gonzaga (1847-1935). Eles recusavam a continuar presos ao “sistema tonal enquanto eixo estruturador do discurso musical” (CINTRA, 2006: 58). Este ato, além de outros, provocou as mudanças de paradigmas em relação à criação, à interpretação e à escuta da música, influenciando na pedagogia e no modo de entender os seus elementos estruturais, ocasionando em trabalhos originais como o do pedagogo e compositor Jaques Dalcroze (1865-1950) que alia, à sua prática de ensino musical, o movimento corporal, tema abordado no segundo capítulo deste trabalho.

Temos, portanto, até o século XX, uma concepção de ritmo que valorizava a sua característica métrica. As falas de Schafer e Barba demonstram aberturas para novas concepções, ampliando as interpretações sobre o fenômeno rítmico, retomando a sua idéia de fluidez. Mas, as mudanças e discussões sobre o ritmo, principalmente na música, não se concentram apenas em métrica e fluidez; como elemento da composição, sempre foi discutido

2 Para explicar música eurocentrista ou música ocidental, será usada a definição que o Prof. Dr. da Universidade de São Paulo, Fábio Cardoso Cintra descreve em sua tese intitulada A Musicalidade Como Arcabouço da Cena: Caminhos para uma Educação Musical no Teatro (2006: 58): por música ocidental entenderemos a tradição musical européia, difundida para as Américas durante o período de colonização e hoje presente em todo o mundo”.

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e, de certa forma, inferiorizado. Todavia, segundo Madureira (2008: 27), de acordo com Edgar Willems, o século XX foi marcado pela redescoberta do ritmo, não só na música, mas em várias áreas como filosofia, medicina e outras artes. Como exemplo, pode citar-se a Euritmia, sistema psicofísico integrante da Antroposofia de Rudolf Steiner e a Ritmanálise, uma prática terapêutica e filosófica que se apóia no ritmo como princípio organizador da vida, tema explorado, primeiramente, pelo português Lúcio Alberto dos Santos e, posteriormente, retomado pelo francês Henry Lefebvre (1901- 1991). Não vou me aprofundar nas questões sociais e biopsicológicas do ritmo, porque, esta pesquisa, inicialmente, objetiva o entendimento dos elementos estruturais que compõem o fenômeno rítmico, a fim de apreender e refletir sobre ele no trabalho do ator. Apenas cito todas elas para mostrar que o ritmo passou a ser foco de inúmeras discussões, possibilitando novas concepções e interpretações sobre ele. E uma das questões latentes observadas é se o ritmo é uma estrutura métrica ou fluida.

Mas, ressaltar, ora as discussões que compreendem as qualidades fluidas e ora as métricas do ritmo, não objetiva encontrar referências suficientes sobre cada uma delas, a fim de escolher uma e, a partir disso, pensar ações pedagógicas para a sua percepção e composição no trabalho do ator. Apresentá-las, tem o intuito de apontar que, no ritmo, num dado observado na bibliografia pesquisada, não há a prevalência da fluidez ou da métrica. Ele não é um fenômeno uno. Na verdade, ele é duplo e paradoxal. Paradoxal no sentido que Gilles Deleuze concebe o conceito de paradoxo:

[...] a potência do paradoxo não consiste absolutamente em seguir a outra direção, mas em mostrar que o sentido toma sempre os dois sentidos ao mesmo tempo, as duas direções ao mesmo tempo. [...] O paradoxo como paixão descobre que não podemos separar duas direções, que não podemos instaurar um senso único, nem um senso único para o sério do pensamento, para o trabalho, nem um senso invertido para as recreações e os jogos menores (DELEUZE, 2000: 79).

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Nem sempre o constante, nem o sempre mutante: o ritmo vem da ordenação, pela contenção e pelo agrupamento de células do movimento, que marcam a passagem da confusão (descontinuidades caóticas) ou do imobilismo (forma constante) para a ordem – para o movimento ordenado. Em outras palavras, do ruído para o som articulado, seja ele música ou fala (OLIVEIRA, 2008: 41).

Justamente, por causa desta capacidade agregadora do ritmo - unir o constante e o mutante, a ordem e a desordem, possibilitando infinitas variações, combinações e (des)organizações dos elementos métricos e fluidos - é que torna tudo que existe único e singular. Ou seja, a expressividade de toda matéria é determinada por estas variações e combinações paradoxais que fazem com que o ritmo de cada elemento seja diferente. Fator que faz com que a pesquisadora Vilma Piccolo acredite que o ritmo se caracteriza ainda como expressão, como singularidade que distingue todas as coisas.

Foi Georgiades em seus estudos sobre a língua grega e a música, quem alertou sobre predominância de uma rigorosa regularidade nas conceituações antigas. Havia uma combinação entre o ritmo, o acompanhamento musical e a palavra recitativa onde os elementos unitários, que compõem a métrica, eram semelhantes a estruturas rígidas, sem uma participação subjetiva, portanto, só se pensava na possibilidade de uma realização objetiva. Para Georgiades a observação que se faz da descoberta do ritmo grego não está baseada no fluir, mas ao contrário, num movimento limitado.

Pensava-se que no canto, na dança, na música ou na poesia não havia realização subjetiva, mas sim algo objetivamente constante que gerava o ritmo. Somente após a diluição da ‘rigidez corpórea’ do ritmo é que ele se torna uma expressa dinâmica de acordo com a vontade do individuo e não determinada pela música ou pela dança. O ritmo passa a ser expresso pela maneira que o ser humano age, dança, canta ou mesmo fala e não mais determinado pelo seu conteúdo (PICCOLO, 1993: 17).

