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CIÊNCIA NOS CAFEZAIS: A CAMPANHA CONTRA A BROCA DO CAFÉ EM SÃO PAULO (1924-1929)

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CASA DE OSWALDO CRUZ - FIOCRUZ

Programa de Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde

ANDRÉ FELIPE CÂNDIDO DA SILVA

CIÊNCIA NOS CAFEZAIS: A CAMPANHA CONTRA A BROCA DO

CAFÉ EM SÃO PAULO (1924-1929)

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ANDRÉ FELIPE CÂNDIDO DA SILVA

CIÊNCIA NOS CAFEZAIS: A CAMPANHA CONTRA A BROCA DO

CAFÉ EM SÃO PAULO (1924-1929)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/ FIOCRUZ como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História das Ciências

Orientador: Prof. Dr. Jaime Larry Benchimol

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S586 SILVA, André Felipe Cândido da

Ciência nos cafezais: a campanha contra a broca do café em São Paulo (1924-1929). / André Felipe Cândido da Silva. - Rio de Janeiro: [s.n.], 2006.

229f. ; 30cm.

Dissertação (Mestrado em História das Ciências da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, 2006. Bibliografia: f.209-217.

1. Agricultura. 2. Pragas da agricultura. 3. Broca do café. 4. História. 5. História das Ciências. 6. São Paulo. 7. Brasil. I. Título.

.

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ANDRÉ FELIPE CÂNDIDO DA SILVA

CIENCIA NOS CAFEZAIS: A CAMPANHA CONTRA A BROCA DO CAFÉ EM SÃO PAULO (1924-1929)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/ FIOCRUZ como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História das Ciências

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________ Prof. Dr. Jaime Larry Benchimol (orientador)

Casa de Oswaldo Cruz/ FIOCRUZ

____________________________________________________________ Profa Dra. Sílvia Fernanda de M. Figueirôa

Instituto de Geociências/ UNICAMP

____________________________________________________________ Profa Dra. Magali Romero Sá

Casa de Oswaldo Cruz/ FIOCRUZ

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a meu orientador, Jaime Benchimol, que me conduziu nesse trabalho com lucidez e serenidade, sempre me incentivando através de sua empolgação pelo tema. Não posso deixar de agradecer à sua paciente revisão, sem a qual esse trabalho muito perderia em clareza na sua apresentação.

Agradeço aos professores e pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz que ao suscitar discussões durante as aulas e conversas levaram-me a refletir sobre meu objeto de estudo. Principalmente a Gilberto Hochman, Luiz Antonio Teixeira, Robert Wegner, Lorelai Kury, Nara Azevedo, Luiz Otávio Ferreira e Flávio Coelho Edler.

Não posso deixar de agradecer também à Fundação Oswaldo Cruz, financiadora de minha bolsa de mestrado, que de certo modo viabilizou a realização desse trabalho.

Agradeço a minha família que sempre me acompanhou durante esse período, compreendendo minhas longas ausências e estimulando-me a acreditar nas possibilidades. A minha mãe, Wanda, pelo seu apoio moral e financeiro, a Carla e Pedro pelas inúmeras e sempre calorosas acolhidas em minhas inúmeras viagens a São Paulo e a todos meus irmãos: Alexandre, Lupe, Maria Isabel e Maristela.

A todos aqueles que me atenderam durante as incursões pelas bibliotecas e arquivos. Ao pessoal da biblioteca da COC, da Biblioteca Nacional, do CPDOc, do Arquivo do Estado de São Paulo.

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Agradeço aos colegas da turma de pós-graduação da COC, mestrado e doutorado, com quem dividi muitos momentos em sala de aula ou fora dela (principalmente): Maria Regina, Mauro, Alex, Vicente, Fernando, Fernando Pires, Vanessa, Paula, Renato, Vanda, Antônio, Luciana, Luiz, Analuce, Andréia, Rodrigo. Agradeço ao amigo Vanderlei que participou mais proximamente desse trabalho, presenciando os momentos de ansiedade, agruras, euforias, dúvidas e conquistas.

Ao pessoal do meu antigo laboratório com quem sempre mantive estreitos laços e que também dividiram muitos dos percalços enfrentados durante esse mestrado: Eliana, Fátima, Vera, Rosana, Márcia, Marina, Lívia... todo mundo! Também aos colegas da UERJ que acompanharam com naturalidade o estranho fato de alguém que faz um mestrado em história antes de concluir a graduação!

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“Não colhemos o que semeamos e o que cultivamos, porém, apenas as sobras do que os inimigos das plantas nos deixam.”

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SUMÁRIO

RESUMO 5

ABSTRACT 6

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO 1 - Cultura Cafeeira no Brasil: panorama histórico e

pragas agrícolas 17

1.1 Da introdução do café no Brasil e sua expansão por São Paulo 17 1.2 O processo cafeicultor paulista nos anos 1920: da plantação ao porto 30 1.3 Esboço histórico da pesquisa agrícola no Brasil até os anos 1920 35 1.4 As experiências prévias com pragas agrícolas 43 CAPÍTULO 2 - A riqueza paulista sob ameaça 53

2.1A imprensa dá o alarme 53

2.2. “Quem trouxe o bicho pra cá?” A querela envolvendo o Instituto Agronômico de

Campinas e a Defesa Sanitária Vegetal 61 2.3 As medidas do governo de São Paulo e a reação da lavoura 69

2.4 A polifonia de discursos 76

CAPÍTULO 3 - Estado e cientistas em socorro ao café 83

3.1 Arthur Neiva, Costa Lima e a entomologia brasileira 84 3.2 A identificação do parasita: o pesadelo de Java e o “profeta” Navarro de Andrade 102 3.3 A Comissão de Estudo e Debelação da Praga Cafeeira 113 3.4 Apresentando o protagonista: o Stephanoderes e sua ação sobre os cafezais de São Paulo 125

CAPÍTULO 4 - Coerção e persuasão: o esquadrinhamento da produção

cafeeira e uma ampla campanha de divulgação científica 136

4.1 As medidas prescritas pela Comissão científica 136

4.2 A cafeicultura sob vigilância 148

4.3. Conhecer para combater: a campanha de divulgação científica 157 CAPÍTULO 5 - O Instituto Biológico de São Paulo e a adoção do

controle biológico no Brasil

174

5.1“A broca é civilizadora”: Um projeto ilustrado para o “progresso bandeirante” 175

5.2 O rebento de Manguinhos 182

5.3 O controle biológico no combate a pragas 193

CONCLUSÃO 204

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

209

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RESUMO

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ABSTRACT

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INTRODUÇÃO

Em fins de maio de 1924, a imprensa paulista noticiou a ocorrência de uma praga nos cafezais de Campinas, que ameaçava fazer ruir o portentoso edifício econômico erigido sobre o “ouro verde”. O parasita, um minúsculo inseto broqueador das cerejas de café, inutilizava o grão e tinha grande potencial de devastação. A cultura cafeeira das colônias holandesas de Java e Sumatra, no sudeste asiático, já havia sido vitimada pela praga e estabelecera um aparato de pesquisas para dar conta do problema.

Conforme a versão oficial dos acontecimentos, a broca do café, como era conhecida a praga, fora introduzida no Brasil em meados de 1913, pela importação de mudas e sementes contaminadas. Desde então, ficara à espreita nos cafezais campineiros, até o começo da década de 1920, quando começou a proliferar, alcançando altos níveis de infestação. Um fazendeiro de Campinas notificou a ocorrência do mal ao secretário de Agricultura, em 1924. Logo depois, a imprensa tomou conta do assunto, provocando grande apreensão na sociedade paulista.

Os cientistas Arthur Neiva e Costa Lima foram convocados para identificar o parasita e estudar meios de combatê-lo. Diante da gravidade do problema, o governo paulista criou uma comissão científica – a Comissão de Estudo e Debelação da Praga Cafeeira -, responsável por levar à frente a campanha contra a broca. Esta incluiu vigoroso aparato de fiscalização e amplo trabalho de divulgação científica.

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entomologista do Biológico, Adolpho Hempel, foi enviado a Uganda, lugar de origem do inseto, para importar seus inimigos naturais.

