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Reflexões sobre o ato educativo emancipatório a partir das obras de Paulo Freire – professora sim; tia não: cartas a quem ousa ensinar e pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa / Reflections on the emancipatory educational act from

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Reflexões sobre o ato educativo emancipatório a partir das obras de Paulo

Freire – professora sim; tia não: cartas a quem ousa ensinar e pedagogia da

autonomia: saberes necessários à prática educativa

Reflections on the emancipatory educational act from the works of Paulo

Freire - teacher yes; aunt no: letters to those who dare to teach and pedagogy

of autonomy: knowledge needed to educational practice

DOI:10.34117/bjdv6n5-052

Recebimento dos originais: 10/04/2020 Aceitação para publicação: 05/05/2020

Tatiana da Silva Bidinotto

Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná. UFPR –

Instituição: Secretaria de Educação - São José dos Pinhais, Departamento de educação Infantil Endereço: Travessa Ari Alberti, 1580, São Cristovão, São José dos Pinhais – Paraná.

E-mail: tatianabidinotto@yahoo.com.br Maurício Cesar Vitória Fagundes

Doutor em Educação pela Universidade do Vale dos Sinos – UNISINOS. Instituição: Universidade Federal do Paraná.

Endereço: Rua Jaguariaiva, 512 – Bairro Caiobá – Matinhos – Paraná. E-mail: mauriciovitoriafagundes@gmail.com

RESUMO

Este artigo tem por objetivo problematizar a prática educativa, principalmente por meio do estudo das obras de Paulo Freire, Professora sim, tia não: cartas para quem ousa ensinar e Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, sem abrir mão de outras obras clássicas como a Pedagogia do Oprimido. A metodologia utilizada foi a de um estudo bibliográfico, elegendo as categorias diálogo e cultura, para problematizar a prática educativa como possibilidade da emancipação humana. O estudo apontou a prática docente dialógica e com assento na cultura, como possibilidade de construção de uma didática emancipatória, capaz de construir caminhos para superação de situações limites e construção do inédito viável.

Palavras-chave: Prática educativa emancipatória; diálogo; cultura. ABSTRACT

This article aims to problematize the educational practice, mainly through the study of the works of Paulo Freire, Professor yes, aunt no: letters for those who dare to teach and Pedagogy of autonomy: knowledge necessary for educational practice, without giving up other classic works like Pedagogy of the Oppressed. The methodology used was that of a bibliographic study, choosing the categories dialogue and culture, to problematize educational practice as a possibility of human emancipation. The study pointed to the dialogical teaching practice and with a seat in culture, as a possibility of building an emancipatory didactic, capable of building paths to overcome limit situations and building the unprecedented viable.

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1INTRODUÇÃO

Em tempos onde o papel da escola – professor – aluno está em processo de questionamentos e reestruturação, ser professora ou professor é um desafio. Os textos de Paulo Freire: Professora Sim; Tia Não; Cartas a quem ousa Ensinar (2016); e Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa (2015), embora escritos em 1992 e 1996, são muito atuais, trazendo ao leitor ou a leitora, ensinantes e aprendizes, uma reflexão sobre a postura de ser e estar professores ou

professoras. Sua leitura vai e volta em determinados assuntos com a intenção do aprofundamento de

conceitos tão importantes de serem refletidos, repensados e internalizados.

Na essência, assumir-se professor ou professora e não tia diz respeito a um ato político e amoroso, conceitos e sentidos inseparáveis do ato educativo. A prática docente requer inúmeros saberes, os quais Freire (2015) discorre no texto Pedagogia da Autonomia. O autor ressalta que a prática educativa deve corresponder a um diálogo, onde não é possível haver docente sem discente. Neste artigo, ao revisitar essas obras, temos por objetivo realizar uma reflexão sobre os saberes necessários para uma educação crítica-reflexiva ou progressista, pautando o diálogo e a cultura, como categorias freireanas fundantes da prática educativa.

2 O DIÁLOGO

Para Freire (2015) somos seres inconclusos e dessa forma, necessitamos da reflexão crítica para que, a partir dela, possamos ir aprimorando a prática educativa.

(...) é nesse sentido, por exemplo, que me aproximo de novo da questão da questão da inconclusão do ser humano, de sua inserção num permanente movimento de procura, que rediscuto a curiosidade ingênua e a crítica, virando epistemológica. É nesse sentido que reinsisto em que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas, e por que não dizer também quase obstinação com o que falo de meu interesse por tudo o que diz respeito aos homens e às mulheres, assunto de que saio e a que volto com gosto de quem a ele se dá pela primeira vez (FREIRE, 2015, p. 15 – 16).