As duas citações aqui colocadas, a de Oliveira logo acima e esta, de Piccolo, tratam basicamente de duas conclusões a que chegam estas pesquisadoras: a primeira diz respeito ao ritmo como fenômeno duplo e paradoxal, cuja força e importância se mantém devido a este jogo entre métrica e fluxo. Fator concretizado, justamente, porque a formação do próprio fenômeno rítmico está, intrinsecamente, ligada às infinitas combinações e organizações possíveis entre estes elementos. Portanto, excluir ou ressaltar a métrica ou o fluxo influencia diretamente na estrutura do ritmo. Na segunda, Piccolo parece sugerir com esta sua interpretação de que o ritmo nasce de uma forma métrica rígida, que se mantém e que é sustentada, mas que transcende a forma e a métrica quando o indivíduo a assimila, podendo, deste modo, fluir, escorrer, correr, verter-se dentro de uma estrutura. Já, Oliveira, aparentemente, descreve que o ritmo nasce de uma forma fluida, livre, descontinuada, confusa, que é ordenada, disciplinada dentro de um rigor, de uma ordem, de uma métrica. Não

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entrarei na discussão de como nasce o fenômeno rítmico, se a partir da ordem ou da fluidez, porque creio que cairemos numa questão trivial como a de “quem surgiu primeiro, o ovo ou a galinha”. Acredito ser mais interessante manter a discussão na paradoxalidade do ritmo e nas suas implicações, porque este é um dado fundamental para pensar exequíveis ações pedagógicas para o ator depreender e compor ritmos em seu trabalho. Afinal, o fenômeno rítmico não se caracteriza pelo fato de nascer do fluido ou do métrico, mas do jogo entre ambos. Portanto, entender como se organizam fluidez e métrica, na formação do fenômeno rítmico, interessa muito mais neste trabalho.

E, assim, o ritmo se revela como um fenômeno paradoxal, cuja particularidade e força se encontram no que podem ser definidas como “ações rítmicas” ou “ações do ritmo”, que se resumem em fluir, medir, pausar, seguir, continuar e descontinuar. Por outro lado, isto demonstra que há todo um universo entre o medir e o fluir, pausar e seguir que precisa ser valorizado para que o ritmo, de fato, manifeste-se ou para que seja devidamente percebido. O que exige o envolvimento de inúmeros outros elementos que contribuem na captação e composição de toda a sua essência, desdobramentos e características que o constroem como fenômeno duplo e paradoxal como, por exemplo, espaço e tempo.

1.1 ÂNIMA E MÉTRICA

Para Schafer, o homem “é um organizador do acaso em ordem e tenta perceber padrões em todas as coisas” (SCHAFER, 2001: 315). Esta necessidade humana de organizar, ordenar e comparar os eventos que a cercam, a fim de entender a vida em todas as suas instâncias, parece ser, também, para Mário de Andrade e Bruno Kiefer, a origem do ritmo.

De acordo com estes autores, ao estudar os fenômenos naturais como o dia e a noite, as fases da lua, os movimentos das marés, as estações, o próprio corpo, seus movimentos corporais em suas tarefas e costumes, o homem percebeu o ritmo. O seu espírito organizador ensinou-o que, a fim de perceber padrões nestes eventos, para entendê-los, seria necessário dividi-los para, então, organizá-los, ordená-los e compará-los. E, nesta tarefa, ele percebeu a necessidade e importância que o ritmo tinha para todos estes eventos.

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abstrata do movimento. Ritmo é a organização expressiva do movimento (ANDRADE, 1995: 111).

O ritmo, ou como Mário de Andrade denominou “organização expressiva” do movimento é o que caracteriza, diferencia e enriquece os eventos percebidos pelo homem. Devido a esta sua potência de singularizar o evento, o ritmo é valorizado e aprofundado também no universo artístico. Na música, por exemplo, para Kiefer, quando o ritmo é “compreendido em toda a sua amplitude e complexidade, é um dos elementos mais importantes – se não o mais importante – de qualquer obra musical. É o ritmo que dá vida a uma obra ou melhor, é através do ritmo que a vida se expressa numa obra musical” (1984: 26). Aqui, portanto, apresenta-se a sua característica de “alma”, de “ânima” da “organização expressiva”. Por ser a alma dos eventos, valorizam-nos, enriquecem-nos e os tornam únicos e especiais. Além disso, o ritmo também acarreta a função de regularizar “os movimentos tornando-os mais produtivos (cantos de trabalho) [e de] organiza[r] movimentos conjuntos (coros, danças)” (ANDRADE, 1995: 113). Ainda é possível citar o francês Roland Barthes (1915-1980), o qual afirma que é por meio do ritmo que “a escuta deixa de ser pura vigilância para tornar-se criação. Sem o ritmo nenhuma linguagem seria possível: o signo baseia-se em um ir e vir do marcado e do não marcado, que chamamos de paradigma” (1990: 220).

Como já foi colocado, tanto para percebê-lo quanto para compô-lo na vida cotidiana ou numa expressão artística, um dos meios é a divisão do evento em fragmentos. Como lembra Bruno Kiefer (1976: 23), cada fragmento de qualquer evento (de um movimento, do dia, da respiração, de uma música), seja curto ou longo, acarreta grupos menores ou maiores de ritmos que pulsam neles. Isto demonstra que, quanto mais fragmentarmos os eventos, mais teremos infinitas possibilidades de ritmos. Toda esta variedade só é possível por causa da fluência, da descontinuidade que torna a duração de cada fragmento irregular, dificultando a sua medição. Se cada fragmento tivesse a mesma medida, bastaria fragmentá-lo uma única vez, medi-lo e, depois, fazer a proporção para as demais partes. Sem o elemento surpresa, sem a desigualdade, o evento não tem ritmo, tem um elemento métrico, como no caso do metrônomo. Como lembra Kiefer (1976: 23), “falamos em ritmo a partir do momento em que o fluir apresenta descontinuidades. Exemplos: emissão de sons de duração desigual; determinado movimento de braços; acidentes numa corrente de água”.