Ao tomar como fio condutor a broca do café, o presente estudo analisa seus desdobramentos a nível institucional, político e social, bem como as estratégias mobilizadas durante a campanha contra a praga. Combinando persuasão e coerção, esta teve impacto direto sobre a dinâmica da produção cafeeira, e procurou reordenar hábitos rotineiros em prol de práticas que considerava científicas.

Minha chegada a este objeto de estudo remonta ao antigo interesse de Jaime Benchimol, que me orienta neste trabalho, em aprofundar o tema da qual tinha apenas conhecimentos difusos. Ele transparece em seu trabalho datado de 1993 e escrito em colaboração com Luiz Antônio Teixeira. Ao ser apresentado a este interessante capítulo da história das ciências e da economia em São Paulo, propus-me a desenvolvê-lo como tema de minha dissertação de mestrado.

Para a concretização desse trabalho, somaram-se às dificuldades próprias ao arrolamento e seleção das fontes, o fato de tratar-se de um objeto relacionado à história de São Paulo, a ser investigado numa instituição carioca, a Fundação Oswaldo Cruz. Evidentemente isso criou entraves ao levantamento exaustivo do material disponível em São Paulo, tendo em vista as limitações atualmente impostas à duração e ao escopo de uma dissertação de mestrado. Infelizmente, repartições como a biblioteca do Instituto Agronômico de Campinas, o Arquivo Municipal desse município, o acervo do Museu do Café em Santos e o fundo documental de Edmundo Navarro de Andrade, em Rio Claro,1 não puderam ser inventariados por mim.

Busquei minimizar esses entraves, procurando em instituições do Rio de Janeiro fontes que porventura se referissem ao episódio ocorrido em São Paulo. Na coleção de periódicos da

1 A dissertação de Martins (2004) apresentou o “legado documental” de Edmundo Navarro de Andrade,

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Biblioteca Nacional deparei-me com abundantes referências na imprensa paulista da época, o que justifica a predominância das fontes midiáticas no presente trabalho, principalmente O Estado de São Paulo. Este, enquanto porta-voz dos interesses da Sociedade Rural Brasileira, agremiação mais ativa durante a praga, dedicou significativo espaço às notícias sobre o fato: o andamento dos trabalhos da Comissão, as opiniões de diversos indivíduos sobre o assunto, as contendas sobre o responsável pela introdução do parasita, o lobby em prol do Instituto Biológico, entre outros aspectos da crise.

Se os periódicos já foram vistos como fontes suspeitas devido ao que se taxava de excessivo comprometimento ideológico, aos poucos passaram a ser cada vez mais utilizados, diante da constatação de que nenhuma fonte é, em si, neutra. Enquanto registros instantâneos dos fatos que ocorriam num determinado momento, tornam-se meios privilegiados de apreensão dos eventos passados naquela escala de tempo que Fernand Braudel chamou de “curta duração.” Segundo Capelato (1988, p. 13): “a imprensa registra, comenta e participa da história.” Apesar da importância dos periódicos como fontes históricas, o historiador deve ter cautela ao utilizá-los. Os jornais atuam na construção dos fatos de acordo com o posicionamento assumido no espectro político do momento, a vinculação ideológica e os interesses às quais estão ligados (Idem, p. 20-3).

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Telarolli Júnior (1996b), em artigo sobre a imprensa durante as epidemias de febre amarela no interior de São Paulo, aponta a importância dos jornais no resgate de alguns aspectos do cotidiano, muitas vezes ausentes nas fontes oficiais. O partidarismo da imprensa paulista, de acordo com Telarolli, fez-se presente nas questões de saúde pública. O autor demonstra que a versão dada aos fatos variava de acordo com as distintas filiações dos jornais. Segundo Telarolli, as tensões entre a imprensa local e a grande imprensa, também observadas durante a broca do café, deviam-se aos conflitos entre o poder regional e as autoridades estaduais (Idem, p. 271-4).

Além do farto material encontrado na imprensa paulista, minha pesquisa beneficiou-se com outros achados, como o fundo documental de Arthur Neiva, depositado no Centro de Documentação Contemporânea (CPDOc), na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Aí encontrei muitas das publicações oficiais da Comissão, cruciais para o presente trabalho, e deparei-me com correspondências relativas à campanha contra a broca do café e ao Instituto Biológico de São Paulo.

Graças a essas informações, pude rumar para São Paulo com a pesquisa mais amadurecida e recortes mais definidos, tendo em mente o tipo de material que deveria buscar. No Arquivo do Estado de São Paulo pesquisei fontes de cunho oficial - os relatórios anuais da Secretaria de Agricultura e os Anais da Câmara dos Deputados. No arquivo paulista consultei ainda a Gazeta de Campinas, a fim de obter um contraponto ao Diário do Povo, pesquisado na Biblioteca Nacional, até então minha única fonte referente ao comportamento da sociedade campineira em relação à praga. Por ter sido este município o epicentro da crise, era necessário mapear os posicionamentos de seus porta-vozes e compilar os registros da praga em seus diferentes matizes.

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O episódio da broca do café e a comissão científica para debelá-la foram mencionados em algumas obras que tratam da história da agricultura em geral, e do café, em particular. Na maioria das vezes, o caso é narrado en passant, reproduzindo o teor ou trechos dos relatórios de Neiva. Em sua monumental obra histórica sobre o café no Brasil, Taunay (1939) trata da praga com certo detalhamento, assim como Amaral (1939), em História Geral da Agricultura Brasileira. Entusiasta da diversificação agrícola e contrário à monocultura latifundiária, este autor considera que a broca seria o evento que propiciaria o fim do exclusivismo do café na economia brasileira e a falência das grandes propriedades.

Por sua vez, a historiografia das ciências relacionada à praga do café e a seus efeitos, por privilegiar as “vitórias” e permanências, tratou a Comissão como precedente ou “embrião” do Instituto Biológico de São Paulo. Essa linha é seguida por Dantes (1979)2 e persistiu nos trabalhos bastante posteriores de Szmreczányi (1990) e Motoyama (2004). A praga aparece como evento circunstancial, catalisadora das forças sociais que levariam à criação do Biológico. As referências à campanha de Neiva e colaboradores enfatizam o pouco tempo em que a praga foi dominada, heroificando a atuação dos cientistas. Ao analisar especificamente a trajetória do Instituto Biológico, Ribeiro (1997) faz um minucioso relato da campanha contra a broca, baseando-se, porém, fundamentalmente nos relatórios de Neiva. Mais uma vez, a Comissão aparece como um precedente do Biológico e a broca, como a “calamidade” que teria viabilizado aquela instituição - uma recorrência da interpretação segundo a qual a catástrofe emergencial suscita a formação de núcleos de investigação científica.

Até onde pude notar, nenhum trabalho focaliza especificamente a praga e seus desdobramentos – a comissão científica e a campanha de combate- , mapeando as estratégias para dar conta da questão e as tensões e constrangimentos próprios aquele contexto histórico. Ao assumir ciência como prática culturalmente situada e socialmente contingenciada, o presente estudo concorre para demonstração empírica de como a atividade cientifica assume contornos próprios ao transcorrer e interferir em dada conjuntura histórica. Longe de desfrutar de estatuto especial conferido por uma racionalidade intrínseca, o conhecimento científico

2 É preciso levar em conta, porém, que o trabalho de Maria Amélia Mascarenhas Dantes pretende fazer um

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emerge como construção histórica levada a cabo por atores sociais que aceitam como legítimos os valores, conceitos e práticas professados (Mendelsohn, 1977, p. 4).

Por compartilhar desse referencial teórico e pela proximidade temática, alguns trabalhos aproximam-se bastante do presente estudo e, portanto, merecem ser destacados. Realço o trabalho de Sílvia Figueirôa (1987) sobre a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, criada em 1886 para dar resposta às questões da economia cafeeira que limitavam seu pleno desenvolvimento, num momento de franco processo de expansão. Tais questões diziam respeito à ocupação das terras do oeste, onde tornava-se premente o melhor conhecimento de suas riquezas e a necessidade de maior integração entre as áreas produtoras através de vias de comunicação. Figueirôa trata de um ramo das ciências - as “ciências da terra” -, mobilizado para a resolução de problemas concretos da economia cafeeira. A autora não subordina a criação da Comissão Geográfica e Geológica a uma lógica puramente economicista, mas alia às demandas da cafeicultura a valorização do conhecimento científico no final do século XIX.

