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O processo civilizatório de Norbert Elias e o trabalho escravo / The civilization process of Norbert Elias and slave work

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O processo civilizatório de Norbert Elias e o trabalho escravo

The civilization process of Norbert Elias and slave work

Recebimento dos originais: 16/11/2018 Aceitação para publicação: 19/12/2018

Nayara Santos Rodrigues

Mestranda em Agronegócios.

Instituição Universidade Federal da Grande Dourados

Endereço: Rodovia Dourados/Itahum, Km 12 - Unidade II | Caixa Postal: 364 | Cep: 79.804-970 Brasil

E-mail: naysanro@gmail.com

Nayara Brandão Blans

Mestranda em Agronegócios.

Instituição Universidade Federal da Grande Dourados

Endereço: Rodovia Dourados/Itahum, Km 12 - Unidade II | Caixa Postal: 364 | Cep: 79.804-970 Brasil

E-mail: naryddos@hotmail.com

Juliano dos Santos Cardoso

Mestrando em Agronegócios.

Instituição Universidade Federal da Grande Dourados

Endereço: Rodovia Dourados/Itahum, Km 12 - Unidade II | Caixa Postal: 364 | Cep: 79.804-970 Brasil

E-mail: julianonavirai@hotmail.com

Juliano Rosa

Mestrando em Agronegócios.

Instituição Universidade Federal da Grande Dourados

Endereço: Rodovia Dourados/Itahum, Km 12 - Unidade II | Caixa Postal: 364 | Cep: 79.804-970 Brasil

E-mail: julianobass@hotmail.com

José Roberto Barbosa

Mestrando em Agronegócios

Instituição Universidade Federal da Grande Dourados

Endereço: Rodovia Dourados/Itahum, Km 12 - Unidade II | Caixa Postal: 364 | Cep: 79.804-970 Brasil

E-mail: auditor.jbr@hotmail.com

Luiz Cândido Martins

Docente pelo Mestrado em Agronegócios. Instituição: Universidade Federal da Grande Dourados

Endereço: Rodovia Dourados/Itahum, Km 12 - Unidade II | Caixa Postal: 364 | Cep: 79.804-970 Brasil

E-mail: luizmartins@ufgd.edu.br

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A força de trabalho escrava nacional é constituída, basicamente, por um grupo de trabalhadores racializados oriundos das regiões mais pobres do Brasil. Assim, buscou-se neste trabalho investigar e entender as possíveis relações entre o processo civilizador, tal como formulado por Norbert Elias (2006), em face do trabalho escravo em áreas rurais brasileiras. O artigo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa teórica com enfoque interdisciplinar.

Palavras-chave: Agropecuária. Processo civilizador. Trabalho escravo. ABSTRACT

The slave labor force consists basically of a group of racialized workers from the poorest regions of Brazil. It was sought to investigate and understand the possible relations between the civilizing process, as formulated by Norbert Elias (2006), in the face of slave labor in rural areas in Brazil. The article was developed from a theoretical research with an interdisciplinary approach.

Keywords: Farming. Civilizing process. Slavery.

1 INTRODUÇÃO

O trabalho considerado forçado é um evento universal e dinâmico, que pode ocorrer nas diversas economias, como em países desenvolvidos e em cadeias produtivas representativas e modernas atuantes no mercado internacional. Algumas maneiras de trabalho forçado e consideradas modernas são a de servidão por dívidas, com tráfico de pessoas e outras condições de escravidão (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2017).

No Brasil, entre os anos de 1995 e 2015, foram libertados 49.816 trabalhadores que estavam em condição análoga à escravidão. A maioria dos libertos era migrante e 95% do sexo masculino. Os maiores números de casos de escravidão no país se concentram na atividade pecuária de bovinos, (BRASIL, 2016).

A legislação trabalhista brasileira, se comparada com outros países, é uma das que mais protege o trabalhador contra atos degradantes de empregadores (BRITO FILHO; CARDOSO; LITAIFF, 2017). Além disso, o Brasil é signatário de vários tratados internacionais para proteção das relações de trabalho. Contudo, mesmo após a abolição legal da escravidão no Brasil em 1888, as práticas coercitivas de controle da força de trabalho continuaram a compor a história do campo brasileiro (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2011, p. 13).

