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Heráldica, representação do poder e memória da nação. O armorial autárquico de Inácio de Vilhena Barbosa

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Academic year: 2021

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Colecção TESES Universidade Lusíada Editora

Lisboa • 2011

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Ficha Técnica

Autor Miguel Metelo de Seixas

Título Heráldica,representação do poder e memória da nação: o armorial

autárquico de Inácio de Vilhena Barbosa

Colecção Teses

Depósito Legal ISBN

Local Lisboa

Ano 2011

Editora Universidade Lusíada Editora

Rua da Junqueira, 188-198 1349-001 Lisboa Tel.: +351 213611500 / +351 213611568 Fax: +351 213638307 URL: http://editora.lis.ulusiada.pt E-mail: editora@lis.ulusiada.pt

Distribuidora HT – Distribuição e Comercialização de Produtos Culturais, Lda.

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Fotocomposição Alfredo Quingue

Capa Impressão e Acabamentos

Tiragem 500

Solicita-se permuta – On prie l’échange – Exchange wanted – Pídese canje – Sollicitiamo scambio – Wir bitten um Austausch

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa Rua da Junqueira, 188-198 – 1349-001 Lisboa Tel.: +351 213611617 / Fax: +351 213622955

E-mail: mediateca@lis.ulusiada.pt

© 2011, Universidade Lusíada de Lisboa

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico incluindo fotocópia, xerocópia ou gravação, sem autorização prévia da Editora O conteúdo desta obra é da exclusiva responsabilidade dos seus autores e não vincula a Universidade Lusíada.

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Inácio de Vilhena Barbosa parece ter merecido o respeito e a simpatia de seus contemporâneos pelo interesse amoroso e empenhado que dedicou ao co-nhecimento, defesa e divulgação do património cultural português. A sua obra ajudou a instruir diversos extractos da sociedade da altura na fé de uma velha mas renovada “alma nacional”. Foi membro do Conservatório Real de Lisboa, da Real Associação dos Arquitectos e Arqueólogos, da Associação dos Jornalistas e Escritores, da Academia Nacional de Paris e sócio honorário do Retiro Literário Português no Rio de Janeiro. Aos cinquenta e três anos, passou também a in-tegrar como correspondente a prestigiada Secção de História e Arqueologia da Academia Real das Ciências, onde, já efectivo, dirigiu os trabalhos da biblioteca e recebeu um Louvor. A chegada da morte surpreendeu-o a viver numa casa agradável, imerso em colecções eruditas, embora sozinho e sem descendentes. Este foi decerto um dos motivos por que o tempo se veio depois a mostrar relati-vamente pouco generoso com a sua memória. Os outros, tiveram a ver com o fac-to de não conseguir afinal externar por escrifac-to as qualidades dos mais elevados expoentes do panteão literário oitocentista, como Herculano, Camilo ou Oliveira Martins. Leite de Vasconcelos sentenciou, inclusive, sem meias palavras, que Vi-lhena Barbosa “nunca passou de ser chocho”.

As cidades e villas da monarchia portugueza que teem brasão d’armas ilustram

bem as qualidades e os conhecidos limites do seu autor. Por um lado, como adiante se recorda, trata-se de um trabalho que vem preencher uma grande lacu-na no acesso a um património simbólico lacu-nascido sem o incentivo do braço real, e que, portanto, representava, igualmente, um largo conjunto de expressões de so-berania política de veneranda legitimidade. Vilhena Barbosa esforça-se por des-crever com algum pormenor os possíveis contextos da criação dos mais de cento e vinte escudos autárquicos que conseguiu reunir, sem esquecer de expressar a existência de eventuais discrepâncias entre as fontes disponíveis ou as interpre-tações de outros arqueólogos ou antiquários. Além disso, dá uma ideia do que seriam a situação geográfica e os mais importantes aspectos económicos e sociais

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d’Azevedo Barbosa de Pinho Leal, anos depois, tantas vezes se valha de informa-ções recolhidas n’As cidades e villas.

O lado menos cativante do extenso trabalho de Vilhena Barbosa tem pelo menos três aspectos distintos. O primeiro é o que mais directamente se relaciona com o juízo de José Leite de Vasconcelos: embora correcta e quase sempre segura, a prosa d’As cidades e villas carece de brilho, entusiasmo e originalidade. Raras

vezes se motiva o leitor com uma mudança de ritmo ou de registo. A adjectivação é comummente excessiva. E a enorme quantidade de bordões com que se tropeça em quase todas as páginas tende a maçar um leitor tolerante.

O segundo aspecto tem a ver com a relativa escassez de elementos sobre a origem dos dados fornecidos: de uma forma geral, o facto de se saber que há do-cumentos ou autoridades com opiniões conflitantes não parece obrigar a dizer o nome preciso das obras em que estas se expressam, nem tão-pouco o lugar onde aqueles se consultam. É bem verdade que talvez fosse ilegítimo esperar dos tra-balhos de um comum publicista do século XIX grande cuidado com semelhantes detalhes; Vilhena Barbosa, especificamente, escreveu constrangido pelo formato e a urgência da publicação regular de dois periódicos. De qualquer modo, em se tratando de um quase académico, de estilo sisudo e afirmativo, a fragilidade de algumas passagens da sua obra provoca constrangimento.

O terceiro e último aspecto menos positivo tem a ver com o tema escolhido: como o autor, aliás, reconhece no seu curto “Prologo”, a heráldica autárquica era então praticamente desconhecida da maior parte dos portugueses. Seria preciso um engenho pouco usual para traduzir a grande riqueza desse mundo de em-blemas numa linguagem que o tornasse apetecível. Infelizmente, porém, Vilhena Barbosa não se revela um intérprete especialmente inspirado da “arte do brasão”, e a monocromia das gravuras impressas junto com o livro rouba ao conjunto boa parte do interesse que terá tido no friso ornamental dos edifícios do Terreiro do Paço, na aclamação de D. Pedro V.

Pondo de parte outros projectos iconográficos menos efémeros, o uso da heráldica autárquica em Portugal foi sobretudo marcado, posteriormente, pela reforma de Afonso Dornelas, que em 1930 prenunciou o desejo de apropriação e controlo do património simbólico e material de vários ramos da armaria pelo Es-tado Novo. Nesse movimento, tendeu a aumentar a distância e o relativo descaso com que boa parte das mais instruídas camadas da população vivia o “fenómeno heráldico”: como se fosse apenas um conhecimento “de classe”. O acolhimento interessado do seu estudo nos programas de ensino superior é decerto muito recente. E também só agora se começa a criar um repertório bibliográfico que por mérito próprio se introduz por entre as modernas ciências sociais e humanas.

O presente volume de Miguel Metelo de Seixas posiciona-se nesse contexto relembrando a riqueza da tradição erudita sobre o universo da armaria nacional e reescrevendo um importante capítulo da longa e difícil história da heráldica

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portuguesa de “domínio”: porque, apesar dos seus muitos defeitos, coube a Vi-lhena Barbosa um papel de relevo na transmissão eficaz de saberes e práticas da representação simbólica das autarquias do Antigo Regime para a Monarquia Car-tista. A escolha temática de Miguel Metelo de Seixas revela-se, assim, à partida, duplamente estratégica e oportuna, de grande ambição e coragem. O resultado obtido não desilude: muito pelo contrário, confirma um engenho maduro, capaz de articular explicações abrangentes, no tempo e no espaço, com indícios colhi-dos nas mais inesperadas origens.

Inesperada, igualmente, ao cabo de mais de oito anos de maturação, é a circunstância de este trabalho se publicar nas vésperas daquela que muito prova-velmente será a maior reforma do mapa autárquico português deste a segunda metade do século XIX. Passo imposto pela urgência de reduzir drasticamente a despesa do Estado, de acordo com o calendário do Memorando de Entendimento assinado pelo Governo da República com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. As razões por detrás da mudança relacionam-se acima de tudo com o desejo de alocar os recursos existentes de uma maneira mais racional, tendo em linha de conta o quadro demográfico do país, a melhoria das redes de circulação terrestre e a profunda alteração dos pa-râmetros da comunicação à distância, imposta pela informática. Existe também, no entanto, uma série de outros motivos, mais propriamente políticos e jurídicos, que se combinam numa única amálgama, sólida e indistinta, por alegado prag-matismo. E pouco espaço sobra nessa equação para razões de ordem histórica ou cultural.