Nessa mesma chave interpretativa situa-se o trabalho de Reginaldo Meloni (1999) sobre a criação da Imperial Estação Agronômica de Campinas em 1887, futuro Instituto Agronômico de Campinas. De acordo com esse autor, a Estação Agronômica vinculou-se a princípio, estreitamente às demandas da agricultura paulista, como a questão do esgotamento do solo, provocado por métodos predatórios de cultivo do café. Concentrando-se nos dez primeiros anos da instituição, quando teve papel marcante seu idealizador, o austríaco Franz Wilhelm Dafert, Meloni identifica os fatores políticos, econômicos e culturais que intervieram na atividade científica realizada na Estação Agronômica. Assim, lança luz sobre o contexto de criação do Instituto Agronômico, marcado pelas mudanças estruturais da sociedade do último quartel do XIX: a questão da mão-de-obra, o advento da República e as primeiras crises de superprodução do café.

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química agrícola de Liebig e a fisiologia vegetal. Segundo a autora, estes novos campos disciplinares teriam promovido uma descontinuidade na relação entre ciência e agricultura, moldada por um novo panorama político. O processo de descentralização ocorrido no final do Império teria favorecido as iniciativas provinciais em pesquisa agrícola, que incluem a criação dos institutos da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro na década de 1860, e da Estação Agronômica de Campinas, em 1887.

O trabalho de Domingues (1995) é especialmente significativo para o presente estudo, por tratar das pragas agrícolas surgidas a partir da segunda metade do século XIX: a lagarta das folhas dos cafeeiros, que afetou a cafeicultura fluminense no começo de 1860; a praga dos canaviais baianos, da mesma época; e a doença provocada por nematódeos, no final de 1880, estudada pelo naturalista Emilio Goeldi. Graças aos casos recuperados por Domingues, pude traçar um quadro comparativo entre as respostas institucionais suscitadas pelas pragas agrícolas no século XIX e aquela que se abateu sobre a cafeicultura paulista nos anos 1920.

Em trabalho sobre o mosaico da cana, doença contemporânea à broca do café, Oliver (2001) aponta como aquele evento catalisou a instauração de um aparato de pesquisa científica voltado para a agroindústria canavieira em São Paulo. Ao analisar aquela crise, a autora mostra o papel fundamental do agrônomo paulista José Visioli na campanha contra a doença e na implementação da Estação Experimental da Cana, em Piracicaba. Criada em 1927, esta gerou os conhecimentos necessários para a substituição das variedades de cana, medida indicada por Visioli para combate à doença. Nos anos seguintes esse centro de estudos possibilitou a São Paulo alcançar significativa produção canavieira e promover a modernização dessa agroindústria.

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Nesse sentido, as pragas agrícolas são autênticos objetos de reflexão histórica, ainda que não tenham recebido a devida atenção da historiografia das ciências e da economia no Brasil. Permitem aprofundar o debate sobre as relações entre ciência e sociedade, ao fornecerem panorama privilegiado do modo pela qual a primeira é mobilizada em favor da segunda. Os vínculos pragmáticos da ciência com a economia são forjados no âmbito da política, e dessa forma as pragas agrícolas nos fazem entrever quão imbricados se tornam esses domínios em momentos de crise. Apesar dos diversos trabalhos dedicados às epidemias e da reflexão bastante amadurecida sobre a configuração social das doenças, os “inimigos da lavoura” ainda não foram alvo de investigações mais sistemáticas. Somente quando houver maior profusão de estudos monográficos sobre o assunto, será possível a extrapolação de modelos interpretativos mais gerais sobre as respostas e contingências suscitadas pelas pragas.

Ainda que não fosse uma epidemia, o combate à broca foi balizado pelo modelo campanhista da saúde pública estruturado durante os surtos epidêmicos. Isso se deveu em grande parte ao fato de Arthur Neiva, o chefe da Comissão e médico de formação, ter adquirido durante sua trajetória sólida experiência no combate a doenças: no serviço de profilaxia da febre amarela, onde iniciou sua carreira; nas campanhas contra a malária e na pandemia de gripe espanhola, em 1918, quando era diretor do Serviço Sanitário paulista.

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Queiroz e ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC), centro de pesquisas que teve relevante papel no presente estudo. Para finalizar, descrevo as principais pragas do cafeeiro e outras culturas que têm relação com meu objeto de análise.

Na segunda unidade da dissertação, apresento os primeiros momentos da praga, em 1924, desde a notificação feita por um fazendeiro de Campinas até as primeiras medidas instituídas pelo governo recém-empossado de Carlos de Campos, passando pelo alarme soado nas colunas da imprensa paulista. Mostro como a ligação da broca com o município de Campinas, e a intervenção do governo no comércio daquele município provocou a reação inflamada dos elementos afetados, manifestada através da imprensa local. Nesse primeiro momento, em que os periódicos foram o palco onde se expressaram os conflitos, descrevo a candente controvérsia que envolveu o diretor do IAC, Arthaud Berthet, acusado de introduzir a praga em São Paulo. No calor dos discursos alarmistas e da apreensão causada pelo mal, relaciono os diferentes atores, entre cientistas e lavradores, que se colocaram em cena, advogando conhecimentos sobre a praga. Incluo a sugestão feita por segmentos da lavoura de se destruir completamente a safra, recebendo os fazendeiros indenização do governo. Apesar dessa proposta ganhar alento entre os cafeicultores, mostro como o discurso da comissão científica se fez hegemônico frente às vozes então dissonantes.

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No quarto capítulo concentro-me nas estratégias mobilizadas pelos cientistas para atingir os cafeicultores (latifundiários e pequenos proprietários), inclusive aquelas derivadas da coerção assegurada por leis decretadas pelo governo paulista. Procuro mostrar o quanto a aliança estreita dos cientistas com o governo de São Paulo foi crucial para a campanha, e analiso o controle da produção cafeeira exercido através de extenso aparato de fiscalização. Descrevo, ainda, a ampla campanha de divulgação científica, cujas estratégias lançaram mão dos mais novidadeiros métodos de informação, inclusive o cinema. Aponto como a divulgação foi o componente que fez com que a ciência produzida pela Comissão fosse sensível aos arranjos próprios da economia cafeeira paulista.

No quinto e último capítulo, analiso o contexto de criação do Instituto Biológico, e busco mapear os debates e o processo de negociação transcorridos em São Paulo. Procuro conceber aquela instituição não somente como resultado direto da broca do café, mas também como aspiração da aristocracia cafeeira de promover as ciências como distintivo de seu progresso e civilização. Mostro que o Instituto Oswaldo Cruz foi o modelo perseguido pelos idealizadores do Biológico de São Paulo, especialmente Neiva, e que o novo instituto incorporou muito da tradição científica gerada em Manguinhos, nomeando profissionais que pertenceram a seus antigos quadros. Por fim, examino a iniciativa do Instituto Biológico de adotar o controle biológico como meio alternativo de debelação da praga.

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CAPÍTULO 1: Cultura cafeeira: panorama histórico e pragas agrícolas

1.1.- Da introdução do café no Brasil e sua expansão por São Paulo

Apesar de ter sido introduzido no Brasil ainda na primeira metade do século XVIII, o café se tornou uma cultura significativa para o comércio brasileiro apenas no começo do século XIX (Prado Jr, 1963, p. 163). A cultura era por demais incipiente, sem expressão na balança comercial, quando foi iniciada nos estados do Amapá, Amazonas e Maranhão, e difundida posteriormente para Bahia e Ceará (Taunay, 1945).

Trazido para o Rio de Janeiro na segunda metade do século XVIII, o café foi, a princípio, uma cultura de chácaras e quintais. Logo começou a escalar as encostas montanhosas próximas à capital do Império, onde chegou a constituir um excedente exportável (Idem, p 39).3 Das encostas, o café rumou para o sul do Rio de Janeiro, alcançando primeiramente os arrabaldes de Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba e em seguida, no vale do Paraíba, as regiões de Resende e Vassouras. Na primeira década após a Independência, o café representava 18% das exportações. Já nas duas décadas seguintes ascenderia a 40% do valor total de produtos exportados (Furtado, 1968, p. 122). A acolhida do café brasileiro no mercado internacional foi favorecida pela importância crescente atribuída a esse desse produto no comércio mundial desde o século XVIII e à abertura do mercado norte-americano (Prado Jr., 163-4).