Mas a métrica não é descartada. Para organizar, entender e perceber toda a irregularidade do ritmo é necessário a métrica, com toda a sua regularidade, justeza e linearidade. Ou seja, são essenciais elementos métricos, um campo nada simples de ser

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definido. No entanto, o fator tempo é unânime, não somente entre os estudiosos da música, como no discurso dos estudiosos de dança e teatro. Em geral, quando se fala de ritmo, o tempo se faz presente em todas as suas instâncias, afinal, de acordo com a afirmação da pesquisadora Jacyan de Oliveira, “o primeiro movimento articulado foi o tempo” (2008: 44).

a) O tempo, ritmo e duração: conceitos inseparáveis.

O ritmo é um fenômeno que acontece no tempo e “tudo o que se desenvolve no tempo tem um ritmo” (ANDRADE, 1995: 131). Estas são as justificativas centrais que explicam o vínculo entre estes dois fenômenos, como se, sem o tempo, o ritmo não existisse. E o ritmo, enquanto fenômeno que acontece no tempo, implica outro elemento também importante: a duração. Isto por que, ao acontecer no tempo ele dura, permanece e se prolonga por um determinado momento temporal. Tempo entendido, aqui, como “sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc., que envolve, para o homem, a noção do presente, passado e futuro” (FERREIRA: 2004) ou como Mário de Andrade chama, Tempo Intelectual. A duração é apontada, tanto por Bruno Kiefer como por Mário de Andrade, como elementar para a compreensão, percepção, manipulação ou composição do ritmo numa obra artística, já que, de acordo com os autores, nós nos fixamos, basicamente, no tempo de duração dos eventos. Ao se fixar na sua duração, esta é medida, organizada e comparada entre a mais longa, a mais curta e a de igual valor. Por isso, para eles, o tempo, só tem aplicabilidade à vida, se o dividirmos em períodos e a cada período com uma duração determinada.

Esta “propriedade responsável por definir a periodicidade rítmica” (OLIVEIRA, 2008: 44), a duração, é, portanto, um dos elementos que compõem o ritmo. Como coloca Bruno Kiefer, para os gregos, embora a intensidade fosse importante, na teoria era muito valorizada a duração. Na versificação, trabalhavam com a junção de valores de duração longos e curtos, formando algumas células rítmicas ou como era denominado pelos gregos, de pés: troqueu: longo, breve; jambo: breve, longo; dáctilo: longo, breve, breve (KIEFER, 1984: 24).

Para medir a duração do ritmo ou Tempo Rítmico, como Mário de Andrade nomeia, é necessário ter uma medida comum e fixa que deverá servir para todos os demais eventos. Conforme Kiefer, para os gregos, a unidade de medida era o cronos protos que corresponde ao valor da breve na música. A versificação latina seguia a teoria grega e esta foi muito importante na música do século XIII, aos chamados modos rítmicos (KIEFER, 1984: 24). De acordo com Mário de Andrade, para se medir o ritmo nas artes que existem no tempo, como a

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música, o homem precisa de duas unidades fundamentais: a Unidade fisiológica fundamental, cujo parâmetro de medida é os eventos fisiológicos do corpo como os batimentos cardíacos e respiratórios; e, a segunda, Unidade artística, que é artificial, incerta e permanece somente enquanto durar o evento artístico (ANDRADE, 1995: 73-74). Esta Unidade artística, Mário de Andrade acredita que é criada a partir da unidade fisiológicae da intenção de comoção que se quer causar com a obra. Esta comoção e intenção surgem da comparação de velocidades entre a unidade fisiológica fundamental e a artística, como, por exemplo: mais rápido que o ritmo do coração sugere tensão e luta; mais lento: calma; igual: normalidade, conformidade ou, como coloca Schafer, “os tempos que ficavam próximos da batida do coração humano tinham um apelo óbvio para o homem” (SCHAFER, 2001: 316). Embora, Mário de Andrade alerte para o fato de que, igual ao ritmo do coração, a normalidade jamais terá um sentido de relaxamento, sempre haverá uma tensão, mesmo que sutil (ANDRADE, 1995: 74).

A Unidade fisiológica fundamental é o equivalente ao termo andamento3 da música. Andamento é o elemento que designa a velocidade, na qual cada nota será tocada na música, geralmente sugerida pelo compositor da obra. Já, a Unidade artística é a pulsação4. A pulsação ou pulso é uma marcação constante que pode ser executada, sonoramente, por meio do metrônomo ou pelas batidas dos pés. A sua constância ajuda o músico a se orientar para não variar a velocidade e, ao mesmo tempo, ajuda-o na medição das notas, dos compassos e de cada trecho da música. A pulsação é definida pelo andamento, assim como a unidade artística é definida pela unidade fisiológica fundamental; por isso são sinônimas.