A história, de facto, não serve para muito. Sobretudo para quem improvise urgentemente domar o amanhã. Mas, por estranho e heterodoxo que hoje pareça, talvez ela ainda nos possa ensinar a reconhecer uma parte do que somos. Tanto como indivíduos, quanto como colectivo. Mesmo nos tempos de maior aflição, será salutar ter elementos para reflectir sobre factores, cifras ou signos usual-mente menos maleáveis. Factores, por exemplo, ligados ao clima. Cifras como a da distribuição territorial da riqueza. Signos como os brasões dos primeiros concelhos.

No fim do Canto 18º da Ilíada, que leio na tradução de Frederico Lourenço,

Hefesto toma a si a tarefa de confeccionar o escudo de Aquiles, nele desenhando “a terra, o céu e o mar; o sol incansável e a lua cheia; e todas as constelações, grinaldas do céu” como fundo para a representação de “duas cidades de homens mortais”. A primeira, repleta de festas e celebrações, com a maior parte do povo reunido no seio da ágora, devido a uma questão de justiça. “[…] por volta da ou-tra cidade […], dois exércitos, refulgentes de armas”, que discutem o que fazer do inimigo. Simultaneamente, detrás das muralhas e nos campos à volta, do centro do escudo para os rebordos, marcam presença quase todas as diferentes camadas sociais, os seus conflitos e actividades mais comezinhas: o pasto dos bois e das ovelhas, o cultivo da terra, o jantar das mulheres, dos jornaleiros, os harpejos de liras, os urros de um touro, latidos de cães… e o rouco turbilhão de uma

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sangui-pormenor num único escudo: retrato inanimado e, ao mesmo tempo, vigorosíssi-mo, cheio de génio e convulsões.

Será certamente verdade que a heráldica dos municípios de Portugal não recua à idade de Ulisses. Nem mesmo no caso de Lisboa. O gosto dos membros dos velhos concelhos talvez também não se compare com a habilidade poética do autor da Ilíada. O que, entretanto, pretendo lembrar é que, em ambos os casos,

es-tamos diante de representações simbólicas: representações que viajam no tempo, que encerram em si uma enorme densidade de experiências sincrónicas e dia-crónicas, e que permitem as mais variadas leituras. Bem decifrados, os brasões das cidades podem revelar os esforços da implantação geográfica, os alicerces da actividade económica, a configuração política e social, as crenças, os mitos, as festas. As aspirações colectivas. E podem fazer cogitar com gravidade no que se perde, quando se perde ou reforma um concelho.

A história deveria ajudar-nos a ponderar decisões. Por uma questão de falta de meios, disposição ou memória, nem sempre nos lembramos de todos os aspec-tos do nosso património de vivências quando dele temos necessidade. Às vezes, porque de facto já o esquecemos. Este trabalho de Miguel Metelo de Seixas vem no momento adequado para sair das selectivas estantes das livrarias dos gran-des centros urbanos e ir acordar consciências nos gabinetes de apoio dos órgãos autárquicos, dos partidos políticos, dos deputados da República e dos membros do Governo. Não por propor qualquer panaceia de fácil consumo e prête à porter.

Afinal, o que o leitor tem em mãos é antes de mais um trabalho académico sólido, com afirmações sustentadas na paciente consulta de largas dezenas de espécies manuscritas e centenas de volumes impressos, em visitas de estudo a vários ar-quivos nacionais e bibliotecas europeias, graças ao merecido financiamento do Estado. O que se pode aqui encontrar é um pequeno inventário do espólio que deveríamos saber transmitir às próximas gerações de fregueses e munícipes de Portugal, para além do cinzento e recortado horizonte da dívida financeira.

Um efectivo prospecto de sustentação económica do país terá de incorporar os elementos de cultura que nos últimos séculos, pacientemente, acumulámos, e no seu todo nos definiram com uma certa feição ou identidade de grupo. A me-nos que estejamos a viver a recta final da me-nossa existência como nação ou que a isso nos queiramos condenar.

O autor deste livro parece lutar no mesmo sentido de Vilhena Barbosa. Com um conjunto de armas que domina singularmente. Aprendamos a vê-lo esgrimir.

Caxias, 12 de Setembro de 2011

Tiago C. P. dos Reis Miranda

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À memória de meu Pai, que me ensinou a diferença entre valores e convenções. À Isabel, que tornou a ensinar-ma.

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Veio para ressuscitar o tempo e escalpelar os mortos,

as condecorações, as liturgias, as espadas, o espectro das fazendas submergidas, o muro de pedra entre membros da família, o ardido queixume das solteironas,

os negócios de trapaça, as ilusões jamais confirmadas nem desfeitas.

Veio para contar

o que não faz jus a ser glorificado e se deposita, grânulo,

no poço vazio da memória. É importuno,

sabe-se importuno e insiste, rancoroso, fiel.

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Ao longo dos anos de trabalho que dediquei a esta tese, recebi ajudas variadas, que gostaria de agradecer publicamente.

Antes de mais, ao meu orientador, Professor Doutor Tiago Costa Pinto dos Reis Miranda, pelo cuidado com que dirigiu os meus trabalhos, apontando caminhos de investigação e abrindo perspectivas bibliográficas, lançando desafios intelectuais e metodológicos, lendo, corrigindo e revendo os meus textos, debelando as minhas hesitações e contendo os meus arroubos quando umas e outros se revelavam injus-tificados, num esforço que teve tanto de mestria como de paciência. E de amizade, acima de tudo.

Aos membros do júri diante do qual, a 29 de Abril de 2010, prestei as minhas provas: sob a presidência do magnífico reitor da Universidade Lusíada de Lisboa, Professor Doutor Diamantino Durão, foram arguentes os Professores Doutores Nuno Gonçalo Monteiro e Júlio Rodrigues da Silva e intervieram os demais membros, Pro-fessores Doutores Martim de Albuquerque, Joaquim Romero de Magalhães, Carlos Motta, Luís Teixeira, além do meu orientador. De todos recebi valiosas críticas e pistas de investigação, que me permitiram corrigir, completar e enriquecer o meu trabalho. Desse conjunto de indicações resulta a presente versão, que se dá à estampa.

À Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que me atribuiu uma bolsa para a prossecução deste trabalho, sem a qual teria sido muito difícil levá-lo a bom termo; e que subsidiou a sua edição.

Às diversas instituições que permitiram a reprodução de imagens na presente edição: Arquivo Nacional da Torre do Tombo; Assembleia da República; Gabinete de Estudos Olisiponenses (Câmara Municipal de Lisboa); Biblioteca Pública Municipal do Porto (Câmara Municipal do Porto).

À Universidade Lusíada Editora, nas pessoas do Prof. Dr. Ricardo Leite Pinto, que generosamente me dirigiu o convite para publicação da tese; Prof. Doutor Hum-berto Nuno de Oliveira, a quem devo o belo arranjo da capa; e Alfredo Quingue, que com paciência e arte tratou da composição gráfica.

À Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Lusíada de Lisboa, que acolheu a presente dissertação, e cujo director, Professor Doutor Carlos Motta, sempre me incentivou para que levasse por diante este trabalho.

Ao Professor Doutor João de Castro Nunes, então director do Departamento de História, a quem devo o incitamento para me lançar num projecto de doutoramento.

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Ao Professor Doutor Luís Teixeira, que me prodigalizou os seus conselhos e me foi auxiliando nos sucessivos passos da redacção.

Ao Professor Doutor Martim de Albuquerque, que gentilmente pôs à minha disposição a sua cópia do armorial de Brás Pereira Brandão.

Ao Dr. Lourenço Correia de Matos, que me facultou uma série de dados biográ-ficos sobre Inácio de Vilhena Barbosa, fruto da sua pesquisa, e me revelou a existência do armorial de José Marques da Silva.

Ao Dr. João Portugal, pelas inúmeras sugestões bibliográficas no domínio da heráldica, algumas das quais essenciais para certos capítulos, pela ajuda que me dis-pensou no acesso a determinados armoriais e, por fim, pelo aturado trabalho de revi-são para efeitos editoriais.

Ao Dr. João Bernardo Galvão-Telles, pela partilha da direcção do Centro Lusía-da de Estudos Genealógicos e Heráldicos, sobretudo nos meses finais em que estive concentrado na redacção da tese, pela ajuda na resolução de diversas dúvidas pontu-ais e, por fim, igualmente, pelo trabalho de revisão para efeitos editoripontu-ais.

Ao Dr. Miguel Côrte-Real, pela oportunidade de discutir uma ampla panóplia de temas e pelas indicações bibliográficas que me prestou.

Ao Dr. Luís Farinha Franco, que pôs ao meu serviço a sua vasta erudição e me facultou uma série de dados e de referências sobre Inácio de Vilhena Barbosa e os seus coevos.

