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"O tempo é quente e o dragão é voraz" : esperanças e desilusões com o plano cruzado (1986)

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ALONSO GUILHERME SOARES LIMA

O tempo é quente e o dragão é voraz : Esperanças e Desilusões com

o Plano Cruzado (1986).

Brasília

2011

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação Strictu Sensu em Economia de Empresas da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Economia.

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AGRADECIMENTOS

Uma pesquisa acadêmica é sempre um trabalho coletivo. Ainda que seja feita no silêncio das salas fechadas e no isolamento das leituras individuais, pesquisar será sempre estabelecer diálogos. Diálogos com os vivos, cujos incentivos, contribuições e idéias atravessam nosso trabalho, permeando nossas análises. Mas, diálogos também com os mortos, cujas idéias ouvimos registradas pelas empoeiradas páginas dos livros, dos periódicos e das teses e dissertações. Penso na forma como as idéias permanecem vivas, mesmo que saídas das mentes dos que já se foram. Teimosamente, como as unhas e cabelos que crescem sobre os gélidos corpos dos que já fizeram a viagem sem retorno. Portanto, apesar de parecer um trabalho isolado, a escrita de uma dissertação envolve uma gama variada de contribuições, participações e incentivos sem os quais sua feitura seria inviável.

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RESUMO

Referência: LIMA, Alonso Guilherme S. O Tempo é Quente e o dragão é voraz : Esperanças e desilusões com o Plano Cruzado (1986). 93 folhas. Dissertação mestrado em economia de empresas- Universidade Católica de Brasília. Brasília, 2011.

A pesquisa em questão procura compreender as principais medidas antiinflacionárias do programa de estabilização econômica conhecido como "Plano Cruzado" e as razões gerais de seu malogro em alcançar seu objetivo central: o controle da inflação. Neste processo, pretendemos visualizar também quais os principais resultados concretos do Plano, em termos de impacto macroeconômico, as principais medidas tomadas pelo governo diante da "explosão do consumo" e as dificuldades em controlar a curva de demanda. Para melhor compreendermos o problema aqui levantado, cabe também um breve estudo do debate teórico que havia naquele momento sobre as causas estruturais e conjunturais da inflação brasileira, já que diferentes diagnósticos conduziam a diferentes estratégias de ação para combater a espiral inflacionária da época. Como não podia ser diferente, não temos a pretensão de esgotar o assunto, dada sua pluralidade e complexidade. Pretendemos apenas responder (ainda que parcialmente) ao problema levantando anteriormente, que acreditamos ser fundamental para a melhor compreensão do fenômeno que estamos pesquisando.

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ABSTRACT

The current study seeks to understand the main anti-inflationary economic stabilization program known as "Cruzado Plan" and the general reasons for its failure to achieve its central objective: the control of the inflation.In this process, we intend to also see the main concrete results of the Plan in terms of macroeconomic impact, the main measures taken by the government to the "consumer boom" and the difficulties in controlling the demand curve.To better understand the problem here, we also do a brief study of the theoretical debate that was currently on the structural and economic causes of inflation in Brazil, since they had different diagnoses that led to different strategies of action to combat the inflationary spiral of the time.Finally, our intention is not to exhaust the subject, given their diversity and complexity but rather answering the question raised above since we believe it is fundamental for a better understanding of the phenomenon we are investigating.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: O crescimento da dívida externa brasileira 17

Gráfico 2: O processo inflacionário no Brasil- Jan/1979 a Jun/1987 24

Gráfico 3: Salário Real Médio. Indústria SP- 1970/87 26

Gráfico 4: Balança Comercial- Saldo- US$ (milhões)- 1969 a 1990 28

Gráfico 5: O Modelo Monetarista 40

Gráfico 6: A Curva de Phillips 41

Gráfico 7: Deslocamento da demanda e preço de equilíbrio 41

Gráfico 8: Variação do PIB brasileiro- 1980 a 1989 49

Gráfico 9: Taxa de Juros- Over/ Selic- (%a.m.)- 07/1985 a 10/1987 54

Gráfico 10: Produção Industrial no Brasil- De 12/1985 a 02/1987 62

Gráfico 11: A Inflação Brasileira- Jan/86 a Fev/87 68

Gráfico 12: Variação do desemprego na RMSP- De 11/1985 a 05/1987 71

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Distribuição de renda no Brasil 15

Tabela 2: Exportações (FOB), Importações (FOB) e Balança Comercial (US$ milhões) 18

Tabela 3: Inflação e Déficit Público 24

Tabela 4: Salário Real Médio. Indústria - SP 25

Tabela 5: Brasil- Principais Indicadores Econômicos- 1978/88 27

Tabela 6: Indicadores Econômicos do Período Militar- 1970/84 29

Tabela 7: PIB Brasileiro- 1980/1989 49

Tabela 8: Taxas de Juros Over/Selic (% a.m.)- 07/1985 a 10/1987 53

Tabela 9: Salário Médio Real em 1986/87 57

Tabela 10: Indicadores de Consumo- 1985/1990 60

Tabela 11: A Explosão do consumo de 1986 60

Tabela 12: Produção Industrial do Brasil- 12/1985 a 02/1987 61

Tabela 13: Inflação em 1986 e 1987 63

Tabela 14: O Cruzadinho - Conflito Interburocrático 64

Tabela 15: O Cruzado 2 - Conflito Interburocrático 66

Tabela 16: Inflação- INCC- Jan/1986 a Fev/1987 67

Tabela 17: Indicadores Econômicos- 1985/1990 69

Tabela 18: Taxa de Desemprego por região Metropolitana 69

Tabela 19: Taxa de crescimento do PIB total e p/capita- 1978/87 70

Tabela 20: Taxa de desemprego na RMSP- Mensal de 11/1985 a 05/1987 70

Tabela 21: Coeficiente de Gini- 1981 a 1990 79

Tabela 22: Taxa de Mortalidade Infantil- Brasil e SP- 1980 a 1989 81

Tabela 23: Alfabetização e Educação Básica- Brasil 1970,1980,1988 81

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Sumário

1 Introdução...10

2 A conjuntura Econômica Herdada por Sarney...14

2.1 Do Milagre à Crise da Dívida ...14

3 O Controverso Diagnóstico: Monetaristas, estruturalistas e as origens da inflação brasileira...33

3.1 O Modelo Estruturalista...36

3.2 O Modelo Monetarista...39

4 Estabilizar e Crescer: Os Dilemas do Plano Cruzado...44

4.1 Domando o dragão : As principais medidas do Plano Cruzado...44

4.2 As razões do revés: o porquê do desastre...72

5 Conclusão...84

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1 Introdução

Meados da década de 1980. A chamada década perdida cobrava o preço de anos de crescimento econômico baseado no endividamento externo, na concentração de renda e nos gastos públicos excessivos. A alta dos juros do Banco Central Americano, estabelecida pelo presidente Reagan, estrangulava economicamente Estados periféricos portadores de um projeto de industrialização Nacional Desenvolvimentista . A inflação corroia os salários, enfraquecia a moeda e trazia toda uma atmosfera de instabilidade e insegurança, agravando as tradicionais vicissitudes inerentes à economia de mercado. Debates entre especialistas povoavam o cenário acadêmico e científico. Todos em busca de uma explicação concreta para o doloroso fenômeno e de terapias macroeconômicas que controlassem eficazmente o problema. Monetaristas, estruturalistas e outras correntes teóricas correlatas ocupavam o cenário político com seus diagnósticos e propostas. A sociedade brasileira acostumada a anos de silêncios e autoritarismos reaparecia no cenário político nacional. De todos os segmentos sociais brotavam propostas alternativas. Era um momento de intensa ebulição política e mobilização social. Esperanças de uma sociedade posta em movimento, após tantos anos de exílios, torturas, censuras e prisões.

Foi neste contexto conturbado que após vinte anos de ditadura militar, o primeiro governo civil colocou em prática um dos mais ambiciosos e complexos planos heterodoxos de regulação macroeconômica: O Plano Cruzado. Desafiando os tradicionais e enraizados preceitos da Curva de Phillips , o programa governamental propunha combinar controle da inflação com crescimento econômico e manutenção de baixas taxas de desemprego.