Como seres inconclusos, professores ou professoras não saem acabados dos cursos de formação, pois aprendemos enquanto vivemos. Mesmo que os docentes possam dominar técnicas de ensino, essa capacidade por si só, não fará dele ou dela um bom profissional, considerando a perspectiva de formação de um professor crítico-progressista, ponderando os professores como sujeitos “vivos” do processo de ensinar e aprender, mesmo àqueles que resistem a uma educação transformadora.

Para Freire (2015) aos professores e professoras que pretendem romper com essa dominação cultural e massificante presente nos currículos escolares, cabe manter uma coerência epistemológica, a curiosidade científica e humana, a compreensão da teoria e das ideologias políticas que estão

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embutidas nas propostas de ensino e, sobretudo a leitura dos modos de aprender de seus alunos. Para a apreensão desses pressupostos, um dos caminhos possíveis está na categoria diálogo

O diálogo para Freire é um exercício de liberdade, que se desenvolve entre sujeitos que reconhecem como seres inconclusos. Porém, é muito mais do que o encontro e troca de saberes ou conhecimentos, funda-se como instrumento de busca para conhecer e conhecer-se como sujeito do mundo e no mundo. O diálogo como fenômeno humano que permite dizer a sua palavra.

A palavra que revela o diálogo ou se revela nele, é a explicitação da nossa representação de mundo, de sociedade, de nossas reflexões acompanhadas de nossas ações sobre a sociedade em que vivemos, e de modo mais específico em se tratando da docência e da prática educativa, estamos de nossa práxis nos processos escolares.

Na perspectiva freireana, a palavra proferida por uma/a docente em sua prática educativa, não é fruto de um discurso sem ação ou sem reflexão, pois nesse caso seria puro verbalismo ou ativismo.

A palavra docente que revela o diálogo ou revelada nele, que aqui postulamos, é aquela que carrega o contexto histórico e político, e faz as aproximações desses pressupostos com as intencionalidades do Projeto Político-Pedagógico da escola em que atua, projetando-se na intencionalidade de sujeito social e político que se deseja formar. Indo além, que mira e se inspira em um processo de emancipação humana.

Sobre dizer a sua palavra, Freire (1981, p. 129) na obra Ação Cultural para liberdade, nos lembra que

[...] não é apenas dizer” bom dia” ou seguir as prescrições dos que, com seu poder, comandam e exploram. Dizer a palavra é fazer história e por ela ser feito e refeito. As classes dominadas, silenciosas e esmagadas, só dizem sua palavra, quando, tomando a história em suas mãos, desmontam o sistema opressor que as destrói. É na práxis revolucionária, com uma liderança vigilante e crítica, que as classes dominadas aprendem a “pronunciar” seu mundo, descobrindo, assim, as verdadeiras razões de seu silêncio anterior.

Como nos aponta Freire, a palavra constituinte do diálogo não pode ser exclusividade do docente, pois neste caso, apesar de até dialogar com seus pares, se não o efetivar com seus estudantes, torna sua palavra vazia, puro verbalismo, pois estará sem a ação e reflexão que a funda. Não basta no momento em que está com seus pares, pensar, planejar, construir propostas, se nestas, não tiver a participação dos educandos. Tal ação, se constituirá em uma reprodução envernizada, mas de nada servirá para a construção de uma educação que busque a emancipação de seus estudantes.

O diálogo como fenômeno humano, como encontro dos sujeitos do processo educativo exige a participação coletiva, tendo a compreensão do mundo em que está e de suas relações que condicionam, mas não determinam o processo educativo, para que entendendo-as possam agir, construir caminhos durante o processo formativo, para desenvolver ações e reflexões, na perspectiva

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da práxis, para transformação do mundo. Aí a palavra assume a condição defendida por Freire, como palavra verdadeira, ou seja, aquela carregada de sentido de mundo.

A prática docente, ao carregar o diálogo como princípio educativo, vai possibilitar uma formação comprometida com a pronúncia do mundo, que portanto, viabiliza a superação da lógica neoliberal, demarcada pela concorrência e na superposição de uns sobre os outros, na imposição e reprodução de verdades.