Portanto, Unidade fisiológica fundamental (andamento), unidade artística (pulsação), unidade intelectual (tempo) e duração, assim como o acento que será discutido logo a seguir, são elementos que abarcam, basicamente, o universo métrico e organizacional da música. Embora, como coloca Mário de Andrade, a unidade artística seja incerta, porque varia muito com a intenção do músico que executará a obra, da intenção do compositor e permanece

3

Andamento: “Índice do grau de velocidade ou então lentidão que se imprimi à execução de um trecho de música. O andamento é indicado por instruções escritas conhecidas como marcações de andamento (por exemplo, adágio, andante, allegro) ou por batidas de metrônomo, as quais fornecem uma indicação matematicamente mais exata do andamento correto. A palavra tempo (que designa em italiano o andamento e é tradicionalmente usada em partituras nessa acepção) também é usada em conjunto com outras palavras para indicar marcações mais precisas de velocidade; por exemplo, tempo primo (no andamento original), tempo giusto (no andamento exato) e tempo di minuetto (em andamento de minueto). Apesar de todas as indicações, o andamento permanece sempre uma questão de interpretação do executante e não existe realmente o andamento “correto” para uma peça musical, dado que a acústica e outras influências externas exercem grande efeito sobre a velocidade a que uma composição se torna mais expressiva” (ZAHAR, 1985: 13).

4Pulsação é o efeito de pulsar, bater ritmadamente. Sentido de constância e unidade de ritmo. (variação: pulso)

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apenas enquanto a execução musical durar. Ainda, assim, é considerado no universo métrico do ritmo, porque, uma vez decidido se o andamento será andantino ou adágio, a pulsação será fixada com o intuito de ajudar o músico a manter o seu rigor métrico. Como lembra a pesquisadora Oliveira, por mais que tenhamos, hoje, instrumentos eficazes na medição exata do pulso, os músicos ainda continuam trabalhando com a idéia da subjetividade, mesmo considerando as indicações dos compositores, os músicos e os maestros são livres para definir a pulsação, na qual executarão uma obra. Mas, fatalmente, esta definição passará pelo desejo de causar determinada impressão com a execução da obra e, portanto, a medida sempre será em relação aos eventos corporais. Contudo, isto não altera o fato de que ainda são elementos métricos que ajudam na medição e composição do ritmo.

b) Intensidade, acento e outras cositas más.

A responsabilidade pelas descontinuidades e pelas surpresas constantes que caracterizam o ritmo, causadas pelas “ações” de fluir, pausar e continuar é de alguns elementos que o compõem. Na música, por exemplo, os pesquisadores apontam alguns deles, importantes na formação e percepção destas “ações”, no entanto, nem sempre concordam entre si. Bruno Kiefer elege elementos das propriedades dos sons que apresentam variações em sua natureza, como intensidade, duração, acento, altura das notas e o timbre. Já, Mário de Andrade aponta o acento. A pesquisadora Jacyan Castilho de Oliveira fala de dinâmica, andamento, duração e acento. Com o que todos parecem concordar, independentemente, de eleger ordem de prioridade ou elemento mais importante para a sua constituição, composição e percepção, é que todos estes elementos apontados pelos autores, de fato, se não o constituem, ao menos interferem nele.

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de intensidade, o ritmo se modifica, qualificando a variação. As variações intencionais são as dinâmicas da música, fatores que ajudam no desenho e na criação da atmosfera da melodia que compreendem tanto as variações de intensidade (forte, piano, pianíssimo), quanto a transição de uma intensidade a outra (crescendo, diminuendo, sforzando).

Estas variações de força também podem ser chamadas de alterações de impulso e repouso, que os gregos chamavam de ársis e tésis: termos que se referiam às batidas dos pés nas marcações rítmicas. ársis: levantar o pé, “com o sentido de esforço”; tésis: pousar, “com o sentido de relaxamento” (KIEFER, 1984: 26). Basicamente, em toda unidade rítmica, células rítmicas e unidades compostas são formadas por variações destes dois elementos, como, por exemplo, Ársis – tésis (esforçar-relaxar) que, de acordo com Kiefer, é o mais simples e mais frequente. Estes sentidos ainda se definem pelos termos anacruse, cruse e metacruse, mas o autor prefere os termos gregos, porque eles não estão relacionados ao compasso. Já que todo compasso é regido por uma contagem, ficar preso a ele é vincular-se, também, à sua métrica e, deste modo, perde o seu caráter de mutação, o que os termos ársis e tésis ainda mantêm (KIEFER, 1984: 26).

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Deste modo, longe de ser um ponto que possui uma intensidade mais forte, ele é um “ponto de referência escolhido pelo ser psíquico sem que tenha para isso uma razão determinante”, o que conduz o autor a concluir que, o acento é uma entidade afetiva, já que é o humano quem o determina.

O acento seria, então, a organização do ritmo para e pelo ser humano. Ou melhor, o ser humano, dentro de sua necessidade de organizar, também precisa fazê-lo com os fenômenos rítmicos. Para isto, utiliza o acento. Este fato faz Andrade afirmar que, tanto a unidade artística quanto o acento não são as partes mais importantes do ritmo; são, na verdade, pontos de referência. E, aqui, encontra-se uma divergência entre os outros autores já citados e Mário de Andrade. Enquanto para alguns, os agrupamentos rítmicos que o ser humano percebe e ordena, por meio do tempo e acento, são considerados ritmos, para Mário de Andrade só é ritmo o fenômeno que intencionalmente provoca o acento. Para Andrade, “se basta a ordenação, o agrupamento pra que tenha o ritmo, a natureza produz ritmos. Dia e noite é um agrupamento natural, as quatro estações também (e poderia citar milhares de exemplos) pois que são agrupamentos são ordenações de movimentos em série” (ANDRADE, 1995: 75). Segundo Mário de Andrade, estes fenômenos não são ritmos, porque “lhes falta a criação espiritual do acento. A natureza contém ritmos em latência não os tem concretos porque lhes falta o acento” (ANDRADE, 1995: 76).