Abertura política não combina com recessão diziam os tecnocratas do poder.

O Plano contou com doses inéditas de apoio e participação popular. Por todo o país, pululavam centenas de milhares de Fiscais do Sarney . Era o combate aos especuladores , como então diziam. Nas ruas, a população se percebia como participante do projeto econômico do governo. Engajamento inovador para um povo tão acostumado às rígidas amarras do silêncio, do autoritarismo e da exclusão.

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quebrou . A moratória decretada pelo governo Sarney foi o reconhecimento do fracasso da política econômica que havia, há pouco, alimentando tantos entusiasmos e esperanças.

No plano político, eram revelados os acordos escusos, as transações temerárias ocultas e obtusas que traduziam bem as ambigüidades do processo de redemocratização. Os preços foram congelados e o poder de compra elevado... Até as eleições de novembro de 1986. Vitória do partido do governo. Aumento de preços. Seqüência tragicamente linear que sepultava as esperanças de derrotar o dragão da inflação naquele ambiente político tão tenso e carregado. Nas ruas, a esperança dava lugar à desconfiança. A euforia à indiferença.

Pelas ruas, eram ouvidas as vozes dos saudosistas da ditadura militar. "Naquele tempo é que era bom". "Pelo menos a economia crescia", diziam. Não percebendo que a crise da década de 1980 tinha suas raízes, entre outras coisas, no endividamento externo que sustentou as frágeis engrenagens do milagre da década anterior.

Era como se a árvore da democracia crescesse em solo pedregoso. No plano oficial, rupturas profundas. O novo regime queria ser a antítese do seu antecessor imediato. Democracia versus ditadura. Justiça Social versus desigualdade econômica. Mas, na realidade o novo regime trazia consigo permanências importantes, que mais tarde iriam brotar e revelar as contradições, ambigüidades e continuidades do processo de redemocratização brasileira. Reminiscências teimosas que simples decretos oficiais não podiam extirpar. A experiência do Plano Cruzado sintetizou as mais profundas ambigüidades da Nova República que surgia. A forma autoritária com que o Plano foi implantado, o viés parcialmente eleitoreiro e tecnocrático do programa, o imediatismo, o voluntarismo. A idéia messiânica de uma ruptura total com o passado e seus problemas. A meta surrealista da inflação zero. "Inflação suíça com crescimento japonês" como diziam os novos donos do poder.

Mas, o passado teimava em permanecer. O próprio presidente era um entre outros dos homens que durante anos serviram docilmente à ditadura militar. Na Fazenda, Francisco Dornelles, outro tecnocrata do regime que diziam enterrado. "Mudava-se o palco, mas os artistas permaneciam", diziam alguns. Os problemas econômicos herdados também permaneciam. Dívida externa, concentração de renda, inflação, desemprego. Será que o Brasil estava condenado a ser um país subdesenvolvido? A República que se intitulava Nova e as limitações de sua alardeada novidade. As patologias do defunto que teimavam em permanecer no corpo do recém-nascido e se alimentar de suas fragilidades.

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explosão do consumo após as primeiras medidas de choque adotadas pelo governo? Por que a curva de demanda não foi controlada com sucesso pela equipe governamental?

Nosso problema central será, portanto investigar as razões para o revés do Plano Cruzado em controlar o dragão que intitula este trabalho. Cabe também revisitarmos o debate de natureza acadêmica, epistemológica e política que havia na época entre estruturalistas e monetaristas e visualizarmos parte do legado econômico e social do regime militar. Isso para melhor compreendermos o ambiente intelectual e histórico que marcou a gestação do Plano.

Com vistas a alcançar tais metas, nossa pesquisa utilizará métodos descritivos e qualitativos . Os primeiros, para visualizarmos os efeitos macroeconômicos das medidas governamentais do Plano Cruzado. Os segundos, para a melhor compreensão das dimensões estruturais do problema, estabelecendo um diálogo principalmente com a História e a Ciência Política.

Nesse sentido, utilizaremos a importante bibliografia existente sobre Política Econômica Brasileira (de forma geral), modelos econômicos e sobre o Plano Cruzado especificamente. Ao lado disso, há uma importante coletânea de artigos eletrônicos e impressos sobre o tema em questão e sobre problemas correlatos que podem contribuir para as nossas análises. Como não podia ser diferente, não temos a pretensão de esgotar o assunto, dada sua pluralidade e complexidade. Pretendemos apenas responder (ainda que parcialmente) a algumas questões previamente levantadas, que acreditamos serem fundamentais para a melhor compreensão do fenômeno que estamos pesquisando.

Em resumo, podemos dizer que quanto aos objetivos, nossa pesquisa se apresenta como descritiva1 e explicativa2. Enquanto em relação aos procedimentos, nossa pesquisa

utilizará a Pesquisa Bibliográfica3 e documental4, acompanhada da utilização de dados

serializados sobre os indicadores macroeconômicos.

1 Na concepção de Gil (1999) a pesquisa descritiva tem como principal objetivo descrever características de

determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre as variáveis. Uma de suas características mais significativas está na utilização de técnicas padronizadas de coletas de dados. GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1999.

2 Gil (1999) ressalta que as pesquisas explicativas visam identificar os fatores que determinam ou contribuem

para a ocorrência dos fenômenos.

3 Gil (1999) explica: "A pesquisa bibliográfica é desenvolvida mediante material já elaborado, principalmente

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Estudar a Política Macro Econômica do Estado Brasileiro na década de 1980 se revela um empreendimento importante e significativo na medida em que visualizamos melhor um momento singular da história econômica do país: A chamada década perdida . Não pretendemos estudar o passado apenas por curiosidade ou deleite pessoal. Acreditamos que compreender a nossa própria historicidade é fundamental para qualquer um que procure se situar no tempo e compreender as contradições do presente. A esse respeito, o historiador Eric Hobsbawm nos alerta para o fato de que "[...] quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem." (HOSBBAWM, 1995, p. 13). Portanto, estudar as razões do revés do Plano Cruzado é importante, principalmente no contexto atual em que algumas das novas medidas governamentais parecem retomar elementos de indexação econômica5 e aumentar os dispêndios financeiros do Estado. Perigosos precedentes, que em outros contextos, contribuíram para alimentar a espiral inflacionária que tanto atormentou os brasileiros há três décadas atrás. Além disso, como veremos o Plano Cruzado, não obstante seus inúmeros equívocos e imperfeições, possuiu o mérito de colocar entre seus objetivos, superar problemas históricos seculares que ainda hoje, atormentam a sociedade brasileira: a concentração de renda, a exclusão de amplos segmentos sociais da sociedade de consumo, o desemprego, a dependência tecnológica, etc. Ou seja, o Plano levantou problemas e inquietações que são bastante atuais.

A derrota de uma das mais ambiciosos planos econômicos governamentais simbolizou também o fim de um experiência inédita de participação coletiva e popular. A partir daquele momento, começaram a ganhar forças os defensores de propostas políticas mais ortodoxas, monetaristas e liberais. A estabilização econômica via controle inflacionário passou a ser o alvo central, ainda que variáveis sociais apresentassem declínios importantes. Políticas

diversas publicações isoladas em torno de um problema e atribuir-lhes uma nova leitura." RAUPP. Fabiano Maury; BEUREN, Ilse Maria. Metodologia da Pesquisa Aplicável às ciências sociais. Disponível em

<http://www.geocities.ws/cienciascontabeisfecea/estagio/Cap_3_Como_Elaborar.pdf> Acesso em: 05/10/11.

4 A pesquisa documental se baseia "em materiais que ainda não receberam um tratamento analítico ou que

podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. [...] Sua notabilidade é justificada no momento em que se podem organizar informações que se encontram dispersas, conferindo-lhe uma nova importância como fonte de consulta. RAUPP. Fabiano Maury; BEUREN, Ilse Maria. Metodologia da Pesquisa Aplicável às ciências sociais. Disponível em

<http://www.geocities.ws/cienciascontabeisfecea/estagio/Cap_3_Como_Elaborar.pdf> Acesso em: 05/10/11.