Ao assumir o exercício dialógico da prática educativa, os educadores e educadoras, por consequência, assumem a intencionalidade da superação da prática bancária. Evidentemente, essa não é uma ação mecânica também, ou seja, durmo hoje um educador bancário e acordo amanhã um educador que trabalha dialogicamente, porém trabalha mirando esta última. Nas palavras de Freire essa assunção é um ato de coragem como também um ato de amor, amorosidade.

Na superação da prática bancária, um dos caminhos, que envolvem a prática dialógica reside na importância da escuta e na possibilidade de romper com o silenciamento dos meus/minhas estudantes, pois passam da condição de objetos da minha ação para sujeitos de suas ações e das ações coletivas. Na educação como prática bancária a ação cognoscente era do/a docente, quando planejava e depois quando dissertava sobre o que sabia, para os que nada sabiam. No momento em que escuto, porque perguntei, porque problematizei, os/as estudantes, juntamente com o/a docente realizam o ato cognoscente. O ato de ensinar nessa perspectiva assume o que Freire (2015) nos ensina como o necessário respeito aos saberes dos educandos.

Os saberes revelados nesse processo dialógico, trazem o que as/os estudantes construíram socialmente a partir de suas condições de classes populares, ou não, e possibilitam o estabelecimento de relações com os conteúdos específicos, acumulados historicamente, que, evidentemente não devem ser desconsiderados. Aqui é importante destacar que, no processo dialógico, há uma mudança no ponto de partida e de chegada da formação. Parte-se do que os/as estudantes sabem para que a/o docente faça conexões com o que eles/as não sabem; que seja a realidade concreta uma possibilidade epistemológica e política para associar a disciplina, cujo conteúdo o/a docente ensina, porém, mirando na construção de instrumentos para a emancipação humana. Neste sentido, o processo dialógico é empoderador e coletivamente construtor de autonomia.

No caminho que construímos até aqui, revelamos a possibilidade da construção de uma didática humanizadora, que tem a prática dialógica como elemento tanto epistemológico, quanto metodológico para a construção de novos saberes, aportados nos saberes dos educandos.

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A ação docente pautada na prática dialógica como elemento epistemológico e metodológico, ao realizar a escuta dos/as estudantes, realiza com eles a construção de uma totalidade possível da realidade em que estão inseridos, como possibilidade de interrogá-la, de problematizá-la.

Ao problematizar a realidade e ao interroga-la, adentramos no que Freire (2015, p. 30) defende: “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando”. Avançar no movimento dialético da situação da busca e da reconfiguração do que se sabia ou que havia sido ensinado, o conhecimento acerca da realidade alimenta os conteúdos disciplinares em um movimento de um perpétuo devir.

A pesquisa no ensino e o ensino por meio da pesquisa, coloco tanto o/a educador/a quanto a/o estudante na condição de sujeito produtor de seus conhecimentos, produzindo temas geradores que colocam em evidência situações-limites como desafios a serem superados.

Uma vez que esse processo dialógico de investigação e superação de situações limites avançam, educadores e educandos vão criando história e instrumentos metodológicos e epistemológicos para intervenção no mundo. Evidentemente que não são processos lineares, mas dialéticos, de avanços e recuos. Nesta percepção dialética, tem que se colocar em discussão o contexto global, marcado pelo neoliberalismo, que insiste na formação de base técnica desvinculada da vida e da existência, portanto que irá tensionar constantemente o avanço do processo dialógico de emancipação humana.

Freire (1987) em sua obra Pedagogia do Oprimido nos lembra que o educador/a que trabalha em busca da emancipação tem sua ação ou a incidência de sua ação na realidade a ser transformada, juntamente com outras pessoas. Ao contrário do educador/a bancária que trabalha em que suas ações buscam a doutrinação ou a adaptação de seus estudantes à realidade vigente, devendo esta permanecer intocada. Estes estão a serviço dos dominadores. Freire diria que são os subopressores, mais ferozes que os próprios opressores, pois tem como meta conquistarem a confiança destes e quem sabe, um dia tornarem-se os próprios opressores.