Não iniciarei uma discussão aqui se os eventos naturais e fisiológicos têm ritmos ou se os tem em latência, porque, desde o início deste trabalho, acredita-se na possibilidade de que em tudo há ritmos, sejam eles perceptíveis, intencionais ou não. Esta é a opinião de todos os autores consultados, inclusive Lefebvre acredita que ele é encontrado no funcionamento das pequenas e grandes cidades, na vida urbana, no movimento através do espaço, nas sociedades, no corpo e etc. (LEFEBVRE, 2005: VIII). Contudo, concorda-se com Mário de Andrade de que o acento é fundamental para o entendimento e composição do ritmo. Não só fundamental para a música, mas a todas as artes. Tal relevância faz a pesquisadora Jacyan Castilho (2008: 53) afirmar que, uma das mais importantes tarefas do encenador é atribuir o acento à cena, já que o acento “é o grande responsável pela construção rítmica global do espetáculo”. “[...] É preciso dispor, periodicamente, ao longo do espetáculo, de momentos de ênfase, de tensão, seguidos por momentos de relaxamento, e/ou preparação da próxima ação”. Momentos estes que podem estar distribuídos no texto, na luz, entrada e saída de cena, em todos os elementos da encenação. Assim, o acento também é paradoxal, porque acarreta a mesma função do

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ritmo: a de medir e quantificar os ritmos de um evento, só que numa escala microscópica, se considerar o ritmo como macroscópica.

Depois de exposto e discutido cada um dos elementos que compõem o ritmo, é possível visualizá-lo com a seguinte estrutura:

Universo Métrico

(organização, ordenação dos fragmentos dos eventos)

Tempo Intelectual (tempo); Tempo Rítmico:

- Unidade fisiológica (andamento)

- Unidade artística (pulsação);

• Duração; • Acento;

Universo Fluido (cuida da expressividade)

• Intensidade; • Dinâmica; • Acento;

Diante de tudo isso, o desafio passou ser a busca por ações pedagógicas que valorizassem esta estrutura, com exercícios e desafios que proporcionassem o entendimento, ao ator, de cada um destes elementos a partir de exercícios teatrais.

Toda a descrição da reflexão-prática está no terceiro capítulo deste trabalho e no apêndice, onde fica mais clara a sua organização, os exercícios praticados e como cada um dos elementos foi desenvolvido. Contudo, para pensar estas ações pedagógicas, além de todas estas informações sobre a estrutura do ritmo, estudou-se a prática de alguns mestres do teatro que pensaram este fenômeno em seus trabalhos. Assim, com estas vivências, abriram-se outras possibilidades de reflexão sobre todas estas questões de modo mais próximo ao teatro.

1.2 O TEMPO-RITMO NO TRABALHO DO ATOR STANISLAVSKIANO.

1.2.1 O termo tempo-ritmo:

Onde quer que haja vida haverá ação; onde quer que haja ação, movimento; onde houver movimento, tempo; e onde houver tempo, ritmo.

Stanislavski

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foram os dramas musicais. Tudo isto faz com que o pensamento de Stanislavski seja denso, pautado numa prática muito particular.

Quando Stanislavski fala de ritmo, no trabalho do ator, assunto abordado com muita propriedade no seu livro póstumo A Construção da Personagem5, ele usa o termo Tempo-ritmo6. Em todo o texto, são poucos os momentos em que ritmo e tempo são tratados separadamente. O modo como organiza a sua pesquisa sobre o tempo-ritmo, em suas produções, denota aproximação muito clara dos conceitos musicais, aplicados às particularidades cênicas de suas criações.

Tempo é a rapidez ou a lentidão do andamento de qualquer das unidades previamente estabelecidas, de igual valor, em qualquer compasso determinado. Ritmo é a relação quantitativa das unidades – de movimento, de som – com o compasso determinado como unidade de extensão para certo tempo7 e compasso (STANISLAVKI, 2005: 251-252).

Aproximando estes conceitos musicais da linguagem teatral, para Stanislavski, a ação e o texto do ator são realizados no tempo; o ritmo é a soma das infinitas combinações de velocidades e pausas, criadas pelo ator para realizar sua ação e dizer o seu texto; estas infinitas combinações de velocidades e pausas são organizadas no tempo, por meio do tempo (unidade fisiológica). Sem o tempo (unidade fisiológica), o ritmo ficaria extremamente desorganizado e, deste modo, a ação e a fala perderiam sua força, sua expressão e seu valor artístico. Instalar-se-ia o caos (STANISLAVSKI, 2005: 253-256).

Deste modo, é possível concluir que, quando Stanislavski cita tempo-ritmo, ele se refere às nuanças de velocidade, intensidade, força e esforço do movimento, dos sons corporais, da voz e da tensão interna do ator que se apresentam dentro de um determinado período de tempo e organizados por meio de uma pulsação latente.

5 O livro, publicado no Brasil, A construção da Personagem é tradução da versão inglesa Building a Character, publicada em 1949. A versão russa Rabota Aktiora Nad Saboi: rabota nad saboi vtvorcheskom protzesse voploshenie (O trabalho do ator sobre si mesmo: o trabalho sobre si mesmo no processo criador da encarnação) é de 1948.

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Contudo, Stanislavski não esgota o conceito nesta definição. É necessário entender a sua aplicabilidade no trabalho do ator, o que não é apenas uma questão de conhecimento técnico e domínio do que seja tempo ou das infinitas formas e combinações rítmicas. O ator tem de saber aliar estes conceitos ao jogo, à sua capacidade de improvisação, criação, imaginação e adaptá-los à cena. Para isso, Stanislavski mergulha seu ator em uma série de conceitos, exercícios e experimentações do sistema stanislavskiano.