5 O governo Dilma estaria alimentando uma verdadeira bomba-relógio: a indexação oficial dos contratos, os

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públicas contracionistas marcaram os anos 1990. A inflação foi controlada, mas a um custo social inédito na história econômica do país.

Portanto, "[...] mais do que um laboratório para experiências e teorias de como combater a inflação, o Plano Cruzado serviu de aprendizado, mostrando as dificuldades inerentes a qualquer processo de redemocratização" (CASTRO, 2005, p. 117). Naquela época, muita gente ainda vivia os sonhos de que a democracia resolveria todos os problemas do país. Após vinte anos de ditadura militar, reinava a esperança de que enfim o país conseguiria reencontrar os caminhos do crescimento econômico e promoveria ao mesmo tempo, o fim da inflação e a redistribuição de renda.

Nos dias atuais, essa crença se revela utópica e reina o pessimismo e a desesperança de que seja possível a consolidação de projetos igualitários. O descrédito em relação ao futuro toma conta das representações que a sociedade contemporânea edifica sobre si mesma. A sociedade raramente se mobiliza em torno de projetos políticos, domesticada pelo tecnicismo do poder e seu véu de pretensa neutralidade. Retomar o estudo de propostas vencidas é, portanto também uma forma de [...] descobrir em algumas das causas perdidas [...], percepções de males sociais que ainda estão por curar [...] , pois "[...] nada nos garante que o que ganhou foi sempre o melhor [...]. (THOMPSON, 1987, p. 13).

2 A CONJUNTURA ECONÔMICA HERDADA POR SARNEY

2.1 Do "milagre" à "crise da dívida"

Para melhor compreendermos o Plano Cruzado e suas implicações, precisamos realizar uma reflexão preliminar sobre a conjuntura econômica herdada pelos líderes da então Nova República Brasileira. Após duas décadas no poder, os militares voltavam aos quartéis deixando o país com importantes melhorias de infra-estrutura, melhores índices de urbanização e industrialização e com um Produto Interno Bruto (PIB) de significativa robustez. Havia, porém um legado sinistro: altas taxas de inflação, dívida externa, desemprego, desigualdades sociais imensas, etc.6. A economia havia certamente crescido em tamanho e complexidade. Há, porém toda uma discussão que se estende até os dias atuais sobre se o país havia ou não se desenvolvido. Isso porque houve um aumento importante das

6 A fase expansiva da década de 70 apresentava traços contraditórios, pois, ao mesmo tempo em que

robusteceu o sistema produtivo, também continha em si os germes da crise que se avizinhava AVERBUG, Marcelo. Plano Cruzado: crônicas de uma experiência. In:Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 12, n. 24, p.

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desigualdades sociais (vide tabela 1) e da dívida externa (vide gráfico 1), alimentando a exclusão social e a dependência financeira e tecnológica.

Tabela 1: Distribuição de renda no Brasil

Distribuição de Renda no Brasil 1960 1970

Faixas de renda (%) (%)

40% mais pobres 11,2 9

Próximos 40% 34,3 27,8

Próximos 15% 27 27

5% mais ricos 27,4 36,3

Fonte: BAER, Werner. A Economia Brasileira. São Paulo: Nobel, 2002, p. 99.

Os elementos basilares do projeto econômico da ditadura militar foram lançados já no período pós-golpe de 64, durante a conjuntura recessiva que durou até 1967. A partir do lançamento do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), o governo Castelo Branco colocava em prática uma política de contenção salarial7, fim da estabilidade empregatícia, criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), derrogação da lei contra a remessa de lucros. Enfim, criaram-se as bases para atrair investimentos, capitais e empresas internacionais. O Novo regime teve como principal tarefa, remover os obstáculos à expansão do capital estrangeiro no país (SOUZA, 2008, p. 66).

O Plano previa investimentos significativos em setores estratégicos e criava as bases de um Sistema Financeiro Nacional (SFN) integrado. Nessa época, com as taxas de inflação mais ou menos sob controle, o Plano criou um mecanismo que grande instabilidade iria trazer à economia brasileira nos anos vindouros: a indexação de preços e salários. Entendido quando foi criado como um mecanismo emergencial e provisório, a permanência de sua prática revela muito sobre as contradições do modelo econômico da ditadura militar.

Os governos militares optaram por um modelo econômico altamente expansionista, baseado em investimentos em infra-estrutura, no endividamento externo, no arrocho salarial e nas obras faraônicas que materializariam a idéia alardeada de Brasil Potência . De 1969 a 1973 especificamente, a economia cresceu a taxas impressionantes (beirando os 10% ao ano). "A façanha da economia brasileira nesse período foi ainda mais surpreendente porque tal ritmo de crescimento foi acompanhado de queda da inflação e de sensível melhora da balança

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de pagamentos, que registrou superávits crescentes ao longo do período" (VILELA et al, 2005, p. 82). A legitimidade do regime repousava então sob o desempenho econômico nacional. Ao mesmo tempo em que a repressão política e policial abafava as vozes dissidentes. No silêncio da ditadura, ouviam-se apenas as vozes dos donos do poder. Índices inéditos de aprovação e popularidade marcaram o Governo Médici, justamente no período de apogeu do autoritarismo. Era o milagre brasileiro . Propaganda política, repressão policial e crescimento econômico formavam as bases legitimadoras do regime. O quadro de ampla liquidez do SFI, a simpatia do governo norte americano pelo novo regime e a política econômica expansionista são fundamentais para compreendermos a performance econômica brasileira naquele momento.

Ao mesmo tempo, oculta pelo silêncio da censura, indicadores econômicos nefastos traduziam o caráter excludente do projeto do regime. As diferenças sociais se alargavam, tornando maior o fosso que separava os mais abastados dos mais excluídos. "A Economia vai bem, mas o povo vai mal", confessou o presidente, em um momento de sinceridade. Na verdade, a política de contenção salarial não era um mero instrumento de combate à inflação, mas uma exigência fundamental dos grupos econômicos estrangeiros para retomar os investimentos . (SOUZA, 2008, p. 66). Era preciso "primeiro fazer o bolo crescer, pra depois dividi-lo", conforme explicou o ministro da economia Delfim Neto. Crescimento econômico e um elevado índice de exclusão social caminhavam juntos na condução das políticas públicas da ditadura.

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GRÁFICO 18

O crescimento da dívida externa brasileira.

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor a partir dos dados retirados de www.ipeadata.gov.br

A crise do petróleo em 1973 veio demonstrar parcialmente a vulnerabilidade daquele modelo econômico que repousava em bases tão frágeis. A elevação abrupta dos preços do precioso insumo atingiu em cheio o modelo econômico da ditadura. Lembrando que na época, o Brasil importava cerca de 80% do petróleo consumido internamente. A opção pelas termelétricas e pelas rodovias como meios fundamentais de produção energética e transportes se baseava nos preços relativamente baixos do petróleo vigentes até então. Os eventos turbulentos da década de 1970 destruíram este quadro. Os países centrais em recessão diminuíram o índice de importações, ao mesmo tempo em que o abrupto aumento dos preços do petróleo estrangulava a Balança de Pagamentos (BP) dos países periféricos. O resultado foi o aumento dos déficits alfandegários em muitos destes países e uma crescente crise fiscal. Em resumo, esgotou-se na conjuntura 1974-75 o modelo econômico que vinha se desenvolvendo no Brasil. Tal esgotamento levou à crise do regime político construído para viabilizar a sua expansão no país (SOUZA, 2008, p. 119) .