Portanto, sendo o diálogo a opção fundante da prática docente, assentada em elementos como a humildade para realização da escuta, do repensar e do refazer; o respeito aos conhecimentos oriundos da cultura popular trazida pelos estudantes; a construção coletiva baseada na leitura crítica da realidade em que está inserido, sem perder de vista a realidade globalizante; colocando estes elementos em diálogo com o Projeto Político Pedagógico de sua escola e com os conteúdos específicos de sua disciplina, o/a docente estará criando condições para a superação das situações limites, impostas pela sociedade dominante e de valores neoliberais, rumando para o inédito viável. A observação atenta àquilo que está a sua volta, à produção cultural trazida pelos sujeitos participantes do processo de constituição da escola, possibilitam, ao professor ou a professora a construção de um Projeto Político Pedagógico ricamente construído com os saberes populares, dando

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identidade e significado para a escola, que por muitas vezes pode ser entendida como algo distante de muitos, como se o lugar fosse de outros e não das comunidades que nela estão constituídas.

Esse sujeito – professor – precisa compreender qual de fato é seu papel na elaboração de uma proposta de ensino que valorize a cultura e os saberes populares, onde ele mesmo se identifica, ou vivência. Apreciando as múltiplas expressões culturais existentes em um mesmo espaço/tempo pedagógicos, não há como negar essa ou aquela, cabe distinguir o que é próprio ou o que é imposto por um sistema de controle, ou mercadológico. No entanto, a compreensão daquilo que é imposto pode revelar-se em uma enorme dificuldade, pois, em alguns casos, ela está tão tecida no cotidiano escolar que muitos podem pensar ou aceitá-la como “tradição”, mas a reflexão de qual tradição ou a que serve não é realizada. Pouco se discute no interior das escolas o objetivo de fazer determinadas tarefas, como por exemplo, porque trabalhamos o dia do índio e não a cultura indígena.

3 A CULTURA

A produção cultural é uma construção humana, e dessa forma, está presente no cotidiano, porém, existe uma tendência em perceber e conceitualizar a Cultura a partir de uma lógica hegemônica, de dentro para fora, quando na verdade, ela é parte das vivências sociais. A escola, como instituição social tem em seu interior a manifestação de diferentes culturas e produções humanas, que muitas vezes não são valorizados ou considerados nos currículos. Essa valorização parte de uma prática educativa que valoriza os saberes locais, possibilitando um aprendizado significativo.

Brandão (2017) afirma que a Cultura é uma “trama de significados”, sendo essa uma produção humana concebida em diferentes contextos sociais, que, atualmente, mais do que nunca se comunicam de forma dinâmica permeada por diferentes saberes. “O trabalho de transformar e significar o mundo equivale à vocação cultural que transforma e significa o próprio homem (BRANDÃO, 2017, p. 393)”. Significar o mundo, assume aqui um papel estritamente social e moral, onde o sujeito humano passa a ser compreendido como um ser capaz de produzir saberes, sem a premissa da classificação social e econômica, e sem considerar um saber melhor ou menor que outro. Para Brandão (2017) a cultura deveria existir como possibilidade de libertação, de expressão de saberes produzidos por meio da interação entre homem e natureza e homem e sociedade.

Os movimentos sociais evidenciados nos anos 60 demonstram que existiram esforços em estabelecer um processo educativo capaz de romper com práticas excludentes, perfazendo um percurso contra-hegemônico no qual a educação não serviria apenas como prática de formação para o mercado de trabalho, mas como prática de formação humana. Nesse contexto, as produções de Paulo Freire são trazidas como leitura obrigatória, a fim de, compreender a educação como prática libertadora, como demonstram Brandão e Fagundes (2016). As produções culturais, embora

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evidenciadas, necessitam ser vislumbradas a partir dos saberes populares, e tais saberes necessitam de uma ressignificação a fim limpar as marcas da invasão cultural.

Esse cenário possibilitou a organização de movimentos que pensassem o currículo a partir da conscientização política das classes populares para que essas pudessem superar a dominação elitista. Os saberes das camadas populares eram relegados à segundo plano, e quando trazidos à escola, ou ao contexto social eram feitos apenas como curiosidades, ou como ilustração de eventos específicos, normalmente de forma estereotipadas ou fragmentadas. “A relação intrínseca entre dominantes e dominados, seja de outros países sobre o Brasil ou mesmo nas relações internas, manifesta-se no plano político-econômico cultural” (BRANDÃO e FAGUNDES, 2016, p. 93). Dessa forma, a Cultura Popular assumiria um importante papel de reconfiguração dos saberes a partir daquilo que era significativo para as classes populares, um saber do povo, que seria ponto de partida para a emancipação humana, compreendendo os homens como produtores de cultura e não meramente consumidores.