1.2.2 Tempo-ritmo externo e o tempo-ritmo interno:

Stanislavski fragmenta o conceito tempo-ritmo em duas partes distintas: tempo-ritmo externo e tempo-ritmo interno. Segundo o encenador russo, tempo-ritmo externo se manifesta nos movimentos físicos, na performance corporal e vocal do ator, assim como na organização de toda a encenação. É tudo aquilo que é visível e perceptível ao espectador. Já, Tempo-ritmo interno é um fenômeno complexo. É tanto um dos fundamentos estruturais do tempo-ritmo externo, quanto um fenômeno autônomo que contribui para ampliar a expressividade do trabalho do ator.

Como elemento estruturante do tempo-ritmo externo, é possível aproximá-lo da função que o metrônomo e o maestro têm para o músico: a de um “juiz” que o ajuda a manter o andamento exato da música. O músico tem internalizado os diversos tempos (andante, presto, andantino, adágio) necessários para executar qualquer peça. Por mais que esses tempos internalizados não sejam exatamente precisos, ainda assim, ele sabe, aproximadamente, como deve pulsar cada tempo ou andamento. Como se tivesse um metrônomo interno pulsante, o “bom” músico é capaz de interpretar uma música inteira sem acelerar ou atrasar o andamento. Sabe, igualmente, executar cada ritmo que a partitura exige dentro de cada tempo, sem acelerar, atrasar ou se perder. Para Stanislavski, o ator deve ter a mesma habilidade. Deve ter dentro de si mesmo este “metrônomo interno” pulsante, expressamente exato. A precisão e a exatidão são características fundamentais que o ator deve desenvolver dentro de seu trabalho. Para isso, interpõe, aos seus atores, exercícios próximos daqueles que são feitos nas escolas de música, com metrônomos e marcações rítmicas, ajudando-os na internalização dos tempos musicais. Incentiva-os para que cada um encontre, a seu modo, como manter pulsante o seu metrônomo interior, assim como os músicos.

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e da obra que executará. Os músicos encontram nas partituras musicais, explicitamente, os andamentos e os ritmos com os quais deverão tocá-las. Já, o ator não. Deverá, ele mesmo, juntamente com o diretor, encontrar o tempo e o ritmo de seu trabalho. É, neste momento que, para Stanislavski, o trabalho do ator se distancia do músico. Disponibilidade ao jogo, habilidade na improvisação, criação e imaginação são recursos necessários para ajudar o ator a perceber, seja numa obra teatral ou num exercício cênico, os seus ritmos e tempos implícitos.

Para o ator e diretor encontrarem o tempo-ritmo da obra, Stanislavski propõe a análise da mesma. O diretor russo tem metodologia própria de análise, a qual nomeou de Análise Ativa. É uma ferramenta de fragmentação da peça a fim de auxiliar, principalmente, o diretor na encenação. Dentre os muitos conceitos da análise ativa, aqueles que colaboram na descoberta do ritmo de cada cena, dos personagens e da encenação geral são:

1. As circunstâncias dadas: ofertam o universo, o espaço, o tempo, os objetivos e obstáculos de cada personagem e de cada cena da peça. Todas estas informações de tempo, espaço e objetivos determinam o tempo-ritmo da personagem e da cena. Estabelecerá se será rápido, lento ou sincopado. Numa cena de assassinato, por exemplo, na qual o assassino deve fazer tudo rapidamente porque tem pouco tempo para escapar e não ser pego, o tempo-ritmo deve ser veloz. Todavia, este rápido tem infinitas combinações, qualidades e nuanças. Para encontrá-las, o ator deverá se debruçar sobre a linha direta de ação8 e o superobjetivo9 da obra.

2. Linha direta de ação é uma linha de raciocínio que “de um extremo ao outro galvaniza tôdas [sic] as unidades e objetivos pequenos da peça, encaminhando-os para o superobjetivo” (STANISLAVSKI, 1968: 288). Resumindo, é a vida interior que o ator deverá criar, a partir do mesmo estímulo que o motivou a escrever para sustentar ou justificar toda a sua performance em cena. Para o diretor, é a justificativa pela qual encena seu espetáculo. Esta unidade criada entre os objetivos que motivam o ator e o diretor será o que fundamentará, harmonizará e sustentará a continuidade de toda a

8 Em algumas bibliografias recentes, tem-se usado ao invés de linha direta de ação, linha transversal de ação. Neste trabalho se manterá linha direta de ação para não confundir o leitor caso consulte o livro de Stanislavski, A Construção da Personagem.

9 O tradutor Jorge Saura do livro de Knébel, El Último Stanislavsky Análisis Activo de la Obra y el Papel, edição de 1999, em nota, coloca que supertarefa é mais próximo do original porque daria a idéia de processo, de algo que precisa ser realizado em um determinado período. Já superobjetivo representa uma idéia de chegar ao fim do processo, objetivo máximo que se encerra em si. No livro em português A Preparação do Ator (1968), traduzido da edição americana An Actor Prepares, traz superobjetivo. Neste trabalho será mantido o termo em português.

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encenação. Por isso, a linha direta de ação é o elemento que sugerirá andamentos possíveis, nos quais a encenação poderá ser realizada. Porém, o fator fundamental que definirá o melhor andamento para a execução da encenação será o superobjetivo da peça. Aproveitando a cena anterior do crime, caso o superobjetivo seja mostrar ao público que o crime não compensa, a linha direta de ação será as inúmeras ações de todos os personagens em todas as cenas que farão com que o público perceba a inutilidade do crime.

1. O superobjetivo é o que fornece o conteúdo subtextual da obra. É a justificativa mais forte que a percorre, assim como a de cada ação das personagens. O tempo-ritmo tem de ser compatível com a justificativa, caso contrário haverá discrepâncias entre o discurso apresentado pela obra e as ações realizadas em cena. Por exemplo, o objetivo do autor é mostrar que o crime não compensa. Logo, ele irá pensar numa série de ações que ilustrarão esta sua idéia (linha direta de ação).