Nesse sentido, ao estudar o trabalho escravo na colheita da cana-de-açúcar no Brasil, McGrath (2013) concluiu que a força de trabalho escrava é constituída, basicamente, por um grupo de trabalhadores racializados, (de uma determina raça ou etnia), oriundos das regiões mais pobres do Brasil. Subjugados pela pobreza local, essas pessoas se submetem a prestar seu trabalho em outros lugares, ainda que em condições degradantes e sem qualquer liberdade. Destacou, ainda, que os processos de acumulação primitiva e a desproletarização, juntamente com o racismo como

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relação de produção, são os aspectos marcantes dessa relação descivilizatória de trabalho (McGRATH, 2013).

O trabalho em condições análogas à de escravo é uma prática que no Brasil tem sido combatida por muitas instituições (BRITO FILHO; CARDOSO; LITAIFF, 2017). Contudo, a escravidão contemporânea no país, especialmente na região de fronteira agrícola amazônica, revela uma situação de grande vulnerabilidade e miséria dos trabalhadores rurais (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2011, p. 15).

2 OBJETIVO

O objetivo deste estudo foi investigar e entender as possíveis relações entre o processo civilizador, tal como formulado por Norbert Elias (2006), em face do trabalho escravo em áreas rurais no Brasil.

3 METODOLOGIA

O trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa teórica com enfoque interdisciplinar, uma vez que procura dialogar sociologicamente com as questões relativas ao universo econômico e produtivo no intercâmbio com a temática da subjugação de uma classe social através do trabalho servil.

4 O PROCESSO CIVILIZADOR DE NORBERT ELIAS

Para Elias (1994) a sociedade ocidental traz enraizada em seu âmago uma herança da idade média em que o conceito de civilização era construído através de guerras, colonização e expansão de terras. O conceito de civilité ainda que não tenha data definida de seu ponto de partida, veio a Luz em 1530, pela autoria de Erasmo de Rotterdam, tratando-se do comportamento de pessoas na sociedade, suas atitudes que eram consideradas atrozes e incivilizadas e que em determinado momento passam por mudanças e podem ser consideradas normais.

A partir desse marco inicial, a palavra civilité começou a ser replicada em várias línguas como na França civilité, Inglaterra civitily, Itália civilità, e Alemanha zivilitat. Corroborando com Norbert (1994), quando palavras começam a surgir e ter importância em uma sociedade, ela traz mudança na vida do seu povo.

Ainda conforme este autor, o processo civilizatório está associado à sobrevivência do ser humano e o seu autocontrole sobre seus desejos, emoções, paixões, e quanto menos controle o indivíduo têm sobre si, as consequências podem ser negativas e sofridas de imediato. Em um

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cenário em longo prazo, as mudanças civilizadoras adquirem relevâncias fundamentais no desenvolvimento da humanidade.

O processo civilizador estabelece mudanças na conduta e nos sentimentos dos seres humanos, orientando-os para um curso muito especifico. Contudo, os indivíduos do passado, de maneira alguma, empenharam-se em seguir um planejamento para que a civilização atingisse mudanças de padrões civilizatórios.

Conquanto, a falta de um planejamento intencional, não significa que tais mudanças civilizatórias são resultados do acaso e sem estruturas. As aspirações humanas, seus impulsos, os entrelaços, as ordens sociais, são o que determinam o sentido das mudanças do passado e do futuro na história da humanidade, e que é a essência do processo civilizador.

No ponto de vista de Elias (1994), a civilização em suas diversas definições, não pode ser classificada como “razoável”, “irracional”, nem mesmo rotulada como racional. Está em constante movimento, transitando de maneira dinâmica e autônoma entre as suas definições, e é imbuída por mudanças que atuam na percepção das pessoas que são obrigadas a participar, conviver no mesmo meio.

Algumas mudanças são necessárias para que o comportamento civilizador possa ser transformado, a título de exemplo observamos fatores fundamentais para que aconteçam tais mudanças, como o nível de autocontrole do indivíduo, moderação das emoções espontâneas, a expansão do discernimento, sejam em questões do presente ou em questões pretéritas, seus hábitos e como compreender as relações de causa e efeito que os circundam em todos os âmbitos. Essas condições influem na transformação de conduta individual e social, e sobrevém da monopolização da violência física e a extensão das cadeias da ação e interdependência social (ELIAS, 1994).