3 A cultura cafeeira no Rio de Janeiro foi favorecida pela disponibilidade de mão de obra, ali concentrada e

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No vale do Paraíba, a cultura cafeeira ganhou impulso devido a condições naturais favoráveis: terras virgens, solos férteis, terrenos acidentados, entre outros fatores (Idem, p. 165). Na primeira metade do século XIX, a faixa costeira ao sul do Rio de Janeiro tornara-se importante zona produtora. Aos poucos, o café espraiou-se pelas margens do Paraíba, até alcançar a porção oriental de São Paulo e a região limítrofe com Minas Gerais (Idem, p. 166). O vale do Paraíba paulista e fluminense formava um cenário geográfico, econômico e comercial contínuo, já que compartilhava as mesmas características estruturais: ampla utilização da mão-de-obra escrava, uso de muares no transporte e escoamento da produção para o porto do Rio de Janeiro, que atuava como centro financeiro e controlador (Furtado, 1968, p. 124; Prado Jr., p. 166). A garantia do suprimento de escravos, que naquela região alcançou seu auge nos dois anos anteriores à proibição do tráfico (1850), permitiu que a expansão do café se fizesse praticamente sem limitações de mão de obra. Como afirma Motta Sobrinho (1968, p 54): “Sem os negros não haveria tanto café, e sem o café os nobres de Pindamonhangaba não poderiam viver tão senhoril e faustosamente.”

Até o terceiro quartel do século XIX, o vale do Paraíba representou o centro dinâmico da produção cafeeira no Brasil. Ali floresceram importantes cidades e prosperou a elite que compôs grande parte dos quadros do governo imperial, chamada por Maria Isaura Pereira de Queiroz de “burguesia latifundiária com fumos de nobreza” (apud Lima, 1986, p. 17). Porém, a partir do último quartel daquele século, a cultura cafeeira do vale do Paraíba entrou em decadência, devido aos métodos predatórios de cultivo que provocaram o esgotamento do solo e o depauperamento das plantações. Além das técnicas rudimentares na produção, a cafeicultura naquela região não foi muito permeável a métodos mais sofisticados de beneficiamento (Lima, 1986, p.17).

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República. Cada vez mais empobrecida, aquela região entraria em letargia nas décadas seguintes, dando origem às “cidades mortas”, celebrizadas na literatura de Monteiro Lobato. Segundo Sérgio Milliet (1982, p. 11) “A terra cansada que ele [o café] abandona se despovoa, empobrece, definha; a terra virgem que ele deflora logo se empenha de vida ativa, enriquece, progride.”

Antes mesmo que se consumasse a decadência do vale do Paraíba fluminense e paulista, uma nova região despontou como concorrente - a zona central de São Paulo, nos arredores de Campinas, onde a estrutura voltada para a economia canavieira serviu como base para o desenvolvimento ulterior da cultura cafeeira. O café existia naquela região desde 1800, mas apenas no último quartel do século XIX adquiriu relevância, transformando Campinas e seus arredores no grande centro produtor do país (Prado Jr, 1963, p. 168). Já em 1836, das 582.066 arrobas produzidas em São Paulo, 1/5 eram provenientes da “zona central” e o restante do chamado “norte paulista”, região equivalente à zona do vale do Paraíba (Milliet, 1982, p. 19). Conhecida nos últimos anos da monarquia como “capital da lavoura”, Campinas adquiriu prestígio por toda a região do oeste, onde constituiu importante núcleo cultural e político (Lima, 1986, p. 25). Dali, o café difundiu-se pelo oeste paulista, onde a topografia levemente ondulada e os solos férteis favoreciam o desenvolvimento de plantações contínuas que formariam, nas décadas seguintes, um gigantesco “oceano verde”. De acordo com Milliet (1982, p. 11): “Durante pouco mais de um século, o panorama do nosso crescimento e do nosso progresso se desdobra num cenário de colinas riscadas por cafezais. Tudo gira em torno dele (...) e tudo a ele se destina”.

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no desenvolvimento da cafeicultura, de modo que a partir de 1870, a expansão do café e a dilatação dos trilhos marchariam em ritmo praticamente simultâneo (Lapa, 1983, p 93).

Em 1867, foi inaugurada a São Paulo Railway, conhecida como “inglesa”, que ligava o porto de Santos à capital, chegando até Jundiaí. Vencia-se assim o obstáculo secular representado pela serra do mar. Estabelecida através de investimentos britânicos, a São Paulo Railway monopolizaria a linha entre o interior e o litoral até a década de 1930 (Matos, 1990). O porto de Santos passou a ser o destino da produção do café de São Paulo, em detrimento do porto do Rio de Janeiro, que escoava a produção do vale do Paraíba. A partir da transposição da serra, uma complexa rede ferroviária espraiou-se interior adentro, cuja importância não se restringiu aos benefícios econômicos (Lima, 1986, p. 40). Juntamente com a “inglesa” fundou-se, por iniciativa dos próprios fazendeiros paulistas, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, cuja finalidade era estender os trilhos da São Paulo Railway até Campinas.

O curso tomado pelas ferrovias era ditado pelo interesse em abarcar as novas zonas produtoras que surgiam em ritmo acelerado nas frentes pioneiras do café, sempre avançando em busca de terras virgens e férteis. As regiões de São Paulo passariam a ser referidas de acordo com o tronco ferroviário que as serviam (Milliet, 1982). Na década de 1870, a malha ferroviária de São Paulo teve grande desenvolvimento: em 1872, a Companhia Paulista chegou a Campinas e, em seguida, às regiões de Limeira, Rio Claro, Leme, Pirassununga e Porto Ferreira; em 1873 foi fundada a Ituana, e em 1875, as companhias Mogiana e Sorocabana (Mattos, 1990). A Mogiana, cujos acionistas eram todos ligados ao café, atingiu as fronteiras com o sul de Minas Gerais no fim do século XIX, vinculando a economia paulista àquela região e ao chamado triângulo mineiro.

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ferrovias seguiram o café; a população e a prosperidade seguiam as ferrovias” – diria Love (1982, p. 23).

Houve acentuada disjunção na paisagem do vale do Paraíba ao oeste paulista, na medida em que neste a cafeicultura assumiu as características de empreendimento tipicamente capitalista. As formas de exploração da terra, da mão de obra e as relações de produção visaram a maximização dos lucros e deram lugar a uma nova racionalidade administrativa presente desde a abertura de imensas plantações nos sertões até a comercialização do café no porto de Santos. Nas regiões que iam sendo desbravadas pelo café, cristalizaram-se novos valores e costumes. Os fazendeiros do oeste adquiriram caráter urbano, já que as fazendas tornaram-se apenas unidades de produção, visitadas periodicamente por seus proprietários. Não eram mais núcleos autárquicos como no vale do Paraíba. O fenômeno urbano que caracterizou a expansão do café pelo oeste foi impulsionado pelos investimentos feitos pelos fazendeiros em outros ramos da economia, como as próprias companhias ferroviárias, que atuaram como “plantadoras de cidades”. Tais fazendeiros contribuíam muitas vezes para a fundação destes núcleos que repentinamente surgiam nas “bocas de sertão” e cujo desenvolvimento ulterior era favorecido pela nova dinâmica de povoamento, ‘azeitada’ pelos capitais da burguesia cafeeira paulista.

A questão da mão-de-obra foi outro fator diferenciador do oeste. Ao contrário dos fazendeiros do “norte paulista”, que até o fim permaneceram aferrados ao escravismo, base de seu sistema econômico; os do oeste, embora também lançassem mão de cativos para o trabalho, foram mais permeáveis ao trabalho livre. O afluxo de negros das regiões economicamente decadentes, como as províncias do nordeste, para a lavoura paulista, aos poucos se mostrou uma solução pouco compensadora. A carestia e escassez do braço escravo, aliadas à enorme demanda de mão de obra, fizeram com que os fazendeiros do oeste vissem no trabalho livre uma solução viável. Este foi introduzido através da imigração,4 sobretudo no último quarto do século XIX, quando o problema da falta de braços tornou-se agudo. Apesar

4 Apesar da região centro-oeste de São Paulo ter reunido o maior número de escravos entre 1854 e 1874, foi lá

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do malogro das primeiras experiências com a mão de obra livre,5 esta apareceu como possibilidade de estabelecer uma nova relação de trabalho.