A ideia do movimento dos anos 60 era a de que a cultura popular deveria ser extraída do povo, ou seja, que o povo pudesse ser representado genuinamente, tendo em vista a enorme invasão cultural vivida. Essa forma de “educação que, usando termos caros a Paulo Freire, vá além de ensinar pessoas a apenas lerem e repetirem palavras, as co-ensinem a lerem criticamente o seu mundo” (BRANDÃO e FAGUNDES, 2016, p. 96). Os agentes culturais deveriam, segundo os autores, promover meios para que o povo pudesse se reinventar, tendo em vista as influências culturais sofridas. Essa perspectiva, de vislumbrar a cultura como saber do povo valoriza o saber tácito dos homens e mulheres das camadas mais pobres da sociedade, equiparando esses saberes a tantos outros que coexistem socialmente. A educação a partir da cultura popular seria concebida por meio dos saberes locais, compreendendo as especificidades culturais o processo de ensino e aprendizagem tornar-se-ia próximo dos sujeitos populares frequentadores da escola pública.

As ações culturais populares, decorrentes dos movimentos de cultura popular, trabalhavam baseadas na realidade concreta de seus sujeitos, reconhecendo suas próprias raízes culturais populares, em suas distintas manifestações, como a arte popular, os saberes populares, a música, as festas populares, as diferentes tradições, os costumes, elementos de significação e de produção da própria existência, expressões que passam a compor a ação popular e a educação popular (BRANDÃO e FAGUNDES, 2016, p. 103).

É preciso que o professor ou a professora tenha a preocupação de perceber as “relações entre a identidade cultural que tem sempre um corte da classe social, dos sujeitos da educação e a prática educativa é algo que se nos impõe” (FREIRE, 2016, p. 93). Essa imposição cultural é intencional, de tal forma, que age, por vezes de forma silenciosa, disfarçada de tradição. Mas a que tradição nos

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referimos? Ora, aquela posta nos livros escolares, ou nos currículos, mesmo ocultos, que reforçam estereótipos culturais. Normalmente descritas por aqueles que observam de fora.

Mudar a forma como o professor enxerga a si mesmo, fortalecendo a sua identidade profissional também está ligada à cultura. Cultura essa que busca uma valorização dos saberes pedagógicos presentes na rotina diária docente. Arroyo (2011) defende que é preciso dar vez aos professores para que esses possam reconhecer a sua própria história. Essa reflexão do autor vislumbra a necessidade de uma cultura docente valorizada, trazendo seus conhecimentos para o cerne das construções curriculares destacando o seu papel como agente de formação e transformação. Arroyo (2011) ainda enfatiza que muitos “cursos de licenciatura formam o professor que as escolas exigem: a tempo completo, a vida completa (ARROYO, 2011, p. 25)”. Segundo ele, o termo “aulista” seria o mais apropriado, pois o professor é visto como um mero reprodutor de currículo que passa os conteúdos programados de forma a dar conta a tempo. Tempo de o aluno avançar para outra série ou ano, ou a tempo de prestar um vestibular. Essa mecanização do trabalho docente nega a esse profissional o exercício de uma atividade humana, ou seja, como podemos esperar que os alunos tenham vez e voz se os professores não as têm?

A estrutura de um currículo com o ideal de emancipação humana pretende a compreensão do professor ou da professora como produtor (a) desse currículo, pois, é esse sujeito que vive a realidade concreta e a concretude dos sujeitos nela envolvidos. O chão da escola traz em sua essência muitas questões peculiares, os modos de ver e encarar os saberes dos alunos diz muito sobre o modo com o qual os professores enxergam a sua existência enquanto profissionais, dada a carência de uma formação sólida, exige-se cada vez mais o aperfeiçoamento em serviço. Porém, segundo Arroyo (2011) a carência na formação não retira a sensibilidade do ser humano professor, quando esse se depara com a dicotomia entre o currículo formal e as vivências dos alunos, percebendo a distância entre os saberes científicos e a vida real. No entanto, tal entendimento poderá lhe causar uma crise de identidade profissional (ARROYO, 2011, p. 29).