Ao Ten.-Cor. José Manuel Pedroso da Silva, que generosamente me dispensou um exemplar fotocopiado do meu objecto de estudo numa altura em que ele ainda não estava disponível em formato electrónico.

À Dra. Maria João Vilhena de Carvalho, pelas indicações bibliográficas sobre as exposições oitocentistas.

À Dra. Ana Homem de Melo, que me forneceu a imagem da ementa do congresso municipalista de 1909.

À Dra. Leonor Calvão Borges, que me cedeu a imagem do friso armoriado da sala de sessões da câmara dos deputados.

Ao Dr. Antonio Melo, que me forneceu as fotografias do friso armoriado do palácio-hotel do Buçaco.

Ao Dr. Augusto Ferreira do Amaral, que permitiu a consulta do armorial seis-centista de que é detentor.

Aos familiares e amigos, cuja compreensão e apoio tanto me ampararam ao lon-go deste trabalho.

A Miguel Carvalho Ribeiro, que me ajudou na digitalização das imagens. Ao meu irmão Jorge, que tirou algumas das fotografias ilustrativas.

À Beatriz e à Teresa, minhas filhas, que pacientemente me acompanharam nos meses de redacção; e com imensa paciência me ajudaram nos índices remissivos.

Por fim, à Isabel, minha mulher, sem quem esta tese não existiria, pois foi ela que me incitou a retomar um trabalho abandonado, me deu alento para prossegui-lo, e em todos os momentos o acompanhou de perto, lendo-o, revendo-o, comentando-o, contribuindo com sugestões e pontos de vista críticos e judiciosos. Para além de me dar as mais válidas razões para querer levá-lo a bom termo.

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umário

Introdução ... 21 I Parte: Génese

Capítulo 1.

Novos ritos para uma cerimónia antiga: a aclamação de D. Pedro V ... 47 Capítulo 2.

O despertar do interesse pela heráldica municipal ... 87 Capítulo 3.

Compilar, explicar, difundir: a edição do armorial autárquico ... 123 Capítulo 4.

O armorial de Vilhena Barbosa ... 165

II Parte: Raízes

Capítulo 5.

As insígnias municipais e os primeiros armoriais portugueses: razões de uma ausência ... 189 Capítulo 6.

A heráldica no Antigo Regime: uma realidade funcional? ... 223 Capítulo 7.

Qual pedra íman: a matéria heráldica na produção cultural do Antigo

Regime ... 265 Capítulo 8.

Genealogia dos mitos: as insígnias municipais nos armoriais portugueses do Antigo Regime ... 321

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Sob o signo do liberalismo: a heráldica portuguesa oitocentista ... 393

Capítulo 10. Vilhena Barbosa e a construção da memória ... 429

Capítulo 11. Heráldica autárquica e identidade nacional ... 461

Conclusão ... 499

Fontes e Bibliografia ... 513

Anexo ... 581

Apêndice ... 615

Índice remissivo antroponímico ... 657

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f

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Fig. 1: Armas de Pinhel, em BARBOSA. I. de Vilhena, As Cidades e Villas da Monar-chia Portugueza que teem Brasão d’Armas, Lisboa: Typographia do Panorama, 1860,

vol. II, p. 126. ... 20 Fig. 2: “Recepção de Sua Magestade a Rainha D. Estephania no pavilhão real”,

Archivo Pittoresco, vol. I, 1857-1858, p. 377. ... 102

Fig. 3: “Sessão real de 1858”, Illustração Luso-Brazileira, vol. II, 1858, p. 212. . 105

Fig. 4: “Pavilhão da praça do Commercio por occazião dos festejos reaes”, Illus-tração Luso-Brazileira, vol. II, 1858, pp. 180-181. ... 105

Fig. 5: “Desembarque de S. M. a Rainha D. Maria de Saboya na praça do Com-mercio de Lisboa”, Archivo Pittoresco, vol. V, 1861, p. 241. ... 107

Fig. 6: Retrato de Inácio de Vilhena Barbosa, Diario Illustrado, n.º 2299, 1879,

p. 1. ... 128 Fig. 7: Pórtico de ALBERGARIA, Antonio Soares, Tropheos Lvsitanos, Lisboa: por

Iorge Rodriguez, 1632. ... 279 Fig. 8: Retrato de Rodrigo Mendes Silva aos 33 anos, gravura publicada em Vida y hechos heroicos del gran Condestable de Portugal D. Nuño Aluarez Pereyra […],

Ma-drid: Juan Sanchez, 1640, extra-texto. ... 351

Fig. 9: Um fólio do armorial autárquico compreendido no Tombo das Armas dos Reys e Titulares e de todas as Famílias Nobres do Reino de Portugal intitulado cõ o nome de Thesouro da Nobreza por Francisco Coelho Rey de Armas India, DGA/TT, Casa For-te, n.º 169. ... 364

Fig. 10: Armas de Lisboa à cabeça do armorial autárquico, em [MORAIS, Cristó-vão Alão de,] Compendio das Armas Dos Reynos de Portugal & Algarve & das Cidades & Villas principaes delles, BPMP Ms. 498, fl. 21. ... 371

Fig. 11: Fólio de início da apresentação das povoações do armorial autárquico por ordem alfabética, em [MORAIS, Cristóvão Alão de,] Compendio das Armas Dos Reynos de Portugal & Algarve & das Cidades & Villas principaes delles, BPMP Ms. 498,

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Fig. 12: Retrato de Inácio de Vilhena Barbosa aos 75 anos, in MOUTINHO, Joaquim Ferreira, Ignacio de Vilhena Barbosa. Homenagem de Joaquim Ferreira Moutinho com adhesão do Commercio do Porto, Porto: Typographia do Commercio do Porto, 1886,

extra-texto. ... 441 Fig. 13 : Retrato e assinatura de Inácio de Vilhena Barbosa aos 76 anos de idade, publicados primeiro em CHAGAS, Manuel Pinheiro, “Ignacio de Vilhena Barbo-sa”, in BARBOSA, Ignacio de Vilhena, Monumentos de Portugal. Historicos, artis-ticos e archeologicos, Lisboa: Castro Irmão, 1886, extra-texto; e depois em

CASTI-LHO, Júlio de, Apontamentos para o elogio historico do Illmo. e Exmo. Sr. Ignacio de Vilhena Barbosa lidos na sesão solemne da Real Associação dos Architectos e Archeologos Portuguezes em 10 de Maio de 1891, Lisboa: Typographia da Academia Real das

Sciencias, 1891, extra-texto. ... 445 Fig. 14: Armorial autárquico na sala de sessões da câmara de deputados, luneta de Salgado Veloso, fotografia de Júlio Marques, Assembleia da República/Arqui-vo Fotográfico, MUS.0823. ... 484-485

Fig.15, 16, 17, 18 e 19: Armorial autárquico no sopé do monumento erigido a D. Pedro IV no Rossio, em Lisboa (fotografias de Jorge Seixas). ... 488-489 Fig. 20, 21, 22 e 23: Armorial autárquico do palace-hotel do Buçaco (fotografias de António Melo). ... 494-495 Fig. 24: Ementa do Congresso Municipalista de 1909, desenho de Alberto de Sou-sa (por cortesia do Gabinete de Estudos Olisiponenses). ... 511

Anexo I

Ilustrações das Armas Municipais em BARBOSA. I. de Vilhena, As Cidades e Villas da Monarchia Portugueza que teem Brasão d’Armas, Lisboa: Typographia do

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Apêndice

Quadro descritivo das armas municipais em BARBOSA, I. de Vilhena, As Cidades e Villas da Monarchia Portugueza que teem Brasão d’Armas, Lisboa:

Typographia do Panorama, 1860, 3 vols.

l

istade

s

iglas

ACL - Academia das Ciências de Lisboa BA - Biblioteca da Ajuda

BGUC - Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra BPE - Biblioteca Pública de Évora

BNE - Biblioteca Nacional de España BNP - Biblioteca Nacional de Portugal BMS - Biblioteca Municipal de Santarém BPMP - Biblioteca Pública Municipal do Porto

CML/GEO – Câmara Municipal de Lisboa / Gabinete de Estudos Olisiponenses DGA/TT - Direcção Geral de Arquivos / Torre do Tombo