8.O legado da ditadura militar foi particularmente nefasto neste setor. Em 1964, a dívida externa brasileira era de

3.294,0000 milhões de dólares. Em 1984, quando os militares voltaram aos quartéis, a dívida havia saltado para impressionantes 102.127,0000 milhões de dólares. (Fonte: www.ipeadata.gov.br)

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Tabela 2: Exportações (FOB), Importações (FOB) e Balança Comercial (US$ milhões)

Ano

Exportações (FOB)

Importações

(FOB) Saldo Comercial

1970 2.739,0 2.507,0 232,0

1971 2.904,0 3.247,0 -343,0

1972 3.991,0 4.232,0 -241,0

1973 6.199,2 6.192,2 7,0

1974 7.951,0 12.641,3 -4.690,3

1975 8.669,9 12.210,3 -3.540,4

1976 10.128,3 12.383,0 -2.254,7

1977 12.120,2 12.023,4 96,8

1978 12.658,9 13.683,1 -1.024,2

1979 15.244,4 18.083,9 -2.839,5

1980 20.132,4 22.955,2 -2.822,8

1981 23.293,0 22.090,6 1.202,4

1982 20.175,1 19.395,0 780,1

1983 21.899,3 15.428,9 6.470,4

1984 27.005,3 13.915,8 13.089,5

1985 25.639,0 13.153,5 12.485,5

1986 22.348,6 14.044,3 8.304,3

1987 26.223,9 15.051,9 11.172,0

1988 33.789,4 14.605,3 19.184,1

1989 34.383,0 18.263,0 16.120,0

1990 31.413,8 20.661,0 10.752,8

Fonte: Exportações (FOB), Importações (FOB) e Balança Comercial: (US$ milhões). Dados obtidos em www.ipeadata.gov.br

A política do governo Geisel de combater a crise econômica retomando os investimentos em setores considerados estratégicos9 fez com que o PIB brasileiro continuasse

experimentando taxas elevadas de crescimento. Indo inclusive na contra mão do quadro recessivo preponderante no SFI. Ocorre, porém que a manutenção de uma política altamente expansionista exigia gastos perenes e crescentes, o que fez com que as contas governamentais ficassem cada vez mais desgastadas. Porém, enquanto as taxas de juros internacionais continuassem razoáveis, o processo de financiamento/endividamento externo parecia ser compensatório. Ainda havia um grau importante de liquidez no sistema financeiro internacional, o que permitiu que o governo brasileiro optasse por uma política de investimentos financiados pelo capital externo. Dessa forma, podemos dizer:

9 Para um ano que se pretendia de reversão monetária, a fim de compensar os excessos do final do governo

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A abundância de liquidez internacional permitiu que os déficits em conta corrente vultosos que resultaram das mesmas políticas fossem financiados sem que houvesse percepção mais dramática do novo quadro de restrições externas ao iniciar-se o novo governo. Com financiamento externo abundante, a linha de menor resistência conduzia assim à rota do endividamento externo; um certo otimismo pela existência de indexação contribuía para aumentar a tolerância com taxas mais elevadas de inflação. Postergava-se assim naturalmente, para uma eventual ocasião mais propícia, a adoção de um programa de medidas restritivas. (ABREU, 2003, p. 299).

A dívida externa continuou, portanto se elevando ininterruptamente ao longo da década de 1970, em grande parte em virtude das opções estratégicas de política econômica acima citadas.10

O grande problema era que a economia internacional entrava a partir da segunda metade da década de 1970 em profunda e prolongada recessão. Era o fim dos "30 anos gloriosos (1945-1975)" como chamou o historiador Eric Hobsbawm (1995). A Era de Ouro do capitalismo urbano industrial ocidental esgotava-se. O período de grande expansão econômica internacional que se seguira à Segunda Guerra Mundial e que sustentara políticas públicas redistributivistas e intervencionistas chegara ao fim. A desaceleração da economia global, a quebra da paridade ouro dólar-decretada por Nixon em 1971-, os choques do petróleo e o aparecimento da chamada estagflação quebraram as bases sob as quais se assentava o modelo econômico keynesiano do Pós Guerra. "O resultado deste novo cenário internacional foi o racionamento do crédito para os países altamente endividados e a deflagração da crise da dívida latino americana" (VILELA et al, 2005, p. 98).

Paralelamente a isso, nos grandes centros industriais ocorria o fenômeno da Revolução Científico Tecnológica (RCT) ou 3ª Revolução Industrial, consubstanciada na informática, na robotização, na automação sem precedentes da produção, na engenharia genética, biotecnologia, etc. Tendo como palco a Europa Ocidental, o Japão e os EUA o fenômeno veio alargar ainda mais as distâncias que separavam as economias centrais das periféricas, tornando ainda mais desigual a produção de Ciência e Tecnologia. Isso veio

10 A dívida externa brasileira cresceu 10 bilhões de dólares entre 1974 e 1977, outros 10 bilhões nos dois anos

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agravar a situação da BP dos países periféricos já que as economias desenvolvidas conseguiram agregar mais valor real aos seus produtos de alta tecnologia.

Para completar o cenário internacional adverso, a vitória dos republicanos nos EUA anunciou mudanças importantes nas relações internacionais do centro com a periferia. Os endividados Estados subdesenvolvidos capitalistas passaram a sofrer novas pressões no sentido de desmontar seu modelo nacional estatista e abrir suas economias aos fluxos, investimentos e mercadorias internacionais . O aumento abrupto das taxas de juros internacionais11 patrocinado por Ronald Reagan quebrou a economia do México, obrigando o país a decretar moratória em 1982, o mesmo acontecendo com o Brasil em 1987.

A elevação dos juros internacionais, ao lado da queda dos termos de intercâmbio, havia levado ao crescimento incontrolável da nossa dívida externa. A suspensão de novos empréstimos foi o xeque mate dos bancos para tentar forçar os países endividados a se submeterem aos seus termos. (SOUZA, 2008, p. 155).

A elevação das taxas de juros, além de resultar no agravamento das contas públicas, provocaria ainda a aceleração das taxas de inflação através de dois mecanismos, comentados por Furtusoso (1995, p. 405):

a) pelo seu impacto direto sobre os custos (com o custo financeiro passando a representar parcela crescente do custo total das mercadorias)

b) pelo seu impacto indireto, via elevação dos custos fixos unitários ocasionada pelos seus efeitos recessivos.

A chamada segunda crise do petróleo em 1979 veio complementar a conjuntura internacional negativa. À medida que os anos 1970 davam lugar aos anos 1980 mudanças expressivas e desfavoráveis incidiam sobre a economia brasileira. Conforme Frutuoso,

O segundo choque do petróleo em 1979 e o brusco aumento das taxas de juros internacionais verificado, viriam a aprofundar a crise externa brasileira através de uma série de mecanismos: pelo salto nos juros da dívida; por reorientar os fluxos de capital preferencialmente para os EUA e Europa; e pelo impacto negativo sobre os

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preços relativos das commodities , itens importantes da nossa pauta de exportação. (FURTUOSO, 1995, p. 404).

Se em 1973, o impacto da primeira crise do petróleo ainda foi parcialmente absorvido por uma política expansionista amparada no financiamento externo, em 1979 a liquidez do SFI havia simplesmente desaparecido12. Ao mesmo tempo, a elevação das taxas de juros internacionais não permitia mais a manutenção daquele tipo de orientação econômica. Foi necessário então, manobrar os mecanismos de política econômica no sentido de promover um ajuste fiscal interno e buscar uma melhoria das contas externas. Para isso, era necessário desaquecer a economia e diminuir a demanda interna. Podemos dizer então:

A política macroeconômica que prevaleceu entre 1981 e 1982 foi basicamente direcionada para a redução de divisas estrangeiras através do controle da absorção interna. A lógica dessa política é fazer com que a queda da demanda interna torne as atividades exportadoras mais atraentes, ao mesmo tempo em que reduz as importações. (ABREU, 2003, p. 325).

Portanto, a dívida pública elevada e crescente foi parte do legado negativo do regime dos militares. O fator básico que caracteriza a crise estrutural da economia brasileira dos anos 1980 era o profundo desequilíbrio financeiro do setor público13. Escrevendo naquela década, o economista Luis Carlos Bresser Pereira lamenta a situação: O Estado está virtualmente quebrado, falido no Brasil. (PEREIRA, 1988, p. 62). As origens de tal desequilíbrio fiscal podem ser elencadas da seguinte forma:

A) na política de crescimento com dívida dos anos 1970.