Resistir ao sistema bancário não lhe dá o direito de negar que os alunos conheçam as bases científicas e culturais produzidas pela humanidade, no entanto, a opção metodológica é do professor. Como ele pode mediar o processo de conhecimento e assimilação dos saberes sem negar aos alunos o contato não somente com a sua cultura, mas também com a cultura de outros povos de forma harmônica e respeitosa representa um dos maiores desafios do docente que pretende a emancipação. Não basta apenas conhecer e respeitar as diferenças e diversidades culturais que coabitam em um mesmo espaço educativo. Cabe ao professor, compreender-se como agente cultural. Pois, como ressalta Freire (2016) é preciso superar a experiência sensorial, aqui da capacidade de observação, e alcançar a capacidade de “generalização”, compreendendo que o ato educativo também é um ato de

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produção Cultural, na medida em que transforma os sujeitos e a si mesmo numa relação dialógica, que, pois, “é na prática de experimentarmos as diferenças que nos descobrimos como eu e tus (FREIRE, 2016, p.97)”.

Nesse encontro entre sujeitos e suas culturas os saberes vão se constituindo, saberes populares, permeados de significados, de existência humana. Ao compreender a cultura popular como um saber, aproxima os seres humanos, na medida em que todos os saberes são postos em um mesmo patamar, onde nenhum homem ou mulher sentir-se-ão sem cultura.

A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de classes dos educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa progressista, é problema que não pode ser desprezado. Tem que ver diretamente com a assunção de nós por nós mesmos. É isso que puro treinamento do professor não faz, perdendo-se e perdendo-o na estreita e pragmática visão do processo (FREIRE, 2015, p. 42).

Entre os saberes destacados por Freire (2015) como fundamentais à formação docentes está à capacidade manter-se atualizado, ou seja, é preciso que os professores estudem, leiam, busquem amparo científico e metodológico para alicerçar a sua prática diária. Ser professor ou professora requer seriedade, preparo científico, preparo físico, emocional e afetivo (FREIRE, 2016, p. 28). Ao mesmo tempo “é impossível ensinar sem essa coragem de querer bem” (FREIRE, 2016, p. 28). A amorosidade no ato educativo é aquela que vai além do amor parental de tia, que tem o laço familiar alicerçando a relação com a criança ou adolescente envolvido. O amor do professor ou da professora perpassa pela seriedade ética com a qual ele ou ela se porta na sua profissão, aliada a ousadia de “continuar quando às vezes se pode deixar de fazê-lo, com vantagens materiais” (FREIRE, 2016, p. 29). Ousar a manter-se estudando, a dizer não a uma educação burocrática e sem amor, a manter-se apaixonado pelo ato de ensinar. Rompendo com o “treinamento pragmático ou com o elitismo

autoritário dos que se pensam donos da verdade e do saber articulado” (FREIRE, 2015, p.43).

Ao contrário do que muitos possam pensar, a tarefa de ser professor ou professora é muito complexa, no sentido de buscar a humanidade, a humanização do ser humano, sobretudo no contexto sócio-político da atualidade. Para FREIRE (2016) é preciso que os sujeitos que pretendem ensinar tenham consciência profissional, além da disciplina em manter-se aprendendo, sem perder o rigor cientifico que essa profissão requer.

Dessa forma, será preciso conceber o professor como um profissional humano, capaz de conhecer as bases científicas a serem compartilhadas com seus alunos humanos, sem negar a eles o direito de proximidade desse conhecimento. Em outras palavras, embora muitos sistemas de ensino vislumbrem o professor como um “aulista” ele não poderá ser. Terá que buscar resistir ao sistema massificante e excludente que escolhe as bases científicas a serem transmitidas, sua resistência

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dar-se-á na sala de aula, com plena consciência do que faz, por que faz, como faz e principalmente para quem o faz.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação do docente enquanto profissional mediador do processo de ensinar e aprender deve ter a seriedade ética e estética fundamentada no saber científico. A capacidade de ler seu aluno, de reconhecer a sua turma, decodificando os saberes culturais e ampliando seu repertorio, é sem dúvida, um das principais capacidades docentes a serem despertadas ou desenvolvidas durante a prática educativa. Para Freire (2015) os cursos de formação docente deveriam obrigatoriamente formar professores com saberes que os levassem a prática educativa-crítica ou progressista. Nessa lógica os educadores não podem, de forma alguma, serem passivos, ao contrário, devem manter-se dinâmicos, curiosos, criadores, amorosos (p. 28). Essa forma de ser professor ou professora exige constante exercício de pensar certo. Exercício esse que implica em respeitar os saberes de seus educandos, incorporando os saberes populares à sua prática educativa.