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Frequentador de alfarrabistas, leilões e livrarias, há muito que eu me depa-rava com umas imagens de armas de diversos municípios portugueses: as insíg-nias inscritas em escudos alongados, emoldurados por uma portada arquitec-tónica sempre igual. Certa vez, ofereceram-me um exemplar da gravura dessa série que representava as armas da cidade originária da minha família (figura 1). Emoldurei-a e pendurei-a no meu gabinete, onde permaneceu desde então. Entretanto, ao fio dos anos, continuei a ver à venda as mesmas gravuras, cuja fonte parecia inesgotável. Ou talvez não, pois mais recentemente apareceu uma colecção de postais, modernos, impressos em cartolina, que reproduziam aque-las estampas. Durante muito tempo permaneci intrigado pela origem e razões do sucesso dessa série. Ao indagar a sua proveniência, descobri que elas faziam parte da obra As Cidades e Villas da Monarchia Portugueza que teem Brasão d’Armas,

da autoria de Inácio de Vilhena Barbosa, editada em três volumes no ano de 1860. Percebi também que os livreiros esventravam a obra, separando as imagens do texto; aquelas eram vendidas avulsas, este voltava a ser encadernado, num con-junto amputado das suas ilustrações. Embora o volume assim resultante tivesse um valor comercial muito inferior à versão completa, os livreiros entendiam que a venda isolada das gravuras compensava a diferença, porque estas atraíam uma grande procura. Por indicação de alfarrabistas eruditos, compreendi também que a própria edição original havia desde logo produzido uma quantidade de gra-vuras avulsas, destinadas a serem vendidas à parte. Causou-me estranheza o destino singular da obra, condenada a um sucesso tão desequilibrado das suas partes ilustrada e escrita. As razões que haviam levado a tal fenómeno dever-se--iam colher não na qualidade do trabalho gráfico, mas em algum factor intrínseco à matéria representada. E esse foi o ponto de partida da presente indagação.

Os motivos plásticos presentes nas ilustrações eram de natureza heráldica: tratava-se das armas de 126 municípios portugueses. O livro formava portanto um armorial autárquico, em que cada imagem se referia a uma localidade, cuja história era objecto de um escorço mais ou menos extenso. Diante de uma obra desta dimensão e natureza, a pergunta inicial consistia em tentar perceber o que havia levado à sua compilação e edição. Não só no sentido de descobrir as suas

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fontes e os critérios de escolha e de análise das armas apresentadas; mas também, ou sobretudo, as condições da sua génese: quais os objectivos que lhe estiveram imanentes? Em que circunstâncias foi publicada? Qual o meio cultural em que foi gerada? Que alcance teve a sua publicação? Quais os géneros de consequências que se lhe podem imputar? De modo mais lato, esta série de perguntas desembo-cava noutras considerações: que relações se estabeleciam entre a publicação do armorial autárquico e o ambiente político coevo? Ou, mais precisamente, relacio-nar-se-ia a heráldica dos municípios com a representação do poder? Caso exis-tisse tal relação, quais os seus moldes, em que sentido funcionava, que leituras propiciava àqueles que criavam ou patrocinavam tais representações e àqueles que as observavam? O conjunto destas especulações ganhava sentido quando se inseria debaixo de um escopo comum: o de compreender de que modo a repre-sentação simbólica do conjunto dos municípios se ligava à formação e às caracte-rísticas da monarquia constitucional, e em particular à construção da identidade nacional.

A extensão da indagação inicial levava inevitavelmente ao alargamento do objecto de estudo: para além da obra de Vilhena Barbosa, deveria abranger to-das as outras colectâneas similares, ou seja, toto-das as manifestações do que se pode designar por armorial autárquico. Entende-se com esta expressão toda a manifestação plástica (imagem) ou abstracta (escrita) de um conjunto de armas municipais, qualquer que seja a natureza do seu formato patrimonial (documen-tos manuscri(documen-tos ou impressos, decorações armoriadas em edifícios ou objec(documen-tos). Tornava-se pois necessário levar adiante o levantamento dessas manifestações do armorial autárquico, para procurar estabelecer as ligações de cada uma com o meio cultural em que havia sido criada, de forma a poder definir as relações que alimentavam com a simbólica do poder.

Foram definidos três eixos de aproximação a tal problemática. Em primeiro lugar, a necessidade de compreender as circunstâncias que estiveram na base do despertar da atenção pela heráldica municipal, que acabou por conduzir à publi-cação do armorial. A série de perscrutações derivadas deste eixo concentrar-se-á pois no período específico em que o armorial de Vilhena Barbosa foi publicado em resultado da apetência por tal género de heráldica. Quando surgiu tal inte-resse? Quando se tornou uma questão relevante? Esteve ligado a alguma mani-festação concreta? Pode assinalar-se-lhe um ponto de partida definido? Houve, na raiz desse despertar, alguma relação especial com o sistema político vigente? Como se manifestou o interesse pela heráldica autárquica? Gerou-se algum de-bate à sua volta? Quem participou nele? Com que meios e propósitos se debru-çaram os interessados sobre o tema? Em que enquadramento institucional, social e cultural o fizeram?

Neste contexto, importará analisar os mecanismos de divulgação das armas municipais, especialmente os que as tratam como colectânea, isto é, sob a forma de armorial. Serão tidas em conta não apenas as manifestações escritas (manus-critas e impressas), mas também as patrimoniais, ou seja, as realizações plásticas

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de conjunto de armas municipais, principalmente ligadas a uma dimensão ar-quitectónica. Considerando que a obra de Vilhena Barbosa foi a de mais ampla divulgação, como provam as gravuras ainda hoje em circulação, esta série de questões incidirá sobre ela de forma mais aturada. E seguir-se-á uma análise dos critérios e do conteúdo heráldico, numa perspectiva mais tradicional nos estudos desta matéria, isto é, incidindo sobre as armas consideradas de forma abstracta e sobre as interpretações que o autor lhes conferiu.

Em segundo lugar, e em consequência desta última abordagem, colocam--se as questões ligadas à compreensão das raízes do estudo e da publicação das armas autárquicas. Não tanto no âmbito de traçar a origem e o percurso histórico das insígnias dos diversos municípios portugueses, se não no de procurar em que medida tais armas se tornaram objecto de estudo. Tal eixo de aproximação implicará a dilatação das balizas temporais da pesquisa, até então centrada na época em que o armorial de Vilhena Barbosa foi impresso, impondo uma visão largamente diacrónica, alargando o espectro da investigação desde o final da Idade Média, época em que surgiram os primeiros armoriais portugueses, até à implantação da monarquia constitucional. A totalidade do período assim abran-gido será designada pela expressão Antigo Regime. Não obstante o carácter pouco

preciso que tal conceito apresenta quando aplicado a um âmbito cronológico tão vasto e de balizas por vezes difíceis de definir com clareza, considera-se que a designação Antigo Regime se reveste de um cunho prático, uma vez que permite

aludir ao vasto período mencionado e, ao contrário de Idade ou Época Moderna,

não está sujeita a confusões de interpretação quando comparada com as designa-ções usuais na escola anglo-saxónica. A expressão Antigo Regime tem ainda a

van-tagem de trazer consigo certa carga semântica que remete para o facto de a época ser caracterizada por uma determinada organização política e social que depois veio a ser profundamente alterada e substituída pelas sociedades oriundas das revoluções que foram ocorrendo desde o século XVIII. Para toda a cronologia do Antigo Regime, desde o século XV até ao XIX, tratará pois de se auferir em que medida as armas municipais foram objecto de atenção por parte dos estudiosos, quer estes tenham sido autores de obras de natureza propriamente heráldica, quer de obras de outros géneros em que a descrição e interpretação das armas formem matérias secundárias.

Para proceder ao levantamento da presença da heráldica municipal, come-çar-se-á por averiguar se ela foi integrada nos primeiros armoriais produzidos em Portugal nos finais da Idade Média. Partindo da ocasião em que tal se tiver verificado pela primeira vez, procurarão entender-se as causas da sua ausência nas obras anteriores a tal momento. Mas a delimitação da forma como as armas municipais foram concebidas e consideradas ao longo da Idade Moderna terá que se apoiar numa visão mais genérica.

Impôs-se então uma indagação sobre a funcionalidade da heráldica no An-tigo Regime. Procurar-se-á definir as relações que a heráldica manteve com os diversos agentes do poder político: de que modo ela era entendida e usada como

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instrumento de afirmação e de legitimação do poder. Além do espectro político, será necessário compreender como era a heráldica inserida na sociedade, em que medida ela era instrumentalizada como espelho da ordem social vigente ou al-mejada. E, a partir deste entendimento, colocar-se-á a questão de saber se a herál-dica, para lá da mera representação de uma determinada ordem, pôde interferir e moldar a realidade social. Essa possibilidade só se tornará averiguável caso se definam os moldes em que a matéria heráldica se integrou na produção cultural. Ou seja, saber quais as relações que o saber heráldico manteve com outras áreas do conhecimento, como se inseriram os seus cultivadores na rede de produção cultural do Antigo Regime, qual a dimensão que a matéria da armaria ocupava quer no saber em geral, quer no panorama das obras impressas.