B) na elevação da taxa de juros internacionais do final dos anos 1970.

C) na pressão para desvalorizar a moeda nacional para enfrentar os problemas da BP.

D) nos subsídios e incentivos para o setor privado.

e) na prática de controlar as tarifas das empresas estatais visando controlar a inflação.

12 A duplicação dos preços do petróleo e a elevação das taxas de juros internacionais no início dos annos 1980

tornaram mais custoso e mais prolongado o processo de ajuste da oferta doméstica iniciado na segunda metade da década anterior. Ao contrário do que se seguiu no primeiro choque, em meados de 1980 foram sentidos os primeiros sinais de escassez de financiamento externo. (ABREU, 2003, p. 323)

13 É enorme a dívida pública externa, que está por trás da crise econômica. A aceleração da inflação no Brasil e

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f) no declínio da carga fiscal devido à aceleração inflacionária (o chamado efeito Tanzi 14).

A inflação elevada geralmente provocava a valorização da taxa de câmbio, o que incentivava as importações. No entanto, a crise fiscal do começo dos anos 80, forçou o Brasil a adotar políticas econômicas que gerassem reservas externas. Com a retirada do capital externo como uma fonte de financiamento, a economia nacional teve de contar basicamente com o comércio exterior para aumentar suas reservas. As escolhas políticas feitas pelo governo brasileiro de modo a atingir elevados excedentes comerciais passaram então a envolver constantes desvalorizações reais da moeda nacional. Isso, por sua vez, aumentou o valor da dívida externa em moeda nacional e também o preço das importações, que pressionavam a inflação (PIO, 2001, p. 31). As novas desvalorizações cambiais e a redução do prazo de indexação dos salários alimentaram ainda mais a espiral inflacionária.

Cada vez com maior intensidade, a espiral inflacionária passava a corroer os salários, em especial daqueles mais pobres que não tinham acesso aos fundos de investimento bancários e às cadernetas de poupança. Na década 1980, a inflação passou a ser, portanto um dos problemas econômicos centrais do Brasil e da América Latina15.

O solo macroeconômico estava fértil para a propagação das ervas daninhas da inflação e da instabilidade global. Na presença de uma inflação elevada, a indexação dos salários protegia os trabalhadores das rápidas diminuições de sua renda real enquanto constantes alterações da taxa de câmbio preveniam sua sobrevalorização. Ocorre que o custo da indexação reside na "[...] perpetuação da inflação, tornando a estabilização mais difícil [...]. Além disso, nenhuma indexação é livre de defasagens e, portanto, uma indexação perfeita é impossível." (CARDOSO, 1989, p. 31.) O remédio tomado para amenizar os efeitos mais deletérios da inflação acabava por alimentá-la indefinidamente.

Diante da encruzilhada em que se encontrava, o governo Figueiredo se alinhou às teses monetaristas: era necessária uma política de austeridade fiscal para controlar a inflação e restabelecer a estabilidade macroeconômica. O acordo com o Fundo Monetário

14 "O chamado 'efeito-Tanzi', correspondente à perda de valor real dos tributos em função do aumento dos

preços entre o momento da ocorrência do fato gerador e o momento em que o tributo é efetivamente recolhido aos cofres públicos, representa um fenômeno bastante conhecido e discutido na literatura teórica e nos trabalhos empíricos sobre finanças públicas" (GIAMBIAGI, Fábio. O Efeito Tanzi e o Imposto de Renda da Pessoa Física: Um Caso de indexação imperfeita. In: Revista do IPEA, n: 133, Mar.1988. Disponível em

<http://www.cipedya.com/web/FileDownload.aspx?IDFile=100555> Acesso em: 11/08/11.

15 "Para quem atravessou a década de 1980, como empresário ou até mesmo dona de casa, os tempos foram

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Internacional (FMI) em fins de 1982 confirmou explicitamente a política contracionista do novo governo. Com a posse do General Figueiredo em março de 1979, Mário Simonsen foi para a Secretaria de Planejamento (SEPLAN) para comandar a política econômica. Foi feita então uma nova tentativa de ajuste fiscal baseada essencialmente no corte de investimentos considerados não prioritários para a melhoria do balanço de pagamentos e o controle do processo de endividamento externo (ABREU, 2003, p. 308).

Os efeitos negativos da nova orientação econômica foram logo sentidos:

O violento corte nos gastos públicos foi fatal, na medida em que a preservação de um elevado nível de investimento público que permitiu que a economia brasileira seguisse crescendo depois do fim do milagre nos anos 1970 [...] Em 1981, houve Queda de 9% na capacidade industrial. Em 1983, o PIB encolheu 3%. (SOUZA, 2008, p. 152)

Após décadas de crescimento econômico, o país passava a vivenciar a agonia da recessão e até mesmo da depressão.

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GRÁFICO 2: Taxa de Inflação Mensal (IGP: FGV, jan/1979-jun/1987)

Fonte: CARDOSO, Eliana A.O processo inflacionário no Brasil e suas relações com o déficit e a dívida do setor público. In: Revista de Economia Política, v.8, n: 2, abr/jun/1988, p. 6

No momento imediatamente posterior ao anúncio das novas medidas até podemos observar uma pequena queda na taxa de inflação, conforme a tabela 3.

Tabela 3

Fonte: PEREIRA. Luiz Carlos Bresser. Os dois congelamentos de preços no Brasil. In:Revista de Economia Política, vol.8, n:4, nov/dez/1988, p. 49.

Observamos que a nova política austera de Figueiredo foi eficaz em reduzir o déficit público, sua principal meta neste primeiro momento de seu governo16. Seu principal e

declarado objetivo fora em grande parte alcançado. Ocorre que em 1983, a inflação se elevou, mesmo diante da redução do déficit, sugerindo que a opção monetarista do presidente não estava logrando êxito em domar a alta dos preços.

A esse respeito, o economista Luis Carlos Bresser Pereira comentou: Contrariamente à teoria ortodoxa, a inflação não cedeu. Em função das desvalorizações cambiais feitas no começo de 1983, a taxa de inflação dobrou . (PEREIRA, 1988, p. 52). O fenômeno tornou bastante evidente a idéia até então controversa de que a austeridade fiscal era uma condição necessária, mas não suficiente para obter o efetivo controle da inflação. Outros elementos nocivos deveriam ser combatidos conjuntamente para de fato estabilizar a economia. Além

16 Os esforços iniciais concentraram-se assim na redução do déficit público. A gravidade do problema fiscal foi

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disso, como veremos na Tabela 5, a política de Figueiredo provocou num primeiro momento um leve aumento das taxas de desemprego (a partir de 1983) e um rebaixamento do salário real (vide tabela 4 e gráfico 3). É o tradicional custo social que os ortodoxos preconizam como um remédio amargo, mas inevitável para estabilizar a economia.

Tabela 4: Salário Real Médio. Indústria - SP

Ano Salário

1979 4,4

1980 4,5

1981 9,0

1982 11,5

1983 -4,8

1984 3,2

1985 13,4

1986 14,2

1987 -7,2

Fonte: Salário real - médio - indústria - SP - Var. anual - (% a.a.) - Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, Levantamento de Conjuntura (Fiesp) - FIESP_SRM: Dados obtidos no Ipeadata.

GRÁFICO 3: Salário Real Médio. Indústria - SP

Fonte: Salário Real Médio. Indústria- SP- Var. anual a.a. (%). Elaborado pelo autor a partir dos dados de www.ipeadata.gov.br

-10.0 -5.0 0.0 5.0 10.0 15.0 20.0

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Fortalecia-se a idéia de que a economia nacional demandava um choque heterodoxo. Até porque, por essa época, em Israel17 e na Argentina18 estavam sendo gestados planos heterodoxos de combate à inflação que vinham apresentando resultados considerados satisfatórios. Crescia entre parte dos economistas brasileiros a possibilidade de que remédios similares tivessem também efeitos concretos em derrotar e espiral inflacionária no Brasil

Tabela 5

Fonte: NOVAES, Ana Dolores. Um Teste da Hipótese de Inflação Inercial no Brasil. (in) Pesquisa e

Planejamento Econômico Vol.21, n:2, Rio, 1991, pg. 378.