Para Freire (2016) a leitura de mundo também requer rigorosidade ética, política, social e cultural. A rigorosidade no sentido de compreender o papel fundamental do professor ou professora como formador da consciência capaz de repensar a reconstrução de uma sociedade que está presente dentro da escola. Dessa forma, ensinar algo a alguém, requer a capacidade de ler esse alguém, considerando os seus saberes culturais para assim, propor a reflexão a partir deles para a apropriação dos conceitos científicos. Resistir ao sistema bancário não lhe dá o direito de negar que os alunos conheçam as bases científicas e culturais produzidas pela humanidade, no entanto, a opção metodológica é do professor. A forma como ele pode mediar o processo de conhecimento e assimilação dos saberes sem negar aos alunos o contato não somente com a sua cultura, mas também com a cultura de outros povos de forma ética e respeitosa representa o maior desafio do docente progressista.

O ato educativo na perspectiva progressista depende de um profissional capaz de posicionar-se de forma justa, com a ética como alicerce da sua prática. FREIRE (2015) defende que não é possível aos educadores que se dizem progressistas, assumirem uma postura acinzentada justificando as mazelas do mundo. E, com essa retidão ética, que os professores e professoras deverão conduzir a sua prática, sobretudo aqueles que têm a responsabilidade de lidar com a educação das camadas mais pobres da população, que necessitam de uma educação emancipadora e libertadora. “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blá-blá-blá e a prática ativismo” (FREIRE, 2015, p. 24).

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Só se aprende a ser professor sendo professor, exercitando o ofício, considerando que se deve ter domínio dos saberes científicos necessários a essa profissão. FREIRE (2016, p. 162) destaca que aos jovens professores e professoras é essencialmente importante, além de ler, estudar e posicionar-se politicamente é, de fato, realizar a leitura de sua clasposicionar-se “como posicionar-se fosposicionar-se a clasposicionar-se um texto a posicionar-ser decifrado, a ser lido, a ser compreendido” (FREIRE, 2016, p. 162). Tarefa essa que requer exercício de escrita e aprimoramento do olhar. Ler a classe possibilita compreender os sujeitos alunos e professores, envolvendo as culturas ali entrelaçadas, cuidando para que elas se teçam na produção de novos saberes.

E por fim, mas não findando, FREIRE (2016) também aponta que os professores e professoras não devem ter medo de ter medo, mas ao mesmo tempo não podem amedrontar-se. Ter consciência desse sentimento torna o professor humilde, pois, compreende-se humano e aprendiz, movendo-o no sentido da ampliação dos saberes, seus e de sua classe.

O diálogo torna-se a opção fundante da prática docente, assentada em elementos como a humildade para realização da escuta. A humildade docente em nada tem a ver com aquela que os opressores tendem a impor à profissão professor. Onde esse profissional teria que manter-se rebaixado a simples tarefa de transmitir, sem refletir, conteúdos escolares. Esse sentimento impõe muita responsabilidade aos docentes, pois, a eles ou a elas, recai a carga de humildemente buscar novos saberes científicos, exercitar a sua escrita, olhar seus alunos com olhos de pesquisador, ler textos e ler o mundo. Tal leitura deverá ser permeada pelo diálogo entre educandos e educador, permeado pelo respeito, pela consciência de que todos temos saberes culturais e por meio deles, ou melhor, por meio do entrelace dos diversos e diferentes saberes culturais, o ato educativo, enquanto construção humana, vai se constituindo em um novo saber, ressignificado, a partir das experiências em comum.

REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel. Currículo, território em disputa. 2 ed. Rio de Janeiro. Editora Vozes. 2011.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. Memórias dos anos sessenta. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 23, n. 49, p. 377-407, set./dez. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid= S010471832017000300377&lang=pt

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. FAGUNDES, Maurício Cesar Vitória. Cultura popular e educação popular: expressões da proposta freiriana para um sistema de educação. Educar em Revista, Curitiba,

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Brasil, n. 61, p. 89-106, jul./set. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010440602016000300089&script=sci_abstrac &tlng=pt.

FREIRE, Paulo. Professora Sim; Tia Não; Cartas a quem ousa ensinar. 26 ed. – São Paulo: Paz e Terra, 2016.

_____________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 52ª ed – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

Referências

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