Finalmente, traçados os imprescindíveis enquadramento e levantamento anteriores, estreitar-se-á a análise sobre a existência de obras que tenham sido dedicadas às armas municipais. Neste sentido, procurará averiguar-se quais as insígnias que tenham sido objecto de compilação e estudo, e em que género de obras tal se verificou. Antes de mais, a pesquisa incidirá sobre as obras de natu-reza heráldica (armoriais, tratados de heráldica, manuais de brasão), mantendo o mesmo tipo de aproximação anteriormente aplicado à caracterização da pro-dução heráldica genérica. No caso das insígnias municipais, será prestada uma especial atenção ao enquadramento e aos propósitos com que as obras foram redigidas. Uma questão da maior pertinência consistirá em indagar sobre a pos-sível existência de alguma obra em que a heráldica municipal tenha sido objecto exclusivo de recolecção, ou seja, de algum antecedente directo da ideia de armo-rial autárquico.

O terceiro eixo de abordagem da problemática consistirá na compreensão do papel da heráldica no seio da sociedade oitocentista, na qual o armorial autár-quico foi publicado. Colocar-se-á a questão de saber de que forma as aceleradas transformações que abalaram a sociedade portuguesa desde o século XVIII se repercutiram num diferente entendimento e numa nova funcionalidade da he-ráldica. Dito por outras palavras, de que forma a heráldica continuou a espelhar a organização política e social, adaptando-se a parâmetros renovados e passando a cumprir funções distintas daquelas que havia preenchido no Antigo Regime. Será analisado em especial o caso da heráldica autárquica, de maneira a com-preender, à luz da sua funcionalidade passada e coeva, como ela se integrava na cultura da sua época, e a que projectos políticos e ideológicos correspondia a compilação e a manifestação plástica das armas dos municípios portugueses.

Por fim, com base na integração delineada, tratar-se-á de conceber as con-sequências – as desejadas e as alcançadas – da difusão do armorial autárquico. Em primeiro lugar, para a alteração da natureza do próprio saber heráldico, que conheceu no século XIX um ponto de viragem, em especial no que se prende com a ultrapassagem das limitações epistemológicas típicas do Antigo Regime e a sua integração dentro das ciências historiográficas. Em segundo lugar, no con-tributo que o armorial autárquico poderá ter tido para a construção da memória

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nacional, procurando verificar se existe alguma relação privilegiada do conjunto das insígnias municipais com a afirmação e caracterização da identidade portu-guesa. De forma a alargar o espectro de análise, indagar-se-á se a relação entre o armorial autárquico e a construção da memória nacional se verifica também noutros países, e se tal relação se pautou neles por moldes similares aos que se verificaram em Portugal.

Do estabelecimento da problemática e dos respectivos eixos de aproxima-ção decorrem a natureza e os níveis de análise das fontes. Estas dividem-se em quatro grupos. Abrangem em primeiro lugar a obra de Vilhena Barbosa, não só o armorial editado em 1860, mas os demais textos que este escritor veio a dar à es-tampa em formato de livro ou de colaboração em periódicos. Neste último caso, a produção afigura-se vasta, diversificada e dispersa, pelo que não se pretende estabelecer um rol de todos os textos da sua autoria, mas apenas recolher e ana-lisar aqueles que permitem uma compreensão do sentido global da sua obra e da inserção do armorial no seu seio. Quanto a fundos documentais referentes a Vi-lhena Barbosa, a pesquisa não revelou a localização de um arquivo próprio, pelo que apenas indirectamente se recorreu a documentação institucional ou episto-lar, quando os elementos dela decorrentes permitem lançar luz sobre o percurso biográfico e as circunstâncias da produção intelectual do autor. Mas o presente estudo não envereda pelo caminho da biografia: os dados desta natureza são usados na medida em que possibilitam o esclarecimento quer da produção das obras, quer das relações mantidas por Vilhena Barbosa com pessoas e instituições contemporâneas que se consideraram relevantes para a caracterização da men-cionada produção cultural.

As fontes integram, em segundo lugar, os periódicos coevos, cuja consul-ta se orientou preferencialmente no sentido de identificar artigos dedicados à heráldica municipal. O objectivo desta busca consistiu em sondar um conjunto de textos, de autoria variada, em que esta matéria venha abordada de maneira que permita traçar uma análise comparativa em relação aos critérios definidos e seguidos por Vilhena Barbosa para a publicação do seu armorial. Também se procurou, outrossim, centrar a atenção nos periódicos que contaram com a cola-boração deste autor, procurando aí artigos de outros autores que tratem de temas diferentes mas complementares ao da heráldica autárquica, sobretudo no que se prende com a determinação da imagem e da recuperação do passado histórico e sua projecção no presente, de forma a traçar um quadro mais dilatado de reflexão historiográfica, em cujo seio os estudos heráldicos se acolheram.

A terceira vertente das fontes consultadas prende-se com a definição do que foi a produção heráldica no Antigo Regime e no período da monarquia consti-tucional. Na ausência de sínteses fundamentadas num levantamento de fontes, procedeu-se a tal investigação de raiz, partindo de obras bibliográficas especia-lizadas, em particular o “Apparato” do primeiro tomo da Historia Genealogica

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da Casa Real Portugueza de D. António Caetano de Sousa1; a Bibliotheca Hispanica Historico-Genealogico-Heraldica de Gerhardi Ernesti de Franckenau2; a Bibliotheca stemmato-graphica hoc est genealogico-heraldica de D. Manuel Caetano de Sousa3; a Bibliographia Nobiliarchica Portugueza de Eduardo de Campos de Castro de

Azeve-do Soares (Carcavellos)4; e, por fim, o Dicionário de Bibliografia para Genealogistas

de Maria João Craigie5. Procurou-se completar as indicações fornecidas, sempre

que possível, com outros dados constantes de bibliografias gerais, nomeadamen-te a Bibliotheca Portugueza de João Franco Barreto6, a Bibliotheca Lusitana de Diogo

Barbosa Machado7 e o Diccionario Bibliographico Portuguez de Inocêncio Francisco

da Silva e Brito Aranha8. As pistas fornecidas por estas bibliografias foram

cruza-das com as referências colhicruza-das nos catálogos de diversos arquivos e bibliotecas, nomeadamente a Torre do Tombo, a Biblioteca Nacional de Portugal, a Biblioteca da Ajuda, a Biblioteca Pública Municipal do Porto, a Biblioteca Pública de Évo-ra, a Biblioteca Municipal de Santarém e a Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa. Assim se logrou estabelecer uma listagem de obras heráldicas para o período abrangido, quer manuscritas quer impressas, das quais se compulsaram todas aquelas cujo paradeiro é hoje conhecido. A consulta destas fontes permitiu estabelecer uma caracterização geral da produção heráldica no Antigo Regime e na monarquia constitucional, que depois se completou com uma análise mais pormenorizada dos textos referentes a armas municipais. Neste último âmbito, foram abrangidas obras de natureza mais variada – como crónicas, descrições geográficas, corografias, monografias locais, compêndios enciclopédicos –, em 1 SOUSA, D. Antonio Caetano de, “Apparato à Historia Genealogica da Casa Real Portugueza”, in

Historia Genealogica da Casa Real Portugueza, desde a sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques de Bragança, justificada com instrumentos, e Escritores de inviolavel fé, e offerecida a elRey D. Joaõ V. Nosso Senhor, Lisboa Occidental: Na Officina de Joseph

Antonio da Sylva, Impressor da Academia Real, 1735, tomo I, pp. I-CCXXXII.

2 FRANCKENAU, Gerhardi Ernesti de, Bibliotheca Hispanica Historico-Genealogico-Heraldica, Lipisiae: Maur. Georgii Weidmanni, 1724.

3 SOUSA, D. Emmanuele Caietano, Bibliotheca stemmato-graphica hoc est genealógico-heraldica, BNP Cód. 1148.

4 SOARES (CARCAVELLOS), Eduardo de Campos de Castro de Azevedo, Bibliographia Nobiliarchica

Portugueza, Braga: Edição do Autor, 1916-1947, 5 vols.