4.1 O PROCESSO CIVILIZADOR E O TRABALHO ESCRAVO

Ao longo da história, o Brasil ficou marcado pela existência do processo de escravidão, que foi legitimado pela coroa portuguesa no Brasil colônia, tendo como objetivo realizar a colonização do país, estando amparado pelo sistema jurídico da época, contando com a anuência da Igreja e o apoio dos seus maiores interessados, que se utilizavam dessa mão de obra, os detentores das grandes propriedades rurais.

O trabalho escravo é reconhecido no mundo todo como uma forma de trabalho forçado, que limita e atenta contra as liberdades individuais e os direitos humanos daqueles que estão sob o jugo dessa condição.

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Mundo afora existiram variados modos de escravidão, sendo que na antiguidade, conforme descreve Pinsky (1993), ocorreram das mais diferentes formas, pelo fato de que a utilização do trabalho escravo constam registros desde a antiguidade.

De acordo com a citada Autora, na Mesopotâmia e no Egito, foram utilizados trabalhos dessa natureza na execução de obras públicas como barragens ou templos, diante da necessidade de recrutamento de grande número de trabalhadores.

Tais trabalhadores eram considerados propriedade dos governantes, aos quais impunham autoridade e determinavam as tarefas a cumprir, tendo o diferencial de que tais escravos não eram comercializados, cessando as atividades ao fim das construções, permitindo que retornassem às suas tarefas e/ou atividades anteriores, caracterizando uma relação eventual com os seus proprietários.

De acordo com a mesma Autora, ocorriam situações diferentes na Grécia, notadamente em Atenas, bem como em Roma, onde a escravidão se apresentava de forma mais característica de extração de trabalho, pelo fato dos escravos serem comprados ou obtidos, após saques e batalhas, e assim nunca se desvencilhavam desta condição, à exceção de casos isolados. (PINSKY, 1993. p. 13).

Já no Brasil, a escravidão se destacou na era colonial, por se tratar de um processo que estava legalmente amparado, situação inexistente naquelas formas de escravidão na era medieval, pois, no caso brasileiro, estavam subjugados ao trabalho escravo aqueles condicionados pelo diferencial na cor da pele.

Ao longo do tempo, segundo Nina (2010) , de forma tão antiga quanto a existência do homem, a escravidão nem sempre teve significados, formas e objetivos iguais. Entretanto, sempre apresentou algo bastante comum no decorrer da sua história, sempre pautado na motivação econômica, independentemente se com ou sem respaldo legal (NINA, 2010. p.21)

Diversos eram os motivos e razões para a manutenção da escravização, em grande parte pelo fato dos negros serem de fundamental importância na utilização em quase todas as atividades econômicas desenvolvidas no Brasil, com enorme dependência da mão de obra escrava, prática comum naquele período histórico, com considerável contribuição para o desenvolvimento da economia do país (NINA, 2010. p.63)

Com a abolição da escravidão, com base na Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, ficou legalmente proibido o domínio de um homem sobre outro, não sendo mais permitido a qualquer pessoa, com o apoio da lei, exigir ou forçar um indivíduo a trabalhar sem remuneração, ou ser constrangido a exercer qualquer trabalho que não estivesse de acordo com a sua livre vontade e interesse, independentemente de sua condição, cor, ou raça, encerrando, com isso, o ciclo de escravidão legalizada no Brasil.

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Entretanto, a abolição da escravatura não se consolidou, de fato, a partir da promulgação da lei, visto que se perpetuaram diversas situações envolvendo a escravização, ao longo dos vários anos. É possível verificar, na contemporaneidade, a existência, ainda, de Latifundiários e Empreendedores, que mantém trabalhadores em regime de escravidão em suas propriedades ou empresas.

O reconhecimento das desigualdades sociais no país, aliado a enorme extensão territorial e a grande vulnerabilidade pela miséria, considerando ainda a baixa escolaridade e ausência de conhecimento dos direitos pelos cidadãos, também desprovidos de qualquer qualificação profissional, tornam essas pessoas vulneráveis e suscetíveis à exploração, sendo submetidos a condições precárias e degradantes de trabalho, sofrendo transgressões de seus direitos fundamentais e tendo sua dignidade e liberdade violentados.