Deste modo, quando o tempo-ritmo das ações previstas e organizadas pela Linha direta de ação, satisfizer todas as suas necessidades estéticas a que o superobjetivo propõe, é o que deve ser o escolhido para a encenação. “O tempo-ritmo de uma peça completa é o tempo-ritmo da linha direta de ação e do conteúdo subtextual da obra” (STANISLAVSKI, 2005: 290). Portanto, pode-se dizer: circunstâncias dadas + superobjetivo = tempo-ritmo da obra. Este tempo-ritmo da obra é o tempo-ritmo interno, em outras palavras: o metrônomo interno ou, como Stanislavski nomeia, a “contagem mental”, que deve pulsar e marcar o andamento, tanto da encenação toda, como a de cada ator. Deve ser preciso, claro, latente e contínuo para que seja capaz de unir todos os elementos envolvidos numa obra teatral: figurino, trabalho dos atores, iluminação, cenário, etc.

Porém, este tempo-ritmo da obra não é o mesmo durante a encenação toda. Stanislavski chama a atenção para este fato e, ainda, acrescenta que, nem todos os atores, durante o mesmo período de atuação, marcam-no conjuntamente. Stanislavski denomina este tipo de marcação conjunta de “convencional”, típica de soldados em formação. A não ser que este tipo de trabalho seja muito bem justificado, o encenador não o aprova. Para ele, no teatro, deve seguir-se o ritmo da vida: espontâneo, imprevisível e cheio de nuanças:

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Independente de seu pensamento estético de aproximação de vida e arte, o que Stanislavski sugere é que, cada ação, a fala, personagem, entrada e saída de cena, troca da luz tenham seu ritmo próprio, que dialoguem, ao contrário de seguir fielmente o da encenação. E para encontrá-los, usa-se o mesmo processo já descrito: o que é feito no universo macro (a obra teatral toda) se repetirá cena por cena, personagem por personagem, a fim de descobrir todas as nuanças e combinações possíveis de tempo e ritmo de todos os elementos do universo teatral. Como numa grande orquestra: o andamento de todos os naipes é mantido pelo maestro (circunstâncias dadas + Linha direta de ação). Todavia, cada naipe tem sua função na obra, sua melodia e seus ritmos e tudo converge para o mesmo fim (superobjetivo).

Portanto, de posse dos vários andamentos da peça e de cada cena (material que sustentará o seu metrônomo interno), o ator pode construir o tempo-ritmo externo do seu trabalho. Para isso, mais uma vez Stanislavski sugere que ele recorra às circunstancias dadas: serão elas também que fornecerão os objetivos e obstáculos da personagem em cada cena da peça. Os objetivos e os obstáculos lhe fornecerão as ações e contra-ações que deverá executar em cena, assim como a sua linha direta de ação. A ação, resultado de um movimento ou de um não movimento, existe tanto no espaço quanto no tempo. Portanto, ao criar uma ação, nela já está implícito tanto seu desenho no espaço quanto seu tempo-ritmo. A avaliação, deste tempo-ritmo, se é justo ou não com a obra que encena, para Stanislavski, está nas justificativas que o ator criará para as suas ações e se elas condizem com os objetivos e obstáculos da sua personagem que, por sua vez, deve concordar com o superobjetivo da obra. Logo, o ator tem que lidar com: Tempo-ritmo da obra/cena (tempo-ritmo interno – maestro/metrônomo - que sustenta o seu tempo-ritmo externo) e Tempo-ritmo externo: ações que executa em cena.

No entanto, como já foi dito, o tempo-ritmo interno não é apenas um fenômeno estruturador do tempo-ritmo externo. Além disso, ele é um elemento autônomo que contribui para ampliar a expressividade do trabalho do ator enquanto executa suas ações. É o que Stanislavski chama de vida interior: subtexto da obra, informações que estão implicitamente no texto; tensão gerada entre os objetivos e os obstáculos das ações da personagem, que pode ser chamada de contra-ação que o ator internamente revela, contrapõe, justifica ou dialoga com as ações externas.

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E o que me dizem da emissão e recepção de mensagens sem palavras? Será que elas não têm movimento? Se o têm, isto quer dizer que quando alguém olha, transmite, aceita impressões, entra em comunhão com outra pessoa, convence-a de uma coisa ou outra, isto tudo se faz dentro de um tempo e ritmo.

Sempre falamos de vôos do pensamento e da imaginação. Isso significa que ambos estão sujeitos ao movimento e que, portanto, neles há que haver tempo e ritmo (STANISLAVSKI, 2005: 268).

Este jogo interno e externo gera uma tensão que amplia a expressividade do ator. O processo para encontrá-lo é o mesmo já descrito: por meio das circunstâncias dadas, são estabelecidos objetivos e obstáculos que serão as justificativas sustentadoras destas ações internas. O superobjetivo da obra continua sendo a bússola norteadora de todo o processo. Há, também, uma pulsação latente (metrônomo interno) que pode diferenciar ou se confundir com a da obra, sobre a qual os ritmos das ações internas serão desenhados. Os ritmos destas também poderão aproximar ou se distanciar dos ritmos das ações externas. Tudo dependerá da exigência do superobjetivo da obra. Explicando em outras palavras: o tempo-ritmo interno e tempo-ritmo externo, concordando ou não, têm de ser muito bem justificados pelo ator que, a seu favor, tem as informações que a obra lhe fornece e as imagens provocadas por estas informações.