5 CRAIGIE, Maria-João de Nogueira Ferrão Vieira, Dicionário de Bibliografia para Genealogistas, Lisboa: Dislivro Histórica, 2006.

6 O manuscrito original desta obra fazia parte da livraria dos duques de Lafões, de que foi tirada uma cópia que pelo menos desde o século XVIII se guardava na livraria dos duques de Cadaval, conforme noticia MACHADO, Diogo Barbosa, Bibliotheca Lusitana Historica, Critica, e Cronologica. Na qual se comprehende a noticia dos Authores Portuguezes, e das Obras, que compuzeraõ desde o tempo da promulgaçaõ da Ley da Graça até o tempo prezente. Offerecida à Augusta Magestade de D. Joaõ V. Nosso Senhor, Lisboa Occidental: Na Officina de Antonio Isidoro da Fonseca, 1741-1759, tomo III, p. 665.

Existe hoje uma fotocópia integral da obra de Franco Barreto nos usuais da secção de Reservados da BNP, tirada da cópia da Casa Cadaval.

7 MACHADO, Diogo Barbosa, op. cit., 4 tomos.

8 SILVA, Innocencio Francisco da; ARANHA, Brito, Diccionario Bibliographico Portuguez, Lisboa: Im-prensa Nacional, 1883, 23 vols.

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que ocorrem notícias sobre as armas municipais portuguesas.

Por fim, a quarta vertente de fontes delimitada prende-se com a amplia-ção do âmbito geográfico, para efeito de comparaamplia-ção da compilaamplia-ção e ediamplia-ção do armorial autárquico português com esforços similares que tenham ocorrido noutros países. Pretende-se com esta investigação averiguar em que medida tal fenómeno teve lugar nos Estados oitocentistas, e de que forma se relacionou com a simbólica do poder e com a construção da identidade nacional. O ponto de partida do levantamento bibliográfico operado foi fornecido por duas obras, a recente Bibliographie Héraldique Internationale (et de quelques disciplines connexes),

de Michel Popoff9; e a Bibliographie des travaux relatifs aux armoiries des provinces et villes de France et de quelques pays étrangers, de Jacques Meurgey, obra mais antiga

e em certos aspectos ultrapassada, mas que continua a ser a única bibliografia especializada em heráldica autárquica e de abrangência internacional10. As

refe-rências assim estabelecidas foram completadas com as indicações constantes de obras recentes que, para cada país, permitiram alargar o quadro das publicações especializadas na matéria. No que se reporta à consulta e análise destas fontes, os critérios de selecção prenderam-se com questões linguísticas, uma vez que se restringiu a consulta às obras redigidas em francês, inglês, italiano, castelhano e catalão; e também com limitações do foro arquivístico, dado que a pesquisa se desenvolveu presencialmente na Bibliothèque Nationale de France e na Bibliote-ca Nacional de España, e apenas virtualmente em outras instituições congéneres, mediante acesso às respectivas páginas electrónicas e às obras aí catalogadas e porventura disponíveis para consulta em formato digital. Em resultado destas características, obteve-se uma análise centrada nos casos geográfica e cultural-mente mais próximos – espanhol, francês e italiano –, mas que se estendeu, com diversos graus de profundidade, à maior parte da realidade europeia, e que ex-travasou por vezes os limites deste continente.

Da tipologia das fontes e dos seus diferenciados níveis de análise resul-tam a diversidade e a abrangência cronológica, espacial e temática do objecto de estudo. Do ponto de vista metodológico, a necessidade de alguma unidade da abordagem geral é procurada na definição dos fundamentos teóricos da análise heráldica. Para precisar a natureza de tais fundamentos, tal como se aplicam ao presente texto, impõe-se uma revisão da literatura existente a este respeito, a qual se dividirá em três partes: uma primeira referente ao estado da questão do saber heráldico em geral; outra que se prende especificamente com a heráldica autár-quica; e uma última sobre o estudo dos armoriais.

Já diversos autores assinalaram a situação de enclausuramento de que os estudos heráldicos têm padecido, nomeadamente no que diz respeito ao seu apartamento da esfera universitária. Tal dissociação deve-se a diversos factores. 9 POPOFF, Michel, Bibliographie Héraldique Internationale (et de quelques disciplines connexes), Paris: Le

Léopard d’Or, 2003.

10 MEURGEY, Jacques, Bibliographie des travaux relatifs aux armoiries des provinces et villes de France et de

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A armaria foi encerrada, a partir do Antigo Regime, numa produção predomi-nantemente ligada a duas vertentes: o saber técnico da gramática heráldica, que tendeu a cristalizar-se em fórmulas convencionais, desligadas da realidade e des-providas de qualquer dinamismo; e as obras que serviam como auxiliares de identificação das armas, num entendimento de que o trabalho do heraldista aca-bava precisamente quando tal reconhecimento se encontrava realizado. Ambos estes aspectos fizeram com que o saber heráldico fosse encarado como uma mera preciosidade de diletantes, quando muito útil para a resolução de questões me-nores, mas indigno de ocupar um lugar próprio e significativo no conhecimento científico contemporâneo. Uma segunda ordem de factores que contribuiu para o divórcio entre heráldica e universidade consistiu na conotação do uso de armas com uma camada social específica – a nobreza, associação cujas causas serão ob-jecto de explicação no presente trabalho. Este facto prende-se com o entendimento das armas como “marcas de honra” e da heráldica como “ciência heróica”, noção criada pelos oficiais de armas, ou profissionais do brasão, a partir do século XIV e reforçado ao longo de todo o Antigo Regime. As insígnias eram apresentadas como símbolos que caracterizavam a inserção dos seus titulares na sociedade e remetiam para significados denotativos das suas origens (linhagísticas, históricas ou míticas). Tal interpretação, somando-se e sobrepondo-se à natureza identifica-tiva dos sinais heráldicos, veio a condicionar as posteriores abordagens, de forma geral, até ao século XIX. O saber heráldico centrou-se quer numa componente abstracta, ligada à fixação de laços simbológicos cuja permanência se pretendia vincar (assim, um determinado sinal deveria remeter para um significado inva-riável, ou pelo menos para um número reduzido de significados invariáveis); quer numa dimensão técnica, patente no esforço de classificação dos signos e de fixação de uma gramática própria para os descrever, dotada de um léxico e de uma sintaxe específicos. Acresce ainda que, devido às regulamentações oficiais e oficiosas de que fora objecto desde finais da Idade Média, a heráldica passara a ser estudada também nos seus aspectos normativos, de aplicação administrativa e jurídica. O saber heráldico do Antigo Regime era pois formado por componen-tes simbológicas, técnicas e normativas; e, não obstante as modificações de fundo de que foi objecto desde o século XIX, esta tríplice perspectiva continua a manter--se em parte das obras produzidas até hoje, e talvez seja a que impera ainda no entendimento comum e fora da comunidade académica11.

A profunda renovação do conhecimento científico oitocentista, contudo, reflectiu-se também no saber heráldico, que deu os primeiros passos, tímidos ainda e minoritários, em direcção à sua incorporação no conhecimento histórico. Ainda dentro dos moldes que se poderiam chamar românticos e positivistas, tal esforço ficou patente no levantamento, catalogação, fixação e publicação das fon-11 Cfr. BORGIA, Luigi, “La percezione dell’araldica nella cultura contemporanea”, in L’identità

genea-logica e araldica. Fonti, metodologie, interdisciplinarità, prospettive. Atti del XXIII Congresso internaziona-le di scienze genealogica e araldica. Torino, Archivio di Stato, 21-26 settembre 1998, Roma: Ministero per i

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tes (sobretudo, nesse primeiro momento, as de natureza sigilográfica e lapidar), e na produção de textos em que as armas começavam a ser objecto de estudo como documento, do qual era possível extrair uma série de informações que poderiam contribuir para o conhecimento de várias áreas do saber histórico, em especial a arqueologia e a história da arte. Mas manteve-se, apesar de tudo, a ligação predo-minante à genealogia e, dentro desta, à genealogia nobiliárquica (o que na época poderia, aliás, parecer um pleonasmo), permanecendo a heráldica presa ao que Alessandro Savorelli chama “a hipoteca e tutela aristocrática”. As inventariações, por sua vez, raramente conduziram a análises interpretativas, tendendo pois a produzir uma erudição diferente da do Antigo Regime, mas igualmente superfi-cial e meticulosa.