17 O Plano de estabilização israelense conseguiu debelar a forte crise econômica que se abatia sobre o país desde

meados da década de 1970. As medidas governamentais adotadas nos anos 1980 conseguiram domar a inflação (que ficou próxima de zero) e criar as bases de um exitoso modelo econômico baseado na abertura ao comércio internacional e em importantes investimentos em educação e infra-estrutura. Os indices de pobreza e desigualdade social caíram de forma significativa ao mesmo tempo em que a moeda se fortaleceu e a economia se estabilizou. ARIDA, Pérsio (org). Inflação Zero: Brasil, Argentina e Israel. Paz e Terra, 1986.

18 Com o plano, o austral se converteu na moeda legal argentina em 14 de junho de 1985 na tentativa de

controlar uma inflação elevadíssima. A nova moeda substituiu o peso argentino vigente anteriormente. No princípio o plano pareceu ter êxito para conter a escalada inflacionária. Em 1986, porém, o governo argentino iniciou um processo de desvalorização diante do dólar. A nova moeda circulou por apenas 7 anos, sendo substituida pelo Peso "conversivel" em 1992. ARIDA, Pérsio (org). Inflação Zero: Brasil, Argentina e Israel.

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A política austera de Figueiredo ainda possuiu o mérito de reverter o quadro negativo da BP, tornando-a novamente superavitária, conforme observamos na Tabela 5. Para isso, em muito contribuiu também a nova política externa colocada em prática tanto por Geisel quanto por seu sucessor. A nova orientação diplomática objetivou, sobretudo, buscar novos mercados consumidores para os produtos brasileiros, realizando a diplomacia nacional aproximações comerciais e estratégicas antes impensáveis com o Leste Europeu, China, Angola e Moçambique19, mundo árabe, etc. Antigos e enraizados ressentimentos e preconceitos ideológicos foram sacrificados no altar do interesse econômico e das razons

d´etat 20. Era o chamado Pragmatismo Responsável de Geisel e o Universalismo de Figueiredo. Podemos acompanhar pelo gráfico 4, a retomada do superávit na balança comercial do país:

19 Isso ocorreu, após muitas controvérsias e resistências de grupos mais conservadores, já que os países

lusófonos citados estarem sendo governado por governos ditos "socialistas" do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) e da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) respectivamente.

20 Interessante notarmos que Cuba ficou fora do rol das aproximações diplomáticas, tendo as relações oficiais

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GRÁFICO 4: Balança Comercial- Saldo- US$ (milhões)- 1969 a 1990

Fonte: Balança comercial - (FOB) - saldo - US$ (milhões) - Banco Central do Brasil, Boletim, Seção Balanço de Pagamentos (BCB Boletim/BP) - BPN_SBC. Dados obtidos em www.ipeadata.gov.br

Na ânsia por buscar novos mercados, o endividado governo até mesmo subsidiou parte das exportações brasileiras. Herança nefasta que viria a trazer sérios problemas futuros no que tange à competitividade tecnológica dos produtos nacionais.

Em resumo, podemos acompanhar pela Tabela 6 a seguir, parte importante do legado macroeconômico deixado pelo regime militar:

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TABELA 6

Fonte: ALMEIDA, Paulo Roberto de. A Experiência Brasileira em Planejamento Econômico: Uma Síntese Histórica, 2004, p. 24.

Observando a Tabela acima vemos que a partir do ano de 1981 especificamente, os indicadores claramente assumem um viés negativo em quase todas as suas modalidades. Dívida externa e inflação maiores, PIB menor e a BP numa situação caótica.

Assim, conforme Furtuoso:

No início dos anos oitenta há uma brusca reversão na trajetória de crescimento seguida pela economia brasileira e esta mergulha na mais grave crise de sua história. O PIB per capita, que de 1970 a 1980 vinha se expandindo à taxa média de

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Reagindo contra a deterioração de suas condições de vida e de trabalho, o movimento sindical brasileiro vai a partir dos anos 1980 retomar seu perfil mais combativo, engajado e contestador21. Por todo o país, desafiando a legislação sindical, grandes greves irão ocupar cada vez mais a paisagem fabril, em especial no ABC paulista. Às reivindicações salariais, misturavam-se críticas abertas ou veladas ao regime militar, à legislação sindical corporativista, à censura, à repressão e à política econômica vinculada aos ditames do FMI. A agitação operária era antes de tudo um sintoma de uma profunda crise política e econômica que atravessava o tecido social naquele momento. A escalada de conflitos no Brasil (...) em níveis históricos sugere que a inflação e má distribuição, juntos, não configuram uma combinação estável (CARDOSO, 1989, pg. 21).

Este era o cenário sombrio em que brotavam as instituições da Nova República . As margens de manobra do novo governo que então se iniciava estavam em grande parte limitadas pelos condicionantes econômicos negativos herdados dos últimos governos dos generais. No imaginário político de então, chegara o momento de colocar em prática as grandes transformações que o país tanto precisava: combater a inflação, o desemprego, a concentração de renda, a dívida externa, etc. A política econômica austera do governo Figueiredo alimentara ainda mais as insatisfações e descontentamentos. A legitimidade do regime estava em cheque. Por todo o país pululavam as greves, os panelaços, as insatisfações enfim extravasadas de uma sociedade acostumada há tantos anos com a vigilância, o silêncio e a censura. Pelas principais capitais do país, fitinhas verde-amarelas e hinos entoados às lágrimas davam uma boa medida do nível de mobilização social que tomava conta do país. Uma frente ampla englobando todos os partidos de oposição procurava canalizar politicamente o processo com o objetivo de viabilizar a Emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para presidente já naquele ano de 1984. O regime militar agonizava. Era o movimento pelas Diretas Já .

A derrota da Emenda após escusas negociações parlamentares sinalizava a continuidade de processos políticos incompatíveis com a atmosfera política de redemocratização. A eleição indireta via Colégio Eleitoral, de Tancredo Neves foi possível após o cisma do partido do governo (o Partido Democrático Social- PDS). A sinalização, por parte de Tancredo Neves de colocar Francisco Dornelles na pasta da Fazenda já anunciava as limitações das mudanças então esperadas. As massas nas ruas esperavam, porém, o epílogo

21 Para maiores informações ver: BOITO JR, Armando. O Sindicalismo Brasileiro nos anos 80. Rio de Janeiro:

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final da ditadura e de seu sinistro legado. Entretanto, às lágrimas de esperança, sucederam as lágrimas de dor. Foi o presidente eleito quem morreu.

A morte de Tancredo antes de tomar posse em 21 de abril de 1985 colocou a nação em estado de choque. Multidões em prantos tomavam as ruas do país. O homem que durante anos fora um dos principais articuladores da redemocratização perecia após longa e derradeira agonia. Como poderia o processo de redemocratização ser comandado por seu vice José Sarney? Não havia sido ele um dos homens de confiança da ditadura militar? Uma das lideranças da Arena e um dos grandes entusiastas do regime? Simbolicamente e politicamente, os espíritos mobilizados e esperançosos foram arrefecidos. O feto do novo regime revelava deformidades mórbidas ancestrais. Naquele solo pueril, como fazer a árvore da democracia vicejar? A própria posse de Sarney já fora cercada de controvérsias. Não previa o ordenamento jurídico que o presidente da Câmara dos Deputados tomasse posse em caso de o presidente eleito falecer (ou ficar impossibilitado de exercer suas funções) antes da posse? Argumentava-se que o dispositivo constitucional não fora cumprido por pressões dos militares que não queriam ver um antigo desafeto, Ulisses Guimarães, liderando o processo de redemocratização.