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Circunstância dada da situação:

Superobjetivo Objetivos Obstáculos

Ações psicofísicas

Esquema I

Esquema stanislavskiano da construção do tempo-ritmo de uma obra e da vida cênica

Precisamos dele [tempo-ritmo] em combinação com as circunstancias dadas que criam uma disposição de espírito, precisamos dele por causa de sua própria substância interior. Uma marcha militar, um passeio, uma procissão funerária podem ser marcados pelo mesmo tempo-ritmo e, no entanto, há um mundo de diferença entre eles, quanto aos seus respectivos conteúdos interiores, climas, intangíveis peculiaridades características! (STANISLAVSKI, 2005: 267).

Assim, o que definirá a particularidade do tempo-ritmo de uma situação não será seu tempo ou ritmo, mas as justificativas que as circunstâncias dadas construirão, a partir das informações que o superobjetivo, objetivos e obstáculos fornecerão. É por causa de todas estas implicações do tempo-ritmo que, para Stanislavski, este não é um conceito que se resolva apenas definindo sua velocidade. É por causa de tudo isto, também, que Stanislavski coloca que o tempo-ritmo está intimamente envolvido com os sentimentos, com a vida interior do trabalho. Devido a esta sua influência sobre o que o encenador chama de vida interior do trabalho do ator é que, para ele, não é possível executar uma cena corretamente com um tempo-ritmo incorreto ou inadequado. Se a imaginação do ator é devidamente estimulada, ele sabe exatamente o quê e como fazer. Stanislavski acredita que, se o ator estiver inteiramente

A Vida Interior Base sustentadora das ações

Justificativas

Estímulos interiores vontade Memória afetiva de criação Memória visual (imagens)

Tempo-ritmo interno e externo.

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atento e entregue, o tempo-ritmo da ação se manifesta quase que naturalmente. Estas características de tempo-ritmo - despertar sensações e imagens, de controle se o ritmo da ação coincide com os objetivos e intenção da obra –, para Stanislavski, entendê-las, é ter acesso a uma psicotécnica fundamental e necessária.

Estamos considerando o efeito direto ou, às vezes, apenas mecânico, do tempo-ritmo-externo sobre nossos sentimentos caprichosos, arbitrários, intratáveis, tímidos; sobre os sentimentos que não se sujeitam a nenhuma ordem, que fogem assustados diante da mais ínfima exibição de força, para os mananciais inacessíveis dos nossos seres; esses mesmos sentimentos que até agora só conseguimos atingir por meios indiretos magnéticos. Eis que de repente encontramos um meio de abordagem direta, imediata! (STANISLAVSKI, 2005: 322).

Isto é muito importante para Stanislavski, porque, uma vez que nós não dominamos nossos sentimentos, ao saber lidar com o tempo-ritmo, que se conecta diretamente com eles, seria esta uma psicotécnica interessante no trabalho do ator. Assim, ele teria total domínio sobre todo o seu aparato emocional expressivo de modo eficaz.

1.2.3 Tempo-ritmo como material de improvisação

Como já foi ressaltada acima, a função do tempo-ritmo de despertar o material emotivo do ator é muito importante para Stanislavski. Tão importante que os exercícios descritos em seu livro, utilizam-se das adaptações de práticas rítmicas musicais voltadas ao jogo criativo do ator, cujo intuito é, justamente, explorar esta sua capacidade. Muitos deles são improvisações, a partir de vários tempos e/ou ritmos sugeridos por um “professor10”. São mantidos por metrônomos ou palmas, objetivando tanto a familiarização do ator com todas as suas possíveis variações, para, com isso, aprender a mantê-los internamente, quanto o uso como primeiro estímulo para a criação de cenas.

Para este segundo objetivo, a orientação é a de que o ator se contagie pelos vários tempos e ritmos, deixando-os despertar-lhe imagens e sensações, as quais deveriam ser justificadas ou inseridas em circunstâncias dadas. Como também já foi colocado acima, Stanislavski reforça e repete, muitas vezes, a importância de trabalhar o tempo-ritmo em

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comunhão com as circunstâncias dadas, porque elas fornecem ao ator todas as informações de que precisa para o improviso (superobjetivo, objetivos e obstáculos da personagem, ações e linha direta de ação). Deste modo, o ator tem um norte para organizar o seu trabalho e canalizar sua criatividade.

Esquema II: Esquema stanislavskiano do tempo-ritmo provocando a vida cênica

Outro exercício muito usado é o de o ator pensar numa situação, sensação, imagens conhecidas ou vivenciadas e expressá-las por meio de palmas. Dever-se-ia demonstrar todas as nuanças rítmicas e temporais. O intuito, aqui, não é o de descobrir o ritmo ou o tempo de determinado sentimento e construir padrões para que o ouvinte seja capaz de identificar o material, a partir do tempo e ritmo tocados. É, antes disso, um modo de o ator experimentar e associar o ritmo e o tempo com o sentimento para si mesmo, pois, o mais importante é que a marcação realizada por ele o desperte e o ajude a manipular e controlar a sua própria vida interior. Talvez, para Stanislavski, não seja importante atingir o espectador apenas pelo tempo e o ritmo, mas por todo o universo interno e externo do ator.

Seria impossível registrar todas as diferentes coisas que tocamos. Entre outras, havia uma tempestade em alto-mar, outra nas montanhas, com vento, granizo, trovões e relâmpagos. Havia sinos noturnos, alarmas, patos grasnando, torneiras pingando, ratos roendo, dores de cabeça, dores de dente latejante, sofrimento, êxtase. Tocávamos e batíamos e esmurrávamos, como se estivéssemos fazendo picadinho para pastel. Se algum estranho por acaso deparasse com a cena, pensaria que nós todos estávamos bêbados ou loucos.

[...]

Tempo-ritmo

Memória afetiva Memória visual

Imagens

Circunstâncias dadas

Superobjetivo Objetivos Obstáculos

Referências

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