Apesar destas limitações, foi-se afirmando a noção da heráldica como ci-ência auxiliar da história. Por muito tempo, esse foi o melhor estatuto a que este ramo do conhecimento pôde aspirar. Ainda em 1969, Robert Delort arrolava-a em tal categoria12. A prestigiosa colecção sobre a tipologia das fontes da Idade

Média ocidental da Universidade de Lovaina incluiu um número dedicado à heráldica, da responsabilidade de Michel Pastoureau, publicado em 1977 e de-pois reeditado com correcções e aditamentos em 1998. Também desse volume constava o entendimento da heráldica como “science auxiliaire traditionnelle”, capaz de fornecer ao historiador das mais variadas áreas um precioso contributo para a identificação e datação dos objectos de estudo: era o que o autor cha-mava de um “microcosme au service de l’historien” ou “état civil au service de l’archéologue”13. Mas, ao mesmo tempo, abria-se a porta para um entendimento

menos restritivo, ao apontar a ligação preferencial que a heráldica podia estabele-cer com a história das mentalidades, formando então “une discipline nouvelle”. O estudo das armas ultrapassava a dimensão meramente informativa da rubri-ca anterior, para se projectar na procura dos signifirubri-cados que os emblemas ti-nham na sua relação com a sociedade no seio da qual eram gerados, modificados, transmitidos14. Renovava-se assim a abordagem a que as armas se propiciavam,

relacionando-as de forma íntima com a história cultural e social, em particular no que respeita aos “phénomènes de goût, de vogue et de mode”. Um campo, em especial, atraía as atenções do autor quer pelo absoluto menosprezo a que havia sido votado até então, quer pela riqueza de conteúdos propícios para demonstrar as potencialidades das novas perspectivas propostas: o da heráldica imaginária, ou seja, “les armoiries attribuées à des personnages de légende ou vivant aux temps pré-héraldiques”15. O mesmo autor, um dos primeiros a consagrar uma

12 DELORT, Robert, Introduction aux sciences auxiliaires de l’histoire, Paris: A. Colin, 1969, pp. 256-273. 13 PASTOUREAU, Michel, Les Armoiries, Brepols: Turnhout, 1998, pp. 66-70. Esta obra forma o 20.º

volume da colecção Typologie des Sources du Moyen Âge Occidental, dirigida por L. Genicot e R. Noël.

Segue-se a segunda edição, revista e acrescentada pelo autor. 14 IDEM, Ibidem, pp. 71-81.

15 Tema que o autor desenvolveu depois ao longo de decénios em numerosos estudos (ainda continua a produzir sobre tal matéria) que vieram, de certo modo, a condensar-se no seu livro

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PASTOURE-tese de doutoramento a uma temática desta área, veio a publicar aquela que se pode considerar como a obra consagradora dos contornos epistemológicos da heráldica liberta das peias que até então a asfixiavam: o Traité d’Héraldique16,

sur-gido em 1979 e sucessivamente reimpresso em 1993, 1997, 2003 e 2008. Logo na introdução, Pastoureau definia a heráldica como um ramo da historiografia e fixava metas para a alteração dos seus estudiosos, declarando que até então

“Bon nombre d’entre eux ne sont venus à l’héraldique que par le biais des recherches généalogiques ou des vanités nobiliaires. D’autres, moins nom-breux mais plus spécieux, n’ont recherché dans les armoiries que de mysté-rieux symboles et les traces prétendues d’un «langage sacré». Entre les mar-chands d’ancêtres et les amateurs d’hermétisme, rares ont été les héraldistes qui ont essayé de faire oeuvre d’historien. Il est aujourd’hui grand temps qu’entre l’héraldique généalogique et nobiliaire et l’héraldique ésotérique et symbolique, l’héraldique véritablement scientifique prenne enfin la place qui lui convient.”17

Tal lugar tinha de assentar numa renovação epistemológica e metodológica, baseada na formulação de problemáticas como, entre outras, a crítica das fontes, a origem das armas, a sua difusão social, as tendências e modas na escolha das cores e das figuras, a relação que elas mantinham com os fenómenos da psicolo-gia individual e colectiva, da sensibilidade, do gosto, da moral, da cultura. Afigu-rava-se sobretudo necessário entender as armas como um código social revelador da identidade e da personalidade dos seus utentes; e, se a primeira destas verten-tes correspondia aos estudos tradicionais, já a segunda abria perspectivas novas e ligava-se não apenas aos demais aspectos do conhecimento histórico, mas a uma série de outros ramos do saber18. Traçavam-se pois pistas para um entendimento

comum ou pelo menos uma base comparativa de diversos códigos emblemáticos, mediante recurso a diversificadas áreas científicas. A heráldica entrava assim em contacto não apenas com outros ramos da historiografia, mas também com

dife-AU, Michel, Armorial des chevaliers de la Table Ronde: études sur l’héraldique imaginaire à la fin du Moyen Âge, Paris: Le Léopard d’Or, 2006.

16 PASTOUREAU, Michel, Traité d’Héraldique, Paris: Bordas, 1993. Segue-se esta edição por se tratar da última a ter sido actualizada. Note-se que o autor não apareceu de forma desenquadrada: ele pró-prio refere alguns dos seus precursores imediatos ou émulos, como Rémi Mathieu, Donald Lindsay Galbreath, Léon Jéquier, Hervé Pinoteau, Michel Popoff, entre outros. Mas foi de facto Pastoureau quem logrou sistematizar as correntes de renovação dos estudos heráldicos e projectar estes, no mundo académico, para uma dimensão que eles até então desconheciam.

17 IDEM, Ibidem, p. 12.

18 IDEM, Ibidem, p. 15. Este alargamento do âmbito da heráldica no sentido de estabelecer uma com-paração entre as armas e outros fenómenos emblemáticos, e traçar pontos de contacto com outras ciências humanas e sociais já estava patente, por exemplo, na exposição “Emblèmes, Totems, Bla-sons”, organizada no Musée Guimet, em Paris, no ano de 1963. Emblèmes, Totems, Blasons. Musée Guimet. Mars-Juin 1963, Paris: Ministère d’État/Affaires Culturelles, 1963. Veja-se em particular a

introdução de Pierre Francastel (pp. XI-XVI) e os textos de Rémi Mathieu (pp. 69-73), Paul Adam (pp. 74-75), Léon Jéquier (pp. 101-102), Jean-Claude Loutsch (pp. 105-106), Szabolcs de Vajay (pp. 109-111), A. Heymowski (pp. 115-116) e René Le Juge de Segrais (pp. 147-153).

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rentes ciências humanas e sociais, com as quais poderia vir a construir relações de intercâmbio e mútuo proveito19. Esta diversificação revelou-se essencial para

ultrapassar o quadro limitado e limitativo da heráldica entendida como mero ins-trumento de identificação dos detentores das armas, e para se alçar a um nível in-terpretativo e analítico. A tónica principal radicava na ideia de que as armas são, antes de mais, signos; e, como tal, pressupõem a existência de uma consciência que lhes confere algum tipo de valor. Nessa relação entre signo e significado resi-dia o objecto preferencial da “nouvelle héraldique”, consequentemente ligada de forma íntima à história das mentalidades e à história social, pois as armas devem ser entendidas como “signes ayant pour fonction de situer les hommes dans des groupes et ces groupes dans l’ensemble de la société”20. A renovação

epistemo-lógica condensada no Traité d’Héraldique foi devidamente assinalada por

Jean--Claude Schmitt, que lhe dedicou uma recensão crítica na revista Annales21. Na segunda edição do seu tratado, em 1993, Pastoureau acrescentou um capítulo final intitulado “Quinze ans de recherches héraldiques”, em que fazia o ponto de situação do que, no seu entender, havia mudado desde 1979. Salienta-va o autor a significatiSalienta-va penetração da heráldica nos meios universitários e, de forma mais abrangente, nos trabalhos científicos, a tal ponto que se tornara possí-vel a seguinte afirmação: “l’héraldique n’est plus comme naguère une discipline réprouvée ou méprisée, mais une science reconnue”. Referia também as relações efectivas e profícuas estabelecidas com outros ramos do saber, em particular a semiologia, a história da cultura, das mentalidades, das ideologias, da simbólica, que lhe permitiam concluir: “l’héraldique a su multiplier ses enquêtes, enrichir sa documentation, transformer ses méthodes et renouveler presque entièrement ses problématiques”22. Em resultado e demonstração de tal renovamento, a

biblio-grafia de obras produzidas nesta área disparara para níveis inéditos. Não obstan-te, permanecia um certo desequilíbrio das pesquisas, tanto do ponto de vista das épocas e das regiões, como das temáticas abrangidas: questões como a origem das armas, a filologia do brasão, a heráldica imaginária, as relações com outras formas de emblemática haviam suscitado estudos numerosos e profundos; mas temas como as armas eclesiásticas, as de entidades, as de não-nobres, a activida-de dos oficiais activida-de armas, a caracterização da cultura heráldica, entre tantos outros assuntos, ficavam a aguardar que os investigadores lhes prestassem atenção. 19 Cfr. VAJAY, Szabolcs de, “L’interdisciplinalité: le contexte interdisciplinaire de généalogie et

d’hé-raldique en tant que sciences sociales”, in L’identità genealogica e araldica. Fonti, metodologie, interdi-sciplinarità, prospettive. Atti del XXIII Congresso internazionale di scienze genealogica e araldica. Torino, Archivio di Stato, 21-26 settembre 1998, Roma: Ministero per i Beni e le Attività Culturali / Ufficio

Centrale per i Beni Archivistici, 2000, vol. II, pp. 821-826. 20 PASTOUREAU, Michel, Traité d’Héraldique…, p. 289.