A posse do primeiro presidente civil após a ditadura militar foi, portanto cercada de intensas desconfianças, suspeitas e controvérsias. A própria legitimidade do novo regime estava em cheque. Trata-se da questão da legitimidade política de que nos fala Pierre Bordieau (1989) para quem o poder é antes de tudo, uma relação simbólica baseada mais na persuasão, no discurso e no convencimento que na força física22. Atributos que faltavam em grande parte aos novos líderes, dadas as controversas circunstâncias de sua posse e seu sinistro passado. Como conseguir governabilidade capitaneando uma base governista composta por uma frente tão heterogênea? Como administrar os conflitos inevitáveis de uma frente política tão multifacetada? De que forma conseguir legitimidade política e popular diante do caos econômico em que o país se encontrava? Combater a inflação? Certamente. Todos entendiam como uma necessidade. Mas, a que custos? Não dizia a Curva de Phillips que havia uma relação inversa entre inflação e desemprego? Sim. Mas, estaria o novo regime em condições políticas de colocar em prática um projeto de viés recessivo? E as reações do movimento sindical? Como conciliar tantos interesses? A base governista não se fraturaria ainda mais caso os efeitos sociais colaterais se agravassem? Já não havia tentado isso o

22 BOURDIEU, Pierre.

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governo Figueiredo sem conseguir resultados satisfatórios? Sabendo que os últimos presidentes civis brasileiros nem sequer completaram seu mandato, a instabilidade econômica não poderia trazer em seu bojo uma fatal instabilidade política? Neste caso, não estaria perigando a própria redemocratização do país?

Tantas perguntas, dúvidas, questionamentos. A redemocratização brasileira e suas profundas contradições. Acreditamos que as medidas do Plano Cruzado podem ser mais bem compreendidas levando em consideração justamente este contexto histórico no qual ele foi gestado. Havia um quadro histórico bastante complexo e multifacetado que pode ser elencado para fins didáticos, da seguinte forma:

a) Um ex-cacique da ditadura estava liderando o processo de redemocratização.

b) O presidente eleito indiretamente fora alçado ao cargo devido ao óbito precoce do titular.

c) Havia uma frente de apoio ao novo regime bastante heterogênea e de frágil solidez.

d) Havia um cenário social de intensa ebulição social e mobilização sindical ("O tempo é quente e..."); uma economia à beira do colapso, enfrentando altas taxas de inflação ("o dragão é voraz").

e) Fora experimentada uma experiência tipicamente monetarista anterior fracassada.

f) Pairava no ar uma atmosfera política ainda esperançosa de profundas mudanças.

g) Sabia-se de experiências aparentemente bem sucedidas de políticas de choque heterodoxo em Israel e na Argentina.

A busca por legitimidade e por estabilidade será uma constante do novo regime. Não podendo contar com a legitimidade das urnas (mecanismo legitimador tradicional das democracias representativas formais), o presidente tentará galgar apoios políticos e sociais através de um dos programas mais ousados de combate à inflação e à recessão já feitos na história do Brasil. A desconfiança da população se exauriu diante de um programa que prometia acabar com a inflação sem aumentar o desemprego e sem choques recessivos ortodoxos. Politicamente o novo regime ganhou muito com as medidas do Plano. Mas, os ganhos foram de curto prazo.

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Plano trouxe em seu bojo também inúmeras imperfeições e incongruências que iriam se tornar evidentes posteriormente. Segundo seus próprios elaboradores, a falta de ação conjunta do governo, dada a situação heterogênea de suas bases políticas foi fatal para suas pretensões.

Nossa intenção ao estudarmos o Plano Cruzado não é satanizá-lo , rotulando-o automaticamente como um programa eleitoreiro e interesseiro. Acreditamos que apesar de seu fracasso em controlar a inflação, o Plano apresentou inúmeros pontos positivos que serviram inclusive de aprendizado para futuras intervenções macroeconômicas. Nosso objetivo não é julgar, mas tentar compreender o projeto, suas ambigüidades, potencialidades e as limitações que o empurraram ao fracasso.

Mas, para melhor compreendermos algumas das medidas do Plano Cruzado, precisamos também tomar um contato, ainda que breve, com o intenso debate que havia até então sobre as causas da inflação brasileira: a querela entre monetaristas e estruturalistas.

3

O Controverso Diagnóstico: Monetaristas, estruturalistas e as

origens da inflação brasileira.

O Período Pós Segunda Guerra foi marcado no Brasil por um amplo debate de natureza econômica, política e ideológica envolvendo duas concepções opostas sobre o modo de gestão econômica mais adequado à realidade brasileira.

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os investimentos sociais. Eram lançadas as bases do que foi chamado Modelo Nacional Desenvolvimentista 23.

Do outro lado da contenda, o engenheiro e professor Eugenio Gudin (1886-1986) reivindicando a legitimidade das teses econômicas liberais e da vocação agrária do Brasil. Ancorado teoricamente em Paul Samuelson, Gudin e seus seguidores defendiam as chamadas vantagens comparativas 24 que teriam os países pobres em relação ao centro do sistema. O mercado deveria atuar de forma autônoma, pois suas regras de oferta e procura iriam espontaneamente alocar recursos e promover crescimento econômico. Ao Estado, caberia o papel de agente regulador do processo, garantindo a manutenção da ordem social e o monopólio da lei e do aparato policial.

O debate foi travado, portanto, em torno de três temas fundamentais: planejamento macroeconômico, papel do Estado na busca pela alocação ótima de recursos e as concepções sobre o desenvolvimento . A contenda citada não se restringiu à esfera acadêmica ou livresca. Ambas as posições estavam vinculadas a demandas de grupos sociais bastante concretos e permeiam a história da política econômica brasileira até os dias atuais25.

Ao longo das décadas, foram surgindo posições intermediárias que agregavam elementos das duas posições supracitadas. O dualismo de então foi ganhando novos contornos.

Com o agravamento do processo inflacionário na América Latina nos anos 1960, duas posições teóricas e políticas, herdeiras das duas tradições intelectuais citadas irão tentar explicar as causas da inflação brasileira e a melhor estratégia para combatê-la: As escolas estruturalista e monetarista surgiam em sua forma clássica. A América Latina passou a ser um rico laboratório macroeconômico para o teste dos pressupostos de ambos os modelos.

23 Para maiores informações ver: MANTEGA, Guido.

A Economia Política Brasileira. Rio de Janeiro: Vozes,

1986.

24 Para seus adeptos, devido ao menor investimento em tecnologia e inovação, os países pobres apresentam

taxas menores de produtividade. Em conseqüência, seus produtos tendiam a ser tornar escassos no longo prazo. De acordo com as leis elementares da oferta e da procura, menor oferta significa preços maiores. A BP dos países pobres se equilibraria, portanto no longo prazo. Daí porque a teoria das "vantagens comparativas" entender que o próprio mercado iria otimizar recursos maximizando o crescimento. Não haveria necessidade de uma intervenção exterior do Estado visando alavancar o processo de industrialização.

25 É o historiador Demétrio Magnólli quem ressalta a importância da discussão dos dois intelectuais: Não é um

debate econômico, mas político, e o objetivo ao trazê-lo novamente não é olhar o passado, mas planejar o futuro, pois ele se renova, volta com novas roupagens. E não há um vencedor. As idéias dos dois permaneceram vivas na história política e econômica do Brasil. Encontram-se dentro do governo, na oposição, na academia. MAGNOLLI, Demétrio. Debate dos anos 1940 entre Simonsen e Gudin continua atual. Disponível em:

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Diversos Estados da região, em diferentes momentos, colocaram em prática políticas econômicas vinculadas a alguma das vertentes em questão.