Tendo como marco a Lei de Abolição da escravatura, de 13 de maio de 1888, seria tal iniciativa o ponto de partida para um processo civilizacional, através da demonstração de respeito mútuo e construção de relações cada vez mais altruístas na relação entre as pessoas no convício em sociedade, no que tange em respeitar os direitos de cada indivíduo.

Porém, ainda existem resquícios da prática de exploração por empregadores que são flagrados no intento de forçar pessoas a trabalharem em situações desumanas, com cerceamento da liberdade, mediante jornadas exaustivas e más condições de trabalho, situações consideradas como trabalho escravo ou análogo ao trabalho escravo.

Fica demonstrada uma situação de dualidade, que está centrada na busca pela erradicação do trabalho escravo, como demonstração de uma evolução civilizacional e, de outro lado, o desrespeito a condição humana, a manutenção do desequilíbrio de poder, das exclusões, das desigualdades sociais extremas, do descumprimento das leis e do não reconhecimento dos direitos de uma parte de indivíduos da sociedade que são submetidos a situações degradantes.

Essa dicotomia é destacada por Maria José de Rezende e Rita de Cássia Rezende (2013), que trata do processo civilizacional e descivilizacional na questão do trabalho escravo.

Destacam que o empenho, as ações e procedimentos que possuem como objetivo eliminar o trabalho escravo no Brasil são louváveis e representativos, demonstrando a existência de esforços civilizacionais, no intuito da construção de uma sociedade fundada na observância e respeito da lei e do direito.

De outro lado, ações dessa natureza se contrapõem ao surgimento de reações descivilizadoras por parte daqueles segmentos que se insurgem, dispostos a enfrentar qualquer questionamento das bases sociais e políticas que têm perenizado uma distribuição de poder e de recursos extremamente desigual no país.

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Torna possível observar que o processo de civilização, com base na Teoria de Escritos & Ensaios, de Norbert Elias, tem como objetivo promover o bom convívio consigo mesmo e com os outros indivíduos de uma sociedade, sendo necessário que se estabeleçam modelos sociais em que haja uma coação social para o direcionamento dos comportamentos dos indivíduos, visando a auto-regulação individual.

Estas coações exteriores reconhecidas como modelos sociais de uma civilização tornam-se instrumentos para o desenvolvimento da autocoação individual, porém, Elias alerta “(...) que a crescente intensidade dos autocontroles não é um critério suficiente para o direcionamento de um processo de civilização.”, pois formas extremamente intensas de autocontrole foram observadas em civilizações da Idade Média.

Elias destaca como principais critérios para um processo civilizatório a ocorrência de transformações no habitus social das pessoas integrantes de uma determinada sociedade, de forma que essas transformações estejam direcionadas para o estabelecimento de um modelo de autocontrole de forma proporcional, com aceitação universalizada e de forma estável.

Buscando evoluir na questão da erradicação do trabalho escravo, demonstrando crescimento no processo evolutivo e civilizatório, descrito na teoria elisiana, o Brasil, vem empreendendo esforços nessa direção, a partir do reconhecimento, em 1995, da existência do trabalho escravo contemporâneo no país junto à Organização Internacional do Trabalho – OIT.

A partir do reconhecimento público do problema, passou a editar e publicar leis e legislações visando o combate a essas situações consideradas crimes e estabeleceu vários Planos e Grupos de trabalho para erradicação e repressão ao trabalho forçado em todo o território nacional.

Ainda que se considere todos os esforços realizados no país com a punibilidade através da legislação que criminaliza o ato da escravidão, demonstrando a transformação do habitus social, mediante a manifestação de intolerância da sociedade com a prática do trabalho escravo, tal coação social, por si só, demonstra ser insuficiente para erradicar o problema, pois conforme Elias, a coação externa não tem o condão de gerar, de forma automática, a auto-regulação individual, a fim de promover o direcionamento do comportamento de indivíduos que transgridem comportamentos, notadamente condenados pela sociedade.