21 Annales. Histoire, Sciences Sociales, 38e année, n.º 1, Jan.-Fev. 1983, pp. 207-209. Além de assinalar a importância de que o tratado se revestia para o redimensionamento da heráldica, o autor prognos-ticava que a obra de Pastoureau “contribuera à donner à l’héraldique la place qui lui revient dans l’historiographie actuelle”.

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Um importante contributo para o renovamento da heráldica foi outrossim prestado por Faustino Menéndez Pidal de Navascués, cujos variados estudos deram origem a uma visão de síntese no seu discurso de entrada para a Real Academia de la Historia. Este autor apontou a especificidade da heráldica como sistema emblemático em que os signos gozam de independência em relação às suas manifestações concretas, remetendo para uma forma abstracta, sobre a qual têm incidido, de forma geral, a atenção dos estudiosos. Aí reside uma das prin-cipais limitações das pesquisas nesta área: “la variabilidad de sentidos y signi-ficaciones, frente a una relativa continuidad de las formas consideradas en abs-tracción, há sido quizá uno de los obstáculos que han entorpecido el avance en el conocimiento de la esencia del sistema heráldico”23. Ora, segundo Menéndez

Pidal, a variação no uso das armas de um âmbito social a outro pode encontrar--se, fundamentalmente, nos sentidos e significados das representações plásticas, cujos aspectos formais transcende:

“No se ha prestado atención suficiente a la básica realidad material del fenóme-no, manifestada en la representación plástica de emblemas y armerías, en su do-ble aspecto de los soportes de esas representaciones materiales y de las personas, que encargaban, poseían o simplemente veían las representaciones. Sin embargo, para compreender la esencia del sistema heráldico es necesario partir de estas consideraciones.”24

Assim, o impulso para possuir e usar emblemas heráldicos deve ser procu-rado no costume de representar as armas em determinados lugares ou objectos, dentro dos grupos sociais em que tais práticas eram correntes e remetiam para determinados significados: “los emblemas heráldicos son esencialmente signos, cuyo fin y razón de existir es precisamente ser mostrados a los demás en repre-sentaciones plásticas”. Tais manifestações são, por sua vez, inseparáveis do seu valor ornamental, que até certo ponto rege e condiciona a sua existência, as suas formas e a sua perpetuação. Por isso, as armas devem ser entendidas como uma realidade dúplice, constituída por uma mensagem e uma manifestação plástica, ambas estabelecedoras de uma transmissão entre quem as ordena ou possui, e quem as contempla. Os desafios que se colocam a partir deste entendimento vão no sentido de averiguar as motivações da escolha, exibição e transmissão dos em-blemas, e as formas e significados das suas manifestações plásticas. “Descubrir, en una palabra, las raíces humanas del fenómeno, tanto en la acción individual como en la colectiva de la sociedad”25. Surge assim uma abordagem em que as

armas são compreendidas não em si próprias, como abstracção, mas na sua in-23 MENÉNDEZ PIDAL DE NAVASCUÉS, Faustino, Los emblemas heráldicos. Una interpretación

his-tórica, Madrid: Real Academia de la Historia, 1993, p. 17. Veja-se também o estado da questão de

PARDO DE GUEVARA Y VALDÉS, Eduardo, “El estudio de los emblemas heráldicos del medievo peninsular. Estado de la cuestión”, Hispania. Revista Española de Historia, vol. L/2, n.º 175, 1990, pp.

1003-1016.

24 MENÉNDEZ PIDAL DE NAVASCUÉS, Faustino, Los emblemas heráldicos…, pp. 17-18. 25 IDEM, Ibidem, p. 33.

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serção na sociedade no âmbito da qual existiram e foram efectivamente usadas: “Solamente mediante este enfoque humano y completo puede ser posible llegar a conocer todo el valor de los emblemas heráldicos como testimonio histórico, en cuanto reflejo de la sociedad que los usa”. Menéndez Pidal aponta, assim, uma limitação de que mesmo a “nouvelle héraldique” tem padecido: a de considerar os emblemas heráldicos na sua estrutura abstracta, reportando-se preferencial ou mesmo exclusivamente ao momento da sua constituição e às suas caracte-rísticas gráficas. É preciso redefinir esta abordagem, entender que a essência do fenómeno heráldico se prende com a representação plástica dos emblemas e com a sua exibição concreta, de que deriva o que este autor chama de “conceito evo-lutivo das armas”26. No carácter dinâmico dos seus signos – tão oposto à teoria

dominante nos tratadistas clássicos – pode residir uma das causas da sobrevivên-cia e do sucesso deste sistema emblemático.

A profunda renovação dos estudos heráldicos ocorrida no terceiro quar-tel do século XX não teve, contudo, aplicação universal nem logrou debelar de imediato e por inteiro a recorrente associação subordinativa destes à genealogia e à nobiliarquia. Tal condicionamento acabou por ter dois efeitos perversos. O primeiro foi a continuação do predomínio da armaria de família sobre todos os restantes tipos de heráldica. É certo que a partir da segunda metade do século XIX se haviam começado a examinar outros géneros de armas, principalmente as municipais, as estatais e as eclesiásticas. Mas só em tempos recentes se alargou o espectro de análise do fenómeno heráldico, que passou a abranger campos até agora considerados como simples curiosidades desmerecedoras de atenção, caso das armas imaginárias, cujo estudo, lançado por Pastoureau, foi seguido por di-versos estudiosos27; ou outrossim como extensões espúrias e desprezíveis, caso

das armas associativas28 ou comerciais29, cujo interesse tem vindo a ser revelado.

Em decorrência deste alargamento, tem-se vindo a ultrapassar o preconceito de atribuição de um lugar predominante à heráldica de família no seio da história deste sistema emblemático. Quando se contempla a sociedade contemporânea, verifica-se que a heráldica continua a estar presente e a funcionar como um dos principais códigos visuais vigentes, mas que este código, na sua dimensão mais viva e inovadora, demonstra uma nítida decadência da armaria de família em relação aos outros tipos de insígnias (estatais, autárquicas, corporativas, associa-26 MENÉNDEZ PIDAL DE NAVASCUÉS, Faustino, “Concepto evolutivo de las armerías”, in

Comu-nicaciones y Conclusiones del III Congreso Internacional de Genealogia y Heráldica, Madrid, Instituto

Internacional de Genealogia y Heráldica, 1955, pp. 423-428.

27 Para um estado da questão da heráldica imaginária, além da obra citada na nota 15, cfr. PASTOU-REAU, Michel, Traité d’Héraldique…, pp. 258-261 e 283-284.

28 Veja-se o recente estudo consagrado à heráldica no futebol: SALVI, Sergio; SAVORELLI, Alessan-dro, Tutti i colori del calcio. Storia e araldica di una magnifica ossessione, Firenze: Le Lettere, 2008.

29 A ideia de estudar a heráldica comercial ou industrial parece ter sido lançada por SCOTT-GILES, C. Wilfrid, “Industrial heraldry”, in The Romance of Heraldry, London: J. M. Dent & Sons, 1951 [1929],

pp. 210-213; para o caso português, cfr. SEIXAS, Miguel Metelo de, “A heráldica da Associação Comercial de Lisboa”, Olisipo, II série, n.º 16, Jan.-Jun. 2002, pp. 107-119.

Imagem

Figura 4: “Pavilhão da praça do Commercio por occazião dos festejos reaes”,  Illustração  Luso-Brazileira , vol
Figura 6: Retrato de Inácio de Vilhena Barbosa aos 69 anos,  Diario Illustrado , n.º 2299,  1879, p

Referências

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