Os fazendeiros paulistas viram que para o sucesso de uma política imigratória era necessário que o governo custeasse as despesas com as passagens, alojamento e distribuição da mão-de-obra. Em 1871 fundou-se a Associação de Colonização e Imigração. O êxito desta associação na subvenção do programa de imigração fomentou a criação de outras sociedades, como a Sociedade Promotora da Imigração, fundada em 1886. Às vésperas da abolição, a proporção de escravos nas propriedades do oeste paulista já era bastante reduzida: de 28%, em 1854, baixara para 9%, em 1886 (Love, 1982, p. 26).

O arranjo político centralizado do Império entravava a política imigratória realizada por São Paulo. A Sociedade Central de Imigração, criada em 1881, não correspondeu às expectativas dos fazendeiros, pois buscou trazer os imigrantes na condição de pequenos proprietários, enquanto os paulistas queriam trabalhadores para suas lavouras (Lima, 1986, p. 76). O descontentamento com a imigração subvencionada pelo governo imperial foi um dos fatores que levaram grande parte dos cafeicultores do oeste paulista a apoiarem a instauração da República, ao passo que os fazendeiros do vale mantinham com afinco o apoio à monarquia desfalecida (Lima, 1986).6 O êxito da política imigratória desde que ela passou à tutela do governo de São Paulo, em 1884, incentivou muitos fazendeiros a aderirem à campanha abolicionista, catalisada pelo recém-fundado Partido Republicano Paulista. A decretação da emancipação dos cativos, em 1888, e a proclamação da República no ano seguinte, ocorreram quando estava em pleno vapor a entrada de estrangeiros para a lavoura cafeeira. Em 1870, ingressaram no país 13 mil imigrantes; em 1880, esse número chegava a 184 mil e, na última década do século, a 609 mil. (Furtado, 1968, p. 136).

5 As primeiras experiências com a mão de obra livre partiram do senador Nicolau dos Campos Vergueiro, em

1854, quando introduziu imigrantes suíços e alemães em sua fazenda localizada em Limeira, interior de São Paulo. A partir daí surgiram outras experiências, na qual o sistema de parceria predominou como contrato de trabalho. O sistema propiciava abusos, acarretados sobretudo por uma mentalidade marcada pelas relações escravistas. As primeiras tentativas, apesar do insucesso, apontaram a eficácia de utilização do trabalho livre e recompensado em detrimento do trabalho coercitivo (Lima, 1986, p. 67).

6 Lima (186, p. 101) chama atenção para o fato dos fazendeiros paulistas não gozarem da devida

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Com a República e a descentralização administrativa por ela promovida, as elites paulistas tiveram maior flexibilidade para atuar em benefício de seus interesses econômicos, inclusive a imigração maciça de trabalhadores estrangeiros, em sua maioria italianos, para abastecer as fazendas e cidades do café (Furtado, 1968, p. 183; Love, 1982, p. 26). O governo de São Paulo fez dessa questão o aspecto central de seu programa administrativo, de modo que o imigrante era introduzido com todo o amparo da oficialidade (Prado Jr., 1963, p. 232). Segundo Love (1982, p. 27), entre 1889 e 1930 desembarcaram em São Paulo 2.223.000 imigrantes, dos quais 1 milhão provinha da Itália e 2/3 eram direcionados para as fazendas de café (Silva, 995, p. 50). O trabalho assalariado prestado por esses estrangeiros logrou maior sucesso que as tentativas anteriores de exploração da mão de obra pelo sistema de parceria. Com o salariato, foi afastada a principal fonte de atritos entre fazendeiros e trabalhadores (Prado Jr., 1963, p. 194).

A expansão quantitativa da produção cafeeira não foi acompanhada de modificação qualitativa no método de cultivo, que permaneceu essencialmente predatório. As inovações restringiram-se aos processos de beneficiamento. Os fazendeiros não demonstraram interesse em intensificar os investimentos na produção, pois, em sua lógica, os procedimentos habituais garantiam os lucros desejados (Furtado, 1968, p. 171). A mecanização acentuou a separação entre trabalhadores e meios de produção, já que os vultosos investimentos necessários para a aquisição de máquinas de beneficiamento eram inacessíveis aos pequenos proprietários (Silva, 1995, p. 49).

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confluíam os mais importantes troncos ferroviários de São Paulo, como as estradas da Paulista e da Mogiana.

Já no final do século XIX o café alcançava regiões cada vez mais distantes de São Paulo, sempre acompanhado das estradas de ferro que viabilizavam o empreendimento. Em 1870, quando teve início a expansão dos trilhos, São Paulo contava com 140 quilômetros; vinte anos depois a malha paulista somava 2,4 mil quilômetros (Love, 1982, p. 23). A Mogiana era a mais dinâmica companhia e desbravava Ribeirão Preto e adjacências, o chamado “oeste novo”, que em breve constituiria o maior centro produtor. Nessas zonas novas, logo se instalaram propriedades com centenas de milhares de cafeeiros, sendo que no final do século, algumas fazendas já ultrapassavam o milhão de pés (Prado Jr., 1963, p. 170). Além de assumir a liderança na exportação do café, São Paulo conquistaria a hegemonia política ao longo de todo o período republicano. Segundo Caio Prado Jr. (1963, p. 173): “O grande papel que São Paulo foi conquistando no cenário político do Brasil, até chegar a sua liderança efetiva, se fez à custa do café; e na vanguarda deste movimento, marcham os fazendeiros e seus interesses”.

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complexo cafeeiro, identificada por alguns autores como fundamental para o êxito daquela atividade econômica. Aos poucos os produtores se tornaram cada vez mais dependentes dos intermediários, que agiam na comercialização como especuladores, tirando enormes proveitos em tempos de crise (Prado Jr, 19963, p. 236).

Na entrada do século XX, a produção cafeeira desenvolvia-se a olhos vistos, com as frentes pioneiras em expansão contínua, num processo em que as ferrovias acompanhavam e muitas vezes precediam o café. Este ganhava as regiões da Alta Mogiana e da Alta Paulista, acompanhado do afluxo contínuo de imigrantes. A maioria destes dirigia-se para a região da Mogiana, cujo centro econômico, Ribeirão Preto, foi considerado às vésperas da Primeira Guerra, “capital mundial do café” (Love, 1982, p. 47). Para notar o vigor e crescimento assistidos na zona da Mogiana, basta assinalar que em 1900 a região contava com 20% do total de habitantes do estado (Idem, p. 46). Novas regiões eram exploradas, como os sertões desconhecidos da Noroeste, Sorocabana e Araraquarense, nomes dos troncos ferroviários que rumavam para o Mato Grosso e Norte do Paraná, desbravando porções logo ocupadas pelo trabalho do imigrante.

O extraordinário aumento da produção cafeeira desde a última década do XIX teve como contrapartida a queda dos preços no mercado mundial. Nesse mesmo período, o Brasil, mais especificamente São Paulo, assumiu a liderança no comércio internacional do produto, contribuindo com 70% da oferta. O contínuo alastramento das plantações provocou a primeira crise de superprodução em 1896, com o acúmulo de estoques invendáveis. Graças ao controle da política cambial que a oligarquia cafeeira detinha, a queda nos preços do café, oriunda da oferta abundante no mercado, era atenuada pela desvalorização da moeda nacional. Dessa forma, os cafeicultores transferiam seus prejuízos para o restante da sociedade, que dependia bastante de produtos importados (Furtado, 1968, p.189).

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instituída pelo chamado Convênio de Taubaté.7 A colheita daquele ano, particularmente abundante, totalizara 20 milhões de sacas (Idem, p. 60). Em linhas gerais, a política de valorização consistiu no controle artificial da oferta do café no mercado, por meio da retenção de estoques a fim de estabilizar os preços (Prado Jr., 1963, p. 236-7; Furtado, 1968, p. 189-90). A compra dos estoques foi feita através de empréstimos contraídos no exterior, consolidando a presença estrangeira – que só tenderia a aumentar nos anos seguintes – nos negócios do café. Só foi possível aquele programa de controle dos preços, devido à liderança absoluta que o Brasil assumira no mercado mundial, onde detinha três quartos da produção.