O processo social para a ocorrência de transformações é considerado por Elias, como bipolares, pois apesar de apresentarem surtos para uma determinada direção, podem, invariavelmente, dar lugar a surtos contrários, reconhecendo ainda, que ambos podem ocorrer simultaneamente, sendo que, em um dado momento, um deles pode vir a se tornar dominante, cabendo ao outro, se contrapor, visando à obtenção e a manutenção de um equilíbrio.

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Qualquer indivíduo que esteja necessitando de mão de obra para prestar serviços em seu favor tem plena consciência de qual o comportamento e ações que devem ser perpetradas, sabedor de que é condenável e contrário ao habitus social a utilização de trabalhadores na condição de escravos ou análogo à escravidão, para a execução de trabalhos em prol de seus interesses, promovendo, com isso, ações descivilizadoras, à luz da teoria elisiana.

5 ANÁLISES TEÓRICAS E DEDUTIVAS: UM OLHAR INTERDISCIPLINAR

5.1 ESCRAVIDÕES CONTEMPORÂNEAS

Segundo levantamento realizado pela ONU e OIT em setembro de 2017, aponta 40 milhões de pessoas no mundo são vítimas da escravidão contemporânea. Esse cenário considerado obsoleto trata-se, no entanto, de uma realidade sombria que persiste em pleno século XXI, como mostra o gráfico 1.

Gráfico 1. Escravidão moderna no mundo por gênero ano 2017

Fonte: ONU, OIT Adaptado Pelos Autores 2017.

Da totalidade apresentada pela ONU e OIT 2017, todas as vítimas do trabalho análogo ao de escravo, são obrigadas a labutar em diversas áreas. Na zona rural há maior concentração de casos de trabalho análogo ao de escravo, onde são vistos como ser descartável utilizado como instrumento de produção, após o explorado o mesmo é abandonado pelos proprietários de terras. (Silva, 2010) A veracidade confirma-se através do gráfico 2.

Gráfico 2. Escravidão moderna no mundo por atividade ano 2017.

Mulheres; 28.400.000 Crianças; 10.000.000 Homens; 1.600.000 Total: 40.000.000

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Fonte: ONU, OIT Adaptado Pelos Autores 2017.

A escravidão é vista como um antigo problema que persiste na sociedade, o termo “escravidão branca” demonstra que a o trabalho escravo contemporâneo, indefere de raça ou cor, como decorria no período pré-republicano (Apêndice I), não havendo indistinção, pois atingem brancos e negros. (SENTO-SÉ 2001).

O estudo científico referente ao trabalho análogo ao de escravo rural brasileiro decorre a evolução histórica e filosófica do trabalho escravo no mundo, tendo destaque no Brasil, pois anualmente milhares de brasileiros são sujeitados a condições análogos a de escravo (SILVA, 2010). As denúncias do trabalho análogo ao de escravo no Brasil, de forma geral, vêm acompanhadas com a narrativa de atos de violência física, onde há fatos que resultam em assassinatos (MARTINS, 1999).

O Grupo Especial Móvel (GEFM) que atua junto a outros órgãos como Ministério Publico do Trabalho (MPT), Policia Federal (PF) e Policia Rodoviária Federal (PRF), no combate ao trabalho análogo ao escravo, afirmam que diversas atividades voltadas à agropecuária estão propensas a este tipo de trabalho, principalmente, grandes fazendas e empresas agrárias reconhecidas internacionalmente.

Entre as atividades que podem apresentar este quadro de escravidão, encontram-se os processos de inseminação artificial, as vacinas aplicadas no gado e os processos voltados ao plantio e colheita, apesar do expressivo avanço tecnológico, maquinários modernos e técnicas agropecuárias na produção e manuseio do solo, contudo a exploração do trabalho análogo ao de escravo é somada para ampliação de fronteiras agrícolas ou pecuárias, devastando o meio ambiente (SILVA, 2010).

Como uma medida relevante e eficaz em enfrentar a problemática da escravidão proporcionada por grandes empresas, indústrias e fazendas, em 2003 foi criada pelo governo federal, a chamada “lista suja”, do qual é apresentado os empregadores que tenham submetido

Domésticas, Const. Civil e Agricultura; 16.000.000 Ind. Sexo; 5.000.000 Autoridades 4.000.000 Outros; 15.000.000 Total: 40.000.000

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trabalhadores a condições análogas à de escravo, a lista suja é considerada pelas Nações Unidas um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil.