Tanto monetaristas como estruturalistas foram, portanto, enriquecendo seus modelos a partir das contribuições extraídas de casos concretos e de situações objetivas. Novas idéias foram sendo incorporadas aos dois modelos a ponto de surgirem análises mais complexas que passaram a evitar as dicotomias rígidas e aparentemente excludentes de ambas as propostas. Até porque, percebeu-se que ambos os modelos possuíam idéias interessantes, mas também algumas limitações. Paulatinamente, percebeu-se que há diversas razões impulsionadoras e propagadoras da inflação, dependendo do contexto e das circunstâncias macroeconômicas. Podem ocorrer a inflação de demanda 26, a inflação de custos 27 e a inflação inercial 28. Obviamente, há também os casos em que ocorre uma combinação explosiva de todos esses fatores.

Há situações, portanto, em que o modelo monetarista oferece um diagnóstico mais preciso para uma determinada realidade. O mesmo ocorrendo com o modelo estruturalista. O grande desafio que alimentava as controvérsias era saber quais as razões do problema inflacionário na realidade Latino Americana e Brasileira. Quando, na década de 1980, a elevada espiral inflacionária passou a ser um problema significativo para os países da região, tanto os (neo) monetaristas, quanto (neo) estruturalistas passaram novamente a debater as razões do terrível fenômeno e as melhores formas de superá-lo. Propostas ortodoxas e heterodoxas ficaram novamente em voga no imaginário político da região, cada vertente possuindo seus diagnósticos, pressupostos e estratégias.

Vamos agora nos deter ainda que resumidamente nos fundamentos da visão estruturalista e monetarista sobre o problema inflacionário.

26 Causada por um excesso de procura em relação à oferta disponível.

27 Fruto das pressões oriundas dos gastos das empresas com produção e o conseqüente repasse para os preços. 28 Independe da demanda ou dos custos. Está associada aos mecanismos de indexação da economia. Se a

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3.1 O Modelo Estruturalista:

Herdeiros do Modelo Econômico Nacional Desenvolvimentista e do pensamento da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), os estruturalistas entendiam que a inflação era uma questão distributiva em que grupos sociais mais poderosos se apropriavam da renda criada pelo desenvolvimento. Ao contrário dos monetaristas, os estruturalistas tinham posturas bem mais tolerantes em relação à existência de um certo nível de inflação. Reconhecia-se inclusive, sua funcionalidade (da inflação) como parte inerente ao crescimento econômico e ao desenvolvimento urbano industrial.

Os estruturalistas ligados à CEPAL, não podendo ser chamados de inflacionistas, tinham, de qualquer modo, posturas bem mais condescendentes no tocante à inflação. Esta era vista como funcional, tanto para prover recursos financeiros para que o Estado apoiasse o esforço de industrialização quanto para facilitar os movimentos de preços relativos próprios ao processo de desenvolvimento, sem pressões baixistas sobre os preços absolutos dos bens existentes. (CARVALHO, 1990, p. 62).

Raul Prebisch, um dos grandes nomes da corrente, em texto clássico afirmava que na falta de transformações estruturais,

[...] a espiral inflacionária costuma ser o caminho mais rápido [...] para resolver os problemas do desenvolvimento, ainda que seja um processo [...] socialmente custoso e regressivo de elevar o coeficiente de poupança. Dessa forma, apenas com o desenvolvimento regular e intenso da economia, poder-se-á opor o máximo de resistência contra essas forças inflacionárias e sustentar sobre bases sólidas a política de estabilidade monetária, como parte integrante da política de desenvolvimento econômico. (PREBISCH, 1964, p. 173).

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isto é, os preços sobem hoje porque subiram ontem, de acordo com o mecanismo perverso de catraca da economia indexada" (VILELA et al, 2005, p. 269). Dessa forma, podemos dizer que a teoria da inflação inercial é uma teoria neo-estruturalista da inflação . Ela sustenta basicamente que as expectativas inflacionárias baseiam-se essencialmente na inflação passada. (...) Se a inflação estiver, por exemplo, num nível de 10% ao mês, cada agente econômico elevará seus preços 10% ao mês. (BRESSER, 1988, p. 51).

Para os estruturalistas, os efeitos negativos dos sucessivos aumentos criavam um mecanismo perverso: a chamada memória inflacionária . O efeito cascata dos aumentos perpetuava a espiral inflacionária, ainda que as condições objetivas da economia não traduzissem a necessidade de aumentos tão constantes e perenes. As expectativas sobre os aumentos de preços criavam às vezes artificialmente a necessidade dos aumentos, transformando o problema numa grande bola de neve de desastrosas conseqüências. A indexação da economia fazia o resto do serviço, tornando a inércia inflacionária um problema central a ser enfrentado, conforme os estruturalistas. A fórmula do estádio de futebol, originalmente associada a Tobin e abrasileirada por Edmar Bacha expressa bem o problema: Quando estamos num estádio de futebol e:

[...] alguém se levanta para ver melhor, os que estão atrás são forçados a se levantar e assim se estabelece um equilíbrio não cooperativo que tende a se perpetuar, a menos que algum mecanismo de coordenação ad hoc seja criado para induzir a ação

coletiva na direção de um equilíbrio onde todos estejam melhores. [...] Em termos econômicos, portanto, para passar de um equilíbrio a outro, é necessária alguma política de rendas. [...] Como a coletividade atinge um nível superior de utilidade no novo equilíbrio, há ganhos líquidos a serem repartidos e não há porque imaginar que algum sacrifício necessariamente tenha de ser incorrido individual ou coletivamente. (FRANCO, 1988, p. 133).

Dessa forma, ao contrário do que pensavam os ortodoxos, para os estruturalistas a expansão da oferta de moeda era mais uma conseqüência do que uma causa da inflação. Assim, o controle do déficit público não seria essencial para controlar a inflação. Não haveria necessariamente o imperativo categórico de sacrifícios coletivos para estabilizar a economia.

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Em alguns casos o aumento do déficit seria inclusive um fator antiinflacionário. Isso ocorre porque os estruturalistas latino-americanos alegam que os diferentes setores da economia se desenvolvem a velocidades diferentes, dando origem aos chamados pontos de estrangulamento . Na presença de situações de rigidez para baixo dos preços em alguns setores, esses pontos de estrangulamento originam:

[...] impulsos inflacionários que não podem ser corrigidos com apertos monetários (...). Os estruturalistas preconizam então o abastecimento em áreas em que os pontos de estrangulamento deverão aparecer, mesmo que o investimento só possa ser financiado com a criação de moeda. (CARDOSO, 1989, p. 30).

Portanto, os estruturalistas cometiam o que para os monetaristas, seria uma verdadeira heresia macroeconômica. Os herdeiros do pensamento da Cepal insistiam que o déficit público nem sempre é fator inflacionário e pode, ao contrário, ser fator decisivo num processo de recuperação econômica, ao impulsionar investimentos e mercados. Para os estruturalistas, o déficit só pode ter efeito inflacionário:

[...] numa economia que esteja funcionando a plena capacidade. Neste caso, ele pode significar excesso de demanda sobre a capacidade de oferta do sistema produtivo, pressionando os preços para cima. No entanto, numa economia operando com capacidade ociosa, o déficit não representa excesso de demanda sobre a capacidade produtiva. Ao contrário, existe capacidade produtiva superior à demanda, isto é, a capacidade de oferta supera o poder aquisitivo do mercado. (SOUZA, 2008 p. 169).

A raiz do problema, portanto, não estaria no excesso de demanda, mas na insuficiência da oferta para o mercado interno, na estrutura produtiva e tecnológica rudimentar, na dependência externa (que drenava recursos para o exterior) e nas imensas desigualdades sociais da região. Os sérios conflitos distributivos29 tornavam a inflação a América Latina um problema possível de ser solucionado somente com o desenvolvimento da região. Percebe-se neste momento, claramente a influência do pensamento da CEPAL permeando os pressupostos da escola estruturalista.

29 Os estruturalistas também apontam discrepâncias distributivas um conjunto de aspirações pela renda real

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Tabela 1: Distribuição de renda no Brasil
GRÁFICO 1 8
Tabela 2: Exportações (FOB), Importações (FOB) e Balança Comercial (US$
GRÁFICO 2: Taxa de Inflação Mensal (IGP: FGV, jan/1979-jun/1987)
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Referências

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