Encetada em 1906, a valorização do café consolidou a hegemonia das oligarquias cafeeiras sobre a política econômica do governo federal na Primeira República, preeminência que se estenderia pelo próximo quarto de século. A política econômica do governo central foi aquela que ficou mais subordinada ao domínio das oligarquias paulistas. Embora em outras esferas do aparelho político o domínio paulista não fosse absoluto, o programa de defesa do café revigorou as tendências autonomistas de São Paulo, já prefiguradas no final do Império e legitimadas com o arranjo descentralizado que a República instituiu (Love, 1982). À política de defesa praticada em 1906, sucedeu outra, em 1907-8, sob responsabilidade exclusiva do governo paulista, e ainda as de 1917 e 1921, realizadas com o auxílio da União (Idem, p. 73-4). Os órgãos oficiais envolvidos com a defesa do café eram dirigidos pelos representantes da burguesia cafeeira, ou seja, “homens que, sendo também grandes fazendeiros, são antes de tudo banqueiros e exportadores” (Silva, 1995, p. 69).

O controle dos preços estimulou a expansão continuada da produção. Com a eclosão da Primeira Guerra em 1914, houve retração na procura de produtos primários pelas economias centrais e conseqüente queda nas exportações brasileiras.A guerra provocou ainda a retração do fluxo de imigrantes, estimulando, em contrapartida, a migração interna, principalmente de mineiros, fluminenses e nordestinos. Entre 1917 e 1918, estes representavam 23,4% da mão de

7 O Convênio de Taubaté (fevereiro de 1906) foi um acordo firmado entre os estados cafeeiros – São Paulo,

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obra em São Paulo (Silva, 1995, p. 46). No último ano da guerra (1918), uma geada tomou de assalto os cafezais paulistas, reduzindo abruptamente a produção nos anos vindouros. Apesar de provocar a ruína de muitos produtores, ela permitiu um reequilíbrio nos preços, ao reduzir a oferta (Prado Jr., 1963, p. 239). Pelo menos durante dois anos se sentiriam os efeitos da geada na produção – a safra de 1918/1919 reduzira de 2/3 e a de 1919/20, 1/2.

Finda a guerra, novo cenário delineou-se para a economia cafeeira, com a recuperação do mercado internacional. A fronteira agrícola em expansão rumo a Alta Paulista, Alta Sorocabana e Noroeste, fez com que o número de cafeeiros saltasse de 828 milhões, em 1918, para 949 milhões, em 1924 (Idem, p. 239). Em 1920, São Paulo ostentava o número de 21.341 fazendas dedicadas à cafeicultura (Love, 1982, p. 26).

Na cidade de São Paulo a urbanização ganhou ritmo vertiginoso, em muito impulsionada pelo crescimento do parque industrial. Este modificou a paisagem, introduzindo nela as chaminés e os distritos operários povoados por trabalhadores estrangeiros e nacionais. Os empresários envolvidos no setor comercial ou financeiro da cafeicultura contribuíam para a urbanização da capital, ao erigirem seus palacetes nas zonas altas da cidade, na Avenida Paulista e em Higienópolis, ou ao comporem bairros planejados, semelhantes aos ingleses, como o Jardim Europa. A modernização súbita pela qual passou São Paulo engendrou conflitos e tensões próprias de sua metropolização, em que a velocidade e a mobilização de massas tornaram-se componentes inequívocos de que a “metrópole do café” entrava a passos largos na modernidade (Sevcenko, 1992). Apesar dos “ares modernos” da capital, a sociedade paulista permanecia predominantemente agrária, pois dois terços da população economicamente ativa do estado estava empregada na lavoura (Love, 1982, p. 33).

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conhecida como broca do café (Idem, p. 65), e pela Hemileia vastatrix, fungo que ataca as folhas do cafeeiro.

A projeção econômica e política de São Paulo no cenário nacional desde o último quartel do século XIX se refletiram na mentalidade dos paulistas, que passaram a sustentar um sentimento nativista, caracterizado pela representação daquele estado como vanguardista e superior em relação ao restante da nação (Love, 1982, p. 107-8). Esta representação era assegurada pela “epopéia bandeirante”, modelo discursivo construído pelos intelectuais paulistas – literatos e historiadores de forma marcante (Ferreira, 2000). Nela São Paulo figurava como palco de formação da nação através da ação dos bravios desbravadores. A base material do discurso era a expansão para o oeste. As ilustres famílias do grande capital cafeeiro colocavam-se como herdeiras diretas daqueles heróis do passado, e dessa forma acrescentavam a dimensão cultural como legitimadora das ambições de controle econômico e político sobre a República (Sevcenko, 1992, p. 138). As ambivalências oriundas do processo súbito de modernização pela qual passou a sociedade paulista, especificamente a capital, colocaram em xeque o modelo da epopéia bandeirante, edificado pelos círculos bacharelescos ligados às oligarquias. Novas demandas identitárias foram criadas pelos segmentos surgidos com a metropolização pela qual passava a “capital do café”, basicamente os setores urbanos representados por uma classe média cada vez mais expressiva, além dos trabalhadores nacionais e estrangeiros (Ferreira, 2000). Entre a contestação e a anuência à cultura letrada da aristocracia cafeeira nasceu o movimento modernista, cuja expressão máxima foi a Semana de Arte Moderna, em 1922.

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extraordinária acumulação de capital propiciada pela cafeicultura e atividades correlatas, a pauta de investimentos não mais se restringiu àquela atividade econômica, mas passou a incluir setores díspares como por exemplo serviços públicos, construção civil e imprensa.

No momento em que se discutiam as políticas de valorização, as contradições entre os diversos componentes do capital cafeeiro tornaram-se particularmente candentes (Perissinotto, 1994). A despeito das fissuras internas presentes no interior daquele complexo econômico, é possível distinguir segmentos que se organizavam por interesses comuns (Silva, 1995, p. 60).8 O setor mercantil e financeiro, que Sérgio Silva chama “grande capital”, predominou sobre o chamado “médio capital” – composto principalmente por proprietários de terra e produtores (Silva, 1995, p. 54-55), mormente na estruturação dos programas de valorização, em que estes últimos foram onerados pelo imposto sobre exportação. Os produtores eram predominantemente latifundiários, mas havia pequenos proprietários que, nos anos 1920 representavam parcela nada desprezível. A pequena propriedade, muitas vezes em mãos de estrangeiros, era em geral oriunda do retalhamento de grandes propriedades, que já não apresentavam mais níveis satisfatórios de produtividade.

A coexistência de três grandes agremiações agrícolas em São Paulo, nos anos 1920, é um sinal da complexidade e polifonia que caracterizavam a economia cafeeira. Desde 1902, no decurso de uma crise do café, foi fundada a Sociedade Paulista de Agricultura (SPA). Originária da organização burocrática da secretaria de Agricultura, tinha uma diretriz de ação pautada pelos interesses governistas. Reunindo elementos do grande capital mais ligados ao PRP e ao aparelho do Estado, a SPA destacou-se como defensora quase incondicional da oficialidade nos momentos de crise política. Por sua vez, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) foi fundada em 1919, no auge da crise provocada pela Primeira Guerra. Reuniu os mais expressivos elementos do grande capital cafeeiro. Defensora do liberalismo agrário, pautou sua ação na modernização e diversificação da agricultura e o pluralismo na representação dos interesses agrários (Grieg, 2000, p. 87). Essa entidade esteve mais envolvida com a defesa dos interesses externos, já que um de seus fundadores foi Arthur Diederichsen, ligado a Theodor

8 Perissinoto (1994) têm interpretação contrária à de Sérgio Silva, ao encarar o que chama “lavoura”; aqueles

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Wille, principal companhia estrangeira nos negócios do café (Love, 1982, p. 310). A SRB colocou seus interesses acima do jogo político, e, dessa forma, oscilou entre o apoio e a oposição ao governo. O Estado de São Paulo era seu porta-voz, inclusive porque o presidente do jornal, Júlio de Mesquita Filho, era um dos quadros da sociedade.9

Diferentemente da SPA e da SRB, a Liga Agrícola Brasileira (LAB) não surgiu das fileiras do grande capital cafeeiro: foi fruto da organização dos produtores do interior do estado. Fundada em 1921, em São Manoel, na região da Noroeste, a LAB contrapôs-se às políticas do governo, que oneravam os produtores com os impostos financiadores da valorização do café (Perissinoto, 1997, p. 55). Os componentes da LAB queriam um imposto sobre a propriedade ao invés da taxação sobre as exportações. Quase sempre a LAB se posicionou contra o governo, defendendo pautas como a ampliação do crédito para a lavoura e soluções para a crise de mão de obra. Muitos de seus componentes filiaram-se ao Partido Democrático, fundado em 1926, por iniciativa dos opositores do PRP.

Todas as organizações tinham em seus quadros fazendeiros ricos, muitos dos quais participavam de mais de uma associação. De todas a SRB era a mais influente. Por vezes as três sociedades cooperavam no apoio a determinadas pautas do governo, como ocorreu em 1921, quando foi apresentado ao Congresso o projeto de criação de um instituto para a defesa permanente do café (Love, 1982, p. 312). O presente estudo fornece outros exemplos de cooperação circunstancial entre as agremiações agrícolas: o apoio à ação do Estado no combate à broca do café e à fundação do Instituto Biológico de Defesa Agrícola, em 1927.

A expansão continuada das frentes pioneiras do café e os bons preços levaram a novas crises de superprodução, remediadas com a política de defesa permanente do café, sob inteira responsabilidade do governo paulista. Para tanto, foi criado em 1924 o Instituto do Café e, dois anos depois, o Banco do Estado de São Paulo, cuja principal finalidade era fornecer crédito agrícola com base nos estoques. Recrudesceu o círculo vicioso, no qual bons preços estimulavam novas plantações, e em seguida, superprodução. Nos anos 1920, as abundantes

9 Perissinoto (1997, p. 39) encara as associações de classe – especificamente a SRB e a LAB – como reação das

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colheitas geraram uma crise de comercialização, que antecipou os perniciosos efeitos da crise de 1929, o golpe de misericórdia no pujante complexo econômico erigido pelo café. Depois disso, as elites paulistas seriam desarticuladas pelo governo centralizador que ascendeu ao poder com a revolução de outubro de 1930.

1.2.- O processo cafeicultor paulista nos anos 1920: da plantação ao porto

Para compreendermos como as medidas preconizadas pela comissão científica de combate à broca do café incidiram sobre o cotidiano da produção cafeeira, é necessário apresentar sua dinâmica e a maneira pela qual se organizava nos anos 1920, desde a plantação até a exportação, passando pelo beneficiamento e transporte. Deve-se levar em conta, porém, que tal dinâmica, retratada em sua sincronia, é fruto de idiossincrasias e contingências próprias ao modo como aquela cultura era praticada: tipos de propriedade, graus de mecanização, localizações e, ainda, modalidades de gestão da produção. Se havia peculiaridades, isto é, se nem todos plantavam e exportavam café exatamente da mesma maneira, por outro lado, é possível delinear os traços comuns que caracterizavam a cafeicultura naquele contexto histórico.

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que procuravam otimizar as rotinas de cultura. As fazendas deixaram de ser um espaço de luxo e conforto para estruturar-se como uma típica unidade de produção; um complexo de edifícios construídos para abrigar as máquinas e organizar de forma racional o cotidiano da cafeicultura.

No material coligido para o presente estudo, são recorrentes as queixas a respeito do “espírito de rotina” que dominava a cultura cafeeira. Manoel Lopes de Oliveira Filho, agrônomo e jornalista responsável pela coluna “Assumptos Agrícolas” em O Estado de São Paulo, num opúsculo distribuído pela secretaria de agricultura de São Paulo em 1928, escreveu que o método de cultivo era o mesmo praticado havia cem anos (Oliveira Filho, 1928, p. 9). Tal obra é uma fonte preciosa para a reconstituição do cotidiano da cafeicultura nos anos 1920, já que descreve os diferentes estágios da produção cafeeira. Em termos gerais, eram os seguintes: preparo do solo, plantio, colheita, beneficiamento, transporte e comercialização. A abundância de terras, que permitia “a febre de plantação em terras virgens” fazia com que a reposição dos nutrientes do solo não fosse prática corriqueira. A fertilidade da terra roxa, na maior parte do oeste paulista vista como o tipo de solo mais favorável para o café, reforçava o abandono das plantações antigas e a busca por áreas mais produtivas. Quando as frentes pioneiras em avanço se deparavam com a cobertura vegetal nativa, eram contratados trabalhadores para fazer a derrubada e depois a queima da mata. Alocavam-se preferencialmente ex-escravos e migrantes nesse tipo de serviço.

Além do solo favorável, o oeste paulista apresentava conformação montanhosa pouco elevada, ideal para o cultivo do café, que era geralmente plantado em morros e colinas. Tal característica não favorecia o uso de muitos aparelhos mecânicos e obrigava os colonos a lançarem mão de instrumentos rotineiros, como a enxada ou enxadão (Queiroz, 1914, p. 32). Faziam a preparação e conservação do solo através de técnicas como a capina, manual ou mecânica, e a “esparramação” do cisco, de forma a manter o terreno limpo. (Lapa, 1983, p. 57). Máquinas como o cultivador e o ciscador auxiliavam o trabalho, já que tinham por função revolver o solo e extirpar ervas daninhas (Queiroz, 1914, p. 33).

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ou por certo número de cafeeiros, além do direito de plantar cereais para própria subsistência durante três anos.10 Diversas variedades de café eram cultivadas no Brasil, mas todas originadas do Coffeae arabica (Lapa, 1983, p. 57). Faziam-se as sementeiras nas próprias fazendas e, uma vez crescidas as mudas, eram selecionadas e plantadas na época das primeiras chuvas, geralmente em setembro (Idem, p 58). O ideal era que as sementeiras fossem montadas em local fresco e à sombra, como clareiras em matas, próximas às áreas onde se realizaria o plantio (Queiro, 1914, p. 136). Os cafeeiros eram plantados em curvas de nível, de forma a evitar a erosão pela água da chuva. Junto podiam ser plantadas árvores de médio porte para fornecer sombra às plantas em crescimento. Tal prática não era regra entre os produtores, prevalecendo, no Brasil, a exposição permanente ao sol, ou o cultivo à meia sombra (Lapa, 1983, p 59). Os cafezais eram divididos em talhões separados por carreadores (Sallum Jr, 1982, p. 27).

Até que o cafeeiro produzisse os primeiros frutos, período que variava de quatro a seis anos (Love, 1982, p. 66), havia necessidade de uma rotina de tratamento que incluía a “coroação” – formação de uma coroa de terra em volta do pé – e a “arruação”: abertura e manutenção de vias entre os cafeeiros para circulação dos trabalhadores (Lapa, 1983, p. 59-60).

Na primavera, as plantas vegetavam e frutificavam, prolongando-se a frutificação pelo verão até dar lugar à maturação no outono. Assim, entre abril e maio, o fruto do café adquiria coloração vermelha ou amarelada. A colheita acontecia normalmente entre 15 de junho a 15 de agosto, havendo variações de acordo com a região em que era cultivado o café. Por ocorrer num pequeno espaço de tempo, a colheita demandava grande quantidade de mão-de-obra, a fim de impedir que os frutos, uma vez secos, caíssem. Antes de começar a colheita, realizavam-se varrições e rastelamentos, para evitar que os frutos caídos prematuramente ficassem entre os pés.

10 Sallum Jr. (1982) mostra a complexidade das relações de trabalho estabelecidas nas propriedades do oeste

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Os processos tradicionais de colheita eram o arrancamento manual dos frutos presos aos galhos; a “derriça natural”, em que se esperava a queda espontânea dos frutos secos sobre um pano colocado embaixo do cafeeiro; ou ainda a “catação”, ou seja, a colheita manual, grão a grão, que tinha a vantagem de permitir melhor seleção dos frutos (Lapa, 1983, p. 60). Era habitual a colheita ser feita quando havia ainda grande quantidade de frutos verdes, assinala Oliveira Filho (1928, p. 12-3), o que prejudicava a qualidade do café durante a comercialização. Ganhou bastante publicidade nos anos 1920 a “colheita natural”, que consistia em sacudir as árvores até que caíssem os frutos já secos, efetuando-se em seguida a varrição e o recolhimento aos terreiros (Idem, p. 13-4). Fosse qual fosse o método de colheita empregado, seguia-se a “abanação”, que consistia em deixar o café o mais livre possível de ciscos e impurezas.

O café era então conduzido aos lavadouros e em seguida aos terreiros, ou diretamente para estes. O processo de lavagem mostrava-se mais comum nas grandes propriedades, auxiliando no processo de separação dos frutos em bóias (secos, escuros), cerejas (vermelhos) e verdes (Oliveira Filho, 1928, p. 15). A lavagem ajudava ainda na limpeza dos ciscos, principalmente se a colheita era feita pelo derriçamento (Queiroz, 1914, p. 154). Na secagem, o café era espalhado em terreiros ladrilhados ou pichados e amontoado ao final do dia, já meio seco, e coberto, para ser protegido do sereno e das chuvas. A secagem podia ser feita artificialmente através de secadores que economizavam tempo e mão-de-obra. Quando chegava ao ponto ideal, o café era depositado nas tulhas – armazéns construídos em locais secos – antes de ser submetido ao beneficiamento.

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realizada no âmbito da fazenda. O maquinário de beneficiamento requeria conservação e manutenção constantes.

O café beneficiado era acondicionado em sacos feitos geralmente de tecidos semelhantes à juta. Transportavam-se as sacas da fazenda para o porto através das ferrovias que riscavam as colinas do oeste paulista, abarcando a quase totalidade das regiões produtoras. Estradas particulares ou picadas acessíveis apenas a mulas ligavam as fazendas à estação ferroviária mais próxima. No porto de Santos havia todo um aparato voltado para o acondicionamento do café, antes de ser ele transferido para os navios que o transportaria a seus destinos finais. O café determinou a modernização do porto de Santos, de modo a otimizar o escoamento da produção. Além do incremento no setor comercial, com a fundação da Associação Comercial de Santos, houve a implementação de uma nova alfândega e da Companhia Docas de Santos, que por 90 anos monopolizaria as operações no porto (Grieg, 2000).

Os armazéns gerais, que consistiam num sistema comercial de depósito, articulavam-se às companhias exportadoras e a um complexo de serviços sediados na praça de Santos, que asseguravam o embarque de café e a comercialização em grande escala, para que esta pudesse ser feita em perfeitas condições (Lapa, 1983, p 102).

Quando entrou em vigor a política de valorização do café, surgiram os armazéns reguladores, que retinham a produção a fim de controlar a oferta no mercado mundial. Tais armazéns ficavam nas principais estações ferroviárias do estado, principalmente nos entroncamentos, onde os sacos de café eram transportados para outras composições.

Tendo em mente este sucinto quadro das rotinas de produção e comercialização do café em São Paulo nos anos 1920, o leitor poderá compreender de que modo as medidas interventoras de combate à broca do café levaram à reordenação de certos aspectos dessa dinâmica, ou a sujeição a outros aspectos dela.

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Para uma perspectiva histórica de como se estabeleceu a institucionalização da pesquisa agrícola no Brasil e como se engendraram as relações entre as ciências naturais e a prática da agricultura, é necessário recuperar alguns aspectos concernentes ao espaço onde as primeiras eram perpetradas. Longe de assumir os pressupostos de que nossa agricultura era atrasada e não afeita às inovações científicas, ou de que estas não encontrassem guarida em nossa sociedade marcada pela herança colonial, veremos, baseado nos estudos de Domingues (1995), que desde a colônia houve iniciativas no sentido de promover as ciências aplicadas à agricultura.

Ao invés de traçar um histórico exaustivo das ciências agrárias no Brasil, apenas sinalizo tendências estruturais e pontuo alguns aspectos considerados relevantes para a configuração de nosso arcabouço de pesquisa agrícola.

Inicialmente os jardins botânicos constituíram centros privilegiados de promoção das ciências, já que foram os núcleos onde se empreendia a aclimatação de espécies estrangeiras. Segundo Domingues (1995, p. 113), foram “grandes centros experimentais de agricultura.” Num primeiro momento, a política colonial criou no Brasil centros em que espécies exóticas pudessem ser cultivadas. Isso num contexto em que o comércio de especiarias indianas encontrava-se em dificuldades. Recorreu-se, nesse sentido, aos conhecimentos da botânica, capaz de fornecer os instrumentos conceituais e práticos necessários para a aclimatação. Iniciativas assistidas nesse sentido foram observadas desde o final do século XVIII, com a criação de jardins botânicos como o do Pará, em 1796. Nessa primeira fase da institucionalização das ciências no Brasil, marcada pelos ideais iluministas e pela tradição naturalista (Dantes, 1988), buscou-se o melhoramento da agricultura por meio da história natural, num registro utilitário da ciência enquanto promotora do progresso.

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O Jardim Botânico do Rio de Janeiro envolveu-se em pesquisas sobre vegetais nativos e com o intercâmbio internacional de espécies com instituições estrangeiras. O Museu Nacional, enquanto instituição que buscou promover o melhor conhecimento do território brasileiro e de suas riquezas, deu lugar aos estudos de história natural. Através de incursões pelo território, naturalistas nacionais e estrangeiros compuseram coleções e produziram conhecimentos relativos a terra e seus habitantes – plantas, animais e minerais. Juntamente com o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o Museu Nacional constituiu um centro de estudos sobre os vegetais nativos e compôs a rede de intercâmbio de espécies.

Uma série de iniciativas concernentes à promoção das ciências agrícolas no Império partiu dos quadros do Museu. Foi naquele núcleo que se agremiou a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN), criada em 1826 sob inspiração de associação francesa congênere. A partir da atividade dessa sociedade, procurou-se superar o atraso em que se encontrava a agricultura (Domingues, 1995, p. 72-5). Através das páginas de seu periódico O Auxiliador, ganhou alento a idéia de que uma agricultura cientificamente orientada seria alcançada com a implementação do ensino agrícola e a divulgação das ciências naturais.

Em 1850 a abolição do tráfico de escravos marcou uma inflexão na lavoura, pois os proprietários viram-se diante da necessidade de manter a produção sem a mesma disponibilidade de mão-de-obra. As áreas voltadas para as culturas tradicionais de exportação, especialmente o café, passaram a sofrer problemas como esgotamento do solo e envelhecimento das plantas. Nesse contexto, as ciências naturais ganharam maior espaço de ação, com a fundação de sociedades como a Sociedade Vellosiana, núcleo que atuou na promoção das ciências em prol da agricultura.

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feita por alguns atores alocados nas instituições e associações científicas, principalmente o Museu Nacional e a SAIN.

Na Europa, ganhou alento a fundação de instituições científicas especificamente voltadas para a agricultura e orientadas pelo paradigma da química agrícola. A Grã Bretanha liderou a pesquisa agronômica na Europa através da fundação de estações experimentais, como a de Rothamsted, estabelecida em 1843, e o Laboratório Agrícola de Edimburgo, instalado um ano antes por iniciativa da Associação de Química Agrícola da Escócia. A tradição liberal britânica fez com que a pesquisa fosse empreendida pelo poder privado, ou seja, a nobreza rural foi a classe que promoveu os avanços na agricultura (Santos, 1998).

A Alemanha, que dominou o cenário científico europeu a partir da segunda metade do século XIX, começou a investir em pesquisa agrícola com recursos estatais, implementando laboratórios, institutos e formando pessoal altamente especializado. Em 1852, fundou-se a Estação Experimental de Möckern, na Saxônia, pelos fazendeiros. O Estado, contudo, assumiu sua direção e manutenção. Enquanto subordinada ao poder estatal, a instituição não estava tão sujeita às pressões exercidas pelos particulares para o alcance de resultados práticos imediatos e, desse modo, tinha maior espaço de manobra. Até 1877, fundaram-se na Alemanha 74 estações experimentais em praticamente todas as províncias do país (Idem).

O modelo alemão de pesquisa agrícola, com estações experimentais não envolvidas com a tarefa de ensino, transferiu-se para outros países, como Estados Unidos e Japão. Devido aos contextos nacionais particulares, tal modelo assumiu configurações distintas, chegando mesmo a assumir perfis relativamente originais. Nos Estados Unidos a capitalização da agricultura favoreceu a institucionalização das ciências agrárias de modo que em 1862 foi instituído em cada estado um College de agricultura e em 1887, através do Hatch Act, foram estabelecidas as estações experimentais estaduais (Mendonça, 1998, p. 21).

Referências

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