Dados também disponibilizados pela Organização Internacional do Trabalho – OIT (2017), mostram que entre os anos de 2007 a 2016 houve um alto número de resgatados em diferentes atividades econômicas, principalmente elencados ao setor da agropecuária brasileira, como mostra o gráfico 3.

Gráfico 3. Trabalho análogo ao escravo de 2007 a 2016.

Fonte: COETE. Ministério do Trabalho, Para o Observatório, nos anos de 2007 a 2016. Adaptada pelos autores.

Em todo processo há uma relação de poder como já mencionado, e isso é verificado em dados como os apresentados pela OIT (2017) que mostram às atividades econômicas que mais se encontram casos de escravidão em quantidade e em porcentagem são principalmente no setor da agropecuária brasileira (Tabela 1).

Tabela 1. Atividades mais representativas envolvidas no trabalho análogo à escravo. Principais atividades econômicas

Quantidade %

Criação de bovinos para corte 7008 30,94

Cultivo de Arroz 4673 20,63

Fabricação de Álcool 2559 11,30

Cultivo de Cana-de-Açúcar 2191 9,67

Fabricação de Açúcar em Bruto 1176 5,19

Extração de Madeira em Florestas Nativas 561 2,48

Serviço de Inseminação Artificial em Animais 430 1,9

Cultivo de Soja 328 1,45

Comércio Varejista de Suvenires, Bijuterias e 245 1,08

0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000

Operações GEFM Inspeções Resgatados (COETE) Resgatados por inspeção (COETE)

Trabalho análogo ao de escravo no Brasil

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

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Artesanatos

Atividades de Apoio a Produção Florestal 226 1,00

Fonte: COETE, Ministério do Trabalho, Para o Observatório, 2003 a 2017.

5. 2 A CONCEPÇÃO DE VIDA MELHOR NO CENÁRIO DA ESCRAVIDÃO BRASILEIRA Para Elias (2006), há uma distinção entre vida “boa” e vida “melhor”, sendo a primeira com significado que remete ao estado absoluto e final e o segundo a um processo social no desenvolvimento do qual as condições de viver se referem a uma fase anterior, ou seja, não há o absoluto.Se considerarmos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), são pautadas diferentes formas de reconhecimento do ser humano como indivíduo com direitos e liberdades. No Artigo 3 diz que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança”, logo se considerado a “vida melhor” colocada por Elias, o trabalhador tem um desenvolvimento dentro de uma determinada civilização, ou seja, existe uma relação de poder que abarca a proteção dos interesses deste indivíduo e o seu descumprimento fere a questão dos direitos humanos, gerando um processo de descivilização.

No Artigo 4 desta mesma Declaração diz também que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o trafico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”. Obstante, considerando a figuração agrícola é muito claro que embora exista um processo civilizador para evitar essas situações, ainda há vários casos de trabalhos em condições análogas à escravidão.

Elias (2006) considera que as coações exteriores possuem um importante papel no processo civilizatório, porém é necessário executar ações que impulsionem a resultados positivos, pois coações fazendo uso da violência física tornam-se inapropriada para formação de instâncias constantes de autocontrole que a persuasão paciente; coações exteriores que sofrem oscilações entre ameaça violenta e demonstração calorosa de amor constantemente são minimamente indicadas comparadas a coações exteriores frequentemente alicerçadas no calor afetivo, do qual transmite segurança.

Na concepção de Immanuel Kant em sua obra Fundamentos da Metafísica dos Costumes, todo homem possui dignidade e não um preço, comparado a coisas, objetos, constituindo o ser humano um fim em si mesmo e não uma função seja do Estado, sociedade ou até mesmo nação, desfrutando, outrossim, de uma dignidade ontológica, o que corresponde afirmar que o Estado é que deve ser estruturado em benefício dos indivíduos e não o contrário.

Contudo, Elias (1994) diz que os âmbitos sociais e econômicos resistem a fatores de interferência do governo e da força. Destacando também que as pressões da competição fazem as

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funções sociais se tornarem mais amplas e isto perpetua ao longo do tempo. Nesta perspectiva, entende-se o porquê embora existam leis e forças que buscam o fim do trabalho escravo no Brasil, os papéis sociais e econômicos propiciam grandes influências e é nesse processo que se encontra o contínuo processo civilizador.

