Y-Título:
Portugal e aGrand.e Guerra. Contextos e Protagonistas
O dos autores dos artigos
Revisão: Marcelino Amaral
Capa:FBA
Depósito Legaln.a 399467 /15
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GOilTEXTOS
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{{ÈmG.} Paginação: CláudiaMoura Impressão e acabamento: PENTAEDRO,LDA. Outubrode20lS
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Biblöotecø Nacional d.e Portugøl - Catalogøção na Publicação AGRANDEGUERRA
Portugal e a Grande Guerra. Contextos e protagonistas / org. Miguel BandeiraJerónimo. - (Extracoleção)
rsBN 978-972- 44-t668-7 I -JERÓNIMO, Miguel Bandeira
cDU 94(100)"1914 / 1978"
-
cnrMuõEs
I DAcooPERAcÃo
L
ËËåiÜi;LIndice
Ana Paula Laborinho
Nota introdutória . 9
Bárbara Reis
Os 100 anos daCrande GuerranoPúblico 11
13 15 17 25 at 45 5t 69 Miguel BandeiraJerónimo Introduçdo Textos.
Filipe Ribeiro de Meneses
Guerra sonhada e guerra aiaida: as contradições do interaencionismo português. . . . .
Aniceto Afonso
Portugal e a Grande Guerra, a questão mi'litar . .
José Manuel Sobral
Heróis do mar: anação, o império e a þarticiþação de Portugal na Primeira Guerra'. . . .
Miguel BandeiraJerónimo
Os choques da ciuilização: testemunhos, homoresesilêncios
...
Isabel Pestana Marques
A corresþondência do desassossego e da saudade
AntónioAraújo
-t
I ronrucnl E A cRANDE GUERRA. coNTExros E pRorAGoNrsrAs
Filipa Lowndes Vicente
Que imagens contamo que.foi a Grande Guerra? . . ., .
Anne Cova
As mul heres to ram a t i ais t as nn guerra., d,epois uoltaram ao lar
Sílvia Correia
Celebrar a uitória en¿ d,iad,e d¿rrota - afinal, aquern þertencem as þolíticas
da memória da Primeira Guerca Mund,ial? Nuno Severiano Teixeira
Portugal na Grand¿ Guerra: memória do þassad,o, desafiosd,ofuturo. . . . .
Pedro Lains
Lições económicas da Primeira Guerra Mundial . . . .
António CostaPinto
A Primeira Guerra Mundial e a Qued,a d,a Reþública. Uma relaçd.o comþlexa
Fernando Rosas
Guerra e revolução na Rússia de 1917
85 95 103 113 t2r 12? 135 745 T4? 155 163 177 185 191 199 20? 2t7 2r9 994 Entrevistas Jay Winter Frederick Cooper RichardFogarty... Françoise Thébaud ErezManela
...
Nicolas Offenstadt AdamHochschild . SusanPedersen .. .Aler
. MiguelBand.lru¡".oni-;,"
' ' ' ' A imþortônciadaHistória . . . . . Bibliografia básica sobre PortugalLições económicas
daPrimeira Guerra
Mundial
Pedro Lains
(Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa)
O governo da República teve de financiar a aventura da
guerra através da emissão monetária e de dívida. O aumento
da circulação monetária traduziu-se em níveis de inflação dos
mais elevados da Europa, numa forte desvalorização cambial,
e no agravamento do desequilíbrio externo do país.
Paradoxal-mente, o período a seguir ao
fim
da primeira Guerra Mundial,que ocorreu num contexto de protecionismo generalizado,
foi
palco de uma transformação de certo modo excecional daeconomia portuguesa.
O século que começou com a paz de Viena e acabou com
a primeira Guerra Mundial foi marcado pela industrialização do
continente europeu, pautadaporprogressos em todas as frentes'
A guerra alterou as regras dojogo económico internacional,
dei-xando marcas que trazemlições até aos dias de hoje.
Dado o mote da primeira revolução industrial, os países ou
regiões mais próximos da Grã-Bretanha seguiram um
cami-nho de imitação ou substituição dos elementos que estruturam
essa grande transformação económica. Por trás desse impulso
industrial esteve apossibilidade que apaz de 1815 trouxe ao
cres-cimento das trocas intraeuropeias de produtos, serviços, capitais
122 I ronrucar E A GRANDE GUERRA. coNTEXTos E pRO r.AcoNrsrAs
regime de estabilidade cambial mais conseguido da história.
O facto de a Europa ser cada vez mais o continente de monar*
quias ou repúblicas constitucionais, regimes em que os cidadãos
têm alguma voz, embora muitas vezes imperfeita, foi também de
grande importância ao contribuir para o clima de abertura de
fronteiras.
Entre os elementos do crescimento oitocentista contam-se,
não necessariamente por esta ordem, economias à épocajá rela_
tivamente avançadas, elevados níveis de capital físico e humano,
instituições financeiras experientes,
t...rtio,
naturais deexplo-ração competitiva, setores agrícolas capitalizados e virados para
os mercados locais, regionais ou internacionais, tradições
manu-fatureiras seculares e redes de estradas e canais a ligar cidades,
campos, minas e portos. Este padrão favorável à industrialização
era comum nas regiões do noroeste europeu, do norte de França
à Bélgica, do ocidente da furura Alemanha às cidades do norte de
Itália e foi potenciado pelas possibilidades abertas pelo
desenvol-vimento de novas tecnologias, formas de organização do
traba-lho e financiamento.
Houve todavia regiões da Europa que, apesar de também
terem conhecido algum crescimento económico e
desenvolvi-mento institucional e abertura ao exterior, não conseguiram
acompanhar de perto os avanços nas partes que se destacaram
do continente europeu. Portugal, como outros países das
perife-rias mais distantes a Sul e a Leste, foi um desses casos de relativo
atraso no progresso geral. A industrialização portuguesa
oito-centista não trouxe convergência económica.
A primeira Guerra Mundial teve consequências humanas
trágicas, que precisam de ser recordadas, e interrompeu
grave-mente o desenvolvimento da economia internacional.
Toda-via, uma vez terminado o conflito, em poucos anos as principais
economias beligerantes puseram-se novamente de pé, o que
deve ser compreendido à luz dos desenvolvimentos
precedãn-tes que tinham tornado a Europa no continente mais evoluído
do Mundo. Terminada a guerra, os agricultores e os industriais
franceses, suecos, catalães, italianos, alemães ou checoslovacos
voltaram-se para a econo miadapaz,apesar de todas as
dificulda-lrÇÕrs ¡,coxóMrcAs DA IRIMEIRA cUERRA MUNDIAL I tz:
des. Em meados da década de 1920já se havia atingido, um pouco
por todo o lado,os níveis de produção - e de produtividade-
exis-tentes nas vésPeras da guerra.
Mas a recuperação económica das nações não
foi
acompa-nhada pela recuperação cla economia internacional, o que
aca-bou por revelar problemas insanáveis. A disfunção registada
prende-se diretamente com o impacto da guerra nos equilíbrios
financeiros e económicos internacionais, e pela incapacidade
dos governos nacionais de levarem a cabo políticas de
coorde-nação internacional. Esses efeitos traduziram-se, em primeiro
lugar, em níveis elevados de inflação, decorrentes da necessidade que os estados tiveram de financiar as despesas de guerra com
recurso aos défices públicos e à correspondente emissão
mone-tária e de dívida pública, interna e externa. A inflação não subiu
da mesma maneira em todo o lado,já que a forma e o esforço de
financiamento daguerra variaram de país para país, o que levou
a disparidades elevadas na evolução do valor das moedas
nacio-nais. Por isso, tornou-se virtualmente impossível restabelecer um
novo regime de paridades cambiais internacionais que replicasse
o padrão-ouro do século xtx.
Sem finanças internacionais equilibradas, os estados
recor-ram ao protecionismo alfandegário e de outros tipos, limitando
severamente as trocas internacionais de produtos, capitais e,
ulteriormente, de pessoas. O mundo voltou aficar compartido,
só que desta vez as barreiras às trocas internacionais separavam
economias evoluídas com fortes interdependências que assim
foram interrompidas.
A economia portuguesa acompanhou os passos do resto da
Europa, na medida da distância a que estava do coração
econó-mico do continente. O governo da primeira República entrou
naguerra, de forma talvez inesperada, em 1916, tendo sido
igual-mente obrigado afinanciar a aventuraatravés de emissão
mone-târiae de dívida, esta em grande parte contraídajunto do aliado
britânico. O aumento da circulação monetária traduziu-se em
níveis de inflação dos mais elevados da Europa de então, e
impli-caram uma forte desvalorização cambial, e o agravamento do
acaba-t24 PORTUGAL E A GRANDE GUERRA. CONTEXTOS E PROTAGONISTAS
riam por levar a uma grande instabilidade política e
eventual-mente à mudança de regime, alguns anos depois de terminada
aguerra.
Mas a instabilidade financeira e política escondia algo de
positivo. Com efeito, o períoclo a seguir ao
fim
da primeiraGuerra Mundial foi palco de uma transformação de certo modo
excecional da economia portuguesa em muitas frentes,
trans-formação que ocorreu num contexto de protecionismo
genera-lizado, o que de certa forma a torna paradoxal. Esse crescimento,
detetado apenas recentemente através de estimativas da
evolu-ção da economia, ainda não foi suficientemente compreendido
e integrado nas interpretações gerais sobre o período de entre
as guerras, que ainda são dominadas pela análise dos efeitos
do permanente estado de crise financeira e política que o país
então viveu. As crises financeiras e políticas são evidentes mas
não dominaram asituação económica do país.
Efetivamente, o PIB þer caþitanacional cresceu a um
ritmo
médio de cerca de7,5% ao ano, em muito superior ao registado
ao longo das melhores décadas do século xlx, e pela primeira
vez em linha com o que aconteceu contemporaneamente em
outros países europeus. Ao mesmo tempo, a produção
indus-trial
expandiu de forma generalizada, tendo surgido setorestecnologicamente mais avançados, à escala do país atrasado que
Portugal era, tais como os adubos químicos, os cimentos, a
meta-lurgia ou algumas indústrias alimentares. A agricultura também
cresceu razoavelmente, sofrendo transformações estruturais na
produção, com o aumento do peso de culturas mais produtivas.
E o setor dos serviços, dos transportes ao comércio, dos bancos aos
serviços de educação e assistência na doença, acompanharam de
perto o desenvolvimento das demais atividades. O único setor,
considerado de forma generalizada, que não conheceu estes
sinais positivos foi o setor externo, incluindo as relações
econó-micas com as colónias. E aí reside, precisamente, a fonte do
para-doxo do crescimento económico português a seguir à primeira
GuerraMundial.
Apesar dos avanços da economia portuguesa durante o
período em causa, o
rol
de problemas manteve-se enorme noLIÇÕES ¡,coNólr,rIcas DA pRtMEIRA GUERRA MUNDIAL 125
contexto europeu,
já
que duas décadas não permitiramultra-pu:ru: o fosso de desenvolvimento que separava o país dos seus
principais parceiros ocidentais, incluindo naturalmente a
Espa-nha ou altâlia. Todavia, esses lentos progressos preparam de
forma inequívoca o forte crescimento que se viria a registar a
seguir à segunda Guerra Mundial, durante a idade de ouro do
crescimento económico europeu e mundial, entre 1950 e 1973.
O desenvolvimento da economia portuguesa pouco se
dis-tingue do que aconteceu em muitos países da Europa, onde o
período de entre as guerras também
foi
de crescimento etam-bém criou bases de crescimento futuro. Assim, o paradoxo
por-tuguês tem de ser compreendido no contexto europeu e de certa
forma a sua explicação poderá ajudar a compreender o
cresci-mento com fronteiras fechadas, crises financeiras e cambiais,
políticas instáveis e graves manifestações de repressão política.
Todavia, dado que o período foi relativamente curto, pois viria
a ser interrompido pelo novo conflito internacional, de
propor-ções ainda maiores, as lições que dele se retiram são necessaria-mente breves.
Mesmo assim, uma das principais conclusões será a de que,
afinal, a abertura económicapode não ser determinante do
pro-gresso económico. A abertura será provavelmente mais
impor-tante para o entendimento e vpazer'lre as nações do que paraa
prosperidade de cada nação, tomada isoladamente. O século
xx
mostrou crescimento sustentado ao longo de décadas e
depen-dente da liberdade económica e política a nível internacional.
A guerra interrompeu esses desenvolvimentos, dando lugar a
um período de crescimento de fronteiras fechadas e
substan-cialmente mais curto. Se alguma lição há atirar desta
compara-ção, será que a abertura de fronteiras é mais importante paraa
estabilidade e apaz internacionais do que para o crescimento
económico de cada nação. Esta lição não
foi
ainda cabalmentecompreendida, a nível internacional. Mas devemos seguramente
prestar-lhe a devida atenção num momento como o atual, em
que alastram em alguns países políticas de austeridade de índole marcadamente isolacionista.