Assim sendo, o trabalho análogo ao de escravo ou a escravidão contemporânea não provém, portanto, de uma relação de propriedade, mas da coação de ameaça vinculada a miséria e ignorância do trabalhador, tornando por vez tão cruel quanto à tradicional escravidão, pois o mesmo não é considerado um bem dos donos da terra, é apenas um ser dispensável (BELISARIO, 2005).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para a realidade brasileira, a escravidão perpetuou por 300 anos, ou seja, três séculos de um processo de interferência do estágio natural e apenas 129 anos da abolição da escravidão. Embora abolida, hoje a sociedade brasileira se depara com outros tipos de escravidão, que não se referem apenas à cor e raça, mas também em trabalhos em condições análogas à escravidão voltadas as indústrias e setores da agropecuária.

Analisando o processo civilizador e figuração definida por Elias, é possível constatar que embora exista um processo de civilização no campo, se considerarmos os resultados do estudo, compreendemos que não houve diminuição ou a erradicação do trabalho análogo ao escravo, mas existe um enraizamento dentro do setor agropecuário destes problemas.

Baseando no pensamento de Norbert Elias, percebe-se que no século XXI a sociedade brasileira tem relações de poder, seja por leis, regras impostas ao longo do processo civilizador e outras formas de poder. No entanto, identificam-se a existência da violação dos princípios de liberdade e direitos dos cidadãos, em especial, trabalhadores de áreas rurais. Portanto, a civilização concebida como um estado é tratado como um ideal.

REFERÊNCIAS

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escravo: um problema de direito penal trabalhista. São Paulo: LTr, 2005.

BRITO FILHO, J. C. M.; CARDOSO, Y. S. S.; LITAIFF, A. R. M. Trabalho em condições

degradantes – caracterização: análise da jurisprudência do TRT/8ª região e do TRF/1ª região.

Revista Direitos, Trabalho e Política Social, Cuiabá, v. 3, n. 4, p. 40-67, jan./jun. 2017.ELIAS, N. O processo civilizador, v. 2. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

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ELIAS, Norbert. A sociedade de corte investigação sobre a sociologia da realeza e da

aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

____________. Escritos e ensaios. Vol. 1: Estado, processo, opinião pública. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2006.

____________. O Processo Civilizador. v.1- 2. Ed. – Rio de Janeiro. 1994. ____________. O Processo Civilizador. v. 2. Rio de Janeiro. 1993.

KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. Tradução de Lourival de Queiroz Henkel. Rio de Janeiro: Ediouro, [20--?]. p. 55-97.

INSTRUÇÃO NORMATIVA no91 de maio de 05 de outubro de 2011 - Secretaria de Inspeção do

Trabalho. Fiscalização para a erradicação do trabalho em condição análoga à de escravo. Dispõe sobre a fiscalização para a erradicação do trabalho em condição análoga à de escravo e dá outras providencias.

MARTINS, José de Souza. A escravidão nos dias de hoje e as ciladas da interpretação. In: Comissão Pastoral da Terra. Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. São Paulo: Loyola, 1999.

McGRATH, S. Fuelling global production networks with slave labour?: Migrant sugar cane

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NINA, Carlos Homero Vieira. Escravidão ontem e hoje: aspectos jurídicos e econômicos de

uma atividade indelével sem fronteira. Brasília (DF): Ed. do Autor, 2010.

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REZENDE, M. J.; REZENDE, R. C. A erradicação do trabalho escravo no Brasil atual. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 10, p. 7-39, jan./abr. 2013.

SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade. São Paulo: LTr. 2001

SILVA, M. R Trabalho análogo ao de escravo rural no Brasil do século XXI: novos

contornos de um antigo problema. Dissertação Apresentada no Programa de Mestrado em Direito

área de concentração em Direito Agrário da Pró- Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação –PRPPG da Universidade Federal de Goiás – UFG, 2010

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Apêndice I

Quadro comparativo da escravidão pré-republicana e contemporânea

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Gráfico 1. Escravidão moderna no mundo por gênero ano 2017
Tabela 1. Atividades mais representativas envolvidas no trabalho análogo à escravo